«O Código da Vinci» é baseado numa trama de embustes incrivelmente bem sucedidos. O seu epicentro geográfico é a povoação francesa de Rennes-le-Château, que, entretanto, se tornou na “Meca” dos que farejam obsessivamente o rasto do “Santo Graal”. Aí viveu (até 1917) o padre Berenger Somière (ou Saumière) que, suspeitamente, enriqueceu no exercício do seu modesto mister.Anos mais tarde, um seu conterrâneo chamado Noël Corbu dirigia um decadente hotel («Hotel de la Tour», implantado numa propriedade que pertencera a Somière, chamada por este último de «Villa Béthanie» ) e, como necessitava de um eficaz chamariz turístico, resolveu conceber e espalhar um boato (que levaria até aos jornais em 1956) que tinha todos os ingredientes para ser bem sucedido. Foi como deitar fogo no restolho… Em breve todos especulavam sobre como o padre Somière teria encontrado um pergaminho secreto (que estivera durante séculos escondido num pilar da sua igreja) relacionado com os Templários (que tiveram uma forte presença naquela região) e que continha bombásticas informações sobre o “Santo Graal”. De alguma forma, isso tê-lo-ia feito um homem rico.Ainda hoje, poucos dos que se sentem fascinados por esta estória se molestam em averiguar que o padre Somière chegou a ser admoestado pelos seus superiores hierárquicos devido ao seu esquema de aceitar dinheiro para rezar pelas almas dos mortos, sendo humanamente impossível cumprir/respeitar esses compromissos devido ao seu carácter industrial (pois teria que realizar dezenas e até mesmo centenas de homilias diariamente!...). Não há nada de misterioso neste verdadeiro conto do vigário. (É igualmente possível que Saumière recebesse muito dinheiro da nobreza e dos grandes burgueses para que ele lhes averiguasse e traçasse árvores genealógicas.) Mas, para os que acreditam que o “Santo Graal” corresponde à linhagem de Jesus Cristo, fruto da sua hipotética ligação com Maria Madalena, é intrigante o facto de que Somière, com a sua sinecura extorsionária, ter mandado erguer uma torre com o nome «Magdalena» (que lhe servia de biblioteca e onde passava a maior parte do seu tempo) , assim como feito remodelações radicais na sua igreja, que também passou a ser consagrada a Maria Madalena (cujo culto está bem implantado no Sul de França, onde persiste o mito de que foi para aí que ela se refugiou após a crucificação do seu mestre). O que poucos sabem é que Somière morreu pobre. Essa boataria acabou por originar um livro intitulado « O Tesouro amaldiçoado de Rennes-le-Château» (fantasiosamente atribuído ao Rei Dagoberto II), da autoria de Gerard de Sade, que lhe dava um carácter oficial e minimamente “credível”.Na década de 40 começa a chegar-se à frente (aproximando-se das luzes da ribalta) no culto dos Templários e do “Santo Graal” um obscuro personagem chamado Pierre Plantard (1920-2000). Este era um fascista anti-semita (grande admirador de Hitler) megalómano, acérrimo opositor da maçonaria e de todos os movimentos que pretendiam modernizar a sociedade francesa. De forma pouco surpreendente, possuía ainda um mal disfarçado currículo de vigarices e delinquências várias. Nos anos 40 já tinha tentado conduzir outras sociedades secretas de sua lavra (ex.: «Rénovation National Française» e «Alpha Galates»), mas não teve competência nem sorte para concretizar os palnos que tinha para elas. Faltava-lhe inteligência e erudição suficientes [como] para executar o seu plano órfão de verdade e que continua a enganar milhões de pessoas. Por isso, pediu ajuda a um radialista amigo chamado Chérisey, que era um boémio com um sentido de humor iconoclasta e quase amoral, adepto da patafísica. Ou seja, acreditava no direito de construirmos a nossa realidade imaginária e vivê-la até que seja considerada verdadeira, desconcertando completamente os sisudos cânones da realidade subordinada à consensualidade do registo histórico e dos interesses dos mais poderosos. Esta é uma forma pueril e optimista de anarquismo surrealista.
Provavelmente devido à vergonha que sentia por ser filho de um humilde serviçal / criado parisiense, Plantard assumia-se como um pretendente ao trono de França (com tanta credibilidade como a que por cá goza o fadista Nuno da Câmara Pereira…) por ter forjado uma árvore genealógica em que se incluía como um descendente dos reis (francos) Merovíngios (que remonta ao séc. V, com o Rei Meroveu, de quem se diz ser descendente de David, o lendário Rei hebreu), para além de afirmar como Grão Mestre da sociedade secreta que ele mesmo inventou com o nome de Priorado do Sião. Esta associação foi oficialmente registada por Plantard numa conservatória francesa a 20 de Julho de 1956. Como sócios fundadores, contou ainda com a cumplicidade de 3 amigos seus (André Bonhomme, Jean Deleaval, e Armand Defago). A sede ficou estabelecida na casa do próprio Plantard. Através a reciclagem de mitos romanceados referentes à cavalaria ao serviço da igreja Católica, os seus membros pretendiam que o priorado fosse um bastião da moral e de desideratos reaccionários numa sociedade que consideravam decadente e árida de valores. Fantasiosamente, a principal missão deste priorado, ao longo de quase um milénio, seria a de zelar pela sobrevivência dos que tinham o “sangue real” dos merovíngios (que teriam caído em desgraça quando a igreja legitimou a dinastia carolíngia). Na altura em que concebeu esta trama fraudulenta, jamais passou pela cabeça de Plantard afirmar-se como descendente directo de Maria Madalena e de Jesus Cristo.
