terça-feira, agosto 29, 2006


Eis um “presente” habitual dos caçadores que, de forma intimidante e grotescamente humorística, expressam assim o seu descontentamento por o proprietário de uma herdade ter conseguido para esta o estatuto de «não caça», a fim d proteger umas aves estepárias muito ameaçadas. Se se tratasse de uma zona florestal, certamente que teria logo sido incendiada…

PB

quarta-feira, agosto 23, 2006

A Câmara Municipal de Alpiarça não cessa de dar lições às outras autarquias de como enfiar barretes “ambientalistas”.
Já que tanto se vangloria de ser «cabeça de fila» (sic) do RIPIDURABLE, deveria assumir as responsabilidades inerentes a essa honra e portar-se minimamente à altura dos objectivos desse projecto. Já basta de Portugal ser sempre a piada de mau gosto da Europa, passando todos nós por caloteiros irresponsáveis no que toca à gestão dos dinheiros comunitários! O paul dos Patudos tem uma importância relevante no contexto europeu (e com um potencial enorme!) e o RIPIDURABLE é destinado à conservação da natureza, à educação ambiental e até à promoção de actividades socio-económicas (ambientalmente) sustentáveis, cumprindo os reais objectivos da Agenda 21 local . Não deveríamos permitir que se transforme numa jogada de escroques ligados á especulação imobiliária. Que lógica tem gastar o dinheiro do RIPIDURABLE numa operação cosmética, em que se ajardina um pedacito do paul, colocam-se passadiços elevados e observatórios por entre eflúvios pestilentos do lixo escondido sob uma camada de terra (não impermeabilizada), entre muitas outras fontes de grave poluição; tudo isto como se fossem meros elementos decorativos, engodos literalmente para “inglês ver”, com o intuito de “valorizar” um maldito campo de golfe e muito cimento que se lhe seguirá (se o deixarmos!).
Todos os executivos camarários desta terrinha trataram o paul como se este fosse um imenso depósito de todo o género de materiais poluentes e onde qualquer atentado ambiental era permitido. (Pergunto-me se os alpiarcenses serão merecedores desse tesouro natural que, se estivesse num país a sério, seria uma área protegida motivo de orgulho e fonte de riqueza para as populações locais…)
Da mesma forma, a vala de Alpiarça continua a ser “tratada” como uma cloaca desprezível (não obstante fazerem uma hipócrita referência a ela no novo símbolo da vila).
Mas este executivo camarário, solerte como só ele, resolveu que, ao invés de fazer algo para proteger a natureza, bastava inventar uma “área protegida” fantasma! Agora já não precisamos ir até ao Tejo Internacional, ou ao Douro Int., ou à Ria Formosa para vermos um Parque Natural, aparentemente, temos um em Alpiarça... Assim o “atesta” uma placa - do ICN!!! – colocada logo à entrada da vila ( de quem vem de Almeirim, logo na primeira rotunda junto à barragem). Certamente que ninguém na autarquia alguma vez leu os estatutos de um verdadeiro Parque Natural, mas garanto-vos que uns 10 hectares de areia e uns poucos eucaliptos e pinheiros, rodeados por uma vedação de arame, apesar de guardarem um punhado de cavalos Sorraia, não são, em absoluto, um Parque Natural! (Como é que essas placas erróneas têm – ilegal e impunemente - o símbolo do ICN, é que eu gostaria de saber…)
Já há vários meses disse aos senhores políticos que tirassem de lá a placa que já induziu em erro vários naturalistas e que tem sido motivo de cachota por parte de alguns conhecidos meus que, de vez em quando, vêm até Alpiarça ver a passarada do nosso paul. (Se todos os erros da autarquia fossem deste calibre, e se fossem igualmente fáceis de corrigir, teríamos todos uma qualidade de vida muito superior…) Como, para “variar”, ignoraram a voz da razão, devemos concluir que é um erro intencional? Nesse caso, proponho que, para engordar a lista de atracções turísticas e enfunar a nossa auto estima bairrista com embustes, coloquem-se placas a indicar o Solidó, mas com a seguinte inscrição «Mansão Playboy» ou «Ilha dos Amores»; o campo de futebol deveria passar a ser assinalado como «Estádio Nacionla» ou «Santuário»; o Patacão poderia ser «Ruínas pré-históricas» (assim não teriam que reparar nada…). E o que poderíamos chamar ao edifício da autarquia? «A Caverna de Ali Babá e os…» Aceitam-se sugestões…
PB

sábado, agosto 19, 2006

A intenção ou a simples ideia de implantar um Campo de Golf, no local que hoje em dia é conhecido vulgarmente por Paúl da Gouxa, teria constado do programa de um partido político nas últimas eleições autárquicas.
Devo informar-vos que desconheço completamente se há um estudo ou um ante-projecto para tal obra, e em que modalidade seria construído e explorado esse Campo de Golf, tendo em conta que há terrenos que pertencem à Câmara de Alpiarça e outros ao Sr. Isidoro.Quer sejamos contra ou a favor do aproveitamento do Paúl da Gouxa para uma obra dessa natureza, todos concordarão que o Paúl tal como está também não tem qualquer aproveitamento turístico ou lúdico.Neste momento não passa de um matagal abandonado, onde o Salgueiro Negral tomou conta dos terrenos há anos abandonados pela orizicultura, alguns charcos cheios de erva pinheirinha e espadanas, e o despejo de águas putrefactas vindas do que deveria ser uma ETAR e onde corre um ribeiro que recebe igualmente as águas mal tratadas de uma exploração leiteira a montante que acabam por desaguar na nossa Vala Real.As margens e parte do solo do Paúl foram vítimas da exploração de pedreiras que deixaram as suas inconfundíveis marcas, que para ficarem com um aspecto aceitável precisam de uma intervenção profunda que lhes devolva um aspecto mais natural.Como sabemos o Golf é um desporto para ricos e a construção de campos de Golf tem sido uma maneira habilidosa de atrair capital para recuperar, em muitos casos com sucesso, terrenos que de outra forma continuariam abandonados, como matagais ou zonas pantanosas e malcheirosas.Gostaria de trazer aqui à discussão este tema e ouvir o que as pessoas pensam sobre o assunto e lançava algumas perguntas:
1.º - Será útil e viável a construção de um campo de Golf, tendo como contrapartida o embelezamento e recuperação de toda aquela zona, com a obrigatoriedade de fazer funcionar a ETAR e ter uma ribeira de águas limpidas?
2.º - Será que a construção de um Campo/Clube de Golf ficará à partida ensombrada pelo aproveitamento imobiliário e especulativo que advirão de tal empreendimento, ou por outro lado, seria uma mais valia para Alpiarça e que poderia captar futuros investimentos noutros sectores da nossa vila, nomeadamente a nível hoteleiro, comercial ou industrial?
3.º Seria uma estrutura como um Clube de Golf o complemento ideal ao Complexo dos Patudos, à Reserva do Cavalo do Sorraia, ao Parque de Campismo e à Albufeira dos Patudos?
4.º Mesmo que hipoteticamente no futuro se viesse a construir nas proximidades do Campo de Golf, uma urbanização de luxo e como é óbvio encher os bolsos a alguns especuladores imobiliários, seria isso bom ou mau para Alpiarça?
Aguardo os vossos comentários.






Como tenho o “pavio curto” e falo quase sempre com o “coração nas mãos”, apetece-me começar a chamar nomes. Mas isso seria uma atitude contraproducente e pouco inteligente, que se poderia desculpar (?) apenas por se considerar uma mero acto reflexo, fruto da minha enorme indignação e frustração por andar a pregar no deserto (de sensibilidades e ideais ambientalistas). Claro que eu não posso ser optimista ao ponto de acreditar que umas …… mensagens ambientalistas vão conseguir penetrar e medrar nas empedernidas mentalidades moldadas há muitos (demasiados!) séculos pelas religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo). Mesmo os que recentemente conquistaram a independência intelectual do agnosticismo, a esmagadora maioria de nós continua a pensar que a natureza tem que ser ajardinada (não é à toa que o paraíso bíblico, o Éden, é descrito como um jardim…) e que o “desenvolvimento” e a nossa qualidade de vida só podem advir da destruição da natureza silvestre. As doutrinas economistas vigentes (que têm como deus o capital, e como principal religião o neoliberalismo) parecem cegas ao facto de que tudo – absolutamente tudo! – provém dos recursos naturais. Assim, desprezam completamente o BEM AMBIENTAL - entendido como um conjunto de coisas fundamentais, insubstituíveis e passíveis de serem auferidas por todos, mas dificilmente quantificáveis pelos economistas que servem o sistema. Urge, pois, fomentar mudanças de valores e comportamentos a fim de termos a capacidade de valorizar o BEM AMBIENTAL.
Como contabilizar e traduzir por cifras a acção purificadora (da água e do ar) que o paul nos presta? E a experiência tanto sensorial como espiritual de nos embrenharmos no salgueiral, onde praticamente não se ouvem carros e onde abunda a fauna? Ou julgam que o remédio anti- stress só passa pelo golfe?

“Existe no nosso país um forte corporativismo patrimonialista que se opõe frontalmente à integração e interdisciplinariedade inerentes à ideia de meio ambiente.” (Fernando Bernaldez, 1988)

O capitalismo tornou-nos tão estúpidos que recusamos o direito à existência a tudo o que a nossa ganância desconhece utilidade imediata …

O autor do texto que tomei a liberdade de aqui reproduzir a partir do blog «Rotundas e Encruzilhadas» certamente que perfilha destas visões anacrónicas contra natura. Pois, em teoria todos somos “amantes da natureza”, mas na prática estamos nos antípodas dessa asserção politicamente correcta. (Ao contrário do que é publicitado, a natureza não é a maior das putas, nem os bons amantes são aqueles aos quais interessa apenas o seu prazer egoísta…)
É justo e proveitoso que se faça um debate público o mais alargado possível (incluindo a diversidade de opiniões minimamente fundamentadas), mas a sua posição apenas disfarça (e mal) ser neutral. Ex.: «(…) todos concordarão que o Paúl tal como está também não tem qualquer aproveitamento turístico ou lúdico.Neste momento não passa de um matagal abandonado »

Engana-se redondamente. Quem diz isso não pode conhecer bem o paul (apesar de demonstrar conhecer os nomes vernaculares de algumas espécies). Já dizem os ambientalistas que «ninguém protege o que não ama e ninguém ama o que não conhece.»
No primeiro passeio para os “bloguistas e afins” que organizei e que tive o prazer de guiar no Paul dos Patudos, acompanhou-nos um senhor (e a sua respectiva família) que tem uma empresa, bem como uma associação (Acção Natura), dedicadas ao turismo de natureza, e, como tal, veio
Apreciar as potencialidades do nosso paul para cá trazer pessoas de todo o país. E gostou mito do que viu, mas, tal como tinha acontecido há alguns anos com outro amigo meu que tem uma pequena empresa de turismo equestre, torceu o nariz ao facto de o paul se ter tornado num feudo desregrado dos motoqueiros que incomodam terrivelmente e até colocam em perigo os eco-turistas e as crianças das escolas em visitas de estudo. Como compatibilizar estas coisas? Quando é que as pessoas vão aprender o que é desenvolvimento sustentável?
Já cá trouxe igualmente vários ornitólogos que, sintonizando comigo, conseguem focar os olhos no futuro, pois têm noção do enorme potencial ecológico-conservacionista e lúdico-didáctico (incluindo o turismo) do paul. (ex.: Aconselho-vos veementemente a que procurem informar-se sobre o projecto «Cañada de los Pájaros», em Espanha!)
Ultimamente também andam técnicos/cientistas muito competentes a fazer trabalho de campo no paul – e isto é só o começo! Infelizmente, tal não é divulgado para a população. E os projectos de conservação/desenvolvimento sustentável têm poucas hipóteses de vingar, se as populações locais não os acarinharem.
O facto de o Paul dos Patudos ser um ecossistema muito interessante – à escala europeia, podem crer! – em nada se deve ao mérito do homem. Ainda bem que é um « matagal abandonado » (sic), pois isso significa que a natureza pode recuperar (a partir de um arrozal, que, por sua vez, tinha sido implantado numa zona húmida com um valor ecológico superior ao que tem hoje) de uma forma muito melhor do que a ciência e a tecnologia humana jamais conseguiriam. Porque é que a natureza só é valorizada quando é subjugada pelo homem e quando se traduz em dinheiro no aqui e agora?! Essa é a velha escola que nos está a arrastar para um Armagedão ecológico, meus caros!
Não creio que haja maldade implícita nisto, mas suas perguntas são capciosas, pois tentam ludibriar e empurram para a satisfação dos seus interesses pessoais (que podem ser apenas uns preconceitos pleonasticamente infundamentados). Ex.: fala que os campos de golfe “recuperam” «matagais ou zonas pantanosas e malcheirosas.» (sic) Até me admiro como é que não acena com o fantasma da malária antigamente associado às zonas húmidas… É bastante revelador o desprezo com que fala da natureza silvestre… E se o nosso paul é, de facto, mal cheiroso, isso deve-se a que o inundamos de merda há décadas. As zonas húmidas são prodigiosas em depurar os detritos orgânicos, mas há muito que saturámos essa capacidade.
Dê-me lá um exemplo (bem fundamentado, não bastando ler folhetos e sites produzidos por operadores dessa actividade turística) em que um campo de golfe tenha “melhorado” algum ecossistema. Toda a actividade humana tem impacto no ambiente. Temos que medir os prós e os contras, mas não vale a pena dourarmos a pílula desonestamente.
Conheço bem o que são técnicas propagandistas e de desinformação. (ex.: Ao invés de ilustrar as suas palavras com uma foto do nosso paul – cuja beleza fala por si - , escolheu uma de um campo de golfe com um aspecto quase idílico para quem não percebe puto destas temáticas…)
Vamos reduzir este debate – de extrema importância – a questões de aparências?!
As pessoas daqui habituaram-se a considerar o paul como uma área incompreensivelmente inculta, ideal para ir despejar lixo e entulho, abater todos os animais silvestres por diversão e, mais recentemente, para ir praticar motocross. A maioria dos alpiarcenses nem sequer conhece este tesouro natural extremamente frágil, ou então não são sensíveis a essa riqueza que, por um acaso, herdaram mas que não desenvolveram uma responsabilidade afectiva. Não obstante, sei que nem todos são cegos às maravilhas do mundo natural. Se não conseguirmos preservar o nosso paul, como o iremos “justificar” aos nossos filhos ? Aos que guardam o coração na carteira, espero que consigam arranjar argumentos realmente válidos para debatermos estes assuntos com idoneidade e civilidade – preferencialmente de olhos nos olhos e abobadados pelo salgueiral e tendo como “música de fundo” o coro alácre das aves…
Outro exemplo flagrante de uma pergunta capciosa é: «Será útil e viável a construção de um campo de Golf, tendo como contrapartida o embelezamento e recuperação de toda aquela zona, com a obrigatoriedade de fazer funcionar a ETAR e ter uma ribeira de águas limpidas?»

Lá vem a desbotada parvoíce de que o “embelezamento” e a “recuperação” da natureza silvestre só é possível quando a terraplanamos e a ajardinamos (para usufruto exclusivo dos abastados)… Quanto mais maquinaria pesda e engenheiros civis, melhor! Isso é que é um sinal de “progresso” e de “desenvolvimento”! não é assim?...
O projecto, tal como me foi dado a conhecer (secretamente), previa que o efluente da ETAR seria canalizado para a vala de Alpiarça (que é vista pelos políticos apenas como uma cloaca…), de modo a que os golfistas e os moradores do condomínio de luxo não fossem afectados pelas pestilências. Mas temos que ter em conta que o paul está saturado de poluição grave. Não existe qualquer projecto de intervenção a esse nível relacionado com o campo de golfe; ante pelo contrário. Ao se criar uma enorme lagoa artificial em frente a esse polémico empreendimento, os poluentes (provenientes sobretudo da ETAR, da lixeira, da vacaria, da suinicultura, da fábrica de paus, da agricultura) concentrar-se iam aí. Sem vegetação palúdica, a acção desses poluentes seria incrementada por acção da forte exposição aos fotões. Pior, os campos de golfe utilizam imensos agroquímicos tóxicos. Ao bombearem a água muito poluída da lagoa para regar o relvado artificial, juntar-lhe-ão ingentes quantidades de pesticidadas e de fertilizantes de síntese química. Estes, por sua vez, escorrerão para a lagoa, num ciclo vicioso que vai sempre piorando. Suponho que se está a borrifar para as quantiosas (e algumas bem raras) espécies silvestres que existem lá no paul “abandonado”… mesmo que nos tentem impingir campos de golfe “ecológicos” (como se isso fosse possível!), reciclando a água das ETARs e recorrendo a agroquímicos de baixa toxicidade, será sempre um grande atentado contra o paul .
(Não sei que passe de magia julga ser possível para tornar as linhas d’água no Vale da Atela, bem como a Vala de Alpiarça, « ribeiras de águas limpidas?»…)

Esse seu conceito de “beleza” parece-me que tem paralelismos com os que preferem que a indústria de entretenimento lhes mostre jovens sem talento, mas com um aspecto atraente (segundo os cânones – da fruta “normalizada” – impostos pelo ocidente). Essa futilidade reinante tem tornado a vida extremamente difícil a pessoas brilhantes, muitas das quais soa obrigadas a desistir da sua verdadeira vocação apenas porque não embelezam o ecrãn…
Continuando com essa metáfora, deduzo que para si o paul , tal como está, é como uma mulher feia e mal cheirosa, e o campo de golfe é como um vestido de um estilista famoso que, uma vez no corpo da “feiosa”, vai torná-la de imediato em Miss Universo. Acertei? É muito rebuscado?
Sejamos honestos: Alpiarça não tem nenhum atractivo turístico realmente especial, a não ser a Casa Museu dos Patudos e (esperemos que isso seja possível num futuro próximo) o paul.
O turismo, seja lá de que género for, não é panaceia para todos os nossos problemas económicos (que resultam de um acumular de más opções, cujas penosas consequências ainda vamos sofrer por muito tempo…)
Pretender instalar no paul um campo de golfe, uma lagoa enorme, condomínios, piscinas, etc… seria pior do que rodear a casa em que viveu José Relvas com o Centro Comercial Colombo. O projecto que estamos a discutir não vejo que consiga vingar economicamente, mas, se insistirem em ir para a frente com esse disparate, façam-nos noutro local! A quinta da Lagoalva ou a Qta da Torre que sustentem esse investimento, uma vez que já estão vocacionadas para o turismo das tias e dos tios. Se ainda não implementaram grandes campos de golfe é porque sabem que, por si só, nesta região esses empreendimentos são insustentáveis - a não ser que sejam uma artimanha da especulação imobiliária...




