domingo, julho 26, 2009

UM HOLOCAUSTO ANFÍBIO?
Do Panamá até a lagoa Peñalara, na área metropolitana de Madrid, da África do Sul até o Reino Unido, um fungo devastou nos últimos 20 anos quase todas as famílias de anfíbios existentes, principalmente nos mares e nalguns cursos de água internos. Somente algumas regiões da Ásia parece que estão livre dessa praga. "Não sabemos se ainda temos tempo, mas sim sabemos que se não fizermos nada, é muito provável que o Planeta perderá mais algumas centenas de espécies; e depois virão outras" disse Simon N. Stuart, porta-voz da ONG Conservation International. "Perante os nossos olhos está acontecendo um fenômeno sem precedentes; algo único e terrível", explica Ignacio de la Riva, cientista do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha (CSIC).


Os dados da União Internacional para a Conservação da Natureza revelam um panorama assombroso. Um terço (32%) das 5,743 espécies conhecidas de anfíbios estão ameaçadas. Para se ter uma idéia do que isso significa deve-se saber que 12% das aves e 23% dos mamíferos, também estão ameaçados. Um total de 165 espécies de anfíbios já se extinguiu desde 1980 ou pelo menos não existe nenhum rastro delas. Atualmente 43% das espécies estão perdendo exemplares numa velocidade jamais vista. Trata-se de um holocausto anfíbio. Em 10 anos, o número de espécies em perigo multiplicou-se por 10.


Desde que em meados dos anos noventa os cientistas começaram a perceber uma ligeira diminuição das populações, até hoje, os expertos não deixam de se surpreender. De início demoraram em perceber essa decadência; depois pensaram que a culpa poderia ser das mudanças climáticas, até que em 1993 descobriram um grupo de rãs mortas de forma estranha; mas foi somente em 1998 que descobriram a causa dessa extinção em massa: a culpa é de um fungo.
"O fungo Batrachochytrium dendrobatidis é o culpado desse massacre. O fungo, que também vive na água doce, ataca a pele dos anfíbios, a perfura e muito poucas espécies logram sobreviver", explica Stuart, responsável da área biológica da organização ambientalista Conservation International. "Mas, por incrível que pareça, pouco sabemos sobre esse fungo", acrescenta Stuart, que coordenou em 2004 a primeira estimativa mundial sobre as populações de anfíbios para a CI e publicada na revista Science.


Ainda é um mistério de onde saiu o fungo. Ainda é um mistério como ele se propaga. "Um estudo de 2004 atribuiu a propagação do fungo à rã Xenopus laevis", explica De la Riva, que já organizou diversas expedições à América do Sul para estudar esse fenômeno.O nome Xenopus laevis não diz nada. O nome da rã de unhas ou rã africana, tampouco.


A pequenina rã, porém, já foi muito famosa: durante décadas ela foi utilizada com duvidosa confiabilidade para predizer se uma mulher estava grávida. A prova consistia em injetar uma amostra de urina da mulher sob a pele da rã. Se a mulher estava grávida, os hormônios de sua urina forçariam a rã a desovar em poucas horas.


A técnica, desenvolvida na África do Sul nos anos trinta, obteve um grande sucesso em todo o mundo. Exemplares dessa rã começaram a viajar pelos laboratórios do mundo inteiro e os cientistas decidiram utilizá-la em todo tipo de experiências.


De la Riva explica que há motivos para suspeitar da rã e da prova da gravidez. Em primeiro lugar: a rã sobrevive ao fungo. Depois, os cientistas procuraram em coleções antigas de todos os museus para saber há quanto tempo o fungo estava circulando; os primeiros exemplares infectados apareceram em coleções dos anos trinta na África do Sul, da época e na região nas quais foi descoberta a prova da rã. Se o fungo se propagou nos anos trinta, por que, somente agora foi percebida a extinção dos anfíbios? "Esse é o problema", replica Stuart. "Não sabemos muito bem o porquê. Agora estamos observando um declive que começou há mais de 20 anos. Não sabemos como pode se disseminar tanto".


A verdade é que o fungo vive na água doce e há múltiples teorias sobre se o transmitem as pessoas ou os animais nas suas viagens ou alguns exemplares de anfíbios sãos. Seja como for, o fungo passou da África para o continente americano.


Em 1997 apareceram centenas de exemplares de sapo-parteiro mortos na lagoa de Peñalara (Madrid). Em 1999 se descobriu que a causa era o fungo e que este é o primeiro ponto de entrada na Europa. E por que não antes? "Porque é possível que a mudança climática faça mais vulnerável a essas espécies e mais letal ao fungo. Essa parece ser a razão pela qual iniciou-se a extinção de forma massiva em alta velocidade", acrescenta Stuart.


Até pouco tempo esses tipos de fungo, denominados quítridos, somente se conheciam como parasitas de plantas, algas e invertebrados. Os cientistas não descartam que õ fungo tenha estado sempre em contacto com os anfíbios e que, só recentemente, as populações de anuros se encontrem imunodeprimidas, e por tanto, que estejam mais sensíveis a esse patógeno.


É possível que o desaparecimento das rãs pareça um assunto de menor importância. Muita gente passa anos sem ver rãs ou mesmo nunca as vêem e esse fato não afeta as suas vidas. Aparentemente, afirma Stuart, "o desaparecimento dos anfíbios revela que os ecossistemas estão doentes e traz à luz a sua fragilidade". Além disso, a diminuição massiva dos anfíbios pode ter muitas outras implicações. Os insetos podem ser os mais favorecidos, os mosquitos farão a festa porque o buraco negro deixado pelas rãs será preenchido por outros grupos que contribuirão ainda mais para o desequilíbrio da vida nos ecossistemas do Planeta.