Na versão de Plantard, os merovíngios seriam a génese dos principais movimentos heréticos (reformadores do cristianismo) da Europa, tais como os Templários, os Cátaros, os Arianos, os Rosa-Cruz, os Franco-maçons,…
Uma das principais fontes de inspiração de Plantard foi o esotérico Paul Lacour que defendia a constituição de priorados regionais geridos por jovens franceses seguidores dos ideais de cavalaria. Esta ideia casava bem com outro movimento que entronizava a admiração de Plantard: a Juventude Hitleriana…
De início, Plantard até adoptou o apelido de Saint-Clair devido à crença enraizada de que esta família, como descendentes dos mais altos dignitários templários e de linhagem merovíngia, é guardiã de vários segredos da cristandade – incluindo o santo Graal.
Chérisey deve ter esfregado as mãos de contentamento com a proposta de Plantard, pois era uma excelente oportunidade para por em prática uma elaborada pilhéria que prometia causar muita celeuma no rescaldo da II Guerra Mundial.
Gerard de Sade foi logo convidado a participar desta tramóia, tendo aceite com gosto.
As sinergias criativas deste triunvirato de burlões tornaram-se tão interdependentes quanto bem sucedidas (ao ponto de dividirem entre si os lucros da venda dos livros assinados por Gerard de Sade…). Baseando-se no irresistível engodo de Noël Corbu empenharam-se em moldar e difundir versões mirabolantes e esotéricas da vida do padre Somière, colocando-o no cerne dos movimentos ocultistas que se movimentavam nos bastidores do poder político em França. (Há quem defenda que foi o próprio Somière o autor do boato de que tinha encontrado uns pergaminhos secretos que continham revelações bombásticas sobre Maria Madalena e sobre um tesouro Templário escondido nas proximidades de Rennes. Tudo isto para desviar a atenção das suas vigarices mais mundanas e notórias.)
Até Plantard chegou a escrever e publicar um romance (intitulado «l’Or de Rennes») referente ao “lendário” tesouro. Para sua infelicidade, esse livro revelou-se um fracasso editorial.
Deste conciliábulo doloso surgiram documentos falsificados sobre o Priorado do Sião que, nos seus primórdios, supostamente seria a facção mais secreta dos Templários, mas que, em 1188, se separou destes monges-guerreiros concentrado-se na defesa da linhagem merovíngia.
O Priorado teria sido fundado pelo fero cruzado Godofredo de Bulhão em 1099, quando os cavaleiros Templários descobriram, sob o Templo de Salomão, uns documentos secretos, assim como quantiosas relíquias religiosas de valor incalculável.
Há quem afirme que Plantard foi buscar o nome Sião (Sion ou Zion, em francês) a um monte homónimo, perto do qual viveu (na fronteira entre a França e a Suiça). Foi precisamente nesse período que concebeu alguns dos seus planos dolosos melhor sucedidos, para além de fundar umas outras sociedades secretas que não foram longe.
Para mim é extremamente perturbante e suspeito a coincidência do nome com outro documento falso - «os Protocolos dos Sábios do Sião» (adiante designados por PSS) que deram “legitimidade” ideológica a muitos carrascos anti-semitas para definirem os Pogroms e as campanhas de aniquilamento de judeus que culminaram no holocausto nazi.
Os PSS foram forjados pela Okhrana (a polícia secreta da Rússia czarista) e referem-se a uma alegada (e completamente fictícia) reunião clandestina de líderes judeus em Basileia (Suiça) no ano de 1897, pretendendo reproduzir as respectivas actas que constituem 24 discursos correspondentes a outros tantos passos na sua sinistra estratégia para dominarem o mundo, em que, vestindo a pele de cordeiros, fomentam a desordem, o descrédito das instituições que representam o poder ligadas aos cristianismo, até que um déspota semita assumisse as rédeas da política, da economia e da religião global.
A fim de os seus falsificadores darem alguma credibilidade a este pseudo documento, foram-lhe acrescentados nomes verdadeiros de figuras públicas e eventos mediáticos a que estas estiveram associadas. Assim, convenientemente,
A Okhrana atribuiu a autoria dos protocolos ao Concelho de Sábios do Sião liderados por Theodor Herzl, fazendo coincidir a data dos falsos documentos com o Congresso de Basileia. Aí, efectivamente, reuniram-se 204 delegados judeus de várias nacionalidades, com o propósito de fortalecer o movimento político sionista, como um poderoso lóbi que deveria garantir ao seu povo um regresso maciço à “terra prometida” na Palestina.
Ao contrário do que os difamadores anti-semitas querem fazer crer, essa reunião nada teve de secreta, sendo aberta ao público interessado e a imprensa foi convidada a assistir.