O campo de golfe, previsivelmente, não tem qualquer viabilidade económica, mas a principal jogada é a especulação imobiliária. Se reparar bem, num raio de apenas 50 Kms há, ou está previsto a sua implantação para breve, uns 5 ou 6 campos de golfe. (Não nos esqueçamos que querem construir um mega aldeamento turístico - para 20 ou 30 mil pessoas, sobretudo reformados do centro e norte da Europa!!! – à volta do paul do Boquilobo, não podendo faltar, está claro, um campo de glofe…) Só à volta de Lisboa existem uma vintena deles. Ninguém se irá desviar da grande metrópole e/ou do Algarve para vir dar umas tacadas a Alpiarça (nem sequer ao Solidó...)
Um amigo meu que trabalha no Ministério do Ambiente, disse-me que, entre particulares e autarquias, o governo está a ponderar a aprovação de mais de 200 campos de golfe em Portugal! Isto num país que sofre de falta de agia e que será dos países em que o aquecimento global trará as consequências mais gravosas!
Por dia morrem cerca de 30 mil pessoas devido aos problemas inerentes à ingestão de água não potável. E nós, os privilegiados, desperdiçamos a água potável para lavar carros, para os autoclismos e para regar campos de golfe (como acontece no Algarve). É imoral e suicidário!
Ao Consumirmos os recursos naturais de forma insustentável estamos também a limitar drasticamente as hipóteses de alternativa (que, neste caso, significa dispor de algumas saídas em meio à destruição generalizada) às gerações futuras.
Tal como os políticos & autarcas deste país terceiro-mundista que, à força toda, conseguiram transformar Portugal num imenso eucaliptal, agora olham para o lado e assobiam ou culpam o diabo e a cabala dos incendiários, quando o país, inevitavelmente, se converte num mar de chamas a cada verão – porque ninguém lhes pede responsabilidades - , quero ver daqui a uns anos o que irão dizer os promotores dos campos de glofe abandonados e transformados em cimento e alcatrão à espera de compradores…

Se nem o campo de golfe do Melancia no sopé do Marvão, (que é um sítio privilegiadíssimo e em que abundam tanto os atractivos turísticos bem conhecidos, como as ofertas de camas e de comida) conseguiu vingar economicamente (apesar da tentativa de último recursos em tentar que fosse acessível não apenas à elite) , como esperam que em Alpiarça seja um sucesso?! É que, para além de sempre constituírem graves atentados ambientais, os campos de golfe são muito dispendiosos quanto à sua manutenção e dão poucos postos de trabalho.
O que vamos fazer quando os turistas não aparecerem? Construir casinos e centros comerciais?
Provavelmente, também é dos que acha que o Euro 2004 foi um bom investimento financeiro porque o dinheiro ficou cá… Pois ficou – nas mãos de quem já estava cheio de dinheiro e explorando a mão de obra clandestina e precariedade dos empregos temporários! Os estádios novos que se construíram para um evento que só durou um mês vão deixar os respectivos municípios a pagar dívidas durante uns 30 anos ! (A propósito, vou confidenciar-vos algo bastante elucidativo. Os terrenos em que foi erigido o Estádio do Algarve foram expropriados pelo Estado, que por eles pagou uma ninharia, devido à alegada “utilidade pública”. Não muito longe dali existem uns terrenos particulares que estão há muito abandonados e onde cresce um dos últimos núcleos de uma planta muito ameaçada de extinção, a Tuberaria Major. Neste caso, o Estado recusa-se a expropriar os terrenos para fins de conservação de uma espécie que poderá desaparecer em breve, porque se encontram numa zona em que duas Câmaras Municipais pretendem implementar um projecto megalómano que inclui 3 campos de golfe e condomínios a perder de vista. Os técnicos do ISA, que, a par das ONG Almargem e Quercus, sondaram aquele local à procura das raridades botânicas, entregaram ao ICN um relatório em que pediam a protecção urgente daquela pequena área – que até está incluída nos limites do Pré Parque da Ria formosa -, mas o ICN sonegou essa informação a Bruxelas…)
Se eu e os que se opõem ao campo de golfe – sobretudo na área do paul – estivermos errados, no máximo meia dúzia de gatos gordos perdem uma das muitas negociatas possíveis. Se esse projecto lesa natura for avante e (inevitavelmente) se revelar um fiasco, será um desastre extremamente difícil de corrigir. É tão simples quanto isso.
Reitero as minhas sugestões para rentabilização (numa perspectiva de desenvolvimento sustentável do paul:
- Cooperativa de artesanato telúrico (ex.: peças de artesanato relacionadas com o património natural da região, que poderão ir das mais acessíveis, às mais sofisticadas e caras, como se pode observar no internacionalmente aclamado artista chileno Lucien Burquiers – cujo trabalho de extremo bom gosto dá emprego a muitas pessoas); pequenas empresas de eco-turismo e de educação ambiental;
- Criação da primeira reserva mundial do cavalo Sorraia (apostando forte também na hipoterapia), e depois associar os vinhos e os outros produtos agrícolas da região a esse equídeo ameaçado, bem como à avifauna local;
- Um centro interpretativo de apoio às escolas e aos turistas, mas também onde os investigadores possam fazer os seus trabalhos e pernoitar;
- uma ecoteca;
- Um centro de formação para actividades ar livre (que também sirva a atletas e a crianças desfavorecidas de todo o país);
- Um museu de arqueologia e a recreação (ao ar livre, pois claro) de uma aldeia pré histórica (uma merecida e original homenagem ao nosso singular património arqueológico, já que Alpiarça é extremamente rica em vestígios da ocupação humana durante o Paleolítico inferior, e, posteriormente, até se desenvolveu aqui a chamada “Cultura de Alpiarça”, em que se destacam as peças de cerâmica);
- E, porque não ?, recuperar o espírito romântico do final do séc. XIX, início do séc. XX (que inspirou José relvas) e disponibilizar para os artistas (pintores, fotógrafos, poetas, músicos,…) um local lá no paul para que se inspirem e, em troca, ofereçam a Alpiarça o raro privilégio de ver o seu nome associado a algumas das mais belas e criativas manifestações da nossa cultura.
Nada disto são sinecuras, nem o podem ser. Porque é que um projecto só é considerado “bom” se, logo à partida, der para os seus promotores adquirirem caros topo de gama? Tornámo-nos assim tão imbecis?!

Quanto ao outro senhor que foi à Internet roubar argumentos para defender incondicionalmente os campos de golfe, só me apraz dizer que a “sua” argumentação é tão absurdamente tendenciosa e falaciosa que insulta a inteligência até dos menos versados nestas temáticas! Este “tio” (que provavelmente pertence à máquina propagandista do PS local) Por vezes chega a ser hilariante, como, por ex., aquela de que os campos de golfe purificam a água da chuva; que 70% das suas áreas são óptimos habitats para as espécies selvagens,…
(repararam que para realçar as vantagens “ecológicas destes malditos empreendimentos utiliza como termo de comparação as superfícies cobertas com relva sintética, cimento e alcatrão? Pois, assim até a sombra das minhas cuecas num estendal é extremamente “ecológica”!...)
Transformar Portugal num imenso SPA todo verdinho pelos campos de golfe (onde irão arranjar água para isso?!) é o barrete mais recente que uns sacanas endinheirados, gananciosos e oportunistas nos querem enfiar. Querem que o nosso país se assemelhe à Escócia mas com a singular mais valia de um sol que brilha com intensidade todo o ano.
Iupiiiii, vamos ficar todos “bem de vida” a carregar tacos e a servir comida a velhotes balofos vindos dos países ricos!... E deixamos de ter problemas com os incêndios porque a nossa “floresta” será substituída por relvados artificiais. Porreiro! Até nos dizem que poderemos mandar os nossos idosos (com reformas ainda mais miseráveis quanto o nosso sistema público de saúde) e enfermos passear para os campos de golfe. Sem dúvida que lá lhes “tratarão da saúde” – pois não tardarão a morrer alvejados por bolas que facilmente se convertem em projecteis letais… (A propósito, quando estive a fazer trabalho voluntário num centro de recuperação para animais selvagens no Algarve, para além de atender numerosas aves aquáticas que sofrem de envenenamentos por agroquímicos nos CG, passou-me pelas mãos um milhafre com uma asa partida por ter entrado em rota de colisão com uma bola de golfe… Que tremendo azar !)
O argumento mais forte dos da sua laia é o impacto que a indústria do golfe tem no PIB. Eu já no ano passado analisei esses dados (fornecidos pelos promotores do golfe) e foi fácil concluir que são altamente forçados (e inflaccionados) na sua abrangência de possíveis indústrias satélite. Mesmo assim, prefiro elevar a conversa a um nível de inteligência bem superior e original, questionando os fundamentos doutrinários do PIB.
Não sou economista nem tenho especial simpatia por essa temática, mas atentemos no conceito abstracto, confuso e até falaz que é o PIB (Produto Interno Bruto). Este pressupõe apenas que cada unidade monetária (ex.: Euro, Dolar,..) transaccionada (ou seja, que muda de mãos)traduz-se em crescimento económico. Então, para o PIB é indiferente se se gasta determinada quantia pecuniária num projecto de rearborização adequada, ou a patrocinar um desastre ecológico; passar férias num local se sonho, ou gastar o mesmo dinheiro num acidente de automóvel (incluindo uma estadia num hospital). Muitos economistas até consideram as marés negras boas para a economia (o tal PIB…) porque geralmente implicam a contratação de pessoal de limpeza; reparação ou selagem dos navios naufragados; benesses fiscais; preços inflacionados; estimulo do comércio local, bem como dos serviços de apoio (relações públicas, media, seguradoras,..); contratação de organizações científicas para avaliarem os impactos ambientais; etc…
Por isso, parece-me errado confundir intercâmbios financeiros com verdadeiro crescimento económico; este último deverá contabilizar os bens fundamentais que perdemos (nomeadamente o bem ambiental e a saúde pública) com o que ganhamos. O PIB não tem contemplações para com a qualidade de vida e a sua estabilidade. A deterioração ambiental e as disfunções sociais em geral não deveriam ser incluídas nos parâmetros do “crescimento económico”, mesmo que algumas pessoas aparentemente beneficiem (a curto prazo) com as desgraças de outrem. A macroeconomia insufla o PIB, enquanto que esvazia a real qualidade de vida dageneralidade dos cidadãos. Para o PIB só contam as actividades que movimentam dinheiro, e para as beneficiar os poderes instituídos aprovam medidas que sacrificam todas as outras actividades que nos dão (ou poderão dar) mais felicidade e crescimento pessoal.

Os EUA podem jactar-se de que o seu PIB tem tido, desde 1973, um crescimento anual que ronda os 2,5 por cento, mas tal não tem correspondência na qualidade de vida dos seus cidadãos, nem na economia das instituições públicas (ex.: escolas, bibliotecas, hospitais,...) que não cessam de se degradar; os salários reais não têm aumentado e são vencidos pela inflação; o trabalho é precário e o desemprego é elevado; as pessoas têm menos tempo para a família e para o lazer, a insegurança impera,...Os EUA têm actualmente um deficit de despesa pública insustentável que constitui 6% do PIB (que é coberto pelo Tesouro Americano e cujos títulos foram comprados pelo Banco do Japão e pelo Banco de Reservas da China).Desde a administração Clinton até agora passou de 180 mil milhões de dólares (mmd)para 500 mmd. Se não fosse terem transformado o país numa máquina de guerra e de extorsão (através da jogada dos petrodólares e da dívida externa), tal como uma baleia encalhada (varada) na praia, o império já teria sido esmagados pelo seu próprio peso.
O próprio Tesouro Nacional e o Sistema de Reserva Federal dos EUA estão sob controlo das elites financeiras privadas. Assim, os accionistas, os credores e os especuladores minam a soberania económica do país e condicionam as suas políticas sociais. O mesmo acontece com o Banco Central Europeu, dominado sobretudo por um grupo bancário alemão. É um truque de prestidigitação político-financeira a aparente independência dos Bancos Centrais. Estes estão particularmente vulneráveis à pirataria especulativa, que, frequentemente, os obriga a contrair empréstimos junto de instituições privadas para evitar que se escoem as suas reservas e para travar a queda das moedas nacionais.



Até no Japão, onde a devoção às empresas e ao trabalho (reflexo da antiga fidelidade canina aos clãs) era um dos maiores orgulhos dessa sociedade que se aferrava à manutenção dos códigos de honra feudais, o sistema neoliberal, baseado na precariedade dos empregos, no desmantelamento das empresas quando estas não dão os lucros pretendidos pelos accionistas, e na redução da assistência social alterou a ordem socio-económica tradicional.

Suponho que teremos que esperar muito até ouvirmos um governante ocidental fazer declarações semelhantes às do rei do Butão, Jigme Singye angchuck: “Não estou preocupado com o PIB do meu país, mas com a felicidade do meu povo, [e essa felicidade está no budismo]”.





O capitalismo industrial apenas vê a natureza e os homens como recursos; a suafunção é criar e aperfeiçoar instrumentos e técnicas de dominância e deexploração. Só outorga (provisoriamente) o direito à vida aos seres quereconhece alguma rentabilidade económica. Mas esse inventário mórbido tem um efeito boemerang, cujo impacto filosófico e espiritual não é menor do que o verificado no plano físico. Com o ambiente ao nosso redor simplificado, rotulado e "rentabilizado", dificilmente nos conseguiremos esquivar de noscolocarmos a nós mesmos a mais fatídica das questões (pois, tal como apalavra "amén" era o sinal para se abrir o cadafalso nas execuções por enforcamento, precede sempre uma condenação binária: sujeição ou morte): "servimos para quê?"A resposta pode ser deprimente se o racionalismo materialista nos tiverconvertido em saqueadores desterrados de território sagrado. Atravessar esse deserto espiritual é uma experiência aterradora e fatal. Por isso queremos ser incluídos nos planos dalguma divindade - mas que corrobore, ou, pelo menos, perdoe qualquer atentado contra a vida, contra o próximo. Não podemos sobreviver alheados dos elementos e ciclos naturais, e nem em utópicas catedrais da tecnologia, como metafísicas "Biosferas II" * , poderemos restaurar a nossa cultura e a nossa espiritualidade.Até para os que se sentem superiormente evoluídos e sofisticados ** como para não caírem nas armadilhas do obscurantismo sobrenatural cheio de superstições infundadas, depositam a sua fé na ciência (com todos os seus mitos e dogmas). Não se trata de uma reverencia humilde, pois o culto do domínio capitalista-industrial é o mesmo, e a sociedade até aplaude a arrogância messiânica destes acólitos da megamáquina com acesso ao painelde controlo - de onde só é possível ter uma visão unidimensional,mecanicista, mercantilista e, em última instância, imperialista do mundo.

*- "Biosfera II" foi um projecto norte-americano que, numa gigantesca esofisticadíssima estufa de vidro com 1,3 hectares de extensão, pretendiarecriar as condições de vida na Terra de forma "autónoma" e durante umperíodo mínimo de dois anos, a partir de 1991. é esta a ideia de salva-vidaspara uma elite milionária que pretende assegurar a continuidade de uma vidapróspera e segura, quer seja sobre os escombros de um futuro terreno que elesmesmos arruinaram, quer em bases extra-terrestres. O projecto foi abortado aocabo de 17 meses, revelando-se um perigoso fiasco de 200 milhões de dólares.Oito humanos serviram de cobaias e, apesar dos desvelos dos cientistas e da tecnologia de ponta empregue, quase pereceram por falta de oxigénio (que várias vezes teve que ser bombeado do exterior). A maioria das espécies animais e vegetais que com eles compartilhavam aquele espaço artificial não teve tanta sorte.
Entretanto, a NASA está a preparar a recolha de todo o genoma humano com a intenção de o enviar para o espaço. Assim esperam que a nossa espécie possa Ter uma Segunda oportunidade, ainda que ridiculamente remota, de começar tudo de novo quando nos extinguirmos cá em baixo.