Por: Rafael Méndez, jornalista
Fonte: Revista Eco 2 nº118
A desconexão de hábitats e o declínio global de anfíbios
De um lado, o topo dos morros da Mata Atlântica, com suas florestas que servem de moradia para diversas espécies de anfíbios (sapos, rãs e pererecas). Do outro, os vales, com seus rios, lagoas e lagos, que são um ambiente favorável para esses animais se reproduzirem. E entre esses dois ambientes, surge uma “desconexão”: áreas desmatadas, pastagens e plantações que deixam as populações de anfíbios vulneráveis, podendo até levar à extinção de algumas espécies menos resistentes, durante as viagens obrigatórias para a reprodução.
Essa hipótese — desconexão de habitats — é a explicação proposta pelos pesquisadores Carlos Guilherme Becker (Unicamp), Carlos Roberto Fonseca (UNISINOS), Célio Haddad (UNESP), Rômulo Batista (Unicamp, SDS-AM) e Paulo Inácio Prado (USP) para o problema do declínio global dos anfíbios.
Esse problema começou a ser percebido pelos cientistas a partir das décadas de 1980/1990 em todo o mundo. A idéia dos cientistas brasileiros foi bem aceita na comunidade científica. Em Dezembro último, a Revista Science publicou um artigo desses pesquisadores.
“Muitos animais adultos morrem antes de se reproduzirem. E os filhotes morrem antes de conseguirem chegar às matas”, afirma o professor Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biociências da USP.
Ele explica que, quanto maior for a desconexão entre os cursos d’água e o topo das matas, maior será a redução da riqueza de espécies de anfíbios locais. “Além disso, as espécies que dependem de rios, lagos e lagoas para se reproduzirem sofrem mais do que aqueles anfíbios que não são tão dependentes dos cursos d’água para reprodução.”
Segundo Prado, várias hipóteses já haviam sido levantadas para explicar o fenômeno do declínio global de anfíbios: a ação de agrotóxicos, de poluentes, do desmatamento e até o buraco na camada de ozônio (que prejudicaria a sensível pele desses animais).
A hipótese da desconexão de habitats começou com a pesquisa realizada por Carlos Guilherme Becker, na Unicamp. O mestrado, realizado entre 2005 e 2006 (defesa em 2007), foi feito na região rural de São Luis do Paraitinga (cidade do Vale do Paraíba a 171 km a Leste da Capital paulista). Becker montou armadilhas entre o topo das matas e o vale dos rios, o que comprovou que de fato ocorria a migração de anfíbios entre aqueles habitats.
Prado, Becker e Fonseca decidiram levar os dados para análise do professor Célio Haddad (UNESP, Rio Claro), reconhecido especialista em anfíbios. “Segundo o professor Haddad, aquelas conclusões eram bastante plausíveis e inovadoras, pois nunca havia sido feita uma pesquisa semelhante”, conta Prado. O professor Haddad realizou o inventário de 12 trabalhos de anfíbios na Mata Atlântica, abrangendo desde áreas fragmentadas, como São Luis do Paraitinga, até locais com extensa cobertura florestal, como a Reserva de Boracéia. Foi a partir daí que o artigo enviado à Revista Science foi tomando forma.
O professor Prado explica que os anfíbios têm um importante papel nos ecossistemas. Eles tanto exercem o papel de predadores de insetos e de outros invertebrados, como também fazem parte da alimentação de uma série de outros animais.
No aspecto aplicado, há também um grande potencial farmacêutico, por meio do uso de algumas substâncias encontradas em sua pele e órgãos.
Outro dado interessante apontado pelo professor Prado é que anfíbios são um dos grupos de vertebrados mais diversificados. “No Brasil, existem cerca de 550 espécies de mamíferos (5 mil no mundo). Já em relação aos anfíbios, são cerca de 700 no Brasil (6 mil no mundo). Um terço de todas as espécies está sob algum tipo de ameaça”, conclui.
As pesquisas reuniram pesquisadores dos projetos “Biodiversidade e Processos Sociais em São Luiz do Paraitinga” e “Diversidade de Anfíbios Anuros do Estado de São Paulo”, ambos do Projeto Biota-FAPESP. Também contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Universidade Vale dos Sinos (UNISINOS-RS).
Por: Valéria Dias Jornalista da Agência USP
Fonte: Revista Eco 21

quarta-feira, julho 15, 2009



Mena,
Nestes momentos difíceis que enfrenta, que lhe sirva de consolo a estima de muitos – incluindo cães e gatos a granel – de coração aberto para a sua generosidade e empenho na defesa dos que são mais vulneráveis à empedernida iniqüidade daqueles que não reconhecem a magia do amor & lealdade que os animais (domesticados) são capazes de nos devotar. Não menos admirável é o seu esforço diário destinado a dar uma vida melhor àqueles que mais ama, sempre simpática e prestativa para os que a respeitam. Tê-la como vizinha foi dos escassos privilégios sociais que encontrei ao morar nessa vila – que muito me alegro de deixar para trás! Bem haja!
Espero que se recomponha com a brevidade e tranqüilidade possível.

quinta-feira, julho 09, 2009


Continuando com a saga que tenho escrito sobre as principais figuras do Antigo Testamento, agora apresento-vos David & Salomão. Sejam pacientes e embrenhem-se na estória que é bem mais desconcertante e intrigante do que qualquer xaropada de Hollywood ou telenovela mexicana.