Os PSS foram editados pela primeira vez de forma clandestina e apócrifa em 1897, sendo redigidos em francês, o que reforça as suspeitas de que o texto foi adaptado/adulterado e divulgado por Piotr Ivanovich Rachkovskii, o chefe da delegação francesa (sedeada em Paris) da Okhrana, que era useiro e vezeiro na publicação de folhetos intriguistas a par da sua perseguição implacável aos emigrantes russos em solo francês. São conhecidos outros oprobiosos / injuriosos folhetos e opúsculos que, recorrendo à mesma fórmula que seria empregue nos PSS, Rachkovskii tinha posto os seus homens a distribuir aos incautos populares.(Há, por exemplo, um de 1892 que pretende denunciar os perigos da anarquia e do niilismo.)
Em 1903 os PSS foram publicados no jornal de S. Petesburgo, cujo director (um fascista anti-semita) “abalizou” a sua “autenticidade”.
(Logo em 1898 um russo, cuja identidade se presume ser Mathieu Golovinski, tentou, sem grande sucesso, usar os PSS, como parte da sua estratégia para destilar ódio por toda a sociedade russa contra os judeus, K. Marx, C. Darwin, F. Nietzche…)
A sua versão integral compilada em forma de livro (integrados num tomo intitulado « o grandioso dentro o pequeno») surgiu em 1905, da autoria do professor Segei Nilus que era um cristão ortodoxo muito próximo do czar Nicolau II, e temia a laicização da sociedade preconizada pela ameaça bolchevique e pelo guru do ateísmo político, Karl Marx, tanto quanto temia a influência do carismático Rasputin junto da família imperial russa. Além disso, o pio e tacanho Nilus sofria dificuldades financeiras e culpava os judeus por isso.
Dinastia Romanov
Os ultrareaccionários da «União da Nação Russa» que se opunham à revolução, à instituição da Constituição e da Duma, necessitavam de angariar e unir simpatizantes da sua causa em torno de um inimigo fácil que, historicamente, deixasse um rasto de escândalos escabrosos que a maioria acreditava sem questionar a sua veracidade.
Os judeus encarnam na perfeição o papel de bodes expiatórios pelo menos desde que os gentios cristãos se afastaram, em fatal litigio, da ortodoxia judaica. Os últimos evangelhos canónicos a serem escritos reflectem bem essas divergências. Por ex., no Evangelho Segundo (ES) João, os escribas (talvez esquecendo-se de que o seu messias também era judeu…) colocam na boca de Cristo a afirmação de que os judeus são filhos do diabo e apenas fazem a vontade deste último na Terra. O ES Marcos mostra-nos uma versão de Cristo pouco pacifista, misericordiosa, tolerante e conciliatória, chegando ao ponto de ordenar aos seus seguidores para que trouxessem á sua presença os seus opositores (judeus) e que, ali mesmo, os matassem!...O Novo Testamento atribui aos judeus a principal responsabilidade pela crucificação de Cristo.
Desde o imperador (romano) Nero e por toda a Idade Média, cada vez que a Europa sofria graves crises (ex.: peste negra) os judeus eram sempre culpabilizados e perseguidos.
Pouco mais de um século antes de os PSS serem forjados, a revolta francesa contribuiu de sobremaneira para a divulgação de teorias da conspiração anti-semita consolidadas em prolixa literatura que se tornou muito popular no velho continente.
Em 1797 o jesuíta francês Abbe Barruel assevera num texto publicado que a Revolução Francesa tinha sido obra de uma conspiração franco-maçónica. Em 1806 essa teoria foi adaptada a fim de que os “maus da fita” na destruição da monarquia passassem a ser os judeus.
Em 1882 a União Banqueira Católica enfrentava a bancarrota, deixando muitas famílias francesas de classe média sem o seu esforçado e vital pecúlio, enquanto que os bancos judeus prosperavam.
A facção de extrema direita da Okhrana utilizou os PSS com o objectivo principal de manipular o frouxo Nicolau II, instigando-o a se insurgir e tomar medidas musculadas contra os que pretendiam uma mudança de regime, afastando igualmente alguns dos seus principais conselheiros que eram judeus. Vivia-se um período muito conturbado, estando prestes a rebentar a Revolução Bolchevique.
Segundo Nilus (1905), os PSS eram fruto de um congresso sionista. Mas em 1906 George Butmi diz que, afinal, resultam de uma reunião maçónica…
A fósmea paranóica e xenófoba que foi construindo os PSS acabou por misturar judeus, com marxistas/comunistas e com franco-maçons, o que demonstra que a má fé dos que abraçavam essas teorias se baseava em pura ignorância. (ex.: nos séculos XVIII e XIX numerosas lojas maçónicas recusavam a admissão de judeus por estes não aceitarem Cristo como o seu Messias.)
Entre 1919 e 1921 calcula-se que uns 60 mil judeus foram massacrados pelo Exército Branco, e os PSS jogaram um papel determinante nessa tragédia.