** Porque será que o epíteto/qualificativo de sofisticado é tão querido/do agrado às/das elites da sociedade urbano-industrial? A resposta mais simples e conclusiva encontramo-la no dicionário:
“Sofisticação: (...) 1 acto ou efeito de fraudar, enganar; falsificação, fraude 2 a coisa ou substância falsificada 3 excessiva subtileza (...) 4.1 falta de naturalidade; afectação 4.2 extremo requinte e finura 4.3 estado do que é muito avançado, complexo, bem aparelhado, eficiente.(...)”
Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa
Círculo de Leitores, 2002

Paulo Barreiros

domingo, agosto 13, 2006

O Inferno Estival
Há cerca de 2 décadas que na Galiza ocorrem cerca de 50% dos incêndios florestais que assolam Espanha. Mas a Galiza tem uma elevada pluviosidade e as temperaturas, mesmo no Verão, costumam ser amenas. Pelo contrário, na quente e seca Andaluzia existem extensos bosques teoricamente muito mais vulneráveis aos fogos, mas que raramente ardem. Porquê?! Porque a Galiza caiu no mesmo erro que Portugal, apostando nas merda das monoculturas de pinheiros e de eucaliptos. Agora queixam-se… e, nesse infernal ciclo viciosos, a atmosfera vai ficando saturada de gases com efeito de estufa, e o clima continua a aquecer.
Vejam o exemplo na da Andaluzia, onde as autoridades investiram a sério e com considerável competência na prevenção aos incêndios (envolvendo até os reformados e as ONG). Algo de semelhante aconteceu recentemente na Grécia. Nesse país (que até há pouco tempo costumava ser a ovelha negra da Europa comunitária, mas que agora tem uma economia melhor que a de Portugal…) o número de incêndios florestais reduziu-se drasticamente, passando para apenas 7% dos que ocorrem no nosso país da treta.
Isso, continuem a investir nos eucaliptais e nos pinhais serranos (que as autoridades oficiais chamam de “floresta”…), e em breve poderão envolver na pretensa cabala dos incendiários os tipos da Al Qaeda, pois o interior do país está a ficar perigosamente parecido com as safaras montanhas do Afeganistão…
A principal causa de incêndios “florestais” em Portugal é falta de ordenamento florestal - urge que o Estado e os particulares se unam para rearborizar com árvores autóctones visando uma exploração sustentável a longo prazo! Isso inclui a valorização do Bem Ambiental que a verdadeira floresta presta a toda a sociedade!
Em termos de culpabilidade deste flagelo, em segundo lugar está a negligência. E que grande admiração, até parece que não lideramos as piores estatísticas da U E, nomeadamente a dos acidentes de trabalho e os de viação. Acresce a falta de sensibilidade ambiental e de tradição nestas temáticas que domina o povo português.
Em terceiro lugar estão as negociatas que envolvem os fogos.
A conveniente (para os poderes instituídos) ideia feita de que são pirómanos (pleonasticamente) dementes que agem isoladamente ou se organizam num género de seita satânica, conspirando para tornar o país um mar de chamas sempre que o calor aperta, é um disparate! É claro que há pessoas com graves problemas de saúde mental, bem como filhos da puta que usam o fogo como arma de vingança – e tanto uns como outros por vezes são utilizados por pessoas que fazem dos incêndios um chorudo negócio -, mas nos milhares de incêndios “florestais” que todos os anos assolam o nosso país, essas situações são mais a excepção do que a regra. Ainda assim, cada vez que a GNR ou a PJ deita as mãos a um incendiário, os juízes mandam-nos para casa, como sempre acontece quando se tratam de crimes contra natura…
Para piorar as coisas, os nossos bombeiros não estão devidamente preparados para este combate.
Os militares também deveriam fazer valer os ordenados que nos chulam, trabalhando na prevenção dos fogos – durante todo o ano, pois os trabalhos de “limpeza” de matos, devem fazer-se antes do estio começar.

PB

sexta-feira, agosto 11, 2006

O Rei do politicamente incorrecto

Muito do que Miguel Sousa Tavares (MST) é como homem e como figura pública deve-o à extrema fortuna de ter sido concebido e criado por um casal muito especial. Não ouso tentar analisar até que ponto o influenciaram. Talvez a grandeza da obra poética e humanista da sua mãe (Sophia de Mello Breyner) tenha acabado por eclipsar na opinião pública a importância do trabalho desempenhado pelo político idealista e íntegro que foi o seu pai, Francisco SousaTavares.
Há alguns anos li uma entrevista a MST em que este afirmava, emocionado, considerar o seu pai como o homem mais corajoso que conhecera em toda a sua vida. Obviamente que esta extrema admiração sempre lhe pesou como a responsabilidade de um legado que é necessário preservar e honrar. Talvez isso justifique a postura insubmissa e desafiante que tem mantido face aos poderes instituídos que mais o irritam, acabando por se considerar o maioral entre o elitista rebanho de comentadores políticos que formata as opiniões do imenso rebanho cego. (Então agora que é o autor de um best seller internacional, «Equador», não há quem o ature…)


Não deixando os créditos por mãos alheias, durante os anos 90, a revista Grande Reportagem, então dirigida por MST, esteve sempre na linha da frente na defesa do nosso património natural, denunciando, de forma corajosa, competente e independente os constantes e crescentes ataques que este vinha a sofrer em nome do “desenvolvimento do cavaquistão”, ao mesmo tempo que, também por paixão e por vício do seu director, contribuía grandemente para a implementação no nosso país das práticas agressivas do todo-o-terreno motorizado e reclamava o direito de poder fumar em quaisquer espaços públicos fechados, apenas por ser contribuinte, e taxava de «fascistas» os que se sentiam incomodados pelo fumo( tóxico!) alheio… (Gostava de ver a reacção deste homem ao olhar para radiografias dos pulmões dos seus filhos…)
Sobre as suas “gloriosas aventuras” de jipe, muito ele escreveu. Reportando-me apenas a uma dessas crónicas (GR Julho de 1994), em que participava numa competição de veículos todo-o-terreno na margem esquerda do Guadiana. E utilizou uns curiosos adjectivos. Fazendo referências a um modesto rio alentejano (o Djebe) apelidando-o de «amazónico», e classifica o grupo/caravana de jipes como «armada» e «soberbos»(sic).
Nem esconde o facto de os competidores fazerem uma condução anárquica e alcoolizada, após uma pausa para o almoço bem regada com «várias sangrias geladas» (sic). Mas, porra, que mal tem isso?! Afinal, só se estavam a divertir no «mato», onde o código da estrada faz pouco sentido quando mal se pode falar em estradas dignas desse nome e se está no Alentejo profundo. Pois claro, a elite não precisa de cumprir certas regras estraga-festas…
Depois descreve a excitação de conduzir dentro de rios, caminhos de ferro e de improvisar uma pista descendo «um barranco a pique» (sic) bem enlameado.
Conclui que faz isso tudo «por amor ao Alentejo» (sic) e que «só os estúpidos não sabem o que perdem com o prazer de passar dois dias aos saltos [dentro dos veículos] por montes e vales»(sic).
Não poucas vezes a sua revista promovia viagens desse género no estrangeiro, onde chegaram a fazer a apologia de conduzir sobre dunas (no litoral brasileiro) e de abrir picadas, levando tudo à frente, em selvas tropicais.
Ainda hoje, o MST continua radicalmente avesso às limitações da circulação automóvel nas grandes cidades, considerando o aumento exponencial do parque automóvel e o abuso da sua utilização como uma das grandes conquistas do Portugal moderno/europeu. Pois, mas ao contrário do MST, a esmagadora maioria dos portugueses não tem recursos financeiros para adquirir como segunda casa um monte alentejano, onde se usufrua de amplidão e de sossego, longe do tráfego infernal…
Suponho que a declarada animosidade que o MST sentia em relação «aos meninos da Quercus» (sic) se devia em grande parte a que essa ONGA sempre se ter pronunciado oficialmente desfavorável as actividades todo-o-terreno predatórias. Facilmente imagino o então director da revista Grande Reportagem a resmungar entre dentes que esses “meninos” pretendiam ser mais papistas que o Papa, armavam grandes sururus p´rà televisão e depois fazem muito menos do que ele em prol do ambiente. Se calhar até tinha razão, mas, pelo menos, a Quercus, ao contrário de MST, nunca promoveu roteiros de caça grossa e empresas especializadas nessa actividade execrável em artigos que, depois de rotular a maioria dos caçadores nacionais de sociopatas pindéricos possuídos pela fantasia de estarem a percorrer picadas na África colonial , enaltece as virtudes de andar pelo mundo a matar rinocerontes, leopardos, ursos, alces,... (GR n.º8, Nov. de 91); e tampouco aconselhou a compra de peças de marfim, como fez pessoalmente o referido jornalista, nas visitas à Costa do Marfim... (GR n.º32, Nov. de 93)
Provando que não é nada versado em ecologia, mas, com a arrogância que o caracteriza, tentando justificar o “direito” que os endinheirados como ele têm de ir aos paraísos da fauna silvestre destruir o que lá há de melhor e mais espectacular, no seu livro de crónicas de viagens intitulado «Sul», é peremptório ao afirmar que o homem, entronizando a cadeia alimentar, se deixasse de caçar as consequências para a natureza seriam tão desastrosas como o são as da actividade cinegética completamente desregrada. «As narcejas exterminariam as minhocas, o que acabaria com o alimento das rãs»(sic) Ora aqui está uma parvoíce que daria pano para mangas...caso venha a escassear inspiração aos Gato Fedorento ou ao Nuno Markl, caso contrário, não tem ponta por onde se lhe pegue. O Sr. MST deve ter comprado uma (embaciada) bola de cristal nalguma espingardaria ou oficina de taxidermia de caça grossa, pois, na sua apologia da caça (de elite, pois claro), vaticina ainda que se os pacifistas-ecologistas levarem a sua avante, os predadores extinguirão as presas, até que eles também desapareçam vítimas da fome; no final, até as culturas agrícolas seriam « devastadas pelos sobreviventes esfomeados e pelas larvas e insectos.» (sic) Então não era suposto a base da pirâmide alimentar ser a primeira a desaparecer pelas fauces dos seus predadores?!

Considerando as adaptações evolutivas (estudadas pela biologia, pela etologia e até pela paleontologia) resultantes das interacções entre os predadores, as presas e os respectivos habitats naturais em permanente mudança desde que surgiu a vida neste planeta, o Sr. MST prossegue com a comparação néscia de que a contribuição humana (neste caso, restringindo-se aos espingardeiros como ele) para moldar as espécies tem uma importância e se processa a uma escala semelhantes à dos predadores selvagens...
Ó homem, poupe-nos o embaraço dessa fósmea tendenciosa. Mais vale assumir paixões acríticas do que respaldar-se em argumentos tão absurdos quanto ignorantes.(Num país onde quase ninguém percebe o mínimo sobre estas matérias, é fácil uns “trutas” saírem-se com a sua, e ainda fazerem um figurão, dizendo aleivosias deste calibre.)
Pergunto-me como foi possível a vida na Terra ter durado milhares de milhões de anos, até os seres humanos terem o discernimento de fazer uso das armas de fogo como instrumentos da “providência divina” para garantir o equilíbrio na biocenose?
E como é que a Índia poderia alimentar tanta gente e tirar enormes dividendos da florescente indústria do turismo de natureza, se a maioria dos indianos (hindus, budistas e shintoistas) não tivesse uma dieta vegetariana e não professassem cultos que repudiam a caça? Se a exuberante vida selvagem do Quénia não tivesse sido protegida dos espingardeiros “desportivos” , sendo actualmente explorada turisticamente (embora se tenha tornado uma actividade excessivamente macificada, admito), como é que esse país poderia ter feito uma recuperação económica inigualável em toda a África que foi devastada por guerras em recentes décadas?
Se o MST e outros que tais precisam de afirmar a sua virilidade através da destruição fútil de animais silvestres, então suponho que teriam orgasmos múltiplos e mandariam implantar pêlos no peito, se conseguissem matar as maiores baleias...
*A propósito, a caça à baleia só subsiste por ser fortemente subsidiada por governos corruptos que mantêm o subterfúgio da «caça científica» (e até compram votos nas NU, fazendo seus aliados “repúblicas das bananas” que não têm qualquer interesse no abate das baleias). Mesmo assim, os rendimentos dessa actividade não se compara aos mil milhões de dólares anuais que rende a observação (turística) em todo o mundo - e esta é uma actividade, que ao contrário da caça, está a dar os primeiros passos rumo a um futuro que poderá ser radiante para todos (se conseguirmos acabar com a caça).

Se as consequências do género de argumentação defendidas por MST e por outros caçadores de elite não fossem trágicas, limitar-me-ia a responder com uma sonora gargalhada.
Ainda assim, reitero a minha convicção de que este homem a equipa de jornalistas que liderou nos bons velhos tempos da revistas Grande Reportagem , foram dos que desempenharam um papel mais relevante na defesa doo ambiente em Portugal durante a década de 90 (sobretudo no que se refere a um fundamental exercício de cidadania, de isenção, coragem e de responsabilidade civil por parte dos jornalistas empenhados na denúncia dos abusos do poder político-corporativo e na reivindicação de um património que a todos pertence e que é indispensável à nossa qualidade de vida ).

Voltando ao todo-o-terreno desregrado, é preciso admitir que, vergonhosamente, é praticado por um número considerável de sócios da Quercus.
Há menos de 10 anos, um dirigente da Quercus/Guarda, (que não passa de um imbecil, sacana, oportunista e infantil, apesar de ser professor do ensino básico), assumidamente adepto das provas estilo Camel Trophy (quanto mais a “partir” caminhos e a fazer corta-mato sempre “a abrir”, melhor!...), em comunicação pessoal, justificou esse seu passatempo como «o direito que os ambientalistas têm em também se divertirem» (sic), e concluiu com uma “pérola da ecologia” na forma de uma pergunta de retórica: «afinal, que mal é que fazem os carros? Então o fumo não desaparece no ar?!» Por incrível que pareça, ele não estava a gozar!...
Ainda a propósito, deixo-vos de “brinde” duas estórias elucidativas.
Havia já vários anos que os dirigentes da Quercus afectos ao núcleo de S.André insistiam junto da GNR local para que os militares fossem maisdiligentes nas suas patrulhas, a fim de erradicarem o problema dos adeptos dotodo-o-terreno sobre as dunas (que, como se sabe, é um "desporto"muitopopular em Portugal). Em 1997, cansados das acusações de conivência, osagentes finalmente deram-se ao trabalho de apanhar em flagrante delito um dessesjipeiros infractores - que era o dirigente (vitalício?) do núcleo da Quercus/Castelo Branco...Bravo!. Bem, felizmente estes incidentes (sempre abafados internamente, não deixando espaço para discussões purgativas e muito menos para o assumir de responsabilidades e até de punições…) são mais a excepção do que a regra.
No dealbar do novo milénio, a Reserva Natural da Malcata (tardiamente criada para proteger os linces ibéricos) teve um novo director, cuja primeira medida oficial foi organizar uma prova de todo-o-terreno, em que participaram dezenas de jipes (alguns deles conduzidos pelos caciques locais que financiavam a carreira política do novo director do parque…), passando (até a corta-mato) por uma zona da Rede Natura 2000 !
PB