David

Representantes das tribos de Benjamim e de Judá elegeram Saul para os liderar na luta contra os invasores Filisteus, que subiam das costas até às montanhas, somando conquistas militares.
Samuel (que presidia uma congregação de profetas) unge o (como não poderia deixar de ser) espadaúdo e belo Saul, simbolizando o início de uma linhagem de reis dos hebreus na terra prometida, em conformidade com a vontade de Jeová.
Mas entre Samuel e o Rei Saul vão-se acumulando quizílias e incompatibilidades político-militares e teológicas. Para piorar a situação de Saul, este apenas dispunha de um pequeno exército de voluntários pouco treinados.
David era então um jovem pastor (o filho mais novo de sete irmãos, seguindo o mesmo ofício do pai)que vivia nos arredores de Hebron.
Os cronistas do Velho Testamento, que deveriam ser versados em marketing político, viveram numa época em que a nação estava dividida e subjugada por potências estrangeiras. Por isso necessitavam de construir personagens inspiradores para o seu povo. David é assim
retratado com todas as sublimes e imaculadas virtudes de alguém abençoado por Jeová e, portanto, destinado à grandeza.
Era ruivo e formoso; parco de palavras, porém moço valente e gentil. A sua destreza com a funda (com a qual enfrentava leões e ursos, a fim de proteger o gado a seu cuidado) equiparava-se ao seu talento musical. (A tradição popular assume que o seu instrumento era a harpa. No grego original, a palavra utilizada é «psalterion» que engloba a generalidade dos instrumentos de corda. Para um pastor serrano, não seria prático carregar uma harpa; quando muito uma pequena lira. Mas este é um pormenor irrelevante.)
Num episódio inverosímil, o exército filisteu (mais forte do que os seus oponentes hebreus) decide jogar o rumo da batalha num combate derradeiro entre os dois campeões de cada lado. David, que nem sequer fazia parte do exército, voluntaria-se e é aceite pelos seus líderes militares para defender a honra dos hebreus enfrentando o gigante Golias que aterrorizava todos os soldados de Jeová. Bastou a David uma pedrada certeira para matar Golias. Inevitavelmente, esse feito granjeou a David uma enorme notoriedade.
David decapitou e exibiu, fanfarrão, a cabeça do seu monstruoso oponente, incitando brados de júbilo belicoso por parte dos seus companheiros de armas. Mais tarde os filisteus fariam o mesmo ao Rei Saul, mas neste caso a bíblia considera tratar-se de uma inaceitável profanação de um cadáver muito especial, sinal claro dos modos bárbaros dos seus inimigos…
O sorumbático Rei Saul é atormentado por um espírito mau como castigo divino. (Neste ponto os escribas “inspirados por deus” cometem o lapso de afirmarem que Jeová se arrependeu de ter feito Saul Rei dos hebreus. Esta é uma confissão de que Jeová é imperfeito, pois errou, o que contradiz a sua suposta omnisciência.)
À revelia de Saul, Samuel decide ungir David como o legítimo líder do “povo de deus”. (Trata-se de uma cerimónia mágica em que o ungido fica possuído por Jeová.)
A pedido de Saul, David é levado para a corte. Aí oferece ao Rei simultaneamente os serviços de musicoterapeuta e de pajem de armas. David integra o exército do Rei e chega a capitão de um regimento. Mas a popularidade do jovem herói incomoda tremendamente Saul, que, enciumado, ordena o assassinato de David. Este consegue escapar aos seus algozes várias vezes (geralmente com ajuda de um filho de Saul chamado Jónatas, cuja amizade mais parece um romance homoerótico…), acabando por fugir para as serras de Judá, onde consegue juntar até 600 salteadores-mercenários sob o seu comando. Não combatiam por motivos religiosos, apenas desejavam saquear e dominar pelo terror um vasto território. tais facínoras não poupavam viv’alma em cada ataque às povoações. A única desculpa que a bíblia apresenta para estas barbaridades é que "era esse o costume naquele tempo"(sic).
Foi quando entraram em contacto com Nabal, um rico proprietário de gado e líder do maior clã do sul, que procurou manter David afastado do seu arraial. “Jeová” logo providenciou a sua morte, permitindo a David apoderar-se da sua riqueza (material) bem como da esposa (Abigail) e das filhas de Nabal.
Sendo extremamente ambicioso, quando a força bruta não funcionava, recorria a pouco escrupulosas alianças político-militares – que geralmente acabavam com uma traição cometida por aquele que viria a servir de medida de comparação ao próprio Jesus Cristo… Assim, chegou ao cúmulo de se unir aos filisteus (por então os maiores inimigos dos judeus) para lutar contra os seus irmãos de etnia e religião! Mas a maioria dos príncipes filisteus desconfiavam demasiado dele.

Ao rei filisteu Aquis (que governava o reino de Gath) David jurou lealdade na luta contra os judeus. Ao invés, David e o seu exército latrocída passaram a atacar povoações periféricas de filisteus e de nómadas. Para que essa traição aos seus novos aliados/anfitriões não fosse denunciada, David, nos seus ataques, assegurava-se de não deixar sobreviventes. Quando Aquis o questionava sobre as riquezas que acumulava, David retorquia que provinham de saques aos súbditos de Saul em Judá, assim como dos jerameleus e dos queneus.

David recebeu o governo da cidade (filisteia) de Siclag, que se tornou a base para as suas expedições de pilhagem e massacres gratuitos infligidos aos povos vizinhos. (I Samuel 27)
16 meses viveu David entre os filisteus, até que decidiu tornar público, e de forma inequívoca, a sua traição a quem lhe tinha oferecido exílio e outros grandes privilégios. (O seu guarda costas mais leal continuou a ser um filisteu.)

