quinta-feira, julho 09, 2009







Salomão
Mas a maior ironia das pretensões messiânico-imperialistas que nutriam os israelitas deu-se com o sucessor de David, o Rei Salomão. Como todas as personalidades complexas, este homem foi um poço de contradições. A lendária sageza e astúcia de Salomão permitiu-lhe transformar uma nação pobre e politicamente isolada (devido à belicosidade tribal e às atrocidades que a geração anterior tinha cometido contra os seus vizinhos) ns áridas serranias junto ao Mar Morto num império comercial. Este “iluminado” criou as fundações da sabedoria e da cultura nas religiões abraâmicas. Não por acaso, inaugurou uma biblioteca e empregou escribas para registarem a história do seu povo.
Essa versão bíblica é contestada pela generalidade dos actuais arqueólogos e historiadores. A primeira biblioteca conhecida é atribuída ao Rei Ashurbanipal que governou (entre 669 e 631 a.C., ou entre 668 e 626 a.C., segundo os autores) no auge do império assírio, que então controlava a Babilónia, chegando até a subjugar o Egipto. No meio de constantes morticínios, os assírios (que eram um povo de origem semita e tinham feito do legado cultural sumério a base da sua religião) conseguiram salvaguardar (na cidade de Níneve) o que havia de mais relevante na literatura da Mesopotâmia.

Não sendo um militar como o seu pai, inicialmente Salomão soube, como poucos governantes antes e depois dele, tirar o melhor partido da sua luxúria, aliando-a às suas desmesuradas ambições como chefe de Estado. No apogeu do seu reinado (por volta de 940 a.C.) de 40 anos, é referido como possuindo 700 esposas e 300 concubinas. A maioria dos seus casamentos foram celebrados como forma de estabelecer alianças político-económicas que lhe foram extremamente rendosas.
De forma inédita na história de Judá, o comércio internacional intensificou-se e expandiu-se por via marítima. Salomão chegou a ordenar a construção de uma frota naval.
Neste ponto podemos colocar um travão nas suas aclamadas qualidades, dando início ao desfile de amargas ironias, de abusos e ofensas que infligiu sobre o seu povo (continuando a nos cingirmos à versão bíblica).
Considerando as provações de que tanto se queixou a última geração de hebreus que viveu no Egipto, assim como as décadas que passaram no deserto e as batalhas que travaram para conquistarem uma pátria, não deixa de ser chocante que Salomão tenha esposado uma filha do faraó. Pior ainda, copiou o estilo opulento e a orgânica governamental da corte egípcia. (De salientar que então Israel era um território dominado pelo Egipto.)
Salomão providenciou uma magnífica moradia para Jeová (que já devia estar farto de errar pelo deserto, ocupado em providenciar aos seus filhos dilectos frugais vitualhas, ocasionais directrizes, acompanhadas de feéricos espectáculos de prestidigitação, para além de os ajudar a vencer batalhas) com a construção do templo que durante os séculos vindouros (pelo menos até à diáspora) seria o centro político-espiritual dos israelitas, funcionando igualmente um banco nacional e onde se discutia estratégia militar entre as mais altas instâncias.
Mas ao lado deste edifício sagrado mandou erguer para si um palácio cujas dimensões e luxo ensombravam a casa de deus (tendo sido inaugurado 13 anos depois do Templo).
A grandiosidade e requinte arquitectónico dos edifícios em causa excediam os conhecimentos disponíveis em Judá. Assim, Salomão contratou um exército de exímios construtores (vindos de Tiro, Edom, Egipto, Arábia,… ), assim como toneladas de materiais da melhor qualidade (ex.: ouro africano e marfim asiático).
Muitos desses artesãos estrangeiros acabaram por ficar ao serviço da corte, onde também foi instalada uma escola de escribas.
O hedonismo insaciável deste Rei era entronizado pela ganância. Ao que consta, os negócios do reino iam de vento em popa. A paz com os reinos vizinhos e os laços familiares estratégicos (por via do matrimónio) permitiu a Israel ter controlo sobre as mais importantes rotas comerciais do Médio Oriente até ao Egipto. Ademais, gabavam-se de receber ouro “a granel” proveniente de umas minas situadas num lugar chamado Ophir (cuja localização continua a ser um mistério). O problema é que a fortuna pessoal de Salomão crescia na proporção em que ele se afastava das necessidades reais do seu povo. O corpo do Rei deveria albergar um exército de lombrigas aurívoras, pois quanto mais riquezas acumulava, mais desejava ter. Assim, não tardou em assumir-se como um tirano corrupto.
Enquanto o Rei ostentava uma fortuna até aí inimaginável para o povo israelita, que era maioritariamente constituído por camponeses pobres; sobrevivendo a duras penas, tiravam pouco ou nenhum proveito da prosperidade que se vivia na corte, assim como entre os sacerdotes e os eruditos da capital e também na classe dos mercadores. Para agravar a situação, Salomão exigiu aos mais desfavorecidos que lhe pagassem impostos verdadeiramente extorsionários, até porque os contribuintes não beneficiavam desse acto cívico forçado. As assimetrias sociais e regionais agravaram-se perigosamente, servindo de fermento ao descontentamento generalizado que começava a tomar forma de revolta violenta.
Pior ainda foi quando o Rei instituiu o sistema de trabalhos forçados a que chamou «corveia». Deste modo, cada clã tinha que entregar os seus jovens saudáveis para trabalharem em “obras públicas” destinadas quase exclusivamente à elite. Oprimido e explorado por um “faraó” judeu, o povo foi empurrado para o limite do que poderia tolerar.
Há autores que encontram as raízes do conflito ideológico-religioso fratricida entre judeus e palestinianos no reinado de Salomão. A tirania deste, através de favorecimentos e repressões exercidas em várias províncias do seu reino, criou um profundo descontentamento popular e rivalidades sucessivas que fragmentaram o território que veria a ser denominado por Palestina durante o império romano. Os descendentes das facções privilegiadas por este monarca consideram-no como um expoente máximo da magnanimidade e da sabedoria (com talento para as artes e para as ciências; a “prová-lo” são atribuídos à sua autoria milhares de provérbios e de cânticos, bem como considerações sobre botânica e zoologia). Mais uma vez, trata-se de um exercício de fé e de exaltação de um passado muito duvidoso.
As últimas descobertas arqueológicas indicam que o período de maior esplendor para os hebreus sucedeu um século depois de Salomão, com a dinastia dos Omridas, quando a Samaria se tornou a capital de Israel. Num período de paz e de desenvolvimento económico, em que os israelitas tiraram o melhor proveito das suas relações comerciais com os assírios e os egípcios, o rei Omri e o seu sucessor Ahab mandaram erguer sumptuosos edifícios e cidades amuralhadas no norte da Palestina.
As assimetrias sociais e as divisões político-religiosas que grassaram entre as tribos de Israel que acabaram por renunciar à monarquia unificada. A norte, o reino de Israel (que abrangia a Samaria e a Galileia e era dominada por 10 tribos), a partir de 878 a. C. passou a ser governado pelo rei Omri, que aceitava o politeísmo, desde que Jeová fosse considerado o maior dos deuses.
O reino do sul, cuja capital era Jerusalém, conhecemo-lo como Judá. Os dois reinos passaram a considerar-se inimigos e ainda hoje a situação não se resolveu.