domingo, agosto 06, 2006

Até que enfim começo a ouvir propostas cheias de bom senso e de voluntarismo por parte da comunidade alpiarcense no sentido de salvarmos o nosso paul! A criação de um ou mais grupos de trabalho com essa finalidade é um passo tão indispensável quanto urgente. Tenho muitas reticências quanto à capacidade e a disponibilidade de as pessoas cooperarem - mesmo estando em causa o destino de um rico património natural que os homens e mulheres de amanhã jamais nos perdoarão se não dermos o nosso melhor para que também possam dele desfrutar (não apenas os filhos dos ricos…)!
Perdoem a minha sinceridade, mas se a perpetuação e protecção do paul depender apenas da boa vontade dos alpiarcenses, duvido muito que consigamos alcançar esse objectivo.
Ainda por cima, agora todas as partes interessadas parecem temer estar associadas a mim, sobretudo devido aos meus polémicos ataques à autarquia. Eu nunca estive minimamente interessado em protagonismo, e se neste momento desaparecesse do mapa, suponho que já poderia me orgulhar de ter conseguido chamar a atenção de todos vós para a importância do tesouro natural que têm à porta, plantando as sementes de um movimento cívico apartidário que o pretende salvar da especulação imobiliária, do turismo elitista e insustentável e de outras negociatas execráveis a que a ganância deste executivo camarário se aferra com unhas e dentes (de vampiros).
Contribui ainda para a reflexão de assuntos novedosos para a maioria (pelo menos no que toca ao meu estilo de abordagem); forneci informações que poderão ajudar a construir argumentos e até projectos de cariz ambiental; e dei apoio (mais uma vez como voluntário) a algumas professoras da escola EB 2,3/S José Relvas que estão a fazer um trabalho excepcional.
Se falhei como estratega (é muito cedo para tirarem essa conclusão, até porque ainda nem joguei os meus trunfos de peso…), pelo menos demonstrei que o temor e a subserviência aos políticos é a negação do poder que todos temos nas mãos (claro que não me refiro à inutilidade dos votos no circo eleitoral) quando nos unimos em torno de causas nobres e ousamos ser reivindicativos quando percebemos que a nossa qualidade de vida vai muito além das intoxicações lúdicas proporcionadas pelos média e pelo consequente consumismo hedonista e irresponsável.
Não me canso de repetir que os políticos apenas respeitam os nossos interesses quando a (forte) mobilização popular os força a tal (de contrário, a maioria dos políticos limita-se a obedecer aos interesses corporativos e partidários que lhes sustentam as carreiras e lhes arranjam sinecuras ).
Se aceitam que a autarquia ou outros poderes instituídos com interesses egoístas recusem negociar comigo ou com qualquer outra pessoa que eles não simpatizem mas que demonstrem serem pessoas idóneas para lutar pelo bem comum/comunitário, então é porque aceitam a derrota à priori, debruçando-se (às arrecuas e de calças na mão…) ante a presença de quem pagam (através dos impostos) para que nos sirva. De qualquer maneira, eu vou ser sempre uma voz activa e crítica neste processo. Por isso, mais vale aceitarem o contributo da minha experiência, da minha inteligência e do meu voluntarismo idealista. (Provavelmente deve-se à minha abordagem agressiva, rebelde e iconoclasta o facto da autarquia ter posto travões a alguns dos seus projectos dementes, refazendo a sua estratégia para nos foder enquanto enchem os bolsos.)
Assim como eu tenho que gramar com políticos (tantas vezes imbecis e até corruptos) nos quais não votei mas que se julgam no direito de decidir por mim em matérias que em muito influenciam a minha qualidade de vida, eles também vão ter que me aturar nestas negociações!
Quem acha que que eu ando a ser manipulado (?!?) ou que me limito a agir como um franco atirador, atirando bocas inconsequentes apenas para satisfazer a minha costela de agitador compulsivo, demonstra uma ingenuidade pouco inteligente. De facto, eu tenho movido diligências junto de ONGs credíveis e com algum poder, bem como junto de técnicos muito competentes, tanto os que são independentes como os que trabalham para o Estado. O passo seguinte será tentar atrair a atenção dos média nacionais para o que se está a passar no paul da Gouxa/dos Patudos.
Várias vezes neste espaço virtual expus uma série de ideias e de passos - perfeitamente exequíveis – que considero a melhor evolução para o paul. A fim de preparar o terreno para esses projectos sustentáveis, primeiramente precisamos que o ICN consiga um estatuto - efectivo ! – de protecção legal para esta zona húmida.
Concomitantemente, devemos pressionar a autarquia a abortar os projectos contra natura (ex.: campo de golfe, condomínio luxuoso, lagoa artificial para motas d’água, hotel e outros absurdos que querem implantar lá mas que ainda nem se atreveram a divulgar publicamente) e para que se empenhe em erradicar do paul as suas principais fontes de poluição.
O mecenato, as ONG e as universidades também deverão ter uma intervenção activa neste processo.
Estou convencido de que o grupo de escuteiros que está a ser criado em Alpiarça pode e deve ter um papel preponderante, mas é um absurdo pensar-se que estão em condições de liderar o processo. Se eles forem honestos (e não tenho razões para duvidar disso), reconhecê-lo-ão sem que os egos ou os interesses de grémio saiam beliscados. Gostaria de os ver activos e cumprindo o potencial do seu (auto)publicitado espírito cívico .
Até me falaram que uma das (futuras) dirigentes locais dos “escutas” está a tirar o mestrado numa temática qualquer relacionada como ambiente. Óptimo. Suponho que isso será uma mais valia não apenas para os seus companheiros paramilitares, mas também para todos nós. Se ela estiver disposta a colocar os seus conhecimentos e a sua energia criativa ao serviço da comunidade e do Bem Ambiental, isso deveria orgulhar-nos a todos e ajudá-la a cumprir o seu potencial. Se, ainda por cima, for simpática, então é um jackpopt para Alpiarça. Não obstante, certamente que nada no seu treino académico a preparou para as lutas conservacionistas a sério.
Os alegados “valores ambientais” que se supõe possuírem os escuteiros não passam de publicidade enganosa. Infelizmente, os escuteiros portugueses (independentemente de se são ou não papa-hóstias) não têm qualquer tradição ou formação em projectos de conservação da natureza, nem sequer de educação ambiental. (Já me vão cair em cima mostrando-me estatutos, manuais anacrónicos e projectos pontuais, descontextualizados, mal elaborados e pior conduzidos, mas eu já tenho muitos anos de experiência em lidar com carradas de escuteiros de todo o país, como para saber do que estou a falar.)
Alguns amigos meus e muitos outros conhecidos que se tornaram competentes técnicos de ambiente passaram pelos escuteiros. Nem um deles jamais me disse bem dessa experiência e, acima de tudo, todos concordam em como não aprenderam lá nada de válido sobre a natureza – pois os seus chefes não sabiam, nem queriam saber, a ponta d’um corno sobre essas temáticas.
É um facto inquestionável que os escuteiros nem sequer sabem andar no campo, fazendo uma algazarra que perturba tanto os verdadeiros ecologistas como toda a vida selvagem. Muito pior, com a arrogância típica dos militares (até porque muitos chefes de escuteiros são uns frustrados por não terem conseguido chegar ao topo da parasitária carreira militar, e aliviam essa frustração com prolixas ordens à garotada…), costumam dizer que os escuteiros não precisam de ter lições de campo de ninguém!

Continua válida aquela velha definição de que os escuteiros não passam de «um grupo de meninos vestidos de parvos, guiados por um parvo vestido de menino»… Está mais do que na hora de mudarem de atitude e de objectivos! Bem, cada um que coma do que gosta.


Sempre tive horror a fardas (apesar de muito boa gente as usar), sejam militares, académicas ou industriais. Mal consigo controlar a náusea quando vejo crianças em uniformes paramilitares com um monte de símbolos fascisóides e trabalhando para as medalhinhas e para subirem numa hierarquia vertical, que não passa de uma cadeia de comandos vazios. Parecem-me óbvias as arrepiantes semelhanças com a Mocidade Portuguesa e com a sua irmã, a Juventude Hitleriana. Pior ainda se estão ligadas à Igreja Católica – que fez um asqueroso aproveitamento do escutismo, até porque o seu fundador era um militar protestante. (Será mais uma reminiscência do “espírito dos Templários”?!)
Durante os vários anos que passei na Serra da Lousã e no Tejo Internacional tive o desprazer de contactar com centenas de escuteiros provenientes de todo o país e até do estrangeiro. Apenas um dos seus líderes (que pertencia à facção não católica, por sinal) mostrou que tinha interesse e conhecimentos mínimos sobre a vida silvestre portuguesa, além de ter aceite modificar os seus jogos nocturnos por forma a minimizar a perturbação à fauna (que geralmente foge espavorida destes barulhentos campistas “selvagens”, que chegam a juntar-se às centenas onde a Lei diz que o cidadão comum não pode acampar…) .
Na Lousã fartei-me de ver estas tropas em miniatura armadas com catanas a cortar todos os arbustos e árvores jovens que lhes apareciam pela frente nos caminhos serranos. Talvez julgassem que estavam a fazer um trabalho meritório, o problema é que não faziam a menor ideia que é necessário distinguir espécies. Ou seja, não se organizavam para combater a praga das acácias, mas cortavam irresponsavelmente os raros – e protegidos por Lei! – azevinhos, bem como as cerejeira, muitas vezes apenas para treinar a construção de estruturas parvas e inúteis (inclusive cheguei a ver deitarem fora – ao lado de ribeiras de águas limpas – latas ainda com tinta extremamente poluente, que usaram nos acampamentos!)
Na Lousã fizeram tanta merda que já ninguém via com bons olhos a sua presença (maciça). O por episódio de que tive conhecimento foi a vandalização gravíssima de uma escola primária que servia de casa abrigo para os montanhistas e que era por estes mantida em boas condições. Pois um pequeno grupo de escuteiros até arrancou o soalho para queimar na lareira (não estava um frio de rachar e sempre há montes de madeira apropriada para esse fim nas imediações). Para “variar” nenhuma autoridade os responsabilizou por estas barbaridades, nem é por isso que diminuem os copiosos apoios que recebem por todo o lado…
Em teoria, qualquer chefe de escuteiros é contra estas atitudes, mas o certo é que acontecem demasiadas vezes.
Certa feita tive que me dirigir a um dos seus acampamentos (na Sª da Piedade) a fim de lhes pedir que fizessem menos barulho, pois estava a ser insuportável para todos os jovens sob a minha responsabilidade (num campo de férias) que tentavam dormir sabendo que teriam um dia cheio de actividades tão exaustivas quanto gratificantes pela serra, mal o sol raiasse. Vagueie por entre as tendas dos escutas à procura dos seus chefes, o que me deu a desagradável oportunidade de constatar que havia crianças a beber álcool e a fumar dentro das tendas! Pouco depois descobri os adultos (que era suposto tomar conta deles) a fazer o mesmo num café-restaurante que existe lá ao lado…Prefiro acreditar que foi muito azar ter esbarrado acidentalmente em comportamentos que são a excepção e não a regra.
Já que estamos em maré de excepções, vale a pena referir que, embora os escuteiros sempre tenham recusado as ofertas de colaboração que lhes fiz quando era um membro muito activo da Quercus, certa vez fui contactado por um dos seus líderes que planeava um grande acampamento na Lousã e pretendia ajuda para elaborar umas actividades lúdico-didácticas de cariz ambiental, como ele tinha visto no estrangeiro. Eu concordei cheio de entusiasmo, e metemos mão à obra. (Para tal até o cheguei a receber em minha casa, onde apareceu quase 3 horas depois do que tinha combinado, “obrigando-me” a trabalhar para ele até às 2 da manhã, quando eu tinha que me levantar às 6,30h…)
Durante uma semana fiz-lhe toda a papinha (completamente à borla) para que tivesse um amplo leque de actividades validadas por ambas as partes envolvidas.
Quando chegou o dia do tal acampamento de escutas, o tipo deixou de me contactar e tornou-se incontactável. Nem sequer voltou a minha casa buscar o plano de actividades que eu lhe preparara.
Meses mais tarde, encontrei-o na «Feira da castanha e do Mel». Fingiu que não me conhecia, o estupor! Por coincidência, conheci a sua irmã e esta confidenciou-me que o tipo pessoalmente não tinha nada contra mim mas que fora vivamente aconselhado pelos outros chefes de escuteiros a não se meter com a Quercus, pois «não passavam de um bando de fundamentalistas que poderiam por em risco a atribuição de muitos subsídios aos escuteiros» (sic)…
Dos muitos "escutas"que passaram pelo Monte Barata (a quinta que a Quercus possui no T.I.), apesar de utilizarem as instalações à borla (por pura boa vontade dos seus anfitriões), nunca se disponibilizaram em ajudar nas actividades de conservação da natureza e/ou de manutenção da quinta, alegado sempre que tinham pouco tempo para cumprirem todos os objectivos que tinham programado anteriormente… Apenas uma vez, uns garotos escuteiros (que até tinham participado em intercâmbios da Quercus com outras ONGs no estrangeiro) lá apareceram como “civis” e ajudaram a construir uma pequena ponte para o gado ovino.
Não é um balanço muito positivo, pois não?
Quando estive ligado a grupos de espeleologia, os escuteiros eram sempre alvo de piadas mórbidas pelo modo inconsciente como estes iam brincar para as grutas - tendo inclusive morrido alguns nesses disparates. E depois têm outra irritante mania de colocar placas em sua honra em espaços naturais públicos (ex.: topo da ilha do Pico e na na Serra de Gredos; esta última, no seu sopé, não tem um calhau livre de marcas de escuteiros feitas com tinta...).
Porque é que as autoridades estão sempre a apoiar os escuteiros e não os grupos ecologistas/ambientalistas? Porque os escutas são muito bem vistos pela sociedade conservadora (que se emociona até às lágrimas sempre que vê garotos uniformizados, fingindo ser obedientes e leais à pátria em cerimónias cheias de pompa, À semelhança do que acontece quando vêm jogadores de futebol envergando as cores da bandeira nacional, de mão ao peito enquanto se difunde um hino que nos incita a pegar em armas e a marchar contra os canhões…), mas sobretudo porque sabem que os escuteiros jamais fazem “ondas” em termos de intervenção social e são altamente manipuláveis.
Claro que nem tudo é mau. Aproveitando consensual aprovação dos encarregados de educação, para os miúdos, as actividades de escutismo poderão ser uma boa oportunidade de confraternização na natureza. A cooperação também exige alguma disciplina, e é até possível sentirem orgulho em assumir responsabilidades.
Todos precisamos de tempo para crescer, a fim de sabermos qual o nosso papel na sociedade e quais e como são os compromissos e os objectivos que conseguimos alcançar. Se os escuteiros de Alpiarça realmente têm um projecto ambiental original e adaptado às exigências do século XXI, estando também dispostos a colaborar e a receber formação de técnicos e de ONG com muito mais conhecimentos e experiência nessa área, então serão merecedores dos apoios que estão a receber mesmo antes de fazerem algo de relevante. (Por exemplo, em Espanha há muito tempo que os escuteiros assim o fazem; eu até tenho um manual de educação ambiental que resultou da colaboração dos escuteiros com a WWF. Na Suiça vi escuteiros muito bem preparados para fazer educação ambiental, para além de serem especialistas em salvamentos de montanhistas.)
Não sou tão “fundamentalista” e intratável como me querem pintar. Apesar da minha velha antipatia pelo escutismo, mal ouvi que se estava a constituir um grupo em Alpiarça, ofereci a um dos seus principais responsáveis a minha colaboração em regime de voluntariado, e cheguei até (mas não o revelem aos meus biógrafos…) a aconselhar a alguns dos meus alunos a experimentar essas actividades, pois não estava a ver outra oportunidade para eles irem acampar com outros miúdos no nosso paul nos próximos tempos e com o consentimento dos seus pais.
O “homem-bomba” com o qual tive recentemente uma troca de “mimos” neste blog, é um desses futuros chefes de escuteiros alpiarcenses. Neste momento é-me muito difícil acreditar que essa colaboração possa vir a concretizar-se pois, como todos vocês foram testemunhas, ele acha que eu estou a ser manipulado –tanto pela oposição como pela autarquia (não faz a coisa por menos…). Na sua tresloucada teoria da conspiração, essa forças obscuras que fazem de mim um títere conspiram ambas para destruir o nosso paul (eu serei, pois, o arauto da sua destruição?! Será esse o objectivo do meu regresso a Alpiarça?!)… Assevera igualmente que eu estou cá para fazer favores não sei a quem… para um tipo tão obcecado por armas de fogo (que fazem os homens minúsculos terem ilusões de “grandeza” à conta do poder de destruição que manipulam), tem uma pontaria mesmo má…Pelos vistos, não sou o único que deverá moderar a linguagem insultuosa…
Enfim, eu até estou disposto a relevar estes insultos absurdos, se vir da sua parte uma vontade real em lutar pela preservação do paul - mesmo que estejamos em “trincheiras” separadas (mas espero que não opostas…).
Não me venham com hipocrisias querendo fazer-me passar pelo único alpiarcense que não aceita outros pontos de vista. Sei fazer compromissos, mas sei igualmente qual é o ponto a partir do qual os meus ideais me obrigam a ser intransigente. O interesse principal dos políticos locais em relação ao paul é vende-lo a retalho para a especulação imobiliária e para o turismo insustentável e elitista. Por outro lado, é triste constatar que se neste momento fosse dado ao povão todo o poder de decisão sobre o destino do paul, o mais certo é que o convertessem numa barragem rodeada de pistas para “desportos” motorizados e num campo de extermínio total da vida selvagem alvejada com chumbadas provenientes de todo o lado. Se tivessem oportunidade, talvez até caçassem e fizessem garraiadas nos pátios das escolas! Pedir à maioria das pessoas que, do dia para a noite, ganhem uma consciência ambiental que vai contra quase tudo em que fomos formatados durante demasiado tempo pela Igreja, o Estado, os partidos políticos, os industriais e o ensino formal, seria como pedir ao povo alemão que se comportasse da forma descontraída, desenrascada, humorada e festiva que reconhecemos no povo brasileiro.
Estes assuntos são de extrema importância, e por isso deverão conjugar esforços sinergéticos entre os técnicos qualificados (cuidado com a excessiva tecnocratização das informações, até porque os técnicos não costumam ser independentes!), várias ONG (que poderão e deverão integrar membros esclarecidos e reivindicativos das comunidades locais), as escolas e os média. Só assim poderemos obrigar os políticos a agir correctamente, contribuindo simultaneamente para a educação ambiental de toda a população.
Dificilmente encontraremos na história da nossa democracia parlamentar outro Primeiro Ministro que tenha beneficiado de acessores (para as temáticas ambientais) tão competentes quanto os que estão à disposição de José Sócrates. Na prática, o chefe do governo raramente acata esses conselhos, preferindo fazer o que todos os políticos de topo fazem: obedecer aos maiores lóbis corporativos e assegurar um bom pecúlio. Sócrates até deu continuidade à política de Barroso/Lopes de matar lentamente o Instituto de Conservação da Natureza pelo qual já ninguém nutre a menor simpatia...
Há poucas semanas, Fernando Ruas, que é o presidente da C.M. de Viseu, assim como da Associação Nacional de Municípios (esta última, no mais das vezes, comporta-se como uma autêntica máfia..), a propósito de uma multa (irrisória) que uns fiscais do Ministério do Ambiente (M.A.)aplicaram a uma junta de freguesia do seu concelho, declarou à comunicação social que as autarquias e as juntas de freguesia deveriam correr à pedrada os fiscais do M.A. mal os vissem aparecer nos seus feudos. (Ao ouvir isso o presidente cá do burgo deve ter tido orgasmos múltiplos, gravando estas declarações escabrosas e terceiro-mundistas em DVD, a fim de servirem de “motor de arranque” para as suas noites românticas…) Na altura, Ruas frisou que estava plenamente consciente do teor das suas palavras polémicas e repetiu-as. Volvida uma semana, já com as orelhas quentes e com o nome (ligeiramente) enxovalhado nos média, eu o dito pelo não dito, pretendendo fazer passar por estúpidos, que levam tudo muito à letra, os seus críticos. São estas bestas os responsáveis por o país se ter transformado num imenso eucaliptal e, logo que o calor aperta, num mar de chamas; bem como os que exigem que todo litoral português seja descaracterizado e entregue à especulação imobiliária. (Recordemos que Portugal, entre 1990 e 2000 foi o país da U E que mais descaracterizou o seu litoral, tendo cimentado e destruído mais 34% da nossa costa.)
Nas muitas sessões de sensibilização ambiental que tenho feito pelo país fora, já deu para notar que aqueles que são mais expeditos e picuinhas em apontar contradições entre o discurso e modo de vida dos ambientalistas , querendo à força toda mostrar ao mundo todo que não se tratam de pessoas imaculadas nem de “Messias verdes” (nunca conheci nenhum ecologista/ambientalista que tivesse a estulta veleidade de assumir tal papel impossível de sustentar na nossa sociedade), são os que não mexem uma palha pela defesa do património natural, mas que depois, quando a merda chega aos seus quintais, vão para as sedes das ONG (que tanto gozo lhes tinha dado denegrir geralmente sem saber do que estavam a falar) fazer exigências que nem um exército de anjos conseguiria cumprir.
Quem se expõe de peito aberto dizendo o que pensa, está invariavelmente sujeito a uma avalanche de críticas. Caso eu me preocupasse muito com isso, não sairia de casa ou atirar-me-ia de um penhasco. Lembram-se de eu aqui ter feito referência a um filósofo alemão que disse « a cabeça dos outros é um lugar demasiado tenebroso para aí encontramos a nossa felicidade»? Pois, essa é uma das minhas máximas favoritas.