Saul “suicida-se” e 3 dos seus filhos são mortos em batalha contra os filisteus (no Monte Gilboa). A narrativa da morte do Rei judeus (às mãos de um amalecita) que nos é impingida pelo Velho Testamento é pouco credível para as mentes inteligentes, dando um ênfase muito suspeito à presumível inocência de David, tal como acontece a outros homicídios traiçoeiros que o envolvem (ex.: o filho de Saul que o sucedeu no trono por 2 anos, bem como o principal general deste último).
A desgraça de Saul é interpretada com sendo consequência da sua desobediência às leis de Jeová, tendo-lhe sido retirada a protecção divina. Esse Rei deixou de ser visto com um libertador dos opressores filisteus.
De regresso a Judá, David aproveita para trucidar e saquear os amalecitas, o que lhe rendeu um bom pecúlio em ouro, escravos e um incremento de popularidade junto dos judeus. Ao se ver no meio de muitas contendas políticas de cariz tribal, com a sua riqueza, David apostou na compra de votos para construir a sua base de apoio à campanha que o levaria ao trono.
Abreviando a estória, David (aos 30 anos) usurpa o trono de Saul; vence uma guerra civil contra os seguidores de Isbosete (filho do Rei deposto); e conquista Jerusalém (aos jebuzeus), para onde translada a Arca da Aliança e constrói um templo a Jeová. À semelhança do que aconteceu com Madrid e com Brasília, David escolheu para capital uma cidade estrategicamente situada a meio do território conquistado (que a bíblia pretende que sejam os reinos do norte e do sul unificados), chamando-lhe «a Cidade de David». Para David, Jerusalém apresentava ainda a vantagem de não pertencer a numa das tribos israelitas, e os jebuzeus (uma facção canânita) pareciam viver então livres de conflitos armados, provavelmente descurando as defesas militares da cidade.
Os escribas da bíblia pretendem ainda que acreditemos que o reino do norte (Israel), ao se encontrar numa situação de vacatura de poder sem um monarca legítimo, enviou uma representação diplomática com a finalidade de pedir a David para ocupar esse trono vago, tornando-se Rei das 12 tribos num reino integral.

A principal importância bíblica atribuída a David foi a fundação da nação de Israel, dando-lhe o carácter político-administrativo de um verdadeiro reino, com um Estado centralizado e as (12) tribos unificadas. (Embora muitos arqueólogos pensem que a sua relevância como monarca e como guerreiro não corresponde minimamente à que a bíblia lhe atribui. As evidências arqueológicas dizem-nos que, no tempo de David, Israel continuava dividido por feudos tribais, cujos líderes nada estavam interessados em obedecer a uma única monarquia. Mesmo tendo transferido a capital de Hebron para Jerusalém, o exército de David – um misto de guerrilheiros e de salteadores - continuou com as mesmas tácticas, perpetrando ataques inesperados e rápidos às cidades vizinhas, limitando-se a pilhá-las e a provocar uma mortandade, para logo empreenderem uma fuga. Não há prova de que David tenha exercido um controlo imperial sobre as cidades que conquistava e as terras que presumia ter anexado.)

O rapaz que um dia foi o campeão do seu povo ao matar o gigante filisteu chamado Golias, tornou-se Rei e governou por 30 anos. Defraudando as expectativas do seu povo devido à importância histórica (acima de tudo lendária) de ter sido o fundador da Casa Real de Israel, David desviou-se consideravelmente das leis (impostas por Moisés) a que estava obrigado pela sua religião, mostrando alguma torpeza de carácter pelo menos no que toca a assuntos de índole sexual – a pedra angular da religião hebraica. Esse Rei não se limitou a cobiçar a esposa de outro homem, tendo abusado do seu poder ao exigir que a bela Bath-seba/ Betsabé (esposa de Urias, o heteu, que estava ausente em campanha militar) fosse levada ao palácio, onde a fornicou. Ela ficou grávida e disso deu conta a David. Este não queria assumir tais responsabilidades (que acarretariam um escândalo lesa-majestade). Por isso, concebeu um plano infame para impingir o filho indesejado ao marido traído. Urias foi então chamado de volta à segurança da capital. Mas este soldado tinha um extraordinário sentido de honra e de solidariedade para com os seus companheiros de armas ainda a sofrerem na frente de batalha, o que o levou a recusar a ir para casa desfrutar dos prazeres familiares que associava aos tempos de paz, ficando junto do servos do palácio, frustrando as intenções do Rei. Não estando com meias medidas, o traiçoeiro David enviou para uma morte certa o seu rival de alcova, ordenando ao seu general Joab que colocasse Urias no sítio mais perigoso da guerra e aí o deixasse desprotegido para morrer. Foi o que aconteceu. Passado um curto período de luto, o Rei apoderou-se da viúva necessitada de consolo e cuidou do filho de ambos.
Consumidos muitos anos de matrimónio, Betsabé ainda conservava o seu poder de sedução e persuasão junto de David, conseguindo convencer o moribundo Rei a escolher Salomão como seu sucessor, apesar de ter outros filhos mais velhos.
Aparentemente, Jeová fechou os olhos à iniquidade/patifaria adúltera do seu mui amado filho, mas o povo não…Vá lá, até foi uma sorte não terem morto Bath-seba à pedrada … Não fosse ela protegida do Rei…
Sempre que foi rasteirado pelas vicissitudes da vida, David deixava-se dominar pelos remorsos e pensava que estava a ser vítima de castigos divinos, chegando até carpir as suas mágoas para a posteridade nos Salmos.
O seu arrependimento não bastou ao Senhor que resolveu castigar David canalizando a sua vingança através do sofrimento de inocentes (como, aliás, é apanágio de Jeová). Assim, o filho do Rei dos judeus enfermou, acabando por perecer ainda criança. A “justiça divina” mal tinha mostrado a sua face tenebrosa no palácio real…
Pouco depois, o filho mais velho de David consome-se de desejo sexual pela sua irmã, perpetrando uma violação incestuosa. Tendo provado do fruto proibido, despreza a irmã caída em desgraça ( poucas esperanças poderia ela acalentar de que a quisesse esposar outro homem , muito menos um do seu estatuto social). Esta encontrou algum consolo sob a protecção de outro irmão que ficou furioso com o sucedido. Esse azedume cresceu até que a desavença familiar culminou numa guerra civil que opôs os dois príncipes irmãos.
Absalão, outro filho do Rei, torna-se demasiado impaciente por herdar o trono do pai e assume a liderança numa revolta que pretende usurpar o poder régio. Foi morto em combate.