Nicolau II chegou a receber do seu Ministro do Interior, Piotr Stolypin, um relatório em que expunha a fraude dos PSS, o que deixou o Czar desapontado e Nilus numa posição muito precária junto da corte. Mesmo vendo o seu mundo desmoronar-se, Nicolau III teve a dignidade de se retractar em relação ao apoio entusiasta que inicialmente dera à divulgação dos PSS, chegando, em contrição, a afirmar que «não podemos defender causas puras com métodos sujos». Não obstante, tudo indica que Nicolau III continuou a servir-se dos PSS, para instilar o ódio como táctica contra-revolucionária, pois nessa altura chamou para junto de si Rachkovskii, dando-lhe carta branca para a divulgação do vil texto.
A revolução russa consuma-se em 1917. No ano seguinte toda a família imperial russa é executada sumariamente.
Os mais reaccionários apoiantes do regime czarista que conservaram dinheiro suficiente para procurar a continuidade de uma vida de privilégios noutras paragens, fugiram para ocidente, espalhando-se por toda a Europa e levando com eles o germe infeccioso dos PSS, que “atestavam” a sua odiosa convicção de que os judeus tinham arquitectado a revolução russa. (Creio que foi então que surgiu o mito de que os comunistas comem criancinhas, não passando de uma adaptação de outro absurdo calunioso que dizia que os judeus utilizavam um bebé cristão como o principal ingrediente da ágape ritualizada Matzah.)
Em 1919, Alfred Rosenberg, que era um dos principais propagandistas do Partido Nacional Socialista germânico, assegurou-se de divulgar amplamente os PSS. (Nos primeiros 2 anos em que foram publicados na Alemanha, os PSS tiveram 5 edições…) Para os alemães, este texto dava continuidade aos populares «Escritos Alemães», em que o seu autor, Paul Botticher, culpabilizava os judeus por todos os males desta civilização.
Mais tarde, Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda do governo de Hitler, serviu-se largamente/exaustivamente dos PSS, nomeadamente para produzir um pseudo documentário que se tornou o seu trabalho difamatório anti-semita mais conhecido intitulado « O judeu Errante».
Em 1920, Lucien Wolf (do Concelho de Deputados Judeus) mobilizou todos os meios ao seu alcance para denunciar a falsidade dos PSS.
No ano seguinte, um correspondente do «The Times» em Constantinopla chamado Philip Graves, numa série de 3 artigos (publicados a 16,17 e 18 de Agosto), prova à Europa mais esclarecida e liberal que os PSS não passam de um plágio de uma obra satírica – que não contém referências especificamente anti-semitas – intitulada «Diálogos no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu» (1884), cujo autor, um advogado parisiense chamado Maurice Joly. A sua intenção era criticar, de forma mais ou menos velada, a política imperialista e despótica de Napoleão III. (O plano de acção concebido no inferno e defendido pela personagem que representa Maquiavel corresponde ao do líder de França à época.) A metáfora foi suficientemente clara para o imperador, e Joly foi mandado uns anitos para a cadeia.
Philip Graves deixou pouco espaço para dúvidas
Sobre a autoria dos PSS ser imputada a Rachkovskii, ao ter encontrado uma caixa de livros que pertencia ao referido oficial da Okhrana, onde estava o referido livro de Maurice Joly ao qual tinham sido arrancadas as primeiras páginas, começando a leitura (truncada) exactamente no ponto em que começa a ser plagiado para a elaboração dos PSS.
Antes da Okhrana plagiar e perverter a referida obra, o autor alemão Hermann Goedsche (que era secretário dos correios e espião da polícia secreta prussiana), sob o pseudónimo de Sir John Rectliffe, serviu-se igualmente dela para construir a sua série de novelas anti-semitas agremiadas sob o título «Biarritz» (1868), que relata uma hidra talmúdica (cujos lideres se reuniam, a cada 100 anos, no cemitério de Praga) que conspira para conquistar a dominância global, explorando e destruindo as outras etnias e culturas. No rescaldo da I Guerra Mundial, a profundamente humilhada Alemanha foi terreno fértil para estas absurdas teorias da conspiração que “incriminavam” os judeus, pois apresentavam uma explicação convenientemente simples e maniqueísta, com um demonizado inimigo culturalmente alóctone que era visto como a raiz do próprio mal, desresponsabilizando todos os demais factores socio-económicos e os
que se aconchegavam no papel de vítimas. Como agravante, os germânicos já tinham adoptado entusiasticamente o racismo académco de Gobineau, bem como a perversa e forçada interpretação da Teoria da Evolução de Darwin, aque chamavam “darwinismo social”. De recordar que, em 1879, no seguimento do popular livro de Wilhelm Marr intitulado «A Vitória do Judaísmo sobre o germanismo», criou-se a Liga Anti-semita…
Nos EUA, em 1935, Herman Bernstein também publicou uma elucidativa obra («A Verdade Sobre os PSS: a sua exposição integral»)em que desmascara os PSS, mas pouco pode contra o clima de má fé anti-semita que estava mais propício a destilar o veneno de Henry Ford e de Adolf Hitler.
Ainda hoje este documento comprovadamente falso continua a disseminar a sua infecção ideológica anti-semita, sendo muito popular nos países árabes.
Na Rússia, só em 1993 é que um tribunal declarou «os Protocolos» como uma fraude, algo que estava provado desde a II Guerra mundial.