PB

terça-feira, agosto 01, 2006

«O Código da Vinci» é baseado numa trama de embustes incrivelmente bem sucedidos. O seu epicentro geográfico é a povoação francesa de Rennes-le-Château, que, entretanto, se tornou na “Meca” dos que farejam obsessivamente o rasto do “Santo Graal”. Aí viveu (até 1917) o padre Berenger Somière (ou Saumière) que, suspeitamente, enriqueceu no exercício do seu modesto mister.Anos mais tarde, um seu conterrâneo chamado Noël Corbu dirigia um decadente hotel («Hotel de la Tour», implantado numa propriedade que pertencera a Somière, chamada por este último de «Villa Béthanie» ) e, como necessitava de um eficaz chamariz turístico, resolveu conceber e espalhar um boato (que levaria até aos jornais em 1956) que tinha todos os ingredientes para ser bem sucedido. Foi como deitar fogo no restolho… Em breve todos especulavam sobre como o padre Somière teria encontrado um pergaminho secreto (que estivera durante séculos escondido num pilar da sua igreja) relacionado com os Templários (que tiveram uma forte presença naquela região) e que continha bombásticas informações sobre o “Santo Graal”. De alguma forma, isso tê-lo-ia feito um homem rico.Ainda hoje, poucos dos que se sentem fascinados por esta estória se molestam em averiguar que o padre Somière chegou a ser admoestado pelos seus superiores hierárquicos devido ao seu esquema de aceitar dinheiro para rezar pelas almas dos mortos, sendo humanamente impossível cumprir/respeitar esses compromissos devido ao seu carácter industrial (pois teria que realizar dezenas e até mesmo centenas de homilias diariamente!...). Não há nada de misterioso neste verdadeiro conto do vigário. (É igualmente possível que Saumière recebesse muito dinheiro da nobreza e dos grandes burgueses para que ele lhes averiguasse e traçasse árvores genealógicas.) Mas, para os que acreditam que o “Santo Graal” corresponde à linhagem de Jesus Cristo, fruto da sua hipotética ligação com Maria Madalena, é intrigante o facto de que Somière, com a sua sinecura extorsionária, ter mandado erguer uma torre com o nome «Magdalena» (que lhe servia de biblioteca e onde passava a maior parte do seu tempo) , assim como feito remodelações radicais na sua igreja, que também passou a ser consagrada a Maria Madalena (cujo culto está bem implantado no Sul de França, onde persiste o mito de que foi para aí que ela se refugiou após a crucificação do seu mestre). O que poucos sabem é que Somière morreu pobre. Essa boataria acabou por originar um livro intitulado « O Tesouro amaldiçoado de Rennes-le-Château» (fantasiosamente atribuído ao Rei Dagoberto II), da autoria de Gerard de Sade, que lhe dava um carácter oficial e minimamente “credível”.Na década de 40 começa a chegar-se à frente (aproximando-se das luzes da ribalta) no culto dos Templários e do “Santo Graal” um obscuro personagem chamado Pierre Plantard (1920-2000). Este era um fascista anti-semita (grande admirador de Hitler) megalómano, acérrimo opositor da maçonaria e de todos os movimentos que pretendiam modernizar a sociedade francesa. De forma pouco surpreendente, possuía ainda um mal disfarçado currículo de vigarices e delinquências várias. Nos anos 40 já tinha tentado conduzir outras sociedades secretas de sua lavra (ex.: «Rénovation National Française» e «Alpha Galates»), mas não teve competência nem sorte para concretizar os palnos que tinha para elas. Faltava-lhe inteligência e erudição suficientes [como] para executar o seu plano órfão de verdade e que continua a enganar milhões de pessoas. Por isso, pediu ajuda a um radialista amigo chamado Chérisey, que era um boémio com um sentido de humor iconoclasta e quase amoral, adepto da patafísica. Ou seja, acreditava no direito de construirmos a nossa realidade imaginária e vivê-la até que seja considerada verdadeira, desconcertando completamente os sisudos cânones da realidade subordinada à consensualidade do registo histórico e dos interesses dos mais poderosos. Esta é uma forma pueril e optimista de anarquismo surrealista.
Provavelmente devido à vergonha que sentia por ser filho de um humilde serviçal / criado parisiense, Plantard assumia-se como um pretendente ao trono de França (com tanta credibilidade como a que por cá goza o fadista Nuno da Câmara Pereira…) por ter forjado uma árvore genealógica em que se incluía como um descendente dos reis (francos) Merovíngios (que remonta ao séc. V, com o Rei Meroveu, de quem se diz ser descendente de David, o lendário Rei hebreu), para além de afirmar como Grão Mestre da sociedade secreta que ele mesmo inventou com o nome de Priorado do Sião. Esta associação foi oficialmente registada por Plantard numa conservatória francesa a 20 de Julho de 1956. Como sócios fundadores, contou ainda com a cumplicidade de 3 amigos seus (André Bonhomme, Jean Deleaval, e Armand Defago). A sede ficou estabelecida na casa do próprio Plantard. Através a reciclagem de mitos romanceados referentes à cavalaria ao serviço da igreja Católica, os seus membros pretendiam que o priorado fosse um bastião da moral e de desideratos reaccionários numa sociedade que consideravam decadente e árida de valores. Fantasiosamente, a principal missão deste priorado, ao longo de quase um milénio, seria a de zelar pela sobrevivência dos que tinham o “sangue real” dos merovíngios (que teriam caído em desgraça quando a igreja legitimou a dinastia carolíngia). Na altura em que concebeu esta trama fraudulenta, jamais passou pela cabeça de Plantard afirmar-se como descendente directo de Maria Madalena e de Jesus Cristo.
Na versão de Plantard, os merovíngios seriam a génese dos principais movimentos heréticos (reformadores do cristianismo) da Europa, tais como os Templários, os Cátaros, os Arianos, os Rosa-Cruz, os Franco-maçons,…
Uma das principais fontes de inspiração de Plantard foi o esotérico Paul Lacour que defendia a constituição de priorados regionais geridos por jovens franceses seguidores dos ideais de cavalaria. Esta ideia casava bem com outro movimento que entronizava a admiração de Plantard: a Juventude Hitleriana…
De início, Plantard até adoptou o apelido de Saint-Clair devido à crença enraizada de que esta família, como descendentes dos mais altos dignitários templários e de linhagem merovíngia, é guardiã de vários segredos da cristandade – incluindo o santo Graal.
Chérisey deve ter esfregado as mãos de contentamento com a proposta de Plantard, pois era uma excelente oportunidade para por em prática uma elaborada pilhéria que prometia causar muita celeuma no rescaldo da II Guerra Mundial.
Gerard de Sade foi logo convidado a participar desta tramóia, tendo aceite com gosto.
As sinergias criativas deste triunvirato de burlões tornaram-se tão interdependentes quanto bem sucedidas (ao ponto de dividirem entre si os lucros da venda dos livros assinados por Gerard de Sade…). Baseando-se no irresistível engodo de Noël Corbu empenharam-se em moldar e difundir versões mirabolantes e esotéricas da vida do padre Somière, colocando-o no cerne dos movimentos ocultistas que se movimentavam nos bastidores do poder político em França. (Há quem defenda que foi o próprio Somière o autor do boato de que tinha encontrado uns pergaminhos secretos que continham revelações bombásticas sobre Maria Madalena e sobre um tesouro Templário escondido nas proximidades de Rennes. Tudo isto para desviar a atenção das suas vigarices mais mundanas e notórias.)
Até Plantard chegou a escrever e publicar um romance (intitulado «l’Or de Rennes») referente ao “lendário” tesouro. Para sua infelicidade, esse livro revelou-se um fracasso editorial.
Deste conciliábulo doloso surgiram documentos falsificados sobre o Priorado do Sião que, nos seus primórdios, supostamente seria a facção mais secreta dos Templários, mas que, em 1188, se separou destes monges-guerreiros concentrado-se na defesa da linhagem merovíngia.

O Priorado teria sido fundado pelo fero cruzado Godofredo de Bulhão em 1099, quando os cavaleiros Templários descobriram, sob o Templo de Salomão, uns documentos secretos, assim como quantiosas relíquias religiosas de valor incalculável.

Há quem afirme que Plantard foi buscar o nome Sião (Sion ou Zion, em francês) a um monte homónimo, perto do qual viveu (na fronteira entre a França e a Suiça). Foi precisamente nesse período que concebeu alguns dos seus planos dolosos melhor sucedidos, para além de fundar umas outras sociedades secretas que não foram longe.
Para mim é extremamente perturbante e suspeito a coincidência do nome com outro documento falso - «os Protocolos dos Sábios do Sião» (adiante designados por PSS) que deram “legitimidade” ideológica a muitos carrascos anti-semitas para definirem os Pogroms e as campanhas de aniquilamento de judeus que culminaram no holocausto nazi.
Os PSS foram forjados pela Okhrana (a polícia secreta da Rússia czarista) e referem-se a uma alegada (e completamente fictícia) reunião clandestina de líderes judeus em Basileia (Suiça) no ano de 1897, pretendendo reproduzir as respectivas actas que constituem 24 discursos correspondentes a outros tantos passos na sua sinistra estratégia para dominarem o mundo, em que, vestindo a pele de cordeiros, fomentam a desordem, o descrédito das instituições que representam o poder ligadas aos cristianismo, até que um déspota semita assumisse as rédeas da política, da economia e da religião global.
A fim de os seus falsificadores darem alguma credibilidade a este pseudo documento, foram-lhe acrescentados nomes verdadeiros de figuras públicas e eventos mediáticos a que estas estiveram associadas. Assim, convenientemente,
A Okhrana atribuiu a autoria dos protocolos ao Concelho de Sábios do Sião liderados por Theodor Herzl, fazendo coincidir a data dos falsos documentos com o Congresso de Basileia. Aí, efectivamente, reuniram-se 204 delegados judeus de várias nacionalidades, com o propósito de fortalecer o movimento político sionista, como um poderoso lóbi que deveria garantir ao seu povo um regresso maciço à “terra prometida” na Palestina.
Ao contrário do que os difamadores anti-semitas querem fazer crer, essa reunião nada teve de secreta, sendo aberta ao público interessado e a imprensa foi convidada a assistir.
Os PSS foram editados pela primeira vez de forma clandestina e apócrifa em 1897, sendo redigidos em francês, o que reforça as suspeitas de que o texto foi adaptado/adulterado e divulgado por Piotr Ivanovich Rachkovskii, o chefe da delegação francesa (sedeada em Paris) da Okhrana, que era useiro e vezeiro na publicação de folhetos intriguistas a par da sua perseguição implacável aos emigrantes russos em solo francês. São conhecidos outros oprobiosos / injuriosos folhetos e opúsculos que, recorrendo à mesma fórmula que seria empregue nos PSS, Rachkovskii tinha posto os seus homens a distribuir aos incautos populares.(Há, por exemplo, um de 1892 que pretende denunciar os perigos da anarquia e do niilismo.)

Em 1903 os PSS foram publicados no jornal de S. Petesburgo, cujo director (um fascista anti-semita) “abalizou” a sua “autenticidade”.
(Logo em 1898 um russo, cuja identidade se presume ser Mathieu Golovinski, tentou, sem grande sucesso, usar os PSS, como parte da sua estratégia para destilar ódio por toda a sociedade russa contra os judeus, K. Marx, C. Darwin, F. Nietzche…)


A sua versão integral compilada em forma de livro (integrados num tomo intitulado « o grandioso dentro o pequeno») surgiu em 1905, da autoria do professor Segei Nilus que era um cristão ortodoxo muito próximo do czar Nicolau II, e temia a laicização da sociedade preconizada pela ameaça bolchevique e pelo guru do ateísmo político, Karl Marx, tanto quanto temia a influência do carismático Rasputin junto da família imperial russa. Além disso, o pio e tacanho Nilus sofria dificuldades financeiras e culpava os judeus por isso.

Dinastia Romanov

Os ultrareaccionários da «União da Nação Russa» que se opunham à revolução, à instituição da Constituição e da Duma, necessitavam de angariar e unir simpatizantes da sua causa em torno de um inimigo fácil que, historicamente, deixasse um rasto de escândalos escabrosos que a maioria acreditava sem questionar a sua veracidade.
Os judeus encarnam na perfeição o papel de bodes expiatórios pelo menos desde que os gentios cristãos se afastaram, em fatal litigio, da ortodoxia judaica. Os últimos evangelhos canónicos a serem escritos reflectem bem essas divergências. Por ex., no Evangelho Segundo (ES) João, os escribas (talvez esquecendo-se de que o seu messias também era judeu…) colocam na boca de Cristo a afirmação de que os judeus são filhos do diabo e apenas fazem a vontade deste último na Terra. O ES Marcos mostra-nos uma versão de Cristo pouco pacifista, misericordiosa, tolerante e conciliatória, chegando ao ponto de ordenar aos seus seguidores para que trouxessem á sua presença os seus opositores (judeus) e que, ali mesmo, os matassem!...O Novo Testamento atribui aos judeus a principal responsabilidade pela crucificação de Cristo.
Desde o imperador (romano) Nero e por toda a Idade Média, cada vez que a Europa sofria graves crises (ex.: peste negra) os judeus eram sempre culpabilizados e perseguidos.
Pouco mais de um século antes de os PSS serem forjados, a revolta francesa contribuiu de sobremaneira para a divulgação de teorias da conspiração anti-semita consolidadas em prolixa literatura que se tornou muito popular no velho continente.
Em 1797 o jesuíta francês Abbe Barruel assevera num texto publicado que a Revolução Francesa tinha sido obra de uma conspiração franco-maçónica. Em 1806 essa teoria foi adaptada a fim de que os “maus da fita” na destruição da monarquia passassem a ser os judeus.
Em 1882 a União Banqueira Católica enfrentava a bancarrota, deixando muitas famílias francesas de classe média sem o seu esforçado e vital pecúlio, enquanto que os bancos judeus prosperavam.




A facção de extrema direita da Okhrana utilizou os PSS com o objectivo principal de manipular o frouxo Nicolau II, instigando-o a se insurgir e tomar medidas musculadas contra os que pretendiam uma mudança de regime, afastando igualmente alguns dos seus principais conselheiros que eram judeus. Vivia-se um período muito conturbado, estando prestes a rebentar a Revolução Bolchevique.
Segundo Nilus (1905), os PSS eram fruto de um congresso sionista. Mas em 1906 George Butmi diz que, afinal, resultam de uma reunião maçónica…
A fósmea paranóica e xenófoba que foi construindo os PSS acabou por misturar judeus, com marxistas/comunistas e com franco-maçons, o que demonstra que a má fé dos que abraçavam essas teorias se baseava em pura ignorância. (ex.: nos séculos XVIII e XIX numerosas lojas maçónicas recusavam a admissão de judeus por estes não aceitarem Cristo como o seu Messias.)

Entre 1919 e 1921 calcula-se que uns 60 mil judeus foram massacrados pelo Exército Branco, e os PSS jogaram um papel determinante nessa tragédia.

Nicolau II chegou a receber do seu Ministro do Interior, Piotr Stolypin, um relatório em que expunha a fraude dos PSS, o que deixou o Czar desapontado e Nilus numa posição muito precária junto da corte. Mesmo vendo o seu mundo desmoronar-se, Nicolau III teve a dignidade de se retractar em relação ao apoio entusiasta que inicialmente dera à divulgação dos PSS, chegando, em contrição, a afirmar que «não podemos defender causas puras com métodos sujos». Não obstante, tudo indica que Nicolau III continuou a servir-se dos PSS, para instilar o ódio como táctica contra-revolucionária, pois nessa altura chamou para junto de si Rachkovskii, dando-lhe carta branca para a divulgação do vil texto.
A revolução russa consuma-se em 1917. No ano seguinte toda a família imperial russa é executada sumariamente.
Os mais reaccionários apoiantes do regime czarista que conservaram dinheiro suficiente para procurar a continuidade de uma vida de privilégios noutras paragens, fugiram para ocidente, espalhando-se por toda a Europa e levando com eles o germe infeccioso dos PSS, que “atestavam” a sua odiosa convicção de que os judeus tinham arquitectado a revolução russa. (Creio que foi então que surgiu o mito de que os comunistas comem criancinhas, não passando de uma adaptação de outro absurdo calunioso que dizia que os judeus utilizavam um bebé cristão como o principal ingrediente da ágape ritualizada Matzah.)
Em 1919, Alfred Rosenberg, que era um dos principais propagandistas do Partido Nacional Socialista germânico, assegurou-se de divulgar amplamente os PSS. (Nos primeiros 2 anos em que foram publicados na Alemanha, os PSS tiveram 5 edições…) Para os alemães, este texto dava continuidade aos populares «Escritos Alemães», em que o seu autor, Paul Botticher, culpabilizava os judeus por todos os males desta civilização.
Mais tarde, Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda do governo de Hitler, serviu-se largamente/exaustivamente dos PSS, nomeadamente para produzir um pseudo documentário que se tornou o seu trabalho difamatório anti-semita mais conhecido intitulado « O judeu Errante».