No seu leito de morte, David dá instruções a Salomão de como conservar o trono de Israel/Judá, começando pela célere, metódica e inclemente eliminação dos inimigos internos (os mesmos que tinham ouvido de David a promessa de que ele não atentaria contra as suas vidas…). Antes de ser coroado, já Salomão tinha providenciado a morte de todos os potenciais rivais incluídos a lista fornecida pelo seu pai.

Existe uma prova arqueológica da existência de David. Trata-se de uma inscrição (numa fragmentada peça de basalto negro encontrada, no ano de 1993, em Tel-Dan, a norte de Israel) que fala de um Rei de Damasco que derrotou outro Rei da «Casa de David» (um termo dinástico), não acrescentando mais predicados. Essa peça foi datada como pertencente ao séc. IX a.C. .

David é retratado com um pastor que recebeu a graça de ser ungido por deus (ou seja, tornou-se Messias; o corifeu de um plano divino). Os soberanos seus descendentes herdaram o título de Messias abençoados por Jeová. Essa conveniência só foi quebrada com a morte de Josias (derrotado pelo exército egípcio no séc. VII a.C.). A sobrenatural aura de legitimidade que sustentava a propaganda do poder régio perdeu muita da sua credibilidade popular. Foi necessário conceber outro mito mais duradouro e esperançador. Deixaram de ser a geração esperada para esperarem por um Rei-Messias com uma árvore genealógica pura e enraizada na Casa de David, que os livraria da tirania dos estrangeiros opressores, conduzindo-os a uma “Era dourada”. Jesus Cristo foi um dos candidatos a esse título.






Salomão
Mas a maior ironia das pretensões messiânico-imperialistas que nutriam os israelitas deu-se com o sucessor de David, o Rei Salomão. Como todas as personalidades complexas, este homem foi um poço de contradições. A lendária sageza e astúcia de Salomão permitiu-lhe transformar uma nação pobre e politicamente isolada (devido à belicosidade tribal e às atrocidades que a geração anterior tinha cometido contra os seus vizinhos) ns áridas serranias junto ao Mar Morto num império comercial. Este “iluminado” criou as fundações da sabedoria e da cultura nas religiões abraâmicas. Não por acaso, inaugurou uma biblioteca e empregou escribas para registarem a história do seu povo.
Essa versão bíblica é contestada pela generalidade dos actuais arqueólogos e historiadores. A primeira biblioteca conhecida é atribuída ao Rei Ashurbanipal que governou (entre 669 e 631 a.C., ou entre 668 e 626 a.C., segundo os autores) no auge do império assírio, que então controlava a Babilónia, chegando até a subjugar o Egipto. No meio de constantes morticínios, os assírios (que eram um povo de origem semita e tinham feito do legado cultural sumério a base da sua religião) conseguiram salvaguardar (na cidade de Níneve) o que havia de mais relevante na literatura da Mesopotâmia.