Sem apresentarem qualquer prova nesse sentido, os “iluminados” autores do «sangue Real/Sagrado, Santo Graal», referem que o texto que serviu de inspiração aos PSS foi da lavra de uma organização secreta de orientação maçónica que se identificava com a palavra Sion/Zion. E prosseguem a sua especulação infundada com a hipótese que se trataria de verdadeira conspiração cujo propósito seria a apropriação dos mais altos cargos na sociedade renascentista por parte dos franco-maçons.
Voltando a Plantard, Sabe-se que ele tinha um especial apreço pelos Protocolos dos Sábios do Sião, à semelhança do seu herói Adolf Hitler (o próprio Winston Churchil os defendeu, até alguém provar a falsidade dos mesmos…).
Plantard construiu a sua estória do Priorado do Sião como se de uma casa de espelhos se tratasse. Estava armada a distorção disléxica ao aproveitar o facto de ter sido no mesmo ano, no mesmo local de fundação e tendo o mesmo fundador que o seu priorado, efectivamente existiu uma congregação monacal chamada Abadia da Nossa Senhora do Monte Sião (que inicialmente se implantou em S. João de Acre). Estes monges não resistiram à reconquista muçulmana (no séc. XIII), nem deixaram quaisquer registos que façam alusão à descendência merovíngia, nem a Maria Madalena, nem sequer aos templários.
Ao ser exposto e enxovalhado publicamente por jornalistas, historiadores e académicos vários, Plantard tentou compor a sua mentira inconsistente, dizendo que, afinal, o Priorado tinha sido fundado em 1681, na vila de Rennes-le-Château, por um tal Jean-Timolen Negri d’Ables… Anos mais tarde, em 1993, Plantard teve que enfrentar a justiça francesa (num processo que se estava a transformar num escândalo político devido ao facto de envolver um amigo do Presidente François Miterrand), pois tinha cometido a imprudência de acrescentar à sua lista de Grão Mestres um nome (Roger-Patrice Pelat) ainda muito influente nas esferas do poder em França. Com os calos apertados em tribunal, confessou que o Priorado do Sião era apenas fruto da sua imaginação. (Ainda assim, Dan Brown assevera que os «Dossiers Secrets» foram autenticados por muitos especialistas…) Numa rusga que a polícia fez à sua casa, foram descobertos mais documentos falsos que atestavam as pretensões de Plantard ao trono de França (caso a monarquia fosse restaurada..). O Juiz (Thierry-Jean Pierre) considerou-o um embusteiro inofensivo, apesar de megalómano, deixando-o partir em liberdade, apenas com uma admoestação mais ou menos condescendente.
Na lista dos alegados Grão Mestres do Priorado, os nomes mais populares são os de Isaac Newton, Botticelli, Victor Hugo e Leonardo da Vinci, mas Chérisey não resistiu em incluir também um dos seus heróis do surrealismo, Jean Cocteau^^^^. Teve ainda disposição e criatividade para arquitectar os pergaminhos encriptados (ou cripta de texto) que muitos ainda acreditam ser capaz de destruir a mensagem oculta no seu interior, se se forçar a sua abertura sem estar correctamente alinhadas as letras que formam a palavra-chave. (Talvez Dan Brown se poupasse a ser exposto ao ridículo, se tivesse feito a simples experiência de mergulhar folhas de papiro em vinagre, verificando assim que esse género de papel, ao contrário do que ele afirma, não se dissolve… Este é um dos detalhes menos importantes na longa lista de pseudo factos e necedades ……… que ele atesta, mas que deveria ter investigado melhor. É óbvio de que se os seus livros fossem bem fundamentados e de elevada qualidade literária, o Sr. Brown não estaria rico, assim como ninguém espera que a boa música venda tanto quanto o pimba-pop…)
^^^^ Jean Cocteau era um poeta e pintor assumidamente homossexual que nutria uma paixão pelo surrealismo. Na última fase da sua carreira dedicou-se a conceber obras gráficas de cariz religioso (que chegaram a ser encomendadas pela Igreja, apesar do cariz extremamente polémico do artista), eivadas de mensagens escondidas, onde sobressai o sincretismo católico com os símbolos alquimistas.
Chérisey Atribiu-lhe o cargo de Grão mestre do Priorado do Sião entre os anos 1918 e 1963.
Os três burlões pegaram nas suas laboriosas falsificações e foram depositá-las na Biblioteca Nacional de França (em Paris), sob o nome “les Dossiers Secrets”. Como seria de esperar, não tardou a ser encontrado. (O que aconteceu em 1975)
Possivelmente o primeiro a revelar essa fraude foi o jornalista de investigação Jean-Luc Chaumiel. Este entrevistou longamente Plantard, e os objectivos que mais costuma utilizar para o descrever são: ambicioso; megalómano; mitomaníaco; perverso,…
Em 1980, Henry Lincoln publicou uma compilação de lendas que, de grosso modo/no seu fundamental, servem de base à maioria das teorias reproduzidas no romance de Dan Brown.