Independentemente de se foi Salomão ou Omri a conseguirem um reinado pacífico e próspero, tantas obras grandiosas e tanta ostentação por parte da monarquia exigiam impostos muito pesados e cobrados de forma injusta, o que causou uma enorme insatisfação nas camadas pobres do povo hebreu. Esse descontentamento popular tinha o epicentro no campesinato explorado e foi fecundo para o surgimento de um movimento profético de cariz revolucionário que se opunha à dinastia dos Omridas, sendo inicialmente liderado pelo profeta Elias. (essas profecias messiânicas voltaria a ganhar força nos séculos III e II a.C. e aquando do surgimento de Cristo – que, para muitos, finalmente as encarnou.)




A derradeira ignomínia que Salomão cometeu contra os filhos de Israel foi de cariz religioso.
O harém do Rei era constituído maioritariamente por estrangeiras devotas a outros deuses – amaldiçoados pelos israelitas. Salomão não se limitou a dar liberdade de culto às suas mulheres; para as contentar, desperdiçou o erário público na construção de templos e santuários dedicados às divindades proibidas desprezando as deliberações de Jeová e de Moisés. Foi ao cúmulo de participar nessas cerimónias heréticas.(A coerência misógina a que os escribas da bíblia se mantiveram fieis, atribui as culpas às mulheres do Rei por este seu delírio blasfemo, afirmando que elas corromperam o coração do monarca que, devido à idade, já teria perdido grande parte das faculdades cognitivas que o tornaram célebre mesmo no seu tempo…)
Como seria de esperar, tal ofendeu profundamente os seus súbditos. A revolta popular tornou-se inevitável e, após a morte de Salomão (em 922 a.C.), degenerou numa guerra civil. (Liderando as hostes revoltosas estavam até estrangeiros que, em tenra idade, tinham sido vítimas dos massacres perpetrados pelos conquistadores israelitas.)
Provando que a “justiça” implacável de Jeová discriminava “filhos e enteados”, Salomão não foi punido em vida (Jeová justifica essa impunidade devido à consideração que tinha ao Rei David…)

A Salomão foi sucedido no trono pelo seu filho Roboão. Este também estava infectado pela ganância e foi incapaz de evitar a apostasia das tribos de Israel, culminando o conflito na divisão da nação em dois reinos: Israel, a norte, e Judá, a sul.
No quinto ano do reinado de Roboão, este assistiu impotente ao ataque do exército egípcio que saqueou o fabuloso tesouro legado pelo seu pai.

Ao contrário do que diz a bíblia, temos provas suficientes de que nem
David nem Salomão chegaram a governar um reino que unificava as 12
tribos (hebraicas) de Canaã, limitando-se a exercer o seu poder régio
em Judá.


"Durante e logo após o tempo presumido de David e de Salomão, o reino
de Judá permaneceu relativamente desocupado de uma população
permanente, muito isolado e marginal, sem grandes centros urbanos e
sem uma hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades." -
Finkelstein & Silberman (2003)
PB

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