Não sendo um militar como o seu pai, inicialmente Salomão soube, como poucos governantes antes e depois dele, tirar o melhor partido da sua luxúria, aliando-a às suas desmesuradas ambições como chefe de Estado. No apogeu do seu reinado (por volta de 940 a.C.) de 40 anos, é referido como possuindo 700 esposas e 300 concubinas. A maioria dos seus casamentos foram celebrados como forma de estabelecer alianças político-económicas que lhe foram extremamente rendosas.
De forma inédita na história de Judá, o comércio internacional intensificou-se e expandiu-se por via marítima. Salomão chegou a ordenar a construção de uma frota naval.
Neste ponto podemos colocar um travão nas suas aclamadas qualidades, dando início ao desfile de amargas ironias, de abusos e ofensas que infligiu sobre o seu povo (continuando a nos cingirmos à versão bíblica).
Considerando as provações de que tanto se queixou a última geração de hebreus que viveu no Egipto, assim como as décadas que passaram no deserto e as batalhas que travaram para conquistarem uma pátria, não deixa de ser chocante que Salomão tenha esposado uma filha do faraó. Pior ainda, copiou o estilo opulento e a orgânica governamental da corte egípcia. (De salientar que então Israel era um território dominado pelo Egipto.)
Salomão providenciou uma magnífica moradia para Jeová (que já devia estar farto de errar pelo deserto, ocupado em providenciar aos seus filhos dilectos frugais vitualhas, ocasionais directrizes, acompanhadas de feéricos espectáculos de prestidigitação, para além de os ajudar a vencer batalhas) com a construção do templo que durante os séculos vindouros (pelo menos até à diáspora) seria o centro político-espiritual dos israelitas, funcionando igualmente um banco nacional e onde se discutia estratégia militar entre as mais altas instâncias.
Mas ao lado deste edifício sagrado mandou erguer para si um palácio cujas dimensões e luxo ensombravam a casa de deus (tendo sido inaugurado 13 anos depois do Templo).
A grandiosidade e requinte arquitectónico dos edifícios em causa excediam os conhecimentos disponíveis em Judá. Assim, Salomão contratou um exército de exímios construtores (vindos de Tiro, Edom, Egipto, Arábia,… ), assim como toneladas de materiais da melhor qualidade (ex.: ouro africano e marfim asiático).
Muitos desses artesãos estrangeiros acabaram por ficar ao serviço da corte, onde também foi instalada uma escola de escribas.
O hedonismo insaciável deste Rei era entronizado pela ganância. Ao que consta, os negócios do reino iam de vento em popa. A paz com os reinos vizinhos e os laços familiares estratégicos (por via do matrimónio) permitiu a Israel ter controlo sobre as mais importantes rotas comerciais do Médio Oriente até ao Egipto. Ademais, gabavam-se de receber ouro “a granel” proveniente de umas minas situadas num lugar chamado Ophir (cuja localização continua a ser um mistério). O problema é que a fortuna pessoal de Salomão crescia na proporção em que ele se afastava das necessidades reais do seu povo. O corpo do Rei deveria albergar um exército de lombrigas aurívoras, pois quanto mais riquezas acumulava, mais desejava ter. Assim, não tardou em assumir-se como um tirano corrupto.
Enquanto o Rei ostentava uma fortuna até aí inimaginável para o povo israelita, que era maioritariamente constituído por camponeses pobres; sobrevivendo a duras penas, tiravam pouco ou nenhum proveito da prosperidade que se vivia na corte, assim como entre os sacerdotes e os eruditos da capital e também na classe dos mercadores. Para agravar a situação, Salomão exigiu aos mais desfavorecidos que lhe pagassem impostos verdadeiramente extorsionários, até porque os contribuintes não beneficiavam desse acto cívico forçado. As assimetrias sociais e regionais agravaram-se perigosamente, servindo de fermento ao descontentamento generalizado que começava a tomar forma de revolta violenta.
Pior ainda foi quando o Rei instituiu o sistema de trabalhos forçados a que chamou «corveia». Deste modo, cada clã tinha que entregar os seus jovens saudáveis para trabalharem em “obras públicas” destinadas quase exclusivamente à elite. Oprimido e explorado por um “faraó” judeu, o povo foi empurrado para o limite do que poderia tolerar.
Há autores que encontram as raízes do conflito ideológico-religioso fratricida entre judeus e palestinianos no reinado de Salomão. A tirania deste, através de favorecimentos e repressões exercidas em várias províncias do seu reino, criou um profundo descontentamento popular e rivalidades sucessivas que fragmentaram o território que veria a ser denominado por Palestina durante o império romano. Os descendentes das facções privilegiadas por este monarca consideram-no como um expoente máximo da magnanimidade e da sabedoria (com talento para as artes e para as ciências; a “prová-lo” são atribuídos à sua autoria milhares de provérbios e de cânticos, bem como considerações sobre botânica e zoologia). Mais uma vez, trata-se de um exercício de fé e de exaltação de um passado muito duvidoso.
As últimas descobertas arqueológicas indicam que o período de maior esplendor para os hebreus sucedeu um século depois de Salomão, com a dinastia dos Omridas, quando a Samaria se tornou a capital de Israel. Num período de paz e de desenvolvimento económico, em que os israelitas tiraram o melhor proveito das suas relações comerciais com os assírios e os egípcios, o rei Omri e o seu sucessor Ahab mandaram erguer sumptuosos edifícios e cidades amuralhadas no norte da Palestina.
As assimetrias sociais e as divisões político-religiosas que grassaram entre as tribos de Israel que acabaram por renunciar à monarquia unificada. A norte, o reino de Israel (que abrangia a Samaria e a Galileia e era dominada por 10 tribos), a partir de 878 a. C. passou a ser governado pelo rei Omri, que aceitava o politeísmo, desde que Jeová fosse considerado o maior dos deuses.
O reino do sul, cuja capital era Jerusalém, conhecemo-lo como Judá. Os dois reinos passaram a considerar-se inimigos e ainda hoje a situação não se resolveu.

Independentemente de se foi Salomão ou Omri a conseguirem um reinado pacífico e próspero, tantas obras grandiosas e tanta ostentação por parte da monarquia exigiam impostos muito pesados e cobrados de forma injusta, o que causou uma enorme insatisfação nas camadas pobres do povo hebreu. Esse descontentamento popular tinha o epicentro no campesinato explorado e foi fecundo para o surgimento de um movimento profético de cariz revolucionário que se opunha à dinastia dos Omridas, sendo inicialmente liderado pelo profeta Elias. (essas profecias messiânicas voltaria a ganhar força nos séculos III e II a.C. e aquando do surgimento de Cristo – que, para muitos, finalmente as encarnou.)




A derradeira ignomínia que Salomão cometeu contra os filhos de Israel foi de cariz religioso.
O harém do Rei era constituído maioritariamente por estrangeiras devotas a outros deuses – amaldiçoados pelos israelitas. Salomão não se limitou a dar liberdade de culto às suas mulheres; para as contentar, desperdiçou o erário público na construção de templos e santuários dedicados às divindades proibidas desprezando as deliberações de Jeová e de Moisés. Foi ao cúmulo de participar nessas cerimónias heréticas.(A coerência misógina a que os escribas da bíblia se mantiveram fieis, atribui as culpas às mulheres do Rei por este seu delírio blasfemo, afirmando que elas corromperam o coração do monarca que, devido à idade, já teria perdido grande parte das faculdades cognitivas que o tornaram célebre mesmo no seu tempo…)
Como seria de esperar, tal ofendeu profundamente os seus súbditos. A revolta popular tornou-se inevitável e, após a morte de Salomão (em 922 a.C.), degenerou numa guerra civil. (Liderando as hostes revoltosas estavam até estrangeiros que, em tenra idade, tinham sido vítimas dos massacres perpetrados pelos conquistadores israelitas.)
Provando que a “justiça” implacável de Jeová discriminava “filhos e enteados”, Salomão não foi punido em vida (Jeová justifica essa impunidade devido à consideração que tinha ao Rei David…)

A Salomão foi sucedido no trono pelo seu filho Roboão. Este também estava infectado pela ganância e foi incapaz de evitar a apostasia das tribos de Israel, culminando o conflito na divisão da nação em dois reinos: Israel, a norte, e Judá, a sul.
No quinto ano do reinado de Roboão, este assistiu impotente ao ataque do exército egípcio que saqueou o fabuloso tesouro legado pelo seu pai.