Na costa sudoeste de França há séculos que está enraizada a crença de que Maria Madalena, após a crucificação de Cristo, ali se teria refugiado (após ter aportado na localidade actualmente conhecida por Saintes-Maries-de-la-mer), tornando-se pregadora até acabar os seus dias isolada do mundo, numa gruta, onde se entregou à oração e à penitência. Na sua lendária fuga marítima da Judeia, teriam viajado com ela Lázaro, a sua irmã, dois primos da Virgem Maria e uma adolescente de tez mais escura que os restantes companheiros de viagem, chamada Sara. Os ciganos de Provença (e não só) são-lhe devotos. Há quem julgue tratar-se de uma serva egípcia, ao serviço tanto de madalena como de Maria Salomé. Ultimamente cresceu exponencialmente a especulação de que se trataria de uma filha de Madalena e de Cristo. (Teoria que soa a blasfémia até para os ciganos..) Mais tarde foi acrescentado a esta lenda o “pormenor” de Madalena ser portadora do Santo Graal, mas a corrente mais forte na tradição popular indica que o apóstolo Pedro terá levado o cálice sagrado para Roma, tendo celebrado missas com ele, sendo imitado por todos os Papas até Cistos II, no séc. III.
Acabou por vingar a lenda (instigada por Baigente & Leigh & Lincoln e CªLdª) de que o santo Graal de que Maria Madalena era portadora era a sua filha Sara, cujo pai não era menos do que o próprio Cristo. Sara teria gerado descendentes ao cruzar-se com um nobre franco, dando origem à linhagem merovíngia, que governaram um território hoje pertencente à França e à Alemanha entre os séculos V e VIII, formando a primeira realeza francesa.
O Priorado do Sião seria, portanto, a guarda secreta dos descendentes merovíngios – ou seja, a linhagem de Cristo.
Henry Lincoln terá sido o primeiro autor a avançar com a hipótese de Maria Madalena ter sido esposa de Jesus de Nazaré, e estar grávida deste último quando atingiu a costa francesa. Este plumitivo televisivo – que acredita na autenticidade do Priorado do Sião (mas não da versão concebida por Plantard, Chérisey e de Sade, pois afirma que, logo da primeira reunião que teve com estes, Plantard lhe afirmou que os polémicos pergaminhos foram forjados por Chérisey) , misturado com os Templários, as lendas do Rei Artur e o santo Graal – descobriu um paralelismo entre toda esta salganhada mitológica e a dinastia Merovíngia. Consta que a mãe do primeiro Rei Merovíngio (chamado Merovech ou Merovin, tendo dado o nome à dinastia) engravidou de uma criatura marinha, “possivelmente” um peixe. Ora, um dos primeiros símbolos de Jesus Cristo (que se dava com pescadores) era um peixe. Esta coincidência tornou-se numa fraquíssima “prova circunstancial” que acrescenta mais um elo à sempre expansiva corrente de lendas em torno de figuras de culto e que se destinam a dar-lhes uma áurea de superioridade sobrenatural.
Quando a dinastia dos capetos se sobrepôs à dos merovíngios, houve quem reformula-se as lendas merovíngias por forma a acentuar-lhes uma ascendência heróica, dizendo-os descendentes de Enéas, troianos puro-sangue… (Algo parecido fizeram os ideólogos do III Reich quando tiveram que inventar as “origens da raça ariana”… As mentiras foram repetidas até à exaustão e de forma acrítica, ao ponto de até que os seus autores acabarem por acreditar nelas. É arrepiante o testemunho de alguns dos mais altos dignitários que representavam as forças aliadas no tribunal de Nuremberga, quando se referem aos líderes nazis com os quais tiveram que lidar diariamente, unanimemente asseveram terem ficado com a impressão de que estavam na presença de clérigos de uma religião maléfica…)
Como justificação para a concentração despótica/autocrática do poder nas mãos de uma elite, os ideólogos tinham que se esforçar por fazer o povo acreditar que esse era um direito divino. Mais, fossem reis ou papas, eram publicitados como representantes de deus na Terra. A antiga crença (anterior até às religiões abraâmicas) de que o sangue representa a essência da vitalidade humana impregnada com o espírito divino, deu azo á ideia de que os líderes supremos e os seus familiares tinham um sangue especial (ex.: “sangue azul”), o que significa genes superiores. Por isso, em tempos antigos a oligarquia tornou-se sinónimo de consanguinidade (o que acontecia fora do universo eurocêntrico. Por ex., no Egipto era comum os faraós casarem-se e terem filhos com as suas irmãs)
O Rei Clóvis (que era neto de Merovin e que reinou entre 481 e 511) foi pagão convicto até que a sua mulher, a princesa burgúndia Clotilde, em conluio com o insistente bispo (S.) Remígio, o convenceram a abraçar o cristianismo. Este percurso espiritual não deixa de ser estranho quando se refere a alguém que é suposto saber-se descendente de Cristo… (Padre Jesus Hortal, 2003)
Tentando agarrar qualquer diáfano resquício de “factualidade” histórica para fundamentar a sua teoria, acrescentou ainda um lendário principado judaico estabelecido no sul de França no ano 769 dirigido por um descendente da casa Real de David.
