sábado, maio 05, 2007

A Inquisição Reformulada

«Quando a religião e o Estado limitam a nossa liberdade de expressão, inicia-se a matança da humanidade» - Salmon Rushdie

Oficialmente, a Inquisição espanhola é extinta na primeira metade do séc. XIX (1838), com um balanço de aproximadamente 8 milhões assassinatos. Há quem defenda que essa instituição abominável apenas reformulou os seus métodos e o seu nome, passando a agir mais discretamente com o nome de Congregação para a Defesa da Fé. Durante muitos anos (correspondentes à Guerra Fria), um dos seus principais mentores e líderes mais activos e implacáveis foi (e continua a ser) o Cardeal Joseph Ratzinger – recentemente eleito Papa, tendo adoptado o nome de Bento XVI. Como cão de fila favorito de João Paulo II, tornou-se num dos pesos pesados do ultraconservadorismo eclesiástico empenharam-se numa cruzada contra todas as ideias reformadoras do catolicismo, que pudessem aproximar a Igreja da mensagem de Cristo e, como tal, das necessidades dos mais pobres e oprimidos, sem se limitarem a paliar ligeiramente alguns dos sintomas que levam à miséria a maioria da população mundial. Os neoinquisidores do Santo Ofício (cuja cartilha é a única forma de casuística que admitem, embora a sua sinistra metodologia tenha mudado significativamente) tiveram como principal alvo o combate ao comunismo, e viam o movimento da Teologia da Libertação como um cancro "comunista" que era necessário arrancar do seio da Igreja. Muitos dos sacerdotes e freiras (principalmente os que trabalhavam em países latino-americanos sob ditaduras militares ao serviço do imperialismo norte-americano) que, por imperativos de consciência, decidiram desobedecer ao Vaticano a fim de tentarem defender os pobres que estavam a ser explorados e chacinados, foram silenciados pelos seus superiores hierárquicos, ou abandonados à sua sorte (isto significa que, retirada a confiança e a protecção do Vaticano, os militares e paramilitares de extrema direita poderiam assassinar os "soldados de Deus vermelhos" com total impunidade).

CIA e outras agências de espionagem e de terrorismo internacional ligadas a regimes fascistas tornaram-se os principais informantes do Vaticano.

Em 1993 e em 1996 o Cardeal Joseph Ratzinger marcou publicamente a sua convicção de que os actuais apelos ao pluralismo religioso (ou, pelo menos, o respeito por esse direito) representa uma ameaça ao Catolicismo Romano semelhante ao que foi a Teologia da Libertação na década de (19)80. (Gerald Renner, 2000)

Assim, a Congregação para a Doutrina da Fé continua com a sua cruzada para silenciar todos os clérigos e teólogos que pretendem discutir os seus dogmas monolíticos/ férreos, mas tornou-se mais eficiente e célere na sua repressão totalitária.

Uma das suas últimas vítimas foi o padre jesuíta Roger Haight que publicou um livro («Jesus, Symbol of God») no qual admite que Cristo, sendo indispensável, ou pelo menos incontornável, para os cristãos, não é a única via para a salvação da alma no que concerne ao todo da humanidade. Ou seja, a salvação espiritual pode ser conseguida através de outras religiões e até de outras divindades. E as suas afirmações polémicas de ficam por aqui.

Analisou as diferenças entre os evangelho sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) , que são coerentes na sua apresentação de Cristo, não como um ser divino/uma divindade, mas como um ser humano muito especial com uma ligação directa a Jeová e por Este glorificado.

Na cristologia dogmática do Vaticano prevalece a versão do apóstolo João (que Haight não contesta) , em que Cristo é enviado, desde o céu, por Jeová para o meio dos mortais, na qualidade de divindade encarnada. (David Toolan, 2000)

Ratzinger e os seus conselheiros foram expeditos em activar os mecanismos necessários para que a carreira académica do Sr. Haight, como docente na Western School of Teology (Cambridge, Reino Unido) chegasse a um beco sem saída - a não ser a rua… Outros 5 clérigos hereges que simpatizavam com as ideais do Haight (aliás, o seu livro, que tanta azia provocou ao Vaticano, foi aprovado pela maioria dos teólogos) foram impedidos de subir na carreira na mesma universidade.