Em 1920, Lucien Wolf (do Concelho de Deputados Judeus) mobilizou todos os meios ao seu alcance para denunciar a falsidade dos PSS.
No ano seguinte, um correspondente do «The Times» em Constantinopla chamado Philip Graves, numa série de 3 artigos (publicados a 16,17 e 18 de Agosto), prova à Europa mais esclarecida e liberal que os PSS não passam de um plágio de uma obra satírica – que não contém referências especificamente anti-semitas – intitulada «Diálogos no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu» (1884), cujo autor, um advogado parisiense chamado Maurice Joly. A sua intenção era criticar, de forma mais ou menos velada, a política imperialista e despótica de Napoleão III. (O plano de acção concebido no inferno e defendido pela personagem que representa Maquiavel corresponde ao do líder de França à época.) A metáfora foi suficientemente clara para o imperador, e Joly foi mandado uns anitos para a cadeia.
Philip Graves deixou pouco espaço para dúvidas
Sobre a autoria dos PSS ser imputada a Rachkovskii, ao ter encontrado uma caixa de livros que pertencia ao referido oficial da Okhrana, onde estava o referido livro de Maurice Joly ao qual tinham sido arrancadas as primeiras páginas, começando a leitura (truncada) exactamente no ponto em que começa a ser plagiado para a elaboração dos PSS.
Antes da Okhrana plagiar e perverter a referida obra, o autor alemão Hermann Goedsche (que era secretário dos correios e espião da polícia secreta prussiana), sob o pseudónimo de Sir John Rectliffe, serviu-se igualmente dela para construir a sua série de novelas anti-semitas agremiadas sob o título «Biarritz» (1868), que relata uma hidra talmúdica (cujos lideres se reuniam, a cada 100 anos, no cemitério de Praga) que conspira para conquistar a dominância global, explorando e destruindo as outras etnias e culturas. No rescaldo da I Guerra Mundial, a profundamente humilhada Alemanha foi terreno fértil para estas absurdas teorias da conspiração que “incriminavam” os judeus, pois apresentavam uma explicação convenientemente simples e maniqueísta, com um demonizado inimigo culturalmente alóctone que era visto como a raiz do próprio mal, desresponsabilizando todos os demais factores socio-económicos e os
que se aconchegavam no papel de vítimas. Como agravante, os germânicos já tinham adoptado entusiasticamente o racismo académco de Gobineau, bem como a perversa e forçada interpretação da Teoria da Evolução de Darwin, aque chamavam “darwinismo social”. De recordar que, em 1879, no seguimento do popular livro de Wilhelm Marr intitulado «A Vitória do Judaísmo sobre o germanismo», criou-se a Liga Anti-semita…
Nos EUA, em 1935, Herman Bernstein também publicou uma elucidativa obra («A Verdade Sobre os PSS: a sua exposição integral»)em que desmascara os PSS, mas pouco pode contra o clima de má fé anti-semita que estava mais propício a destilar o veneno de Henry Ford e de Adolf Hitler.
Ainda hoje este documento comprovadamente falso continua a disseminar a sua infecção ideológica anti-semita, sendo muito popular nos países árabes.
Na Rússia, só em 1993 é que um tribunal declarou «os Protocolos» como uma fraude, algo que estava provado desde a II Guerra mundial.
Sem apresentarem qualquer prova nesse sentido, os “iluminados” autores do «sangue Real/Sagrado, Santo Graal», referem que o texto que serviu de inspiração aos PSS foi da lavra de uma organização secreta de orientação maçónica que se identificava com a palavra Sion/Zion. E prosseguem a sua especulação infundada com a hipótese que se trataria de verdadeira conspiração cujo propósito seria a apropriação dos mais altos cargos na sociedade renascentista por parte dos franco-maçons.








Voltando a Plantard, Sabe-se que ele tinha um especial apreço pelos Protocolos dos Sábios do Sião, à semelhança do seu herói Adolf Hitler (o próprio Winston Churchil os defendeu, até alguém provar a falsidade dos mesmos…).



Plantard construiu a sua estória do Priorado do Sião como se de uma casa de espelhos se tratasse. Estava armada a distorção disléxica ao aproveitar o facto de ter sido no mesmo ano, no mesmo local de fundação e tendo o mesmo fundador que o seu priorado, efectivamente existiu uma congregação monacal chamada Abadia da Nossa Senhora do Monte Sião (que inicialmente se implantou em S. João de Acre). Estes monges não resistiram à reconquista muçulmana (no séc. XIII), nem deixaram quaisquer registos que façam alusão à descendência merovíngia, nem a Maria Madalena, nem sequer aos templários.
Ao ser exposto e enxovalhado publicamente por jornalistas, historiadores e académicos vários, Plantard tentou compor a sua mentira inconsistente, dizendo que, afinal, o Priorado tinha sido fundado em 1681, na vila de Rennes-le-Château, por um tal Jean-Timolen Negri d’Ables… Anos mais tarde, em 1993, Plantard teve que enfrentar a justiça francesa (num processo que se estava a transformar num escândalo político devido ao facto de envolver um amigo do Presidente François Miterrand), pois tinha cometido a imprudência de acrescentar à sua lista de Grão Mestres um nome (Roger-Patrice Pelat) ainda muito influente nas esferas do poder em França. Com os calos apertados em tribunal, confessou que o Priorado do Sião era apenas fruto da sua imaginação. (Ainda assim, Dan Brown assevera que os «Dossiers Secrets» foram autenticados por muitos especialistas…) Numa rusga que a polícia fez à sua casa, foram descobertos mais documentos falsos que atestavam as pretensões de Plantard ao trono de França (caso a monarquia fosse restaurada..). O Juiz (Thierry-Jean Pierre) considerou-o um embusteiro inofensivo, apesar de megalómano, deixando-o partir em liberdade, apenas com uma admoestação mais ou menos condescendente.



Na lista dos alegados Grão Mestres do Priorado, os nomes mais populares são os de Isaac Newton, Botticelli, Victor Hugo e Leonardo da Vinci, mas Chérisey não resistiu em incluir também um dos seus heróis do surrealismo, Jean Cocteau^^^^. Teve ainda disposição e criatividade para arquitectar os pergaminhos encriptados (ou cripta de texto) que muitos ainda acreditam ser capaz de destruir a mensagem oculta no seu interior, se se forçar a sua abertura sem estar correctamente alinhadas as letras que formam a palavra-chave. (Talvez Dan Brown se poupasse a ser exposto ao ridículo, se tivesse feito a simples experiência de mergulhar folhas de papiro em vinagre, verificando assim que esse género de papel, ao contrário do que ele afirma, não se dissolve… Este é um dos detalhes menos importantes na longa lista de pseudo factos e necedades ……… que ele atesta, mas que deveria ter investigado melhor. É óbvio de que se os seus livros fossem bem fundamentados e de elevada qualidade literária, o Sr. Brown não estaria rico, assim como ninguém espera que a boa música venda tanto quanto o pimba-pop…)


^^^^ Jean Cocteau era um poeta e pintor assumidamente homossexual que nutria uma paixão pelo surrealismo. Na última fase da sua carreira dedicou-se a conceber obras gráficas de cariz religioso (que chegaram a ser encomendadas pela Igreja, apesar do cariz extremamente polémico do artista), eivadas de mensagens escondidas, onde sobressai o sincretismo católico com os símbolos alquimistas.
Chérisey Atribiu-lhe o cargo de Grão mestre do Priorado do Sião entre os anos 1918 e 1963.


Os três burlões pegaram nas suas laboriosas falsificações e foram depositá-las na Biblioteca Nacional de França (em Paris), sob o nome “les Dossiers Secrets”. Como seria de esperar, não tardou a ser encontrado. (O que aconteceu em 1975)
Possivelmente o primeiro a revelar essa fraude foi o jornalista de investigação Jean-Luc Chaumiel. Este entrevistou longamente Plantard, e os objectivos que mais costuma utilizar para o descrever são: ambicioso; megalómano; mitomaníaco; perverso,…
Em 1980, Henry Lincoln publicou uma compilação de lendas que, de grosso modo/no seu fundamental, servem de base à maioria das teorias reproduzidas no romance de Dan Brown.
Na costa sudoeste de França há séculos que está enraizada a crença de que Maria Madalena, após a crucificação de Cristo, ali se teria refugiado (após ter aportado na localidade actualmente conhecida por Saintes-Maries-de-la-mer), tornando-se pregadora até acabar os seus dias isolada do mundo, numa gruta, onde se entregou à oração e à penitência. Na sua lendária fuga marítima da Judeia, teriam viajado com ela Lázaro, a sua irmã, dois primos da Virgem Maria e uma adolescente de tez mais escura que os restantes companheiros de viagem, chamada Sara. Os ciganos de Provença (e não só) são-lhe devotos. Há quem julgue tratar-se de uma serva egípcia, ao serviço tanto de madalena como de Maria Salomé. Ultimamente cresceu exponencialmente a especulação de que se trataria de uma filha de Madalena e de Cristo. (Teoria que soa a blasfémia até para os ciganos..) Mais tarde foi acrescentado a esta lenda o “pormenor” de Madalena ser portadora do Santo Graal, mas a corrente mais forte na tradição popular indica que o apóstolo Pedro terá levado o cálice sagrado para Roma, tendo celebrado missas com ele, sendo imitado por todos os Papas até Cistos II, no séc. III.
Acabou por vingar a lenda (instigada por Baigente & Leigh & Lincoln e CªLdª) de que o santo Graal de que Maria Madalena era portadora era a sua filha Sara, cujo pai não era menos do que o próprio Cristo. Sara teria gerado descendentes ao cruzar-se com um nobre franco, dando origem à linhagem merovíngia, que governaram um território hoje pertencente à França e à Alemanha entre os séculos V e VIII, formando a primeira realeza francesa.
O Priorado do Sião seria, portanto, a guarda secreta dos descendentes merovíngios – ou seja, a linhagem de Cristo.

Henry Lincoln terá sido o primeiro autor a avançar com a hipótese de Maria Madalena ter sido esposa de Jesus de Nazaré, e estar grávida deste último quando atingiu a costa francesa. Este plumitivo televisivo – que acredita na autenticidade do Priorado do Sião (mas não da versão concebida por Plantard, Chérisey e de Sade, pois afirma que, logo da primeira reunião que teve com estes, Plantard lhe afirmou que os polémicos pergaminhos foram forjados por Chérisey) , misturado com os Templários, as lendas do Rei Artur e o santo Graal – descobriu um paralelismo entre toda esta salganhada mitológica e a dinastia Merovíngia. Consta que a mãe do primeiro Rei Merovíngio (chamado Merovech ou Merovin, tendo dado o nome à dinastia) engravidou de uma criatura marinha, “possivelmente” um peixe. Ora, um dos primeiros símbolos de Jesus Cristo (que se dava com pescadores) era um peixe. Esta coincidência tornou-se numa fraquíssima “prova circunstancial” que acrescenta mais um elo à sempre expansiva corrente de lendas em torno de figuras de culto e que se destinam a dar-lhes uma áurea de superioridade sobrenatural.
Quando a dinastia dos capetos se sobrepôs à dos merovíngios, houve quem reformula-se as lendas merovíngias por forma a acentuar-lhes uma ascendência heróica, dizendo-os descendentes de Enéas, troianos puro-sangue… (Algo parecido fizeram os ideólogos do III Reich quando tiveram que inventar as “origens da raça ariana”… As mentiras foram repetidas até à exaustão e de forma acrítica, ao ponto de até que os seus autores acabarem por acreditar nelas. É arrepiante o testemunho de alguns dos mais altos dignitários que representavam as forças aliadas no tribunal de Nuremberga, quando se referem aos líderes nazis com os quais tiveram que lidar diariamente, unanimemente asseveram terem ficado com a impressão de que estavam na presença de clérigos de uma religião maléfica…)
Como justificação para a concentração despótica/autocrática do poder nas mãos de uma elite, os ideólogos tinham que se esforçar por fazer o povo acreditar que esse era um direito divino. Mais, fossem reis ou papas, eram publicitados como representantes de deus na Terra. A antiga crença (anterior até às religiões abraâmicas) de que o sangue representa a essência da vitalidade humana impregnada com o espírito divino, deu azo á ideia de que os líderes supremos e os seus familiares tinham um sangue especial (ex.: “sangue azul”), o que significa genes superiores. Por isso, em tempos antigos a oligarquia tornou-se sinónimo de consanguinidade (o que acontecia fora do universo eurocêntrico. Por ex., no Egipto era comum os faraós casarem-se e terem filhos com as suas irmãs)
O Rei Clóvis (que era neto de Merovin e que reinou entre 481 e 511) foi pagão convicto até que a sua mulher, a princesa burgúndia Clotilde, em conluio com o insistente bispo (S.) Remígio, o convenceram a abraçar o cristianismo. Este percurso espiritual não deixa de ser estranho quando se refere a alguém que é suposto saber-se descendente de Cristo… (Padre Jesus Hortal, 2003)
Tentando agarrar qualquer diáfano resquício de “factualidade” histórica para fundamentar a sua teoria, acrescentou ainda um lendário principado judaico estabelecido no sul de França no ano 769 dirigido por um descendente da casa Real de David.

(A pesquisa histórica (?!) de Dan Brown é disparatada ao ponto de, por ex., afirmar que Paris foi fundada por Merovin, quando se sabe que essa cidade é muito mais antiga…)

Para colocar um ponto final à tresloucada especulação que pretendia ser a linhagem merovíngia descendente da união carnal entre Jesus e Madalena, foram efectuados testes genéticos bastante contundentes/elucidativos, Intermediados pelo arqueólogo e personalidade televisiva (ao serviço do Canal História), Josh Bernstein. Na cripta sob a catedral de St. Denis (a norte de Paris) foram encontrados os restos mortais de 60 membros da primeira realeza francesa, os merovíngios. Como os sarcófagos não tinham identificações individuais, apenas foi possível reconhecer (através das suas jóias) a rainha Aregund, uma das primeiras merovíngias. Amostras dos seus ossos com 1400 anos, junto com os de outros familiares, foram levados para a Universidade Leuven (Bélgica), onde o renomado geneticista Prof. Jean Cassiman (perito em ADN mitocondrial antigo) os analisou, comparando-as com outras amostras provenientes de populações do Médio Oriente, o mais próximo possível de Jesus Cristo. A conclusão foi que os morovingios em causa possuíam uma sequência de ADN mitocondrial caucasiana tipicamente europeia, sem as características que definem as populações do Médio Oriente.