(A pesquisa histórica (?!) de Dan Brown é disparatada ao ponto de, por ex., afirmar que Paris foi fundada por Merovin, quando se sabe que essa cidade é muito mais antiga…)
Para colocar um ponto final à tresloucada especulação que pretendia ser a linhagem merovíngia descendente da união carnal entre Jesus e Madalena, foram efectuados testes genéticos bastante contundentes/elucidativos, Intermediados pelo arqueólogo e personalidade televisiva (ao serviço do Canal História), Josh Bernstein. Na cripta sob a catedral de St. Denis (a norte de Paris) foram encontrados os restos mortais de 60 membros da primeira realeza francesa, os merovíngios. Como os sarcófagos não tinham identificações individuais, apenas foi possível reconhecer (através das suas jóias) a rainha Aregund, uma das primeiras merovíngias. Amostras dos seus ossos com 1400 anos, junto com os de outros familiares, foram levados para a Universidade Leuven (Bélgica), onde o renomado geneticista Prof. Jean Cassiman (perito em ADN mitocondrial antigo) os analisou, comparando-as com outras amostras provenientes de populações do Médio Oriente, o mais próximo possível de Jesus Cristo. A conclusão foi que os morovingios em causa possuíam uma sequência de ADN mitocondrial caucasiana tipicamente europeia, sem as características que definem as populações do Médio Oriente.
Em 1982 o nome de Henry Lincol voltou a causar algum furor no meio editorial, desta feita associado aos (maçons ?) britânicos transvestidos de historiadores, Michael Baigent, Richard Leigh (liderando uma equipa de dúbios/desacreditados investigadores). O polémico tomo que estes publicaram (asseverando ser o resultado de 7 anos de investigação diligente) intitulado «O sangue de Cristo e o Santo Graal», deu uma nova versão herética às parvoíces inventadas por Plantard, Chérisey e de Sade, ao “revelar” que o Santo Graal era «o sangue real de Cristo»; ou seja, uma metáfora para designar os descendentes directos de Jesus Cristo. (Na verdade a palavra Graal tem como raiz etimológica as palavras latinas cratalis ou gradalis, que significa vaso em forma de cratera.)Para Plantard o seu logro tinha-lhe escapado de controlo, assumindo as proporções de um sacrilégio intolerante, e veio a público retractar-se, marcando uma apostasia com o priorado do Sião. Este afável crápula (como é descrito por alguns dos que privaram com ele) morreu em 2000 (com 80 anos), tendo sido poupado pelo destino às controvérsias e às especulações decorrentes do best seller de Dan Brown (publicado em 2003), autor que, puxando dos seus galões académicos, afirma tratar-se de «um facto histórico» (sic) que o Priorado do Sião é uma sociedade secreta fundada no séc. XI e ligada aos Templários … Muito boa gente com gosto por teorias da conspiração romanticamente fabuladas, mas que não se dão ao trabalho de as investigar a sério, caiu na esparrela.Recentemente (em 2006) Michael Baigent e Richard Leigh viram um tribunal britânico frustrar-lhes as intenções de forçarem Dan Brown a partilhar a sua fortuna e notoriedade, acusando-o de se ter apropriado indevidamente da sua tese, plagiando-a. Brown mentiu descaradamente (e sob juramento) ao afirmar que apenas lera o livro dos referidos autores que o processaram judicialmente quando já tinha o seu pronto. Para além da evidência das teorias plagiadas, Brown, no seu livro alvo de grandes polémicas, acaba por fazer uma subtil alusão às suas fontes literárias posteriormente (re)negadas. Este autor indubitavelmente gosta de brincar com nomes. Evita mencionar o padre Berenger Somière e o inventor do Priorado do Sião, Pierre Plantard (provavelmente porque a sua farsa já tinha sido revelada e amplamente comentada nos média franceses e até em tribunal, o que poderia estragar a sua trama pseudo erudita, pseudo científica, pseudo esotérica e pseudo herética), mas não resiste a atribuir esses nomes a alguns dos personagens principais do romance: o curador do museu do Louvre e Grão Mestre do Priorado do Sião chama-se Somière, ao passo que a sua neta, uma criptógrafa ao serviço da polícia francesa, embora atenda pelo nome de Sophie Nevue, acaba por revelar que tem o sobrenome de Plantard... Um dos maiores vilões que surgem no enredo policial é um milionário inglês cuja principal excentricidade é a obsessão pelo Santo Graal, gostando de exibir a sua erudição sobre o assunto. O seu nome é Leagh Teabing. Eis um muito fácil de decifrar e que obviamente faz alusão aos (“inconfessos”) nomes de Michael Baigent e Richard Leigh.
Em 2005, o autor estado-unidense em causa já escapara a um pleito judicial semelhante, desta feita movido pelo escritor Lewis Perdue. E as acusações de plágio não param de açoitar a duvidosa reputação de Brown, sem que tal cause qualquer abalo à sua choruda conta bancária. Se algo de bom trouxe o seu livro mais popular (que recicla desbotadas teorias de cordel com o brilhantismo, originalidade, honestidade e bom gosto com que um "cozinheiro" da McDonalds confecciona hambúrgueres em dias festivos), foi a constatação de que os europeus de hoje parecem ter menos dificuldades em aceitar a humanidade de Cristo, sem que tal afecte a sua fé nos ideais cristãos.