Ao contrário do que diz a bíblia, temos provas suficientes de que nem
David nem Salomão chegaram a governar um reino que unificava as 12
tribos (hebraicas) de Canaã, limitando-se a exercer o seu poder régio
em Judá.


"Durante e logo após o tempo presumido de David e de Salomão, o reino
de Judá permaneceu relativamente desocupado de uma população
permanente, muito isolado e marginal, sem grandes centros urbanos e
sem uma hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades." -
Finkelstein & Silberman (2003)
PB
Salomão
Mas a maior ironia das pretensões messiânico-imperialistas que nutriam os israelitas deu-se com o sucessor de David, o Rei Salomão. Como todas as personalidades complexas, este homem foi um poço de contradições. A lendária sageza e astúcia de Salomão permitiu-lhe transformar uma nação pobre e politicamente isolada (devido à belicosidade tribal e às atrocidades que a geração anterior tinha cometido contra os seus vizinhos) ns áridas serranias junto ao Mar Morto num império comercial. Este “iluminado” criou as fundações da sabedoria e da cultura nas religiões abraâmicas. Não por acaso, inaugurou uma biblioteca e empregou escribas para registarem a história do seu povo.
Essa versão bíblica é contestada pela generalidade dos actuais arqueólogos e historiadores. A primeira biblioteca conhecida é atribuída ao Rei Ashurbanipal que governou (entre 669 e 631 a.C., ou entre 668 e 626 a.C., segundo os autores) no auge do império assírio, que então controlava a Babilónia, chegando até a subjugar o Egipto. No meio de constantes morticínios, os assírios (que eram um povo de origem semita e tinham feito do legado cultural sumério a base da sua religião) conseguiram salvaguardar (na cidade de Níneve) o que havia de mais relevante na literatura da Mesopotâmia.

Não sendo um militar como o seu pai, inicialmente Salomão soube, como poucos governantes antes e depois dele, tirar o melhor partido da sua luxúria, aliando-a às suas desmesuradas ambições como chefe de Estado. No apogeu do seu reinado (por volta de 940 a.C.) de 40 anos, é referido como possuindo 700 esposas e 300 concubinas. A maioria dos seus casamentos foram celebrados como forma de estabelecer alianças político-económicas que lhe foram extremamente rendosas.
De forma inédita na história de Judá, o comércio internacional intensificou-se e expandiu-se por via marítima. Salomão chegou a ordenar a construção de uma frota naval.
Neste ponto podemos colocar um travão nas suas aclamadas qualidades, dando início ao desfile de amargas ironias, de abusos e ofensas que infligiu sobre o seu povo (continuando a nos cingirmos à versão bíblica).
Considerando as provações de que tanto se queixou a última geração de hebreus que viveu no Egipto, assim como as décadas que passaram no deserto e as batalhas que travaram para conquistarem uma pátria, não deixa de ser chocante que Salomão tenha esposado uma filha do faraó. Pior ainda, copiou o estilo opulento e a orgânica governamental da corte egípcia. (De salientar que então Israel era um território dominado pelo Egipto.)
Salomão providenciou uma magnífica moradia para Jeová (que já devia estar farto de errar pelo deserto, ocupado em providenciar aos seus filhos dilectos frugais vitualhas, ocasionais directrizes, acompanhadas de feéricos espectáculos de prestidigitação, para além de os ajudar a vencer batalhas) com a construção do templo que durante os séculos vindouros (pelo menos até à diáspora) seria o centro político-espiritual dos israelitas, funcionando igualmente um banco nacional e onde se discutia estratégia militar entre as mais altas instâncias.
Mas ao lado deste edifício sagrado mandou erguer para si um palácio cujas dimensões e luxo ensombravam a casa de deus (tendo sido inaugurado 13 anos depois do Templo).
A grandiosidade e requinte arquitectónico dos edifícios em causa excediam os conhecimentos disponíveis em Judá. Assim, Salomão contratou um exército de exímios construtores (vindos de Tiro, Edom, Egipto, Arábia,… ), assim como toneladas de materiais da melhor qualidade (ex.: ouro africano e marfim asiático).
Muitos desses artesãos estrangeiros acabaram por ficar ao serviço da corte, onde também foi instalada uma escola de escribas.
O hedonismo insaciável deste Rei era entronizado pela ganância. Ao que consta, os negócios do reino iam de vento em popa. A paz com os reinos vizinhos e os laços familiares estratégicos (por via do matrimónio) permitiu a Israel ter controlo sobre as mais importantes rotas comerciais do Médio Oriente até ao Egipto. Ademais, gabavam-se de receber ouro “a granel” proveniente de umas minas situadas num lugar chamado Ophir (cuja localização continua a ser um mistério). O problema é que a fortuna pessoal de Salomão crescia na proporção em que ele se afastava das necessidades reais do seu povo. O corpo do Rei deveria albergar um exército de lombrigas aurívoras, pois quanto mais riquezas acumulava, mais desejava ter. Assim, não tardou em assumir-se como um tirano corrupto.
Enquanto o Rei ostentava uma fortuna até aí inimaginável para o povo israelita, que era maioritariamente constituído por camponeses pobres; sobrevivendo a duras penas, tiravam pouco ou nenhum proveito da prosperidade que se vivia na corte, assim como entre os sacerdotes e os eruditos da capital e também na classe dos mercadores. Para agravar a situação, Salomão exigiu aos mais desfavorecidos que lhe pagassem impostos verdadeiramente extorsionários, até porque os contribuintes não beneficiavam desse acto cívico forçado. As assimetrias sociais e regionais agravaram-se perigosamente, servindo de fermento ao descontentamento generalizado que começava a tomar forma de revolta violenta.
Pior ainda foi quando o Rei instituiu o sistema de trabalhos forçados a que chamou «corveia». Deste modo, cada clã tinha que entregar os seus jovens saudáveis para trabalharem em “obras públicas” destinadas quase exclusivamente à elite. Oprimido e explorado por um “faraó” judeu, o povo foi empurrado para o limite do que poderia tolerar.
Há autores que encontram as raízes do conflito ideológico-religioso fratricida entre judeus e palestinianos no reinado de Salomão. A tirania deste, através de favorecimentos e repressões exercidas em várias províncias do seu reino, criou um profundo descontentamento popular e rivalidades sucessivas que fragmentaram o território que veria a ser denominado por Palestina durante o império romano. Os descendentes das facções privilegiadas por este monarca consideram-no como um expoente máximo da magnanimidade e da sabedoria (com talento para as artes e para as ciências; a “prová-lo” são atribuídos à sua autoria milhares de provérbios e de cânticos, bem como considerações sobre botânica e zoologia). Mais uma vez, trata-se de um exercício de fé e de exaltação de um passado muito duvidoso.
As últimas descobertas arqueológicas indicam que o período de maior esplendor para os hebreus sucedeu um século depois de Salomão, com a dinastia dos Omridas, quando a Samaria se tornou a capital de Israel. Num período de paz e de desenvolvimento económico, em que os israelitas tiraram o melhor proveito das suas relações comerciais com os assírios e os egípcios, o rei Omri e o seu sucessor Ahab mandaram erguer sumptuosos edifícios e cidades amuralhadas no norte da Palestina.
As assimetrias sociais e as divisões político-religiosas que grassaram entre as tribos de Israel que acabaram por renunciar à monarquia unificada. A norte, o reino de Israel (que abrangia a Samaria e a Galileia e era dominada por 10 tribos), a partir de 878 a. C. passou a ser governado pelo rei Omri, que aceitava o politeísmo, desde que Jeová fosse considerado o maior dos deuses.
O reino do sul, cuja capital era Jerusalém, conhecemo-lo como Judá. Os dois reinos passaram a considerar-se inimigos e ainda hoje a situação não se resolveu.