O conceituado académico Jon Sobrino (que vivia em El Salvador nos anos mais sangrentos desse país, chegando até a ser consultor teológico do Arcebispo assassinado Óscar Romero) foi alvo da censura da Congregação para a Defesa da Fé por ter mostrado interesse e preocupação em colocar a Igreja ao serviço dos pobres e de todas as vítimas da injustiça dos poderosos – enfatizando que Cristo fez o mesmo, segundo os evangelhos -, do que viver em opulência e em conluio com as forças da opressão, enquanto propagandeia a encomioza divinização do Messias como uma estrela-títere do Vaticano. (Claro que Sobrino não usou uma linguagem tão forte, mas esta era a ideia que ele subscrevia).

«Disse-lhe Jesus: se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; vem e segue-me.» (Mateus 19:21)

A propósito do Arcebispo Romero, este era um clérigo muito conservador em sintonia com a política do Vatican – com destaque para a sua fobia anti comunista (que motivou essa instituição confessional a apoiar tacitamente o holocausto nazi e, ao ficar claro que a Alemanha de Hitler tinha a guerra perdida, criou redes de protecção e fuga para os nazis passarem o resto das suas vidas impunes e bronzeados sob o sol da América Latina, com destaque para a Argentina do general Perón; depois, com João Paulo II à cabeça, o Vaticano apoiou activamente todos os regimes de terror que Washington implementou na América Latina durante a Guerra Fria).

Romero parecia algo indiferente à exploração desumana e aos morticínios arbitrários dos elsalvadorenhos pobres, até que um padre seu amigo foi assassinado. A dor traumática dessa perda teve o mérito de abrir os olhos a Romero, tornando-se este num corajoso defensor da sua vitimada congregação. Até foi ao Vaticano para falar com João Paulo II sobre os problemas que dilaceravam o seu país, mas o Papa, nos breves segundos que lhe consedeu contrariado, apenas lhe retorquiu «cuidado com os comunista! Cuidado com os comunista!»…

Já sabemos como terminou a missão de Romero…

Entre as vítimas mais conhecidas da Congregação para a Defesa da Fé, estão Pierre Teilhard de Chardin (); Leonardo Boff ("ponta de lança" da Teologia da Libertação); Jaques Dupuis ( teólogo jesuíta de renome); Tissa Balasuriya (padre jesuíta do Sri Lanka)

Nas fogueiras "purificadoras" substituíram os corpos pelas ideias, tudo fazendo para proibir livros e debates progressistas nas editoras, livrarias, universidades e nos média controlados pela Igreja.

Agora que é Papa, Ratzinger continua a hostilizar outros credos e ideologias, fazendo recuar os esforços ecuménicos de muitos sacerdotes fartos de violência sectária.

A 11 de Agosto de 2004, na véspera das mais importantes eleições político-partidárias dos EUA, o Cardeal Ratzinger enviou uma missiva oficial aos bispos católicos radicados no coração do império, dando-lhes conta das suas directrizes no sentido de influenciarem na eleição dos candidatos que o Vaticano considerava mais convenientes ter em Washington. Assim, ficaram estabelecidas severas linhas de conduta no que toca às relações da Igreja com os políticos e os seus correlegionários que fossem apologistas do direito ao aborto (legalizado nos EUA, mas que as administrações republicanas têm tentado anular) e à eutanásia. Para Ratzinger estas práticas são imorais ao ponto dos "prevaricadores" compactuarem com o próprio Satanás!... Os sacerdotes ficaram, então, proibidos de comungar a santa eucaristia com esses "agentes do demónio".

Quanto a pronunciarem-se publicamente sobre assuntos que considerava de somenos importância (ex.: pena capital e guerra no Iraque), Ratzinger dava aos católicos o direito à liberdade de opinião…

(Curiosamente, apesar da administração Bush ser responsável pela morte de dezenas, ou mesmo centenas de milhar de pessoas no Médio oriente; praticar a tortura arbitrariamente; suprimir direitos civis essenciais até aos cidadãos estado-unidenses; entregar o país à ganância das corporações, cortando radicalmente as verbas estatais para os serviços públicos; recusar-se a assinar o protocolo de Quioto; etc…, conseguiu um aumento de 6% dos votos dos católicos na sua reeleição…)

Esta carta foi coassinada pelo Arcebispo Tarcisio Bertone e teve o aval de João Paulo II.

Simultaneamente, este trio de cabecilhas do Santo Ofício (que provavelmente acabarão todos canonizados…) preparava outra luctífera estratégia para os EUA: o encobrimento do escândalo relacionado com os padres pedófilos.