Em 1982 o nome de Henry Lincol voltou a causar algum furor no meio editorial, desta feita associado aos (maçons ?) britânicos transvestidos de historiadores, Michael Baigent, Richard Leigh (liderando uma equipa de dúbios/desacreditados investigadores). O polémico tomo que estes publicaram (asseverando ser o resultado de 7 anos de investigação diligente) intitulado «O sangue de Cristo e o Santo Graal», deu uma nova versão herética às parvoíces inventadas por Plantard, Chérisey e de Sade, ao “revelar” que o Santo Graal era «o sangue real de Cristo»; ou seja, uma metáfora para designar os descendentes directos de Jesus Cristo. (Na verdade a palavra Graal tem como raiz etimológica as palavras latinas cratalis ou gradalis, que significa vaso em forma de cratera.)Para Plantard o seu logro tinha-lhe escapado de controlo, assumindo as proporções de um sacrilégio intolerante, e veio a público retractar-se, marcando uma apostasia com o priorado do Sião. Este afável crápula (como é descrito por alguns dos que privaram com ele) morreu em 2000 (com 80 anos), tendo sido poupado pelo destino às controvérsias e às especulações decorrentes do best seller de Dan Brown (publicado em 2003), autor que, puxando dos seus galões académicos, afirma tratar-se de «um facto histórico» (sic) que o Priorado do Sião é uma sociedade secreta fundada no séc. XI e ligada aos Templários … Muito boa gente com gosto por teorias da conspiração romanticamente fabuladas, mas que não se dão ao trabalho de as investigar a sério, caiu na esparrela.Recentemente (em 2006) Michael Baigent e Richard Leigh viram um tribunal britânico frustrar-lhes as intenções de forçarem Dan Brown a partilhar a sua fortuna e notoriedade, acusando-o de se ter apropriado indevidamente da sua tese, plagiando-a. Brown mentiu descaradamente (e sob juramento) ao afirmar que apenas lera o livro dos referidos autores que o processaram judicialmente quando já tinha o seu pronto. Para além da evidência das teorias plagiadas, Brown, no seu livro alvo de grandes polémicas, acaba por fazer uma subtil alusão às suas fontes literárias posteriormente (re)negadas. Este autor indubitavelmente gosta de brincar com nomes. Evita mencionar o padre Berenger Somière e o inventor do Priorado do Sião, Pierre Plantard (provavelmente porque a sua farsa já tinha sido revelada e amplamente comentada nos média franceses e até em tribunal, o que poderia estragar a sua trama pseudo erudita, pseudo científica, pseudo esotérica e pseudo herética), mas não resiste a atribuir esses nomes a alguns dos personagens principais do romance: o curador do museu do Louvre e Grão Mestre do Priorado do Sião chama-se Somière, ao passo que a sua neta, uma criptógrafa ao serviço da polícia francesa, embora atenda pelo nome de Sophie Nevue, acaba por revelar que tem o sobrenome de Plantard... Um dos maiores vilões que surgem no enredo policial é um milionário inglês cuja principal excentricidade é a obsessão pelo Santo Graal, gostando de exibir a sua erudição sobre o assunto. O seu nome é Leagh Teabing. Eis um muito fácil de decifrar e que obviamente faz alusão aos (“inconfessos”) nomes de Michael Baigent e Richard Leigh.
Em 2005, o autor estado-unidense em causa já escapara a um pleito judicial semelhante, desta feita movido pelo escritor Lewis Perdue. E as acusações de plágio não param de açoitar a duvidosa reputação de Brown, sem que tal cause qualquer abalo à sua choruda conta bancária. Se algo de bom trouxe o seu livro mais popular (que recicla desbotadas teorias de cordel com o brilhantismo, originalidade, honestidade e bom gosto com que um "cozinheiro" da McDonalds confecciona hambúrgueres em dias festivos), foi a constatação de que os europeus de hoje parecem ter menos dificuldades em aceitar a humanidade de Cristo, sem que tal afecte a sua fé nos ideais cristãos.
Até considero muito importante recuperarmos alguns mitos relativos ao sagrado feminino, mas, ao contrário do que podem indicar as aparências, Dan Brown presta um pobre serviço à causa (basta repararmos na falta de profundidade psicológica da sua principal personagem feminina no referido livro; para sermos sinceros, o autor descura completamente esse aspecto na construção de todos os seus personagens, que não passam de meros instrumentos da narrativa).Nos anos 80, quando estreou o filme «Pulp Fiction» (que deu a fama ao director-argumentista Quentin Tarantino) houve um jornalista português (cujo nome não me recordo) que, referindo-se ao extraordinário fenómeno de popularidade que suscitou na entediada e desvalorizada “Geração X”, referiu tratar-se de «um filme de culto para quem nunca tinha cultivado nada.» Pois bem, o mesmo se aplica ao « Código da Vinci» .Que imenso orgulho para a lusofonia, se Dan Brown se juntasse ao brasileiro Paulo Coelho e à portuguesa Margarida Rebelo Pinto a fim de escreverem sobre “o segredo de Fátima”, obra a ser adaptada para a televisão pela mesma equipa que produz os «Morangos com Açúcar». Melhor só mesmo se conseguissem condensar o telefilme por forma a caber no intervalo de um jogo de futebol entre Portugal e o Brasil… Seria orgásmico com direito a foguetório!...Irrita-me de sobremaneira que, mesmo sendo notório que há de mais podre no comportamento humano encontramo-lo em quantidades ingentes por toda a história da Igreja Católica, se esteja a alimentar uma mega polémica (que pouco mais é do que um golpe de marketing) em torno de algo que a Igreja até está inocente. Brown não chega a fazer uma crítica minimamente séria e consistente à Igreja (e, por extensão, às religiões de tradição judaico-cristã), pois limita-se a difamar levianamente. A atracção para a legião dos seus fãs deve-se sobretudo a que Brown finge ser um cicerone possuidor de uma inteligência e cultura digna do mais “iluminado” dos escolásticos, que, num ritmo de perseguição alucinante (em que os heróis do romance são as vítimas perseguidas ), pretende nos conduzir por uma ousada incursão através das brechas que a sua mente “superior” encontrou nos mais poderosos dogmas eclesiásticos, ao interior da caverna onde se encontra um tesouro intelectual secreto, cuja revelação mudará a forma como vemos a espiritualidade e o cristianismo. O autor mantém os leitores presos à narrativa policial recorrendo exaustivamente a uma fórmula que consiste em sempre que faz uma revelação importante para resolução da trama principal, levanta o véu da próxima revelação escabrosa, espicaçando a curiosidade e fornecendo algumas pistas para continuarmos a caça ao tesouro.

A fim de combater (principalmente na liça mediática) a subversão herética e blasfema desencadeada pelo romance de Dan Brown, a Igreja escolheu como paladino o cardeal (e arcebispo de Génova) Tarcisio Bertone. Este clérigo parece ter saído da monacal galeria de grotescos personagens que Umberto Eco moldou no seu romance «O Nome da Rosa»…Ver o Sr. Bertone como um novo inquisidor não, é de todo, descabido, atendendo à sua implacável postura reaccionária e irascível, assim como à sua longa experiência como homem de confiança do cardeal Joseph Ratzinger, que, por sua vez, foi o barco direito de João Paulo II na sua cruzada contra o “comunismo” e contra todos o movimentos políticos renovadores de cariz igualitário e libertário.
A Opus Dei adoptou uma estratégia diametralmente oposta, mais consensual com o oportunismo capitalista e a sorridente hipocrisia corporativa ao melhor estilo Yankee. Na sua opulenta (e difamada por Brown) sede em Nova Iorque, às hordas de turistas que passaram a visitar aquele local na peugada da polémica romanceada e pseudoesotérica, vendem exemplares de «O Código da Vinci» acompanhados de folhetos da sua lavra, onde pretendem emendar os erros factuais do Sr. Brown.
É uma forma eficiente de fingir que não são, de facto, um bando de fanáticos manipuladores e extorsionários que continuam a praticar a mortificação corporal/auto flagelação (embora não tenham monges nem paróquias rurais em Espanha, como indica o livro em causa).

Lynn Picknett e Clive Prince são outros autores que inspiraram Dan Brown para envolver nas suas estorietas Leonardo da Vinci, ao publicarem (em 1997) um fantasioso livro («O segredo dos templários»).
Picknett orgulha-se de ter sido a primeira a fazer a “constatação” (quase epifânica) de que está uma mulher, presumivelmente Madalena, sentada ao lado direito de Cristo na «Última Ceia» de Leonardo. Esta autora é uma feminista radical, obcecada em reavivar o mito do sagrado feminino mais ou menos ligado ao panteísmo naturalista à medida de alguns movimentos modernos que se assumem como ecologistas anti-globalização neoliberal, excessivamente materialista e injusta. Maria Madalena é para Picknett um mito ideal; um símbolo da opressão masculina que necessita de ser sublimado e vingado, a fim de ser visto, por direito próprio, como um líder religioso da maior importância .
Picknett e Prince não deveriam ter suficientes conhecimentos sobre pintura medieval e renascentista, de contrário saberiam que então era bastante comum os pintores retratarem (S.) João de forma efeminada por ser o apóstolo mais jovem e para lhe realçar o semblante angelical, de compleição adolescente, subordinado à figura poderosa de Cristo, que o considerava o mais puro e emocional dos seus apóstolos. Tradicionalmente, João era considerado «o discípulo virgem». Aliás, tampouco era invulgar os outros apóstolos serem representados da mesma forma, sempre com a intenção de sublinhar a sua inferioridade perante o Messias. Já agora, se na «Última Ceia» de Leonardo Maria Madalena substitui João, para onde foi parar este último?! As charadas simbólicas que possivelmente se ocultam nessa obra-prima creio que deverão ser analisadas mais no contexto da pintura composta (que geralmente é designada como estrutura piramidal ), em que comummente Leonardo fazia os seus personagens pictóricos interligar-se em enigmáticas formas, onde nada é casual. por outro lado, este género de devaneios e elucubrações mais ou menos conspiratórias é inevitável, pois está na base da formação de todas as religiões, seguramente desde os primórdios da nossa espécie. O homem tende a dar significados “profundos” ao acaso, tentando descortinar padrões que dêem a ilusão de nos permitir antecipar o futuro a fim de ter um melhor controlo do nosso destino. É a nossa visão antropocêntrica da vida, intrinsecamente supersticiosa, moralista e megalómana. Acreditamos que a dinâmica do universo e do mundo espiritual está presa às nossas acções orientadas por uma moralidade cuja ética necessita de cuidados constantes,.reavaliações e ajustes.
A mesma curiosidade e pretensão esotérica com que agora muitos crédulos olham para a obras de Leonardo ou fazem cartas astrais (astrologia), há uns séculos outros “liam” entranhas de animais…
Leonardo teria achado muita piada se soubesse que ainda hoje na cidade de Siena (Itália) um exacerbado bairrismo herdado da Idade Média motiva a celebração de uma corrida de cavalos abençoada pela Igreja e que leva a multidão de assistentes ao rubro. O prémio para o vencedor é a glória colectiva de todo o bairro cujas cores representa. O símbolo da vitória que todos os cavaleiros anelam é um estandarte chamado de Palio, cuja iconografia é tão religiosa quanto desportiva. Todos os anos é pintado (manualmente e com muito esmero) um novo modelo de Palio. Muitos continuam a acreditar que o resultado da corrida está codificado na referida pintura.



Para os que conhecem o Novo Testamento, saberão que Maria Madalena desempenha um papel importante na construção do mito de Cristo, afinal foi ela a primeira entre os seus seguidores a ver o Messias ressuscitado e foi também a única entre os apóstolos que não abandonou Cristo crucificado.
Mesmo antes do Imperador Constantino, era óbvio que os líderes da cristandade e do judaísmo reforçavam as suas posições para que se impusesse, de forma inquestionável, o machismo patriarcal e misógino.
Tal como o exército espartano encorajava as ligações homossexuais entre os companheiros de armas, por forma a estreitar a camaradagem e para não ficarem vulneráveis através dos laços afectivos com a sociedade civil (em particular com a sensibilidade e a necessidade de segurança atribuídas às mulheres), a Igreja, desde muito cedo na sua história, estabeleceu a obrigação sistémica do celibato sacerdotal/eclesiástico., o que foi oficializado no Concílio de Elvira (300-306 d.C.). Para além de um exército de sacerdotes com disponibilidade total e exclusivamente dvotados à Igreja, pretendia-se que os os seus membros provenientes de famílias abastadas deixassem em herança os seus pertences à igreja.




O culto mariano ainda não tinha uma expressão relevante, mas Maria Madalena era adorada por algumas facções cristãs algo marginais, principalmente os que seguiam os evangelhos (gnósticos) de Maria Madalena e de Filipe, onde é apontada como a favorita de Cristo entre os seus apóstolos (o que a tornava um alvo recorrente dos ciúmes de Pedro…). A sua proximidade com o Messias tinha um carácter muito íntimo, sendo, à frente de todos os apóstolos, amiúde por ele beijada – na boca? Na face? O pé? Essa reveladora designação anatómica foi eliminada no Evangelho de Filipe por deterioração natural do documento… mas temos que ter em conta o facto de que tanto nos evangelhos apócrifos alvo de tanta especulação sobre Madalena, o de Filipe e de Tomé (provavelmente dois séculos posteriores aos evangelhos canónicos), não há referências explícitas de que Jesus e Madalena tivessem uma relação erótico-romântica. O tal beijo suspeito entre eles facilmente pode ser interpretado como fazendo parte do ritual gnóstico de iniciação e transmissão de um conhecimento esotérico.
Dan Brown pretende que nos manuscritos do mar Morto/Qumran
Se encontram indicações claras sobre o que se passou entre Madalena e Cristo após a crucificação deste último. Mas, na verdade, esses documentos não fazem qualquer menção a Cristo, ao cristianismo, aos apóstolos e nem sequer ao então muito popular João Baptista.
Tal como tinha acontecido com o judaísmo, a cristandade, desde os seus primórdios, revelou-se prolífica em facções com diferentes interpretações e posturas ante as mensagens sagradas. Então, quais cogumelos num bosque outonal, décadas após a morte de Cristo, surgiu uma profusão de evangelhos. Cada comunidade religiosa concebia as suas próprias estorietas (muitas vezes reciclando lendas e mitos romanos e gregos) de acordo com as versões que mais lhe agradavam das religiões que estavam a moldar. E assim construíram doutrinas que, na sua maioria, foram tornadas proscritas pela ortodoxia vencedora nessa disputa político-teológica. Algumas comunidades heréticas tiveram mesmo que isolar-se a fim de preservarem as suas tradições, mas a maioria extinguiu-se.
As narrativas apócrifas pintam com cores pitorescas pormenores mais mundanos/ terra-a-terra da sagrada família. Acima de tudo, sublimam as qualidades dos apóstolos, colmatando a lacuna do Novo Testamento que não faz qualquer referência ao seu destino no paroxismo da perseguição romana aos cristãos (quem é que ficaria satisfeito com um livro com final aberto no auge da acção?!). Nessas estórias amplamente divulgadas as virtudes morais e os poderes sobrenaturais dos apóstolos aproximam-se dos relatos sobre os milagres de Cristo. (ex.: contam que, em Roma, Pedro envolve-se num duelo de magia com um “falso profeta” chamado Simão Mago, estando em jogo a conquista de um enorme “rebanho de fiéis”. Após uma incrível demonstração de truques assombrosos por parte de ambos os contendores, Pedro acaba por vencer ao se capaz de fazer a derradeira proeza de vencer a morte, ressuscitando um cadáver…)
Para além de reforçarem a doutrina com episódios lúdico-didácticos, ainda deram alento espiritual aos cristãos perseguidos e massacrados com requintes sádicos, inspirando-os com exemplos de fidelidade estóica a Cristo e a Jeová. Segundo essas narrativas, quase todos os apóstolos tiveram mortes extremamente violentas na condição de mártires, jamais fraquejando nas suas convicções perante os seus algozes. Assim, a morte como uma necessária prova de fé e como a libertação dos males mundanos, foi-se enraizando na psique/pneuma cristã.


Alguns dos evangelhos apócrifos sustentavam versões de Cristo que eram incompatíveis com os textos que foram seleccionados para o Novo Testamento. Por ex., o de judas iliba-o como traidor e mostra um Messias que gosta de dar boas gargalhadas; no de S. Tomás, Jesus comporta-se de uma forma que as actuais feministas não teriam pudor em classificar como um porco chauvinista; noutras ocasiões age como um mágico exibicionista que utiliza os seus poderes sobrenaturais desde tenra idade para impressionar os seus companheiros de brincadeiras…
Os doutores da Igreja ao longo dos séculos encarregaram-se de menosprezar a memória e o papel de Madalena, até que a tradição popular passou a vê-la como uma meretriz que apenas se arrependeu da sua vida devassa devido à magnanimidade de Cristo Salvador, sempre disposto a perdoar os que o escutavam em reverência. A intenção principal era impedir as mulheres de ter acesso aos mais altos cargos da Igreja. Esse tornou-se um privilégio exclusivo dos varões que, aos olhos dos devotos, passassem por assexuados, tal como pretendem que Jesus tenha sido Imune às “vis tentações do sexo fraco”…)
A mãe de Cristo só pôde crescer em consideração e devoção porque representava uma figura maternal que, contrariamente às teorias de Freud e às romarias sevilhanas, foi completamente esvaziada de erotismo (tendo até lhe deve sido extraído um pedaço da auréola para lhe reconstruírem o hímen…), além de se prestar ao papel estereotipado das mulheres “ideais” (nas sociedades machistas) que nasceram para sofrer pelos homens, nunca lhes negando o perdão.
Aliás, toda a “sagrada família” foi virginizada. No protoevangelho de Tiago (que provavelmente data do século II) José é um idoso (viúvo que já tinha cumprido o seu dever máximo para com a sociedade judaica ao ser pai de 6) aquando da sua união matrimonial com Maria. Esta última, como forma de realçar a sua virgindade beatífica, teria sido entre aos cuidados do Templo desde os 3 anos de idade. Um texto copta (do séc. IV?) vai mais longe na tentativa de acreditar a virgindade perene de Maria, extremando a velhice de José quando este a tomou por esposa. O(s) seu(s) autor(es) apócrifo(s) refere(m) que o primeiro casamento de José aconteceu quando ele tinha 40 anos (algo que muito dificilmente poderia acontecer na comunidade hebraica daquele tempo…) e durou 49 anos. Ao enviuvar, recorreu à ajuda dos sacerdotes do Templo de Jerusalém para que estes lhe arranjassem uma das suas imaculadas pupilas – apenas para lhe fazer companhia, subentendendo-se uma impotência geriática…
Para os (misóginos) católicos que acabaram de compor convenientemente a história da sagrada família e de muitos outros santos, essas figuras de culto necessitavam de ser assexuadas na sua devoção exclusiva a deus. Assim, a prole destes foi sonegada ou reestruturada ao estilo Disney (ex.: as crias que vivem com as personagens principais são todos seus sobrinhos, tal como os filhos dos padres costumavam ser chamados de afilhados…). No Novo Testamento é referido que Jesus Cristo tinha irmãos (só entre os varões, contavam-se Tiago, Judas, Simão e José). Um dos problemas para a definição de uma árvore genealógica da sagrada família é que, nesse tempo, as palavras irmão e primo tinham uma utilização semelhante. Há ainda a dúvida de quais os irmãos que partilhavam os mesmos pais que Cristo, e quais os que José trazia do seu primeiro casamento.





Tenho poucas dúvidas de que os principais fundamentos teológicos e alguns dos seus rituais mais relevantes (como, por ex., o da circuncisão) das religiões abraâmicas tiveram as suas origens no Egipto (com destaque para o reinado do faraó Akenaton), onde uma numerosa comunidade hebraica permaneceu cativa durante séculos até ao seu êxodo liderado por Moisés.
O culto mariano, tal como se desenvolveu a partir do segundo século após a morte de Cristo, tem óbvios paralelismos com Isis, a esposa de Osíris, Rei dos deuses egípcios. Isis era igualmente vista como uma “virgem, Santa Mãe de Deus” ) neste caso, Orus), sendo retratada sempre vestida com linho branco.
Três décadas antes de Cristo Nascer, o Egipto foi anexado pelo império romano (após o suicídio de Cleópatra), mas a relação entre essas duas grandes potestades já era bem estreita há muito tempo.
Os romanos tinham por costume, não apenas tolerar a liberdade religiosa entre os povos que conquistavam (desde que estes não falhassem no pagamento dos impostos, nem professassem cultos que pusesse em causa a autoridade do Estado, como foi o caso dos cristãos), mas ainda adoptar os seus deuses (o melhor exemplo disso verificou-se na sua assimilação da cultura grega). Pois bem, em 40 a.C. Calígula inaugurou em Roma um templo em honra de Isis (que passou a entronizar o santuário da deposta deusa Diana), que se tornou muito popular. (Este ditador ensandecido/ louco patrocinava fortemente o culto a Isis provavelmente por motivos que deixariam Sigmund Freud tão excitado quanto Michael Jackson na Disneylândia… É que Calígula mantinha uma relação incestuosa com a sua irmã Drosila. O mito dos deuses irmãos Osíris e Isis, assim como a história do faraó helénico Ptolomeu IV que estava casado com a sua irmã (prática que era comum entre os soberanos do Egipto) fascinavam imenso o imperador romano que via neles a legitimação do seu bizarro relacionamento romântico-erótico, como se seguisse um padrão profético exclusivo de seres superiores.)