Independentemente de se foi Salomão ou Omri a conseguirem um reinado pacífico e próspero, tantas obras grandiosas e tanta ostentação por parte da monarquia exigiam impostos muito pesados e cobrados de forma injusta, o que causou uma enorme insatisfação nas camadas pobres do povo hebreu. Esse descontentamento popular tinha o epicentro no campesinato explorado e foi fecundo para o surgimento de um movimento profético de cariz revolucionário que se opunha à dinastia dos Omridas, sendo inicialmente liderado pelo profeta Elias. (essas profecias messiânicas voltaria a ganhar força nos séculos III e II a.C. e aquando do surgimento de Cristo – que, para muitos, finalmente as encarnou.)




A derradeira ignomínia que Salomão cometeu contra os filhos de Israel foi de cariz religioso.
O harém do Rei era constituído maioritariamente por estrangeiras devotas a outros deuses – amaldiçoados pelos israelitas. Salomão não se limitou a dar liberdade de culto às suas mulheres; para as contentar, desperdiçou o erário público na construção de templos e santuários dedicados às divindades proibidas desprezando as deliberações de Jeová e de Moisés. Foi ao cúmulo de participar nessas cerimónias heréticas.(A coerência misógina a que os escribas da bíblia se mantiveram fieis, atribui as culpas às mulheres do Rei por este seu delírio blasfemo, afirmando que elas corromperam o coração do monarca que, devido à idade, já teria perdido grande parte das faculdades cognitivas que o tornaram célebre mesmo no seu tempo…)
Como seria de esperar, tal ofendeu profundamente os seus súbditos. A revolta popular tornou-se inevitável e, após a morte de Salomão (em 922 a.C.), degenerou numa guerra civil. (Liderando as hostes revoltosas estavam até estrangeiros que, em tenra idade, tinham sido vítimas dos massacres perpetrados pelos conquistadores israelitas.)
Provando que a “justiça” implacável de Jeová discriminava “filhos e enteados”, Salomão não foi punido em vida (Jeová justifica essa impunidade devido à consideração que tinha ao Rei David…)

A Salomão foi sucedido no trono pelo seu filho Roboão. Este também estava infectado pela ganância e foi incapaz de evitar a apostasia das tribos de Israel, culminando o conflito na divisão da nação em dois reinos: Israel, a norte, e Judá, a sul.
No quinto ano do reinado de Roboão, este assistiu impotente ao ataque do exército egípcio que saqueou o fabuloso tesouro legado pelo seu pai.

Ao contrário do que diz a bíblia, temos provas suficientes de que nem
David nem Salomão chegaram a governar um reino que unificava as 12
tribos (hebraicas) de Canaã, limitando-se a exercer o seu poder régio
em Judá.

"Durante e logo após o tempo presumido de David e de Salomão, o reino
de Judá permaneceu relativamente desocupado de uma população
permanente, muito isolado e marginal, sem grandes centros urbanos e
sem uma hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades." -
Finkelstein & Silberman (2003)
PB