Furibundo porque alguns padres, ao não conseguirem conter a indignação pela promiscuidade da igreja com a política secular, divulgaram aos média as suas directrizes para o circo eleitoral, Ratzinger enviou aos membros do Clero norte americano uma carta tão secreta que ameaçava de excomunhão todos os que ousassem torná-la pública, bem como às informações relacionadas com os casos de pedofilia sacerdotal/eclesiástica. Não obstante, essa carta chegou às mãos de jornalistas afectos ao jornal «The Observer», que a consideraram "um pratinho cheio"… (Ver a sua edição de 25 de Abril de 2005) .

Reclamando o «direito ao segredo pontífice» (o que denuncia estar a actuar em total cumplicidade com João Paulo II), Ratzinger decretou a obrigatoriedade da Igreja obstruir a justiça (laica), a fim de conduzir os seus próprios inquéritos internos. Segundo ele, as informações obtidas desta forma deveriam ser «mantida confidenciais até 10 anos após as vítimas terem atingido a maioridade» (sic). O que é o mesmo que esperar até que os processos prescrevam na justiça civil. Por serem potencialmente desastrosos para a credibilidade da Igreja, esta instituição queria-os manter longe dos investigadores policiais e dos magistrados que não representassem o poder temporal. Dentro da jurisdição eclesiástica, Ratzinger ficou encarregue de instituir tribunais específicos. (Jamie Doward, «The Observer», Abril de 2005) Como líder da Congregação para a Doutrina da Fé, foi ainda designado pelo Vaticano como o "ponta de lança" – com licença para excomungar - contra os padres acusados de abusos sexuais. Não foi tornado público quais os seus nomes e que tipo de punição que a Igreja lhes impôs, mas sabemos que alguns sacerdotes pedófilos (sobretudo os relacionados com escândalos nos EUA), não apenas encontraram refúgio no Vaticano, como ainda mantêm altos cargos eclesiásticos…

Há ainda o caso paradigmático do frade mexicano Juan Vaca que, juntamente com outros 8 antigos membros dos Legionários de Cristo (segundo Saul Landau, esta é uma organização católica «ultra conservadora fundada no México, em 1941, por frei Marcial Maciel»), há anos que clama por justiça (secular e temporal) devido aos abusos sexuais perpetrados pelo frei Maciel. Devido à sua condição de pobres entregues (em regime de internato) aos "cuidados" da Igreja, nas décadas de 40, 50 e 60, muitos jovens membros dos Legionários de Cristo viram as suas vidas transformadas num inferno quotidiano às mãos do pedófilo frei Maciel. Já desde o tempo do papa Benedito XVI que os mais altos dignitários do Vaticano ignoram estas queixas. Bento XVI segue a mesma política. Acresce que frei Maciel era amigo pessoal de João Paulo II, para além de há muito contar com a protecção das autoridades mexicanas (que muito lhe agradecem a ajuda prestada na luta genocida contra os "rebeldes vermelhos" e os progressistas…) . Isso torna-o praticamente intocável. (Algo de semelhante passa-se na Índia com o guru charlatão e pedófilo Sai Baba…)

O habitualmente infenso e abespinhado Tarcisio Bertone, treinou a sua hipocrisia mais "perplexa" para declarar aos média que « não vejo qualquer razão para um sacerdote denunciar à policia colegas tidos como abusadores sexuais» (Saul Landau, «Weekend Edition», 7 de Maio de 2005)

Os advogados das vítimas de abusos sexuais por parte dos membros do Clero nos EUA intimaram a prestar declarações em tribunal o padre e docente universitário John Beal. Este, apesar de arriscar a ser excomungado, confirmou, sob juramento, há muito ter conhecimento desses rumores e acusações que pesam sobre membros do Clero com os quais ocasionalmente priva.

Recentemente o Vaticano excomungou (latae sententiae) vários clérigos (liderados pelo ex-arcebispo zambiano Emanuel Milingo, fundador da «Organização Padres Casados Já») por defenderem o direito a exercerem o sacerdócio legítimo enquanto estão casados. (Milingo teve a suprema ousadia de ordenar alguns padres e até bispos estado-unidenses que têm esposas!)

A ordenação de mulheres é outro assunto tabu para o Vaticano, assim como não querem ouvir falar de direitos igualitários para os homossexuais.

PB

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