* O medo da sexualidade feminina que se quer exprimir de forma libertária/emancipada é, obviamente, muito anterior às religiões abraâmicas, estando fortemente implantado, desde tempos imemoriais, nas sociedades patriarcais. Provavelmente advém da insegurança instintiva de os homens nunca saberem ao certo (pelo menos antes dos testes de ADN) se são os pais biológicos das crianças que ajudam a criar. Em termos evolutivos, parece desastroso investir tanto em seres que não carregam o nosso legado genético. ( Atenção que, racionalmente, sou 100% a favor da adopção!) O facto de as mulheres terem uma vida sexual mais longeva e serem multiorgásmicas (sem que os seus orgasmos tenham grande influência no processo de fecundação) e poderem receber o sémen de muitos parceiros sexuais (sendo possível terem sexo, forçadas ou não, mesmo sem estarem excitadas sexualmente), faz com que muitos machos tentem “cortar o mal (dos apetites sexuais femininos) pela raiz”, tanto em termos culturais (coerção psicológica) como até físicos. É por isso que em África diariamente continuam a excisar (o clítoris) de umas 6 mil meninas, muitas das quais morrem de subsequentes infecções. Comummente este procedimento bárbaro é complementado com o corte dos lábios vaginais que de seguida são cosidos (com espinhos), de modo a deixar apenas uma abertura mínima que assegure a expulsão da urina e do fluxo menstrual (chama-se a isso infibulação). Assim fica garantida a virgindade!... Imagine-se as terríveis dores que as sobreviventes têm ao iniciar a sua vida sexual (em conformidade com alguns seguidores do Corão). Em países como a Etiópia e o Sudão, entre outros, um elevado número de mulheres acaba por perecer ao tentar “dar a luz” como resultado destas práticas que as autoridades de 16 países se comprometeram protocolarmente a combater, mas que insistem em fingir ignorar …
Em 2006 um tribunal estado-unidense condenou um cidadão de origem etíope (que reside com a sua família nos EUA) a 10 anos de cárcere por, na privacidade do seu lar, ter excisado o clítoris da sua filha quando esta era um bebé de 2 anos (na altura do julgamento a menina tinha 7 anos), segundo os preceitos em que fora educado. A inusual severidade desta pena certamente que se destina a fincar um exemplo de tolerância zero quanto a estas práticas em terras do Tio Sam, amedrontando todos os que ainda acreditam na necessidade de mutilar as meninas, comprometendo toda a sua vida sexual e desobedecendo as leis do império. (Por outro lado, poucos acreditarão que, se algum estado-unidense filho de um proeminente político ou industrial for apanhado a furtar num país muçulmano ultraconservador, a pena habitual para estes tipos de delitos – a amputação da mão – será aplicada….)
Na caça às bruxas medievais, ter os lábios vaginais e/ou o clítoris grandes, era considerado um comprovativo de que estavam a lidar com um estrigídeo ao serviço de Satã.
Estranhamente, ainda hoje o clítoris quase não é merecedor de tratados de medicina.
O clítoris é um órgão muito maior do que se supõe (estando quase todo oculto à volta da vagina) composto por mais fibras nervosas do que o pénis; a sua única função é a de dar prazer e, após o orgasmo, não é afectado por um relaxamento muscular acompanhado de uma diminuição do afluxo sanguíneo (como acontece ao pénis), o que lhe permite provocar orgasmos múltiplos. Para algumas culturas misóginas, tal capacidade feminina (digna de admiração, digo eu!) apenas contribui para o mito da ninfomaníaca fora de controlo (masculino)…

O “pai da medicina”, Hipócrates, associava as mudanças de humor e as doenças femininas à sexualidade, conjecturando que o útero era um órgão maligno e errante, capaz de se deslocar do seu sítio certo no baixo ventre para errar pelo corpo, provocando doenças em cada órgão que embatia…
Milhares de anos depois, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, tinha algumas ideias deste calibre em relação às mulheres; eis algumas delas: «o orgasmo clitoriano é infantil»; «as mulheres só ultrapassarão a sua ansiedade crónica e desequilíbrio emocional (constituídos por um rosário de fanicos e de caprichos) quando aceitarem a sua condição de inferioridade (inata) em relação aos homens»…

«As palavras e actos de Deus são bem claros: as mulheres foram feitas para ser esposas ou prostitutas» - Martinho Lutero
(S.) Agostinho colocou o dedo na ferida da fraqueza masculina (heterossexual) na sua luta contra os instintos:
«As mulheres não deveriam ser educadas ou ensinadas de nenhum modo. Deveriam, na verdade, ser segregadas já que são causa de horrendas e involuntárias erecções em santos homens» …

Certamente que esses eventos e ideias heréticas relativas a Madalena não passariam desapercebidos ao mestre Leonardo, assim como o facto de o “Santo Graal” não passar de uma intrujice inventada uns 10 séculos após a morte de Cristo.
A cena litúrgica que Leonardo pintou no bafiento refeitório do mosteiro de Stª Maria da Graça, em Milão, parece ser uma reconstituição bastante fiel da narrativa do evangelho segundo João. Nesse texto não se encontram quaisquer referências à instituição da eucaristia (simbolicamente antropofágica) nem ao “Graal”. O facto de este objecto mitológico estar ausente na pintura não deveria causar-nos espanto, até porque todos os apóstolos retratados – assim como Jesus Cristo – têm à sua frente recipientes (individuais e em número equivalente aos presentes) para beberem o vinho na comemoração da Páscoa judaica.



É possível que, para o quadro em questão, o maior génio do Renascimento se tenha inspirado num texto intitulado «Apocalipsis Nova», da autoria de João Mendes da Silva (vulgo Amadeo de Portugal), que naquela época causou alguma comoção entre o restrito número de leitores que tiveram acesso a este texto proibido; nele este monge franciscano ousou assinar a afirmação herética de que os maiores protagonistas do Novo Testamento foram a “Virgem” Maria e João Baptista, sendo Cristo pouco mais do que um títere destes. (Pietro Maani, 2004)João Baptista foi percursor de um trabalho continuado pelo seu discípulo Jesus Cristo. A fama deste último, crescendo exponencialmente ao longo dos séculos, em muito ultrapassou a de João Baptista, mas, na palestina de há dois mil anos, a situação era inversa.
Tal como os judeus não aceitam/reconhecem Cristo como o seu Messias, no início da cristandade houve uma seita gnóstica de seguidores de João Baptista (que chegou a rivalizar em número com os cristãos) que preferiu isolar-me a fim de tentar preservar a sua pureza espiritual e também escapar a represálias.

O trauma de ter sido um filho bastardo (o que o impedia de seguir profissões mais conceituadas, como a medicina e a magistradura) de um homem que lhe dedicava pouco tempo e que prematuramente o privou da companhia de sua mãe (uma serviçal banida para sempre da sua vida), contrabalançado com a fecunda experiência de (até aos 15 anos de idade) ter gozado da liberdade para explorar os campos em redor da aldeia onde cresceu, moldou o espírito curioso e criativo do jovem Leonardo – que nunca perdeu o fascínio pela natureza e nela nunca encontrou deus.
A aldeia serrana de Vinci (situada na Toscânia, apenas a 30 Kms de Florença), no século XV, era um sítio encantador. Inseria-se numa prodigiosa paisagem (que inspirara pintores afamados como Fra Angélico e Sandro Botticelli), constituída por um harmonioso mosaico de culturas agrícolas, com destaque para os vinhedos e os olivais. As encostas superiores do Montalbano estavam cobertas por um dossel florestal maioritariamente constituído por carvalhos e castanheiros. A planície em redor era de aluvião, cortada pelo rio Arno, que alimentava uns pauis cheios de vida selvagem.
Essa riqueza florística e faunística estimulou imenso os sentidos aguçados, a invulgar inteligência e a afectividade poética de Leonardo. A natureza sempre foi para ele uma fonte inestimável de inspiração e a única coisa que jamais o desiludiu. De todas as criaturas silvestres que conheceu, nenhuma preencheu mais o seu imaginário do que as aves; estas sim possuíam um segredo que Leonardo, em vão, perseguiu toda a sua vida: o voo.
Também de grande influência na sua educação foi o seu tio Francesco, que, devido às frequentes ausências do pai e do avô, acabou por se tornar numa figura paterna pouco ou nada autoritária. Francesco era avesso às formalidades e à disciplina que nos é imposta por terceiros a fim de que executemos tarefas que nos violentam o corpo e/ou a psique; dava bastante importância à contemplação da natureza e ao desfrute pacato dos sentidos, assim como à convivência humorada e à expressão artística (apesar de cultivar uma indolência aburguesada que lhe permitia não se aplicar no desenvolvimento da sua veia artística, encorajou o talentoso sobrinho a desenhar desde tenra idade) Deste modo, Leonardo pode aprender como auto didacta, livre de muitos dogmas retrógradas e da ortodoxia castrante que sempre força à uniformização medíocre.
Quando, ainda adolescente, foi viver para Florença, essa cidade era o epicentro de uma revolução cultural e, como tal, fervilhava com ideias novas – algumas delas heréticas! Sabendo-o incansável na demanda do conhecimento verídico, era impossível que Leonardo não se sentisse atraído por todas as ramificações do pensamento radical que medravam na capital intelectual do mundo conhecido. A Igreja esforçava-se por manter sob controlo este movimento cultural renovador, usando-o em seu proveito no patrocínio de obras que a enalteciam. Os outros senhores da guerra converteram-se igualmente em patronos dos artistas, engenheiros e arquitectos ***que poderiam assegurar o reforço do seu poder.
***Nessa época a fronteira entre estes misteres era muito ténue, pois os artistas nem sequer tinham uma classe própria, sendo identificados como quaisquer outros artesãos/trabalhadores manuais. Por outro lado, no afã de recuperar os elevados conhecimentos/cânones dos gregos e dos romanos, os pioneiros das artes e ciências renascentistas compreendiam melhor do que hoje a importância da interdependência e da criação de sinergias entre as disciplinas que estudavam e que desenvolveram magnificamente.


Assim, um amante da paz como Leonardo, por estar à mercê de homens poderosos e beligerantes, apesar de considerar a guerra como «uma bestialíssima loucura» (sic), foi obrigado a empregar o seu génio na construção de máquinas de guerra.
O seu génio independente era imune às doutrinas religiosas, mas não podemos esquecer-nos que a Igreja era a instituição mais poderosa na Europa. A sobrevivência (não apenas económica) de Leonardo dependia da sua competência em ocultar o seu desprezo pelos dogmas embrutecedores e pela violência opressiva que eram os principais recursos das autoridades eclesiásticas para disfarçar a sua hipocrisia e explorar os fiéis.
Todos os artistas profissionais e aprendizes tinham que estudar a sacrossanta mitologia judaico-cristã. Leonardo não constituía uma excepção a essa regra, mas, como era seu apanágio, tentou aprofundar esses conhecimentos e pensamentos filosófico-teológicos a patamares que a esmagadora maioria dos seus contemporâneos considerava tabu.
Sabemos que Leonardo possuía livros gnósticos e outros textos relacionados com os evangelhos apócrifos (Mário Taddei, 2004). Alguns dos seus quadros (ex.: a primeira versão d’«A Virgem dos Rochedos»), bem como dos seus discípulos (ex.:Bernaldini) possuem um simbolismo hermético que dificilmente conseguiremos explicar sem as orientações dessa doutrina proscrita.
Creio que a preferência de Leonardo pela figura de João Baptista (que era um tema recorrente nos seus quadros, nos quais estrelava sempre com papéis deveras enigmáticos), se devia primeiramente ao facto de que esse corifeu místico era o padroeiro de Florença. Não obstante, tenho fortes suspeitas de que o maior mestre renascentista estva convicto de possuir informações (arcanas e proibidas) sobre João Baptista que hoje desconhecemos…
Em suma, Leonardo via o homem como a mais assombrosa criação da mãe natureza, por sermos portadores da centelha da divindade criativa que muitos procuravam, e continuam a procurar, em entidades metafísicas que se supõe viverem algures num céu místico. Na época hodierna, poderíamos considerar a sua espiritualidade como a de um naturalista agnóstico, tecnófilo e industrioso, que apenas acreditava naquilo que era possível ser percebido pelos sentidos e pelo método científico. Ele, que procurou estabelecer um casamento perfeito entre a arte e a ciência, apenas tinha fé no engenho humano, em especial nas suas próprias capacidades, pois sabia que a fé cega e conformada que as religiões oferecem começa onde a razão desfalece e se recusa a trilhar o árduo e laborioso caminho da verdade. Acreditava ainda que as virtudes mais elevadas provinham do racionalismo educado, e que o conhecimento deveria ser acessível a todos.
Neste aspecto, a tumultuosa reforma protagonizada pelo irado Martinho Lutero não trouxe qualquer benefício pela via teológica.«A Razão deveria ser destruída em todos os cristãos. Ela é o maior inimigo da Fé. Quem quiser ser um cristão deve arrancar os olhos de sua Razão» - Martinho Lutero


É inconcebível imaginá-lo como dirigente de uma sociedade secreta (que, ainda por cima, foi inventada uns 5 séculos depois…); simplesmente faltava-lhe tempo, vocação e capacidades organizativas para tal. O seu individualismo não se devia apenas ao facto de ser um génio sem par, mas também porque conhecia demasiado bem a psique humana e a sociedade em que vivia, como para confiar a outros informações do seu foro privado que o deixariam demasiado vulnerável.

A ideia de que um intelecto superior como o de Leonardo da Vinci ter empatia pela obra e legado dos Templários seria insultuoso, se não fosse obscenamente ridículo.














Gosto do novo símbolo de Alpiarça. Talvez daqui a uma meia dúzia de anos algum político minimamente inteligente considere importante acrescentar-lhe alguma referência ao Paul dos Patudos…
Lembro-me que, há uns 15 anos, quando comecei a visitar regularmente o Douro Internacional (antes de ter o estatuto de Parque Natural), as populações (humanas) autóctones não pareciam ligar puto à extraordinária vida selvagem que os rodeava; até consideravam essa bicharada como daninha (vá se lá saber porquê?...)
Um dos locais mais visitados mais visitados pelos naturalistas (sobretudo os ornitólogos) era (e continua a ser) as escarpas do rio Águeda, junto da povoação de Almofala. Foram tantos os que, como eu, se encaminharam (numa autentica peregrinação ornitológica) para aquele sítio deslumbrante, pedindo direcções aos campesinos e fazendo despesas nas pequenas lojas, cafés, pensões, bombas de gasolina, etc… que havia por ali, que a atitude dos residentes mudou drasticamente. Um dos mais claros reflexos disso foi que, ao renovarem a fonte à entrada da aldeia, colocaram um painel de azulejos em que estrelava um grifo (o abutre mais comum em Portugal e que tem no D.I. a população nidificante mais numerosa ).
Houve até um episódio caricato (típico do terceiro-mundismo lusitano) em que o presidente da junta, com um neófito orgulho no património natural que tinha à porta, foi mostrar a uns amigos de fora as escarpas onde nidificam os grifos (bem como os abutres-do-Egipto, as cegonhas-negras, as águias-de-Bonelli, os falcões-peregrinos, etc…). E não esteve com meias medidas: para que os forasteiros não tivessem que apurar o olhar à procura de aves miméticas com as rochas, nem ficassem desapontados por na vida real a natureza não ser uma ininterrupta acção predatória com dão a entender os documentários televisivos, atirou uns foguetes para o meio das aves de rapina pousadas. Assim, todos puderam apreciar a majestosa envergadura das mesmas, enquanto estas fugiam espavoridas…

Os espelhos d’água do nosso paul estão a ficar cobertos com a erva-pinheirinha (que é uma espécie acidentalmente introduzida e que prospera às mil maravilhas em águas com excesso de poluição orgânica).
O Sr. Borgas (que agora anda lá pelo paul ao serviço de um útil programa de vigilância e prevenção aos fogos), em comunicação pessoal, já se prontificou – até em regime de voluntariado – a limpar (provisoriamente) a cobertura da erva-pinheirinha que está a asfixiar toda a vida aquática. O dono do paul e a autarquia que dêem luz verde a esta iniciativa, antes que seja tarde demais! Eu faço questão de me voluntariar para ajudar nesses trabalhos (se assim o permitirem os Mestres do Universo…).
Por falar no Sr. Borgas, há poucos dias veio pedir-me explicações (directamente e de forma cordial, como é o mais correcto, apesar das nossas velhas divergências de opiniões) porque um leitor deste blog lhe tinha envenenado as orelhas contra mim, com a intriga de que eu aqui tinha assinado e divulgado um texto em que o acusava de andar a vender aves de rapina e até fazia a sua descrição física!... Não encontro melhor resposta para esta calúnia do que partilhar uma velha anedota:
Encontram-se dois clítoris na rua. Depois de se cumprimentarem, um deles diz: «então pá, ouvi dizer que andavas murcho; que já não te excitavas…» E responde-lhe o outro: «Oh, essas más línguas…»