Até considero muito importante recuperarmos alguns mitos relativos ao sagrado feminino, mas, ao contrário do que podem indicar as aparências, Dan Brown presta um pobre serviço à causa (basta repararmos na falta de profundidade psicológica da sua principal personagem feminina no referido livro; para sermos sinceros, o autor descura completamente esse aspecto na construção de todos os seus personagens, que não passam de meros instrumentos da narrativa).Nos anos 80, quando estreou o filme «Pulp Fiction» (que deu a fama ao director-argumentista Quentin Tarantino) houve um jornalista português (cujo nome não me recordo) que, referindo-se ao extraordinário fenómeno de popularidade que suscitou na entediada e desvalorizada “Geração X”, referiu tratar-se de «um filme de culto para quem nunca tinha cultivado nada.» Pois bem, o mesmo se aplica ao « Código da Vinci» .Que imenso orgulho para a lusofonia, se Dan Brown se juntasse ao brasileiro Paulo Coelho e à portuguesa Margarida Rebelo Pinto a fim de escreverem sobre “o segredo de Fátima”, obra a ser adaptada para a televisão pela mesma equipa que produz os «Morangos com Açúcar». Melhor só mesmo se conseguissem condensar o telefilme por forma a caber no intervalo de um jogo de futebol entre Portugal e o Brasil… Seria orgásmico com direito a foguetório!...Irrita-me de sobremaneira que, mesmo sendo notório que há de mais podre no comportamento humano encontramo-lo em quantidades ingentes por toda a história da Igreja Católica, se esteja a alimentar uma mega polémica (que pouco mais é do que um golpe de marketing) em torno de algo que a Igreja até está inocente. Brown não chega a fazer uma crítica minimamente séria e consistente à Igreja (e, por extensão, às religiões de tradição judaico-cristã), pois limita-se a difamar levianamente. A atracção para a legião dos seus fãs deve-se sobretudo a que Brown finge ser um cicerone possuidor de uma inteligência e cultura digna do mais “iluminado” dos escolásticos, que, num ritmo de perseguição alucinante (em que os heróis do romance são as vítimas perseguidas ), pretende nos conduzir por uma ousada incursão através das brechas que a sua mente “superior” encontrou nos mais poderosos dogmas eclesiásticos, ao interior da caverna onde se encontra um tesouro intelectual secreto, cuja revelação mudará a forma como vemos a espiritualidade e o cristianismo. O autor mantém os leitores presos à narrativa policial recorrendo exaustivamente a uma fórmula que consiste em sempre que faz uma revelação importante para resolução da trama principal, levanta o véu da próxima revelação escabrosa, espicaçando a curiosidade e fornecendo algumas pistas para continuarmos a caça ao tesouro.
A fim de combater (principalmente na liça mediática) a subversão herética e blasfema desencadeada pelo romance de Dan Brown, a Igreja escolheu como paladino o cardeal (e arcebispo de Génova) Tarcisio Bertone. Este clérigo parece ter saído da monacal galeria de grotescos personagens que Umberto Eco moldou no seu romance «O Nome da Rosa»…Ver o Sr. Bertone como um novo inquisidor não, é de todo, descabido, atendendo à sua implacável postura reaccionária e irascível, assim como à sua longa experiência como homem de confiança do cardeal Joseph Ratzinger, que, por sua vez, foi o barco direito de João Paulo II na sua cruzada contra o “comunismo” e contra todos o movimentos políticos renovadores de cariz igualitário e libertário.
A Opus Dei adoptou uma estratégia diametralmente oposta, mais consensual com o oportunismo capitalista e a sorridente hipocrisia corporativa ao melhor estilo Yankee. Na sua opulenta (e difamada por Brown) sede em Nova Iorque, às hordas de turistas que passaram a visitar aquele local na peugada da polémica romanceada e pseudoesotérica, vendem exemplares de «O Código da Vinci» acompanhados de folhetos da sua lavra, onde pretendem emendar os erros factuais do Sr. Brown.
É uma forma eficiente de fingir que não são, de facto, um bando de fanáticos manipuladores e extorsionários que continuam a praticar a mortificação corporal/auto flagelação (embora não tenham monges nem paróquias rurais em Espanha, como indica o livro em causa).
Lynn Picknett e Clive Prince são outros autores que inspiraram Dan Brown para envolver nas suas estorietas Leonardo da Vinci, ao publicarem (em 1997) um fantasioso livro («O segredo dos templários»).
Picknett orgulha-se de ter sido a primeira a fazer a “constatação” (quase epifânica) de que está uma mulher, presumivelmente Madalena, sentada ao lado direito de Cristo na «Última Ceia» de Leonardo. Esta autora é uma feminista radical, obcecada em reavivar o mito do sagrado feminino mais ou menos ligado ao panteísmo naturalista à medida de alguns movimentos modernos que se assumem como ecologistas anti-globalização neoliberal, excessivamente materialista e injusta. Maria Madalena é para Picknett um mito ideal; um símbolo da opressão masculina que necessita de ser sublimado e vingado, a fim de ser visto, por direito próprio, como um líder religioso da maior importância .
Picknett e Prince não deveriam ter suficientes conhecimentos sobre pintura medieval e renascentista, de contrário saberiam que então era bastante comum os pintores retratarem (S.) João de forma efeminada por ser o apóstolo mais jovem e para lhe realçar o semblante angelical, de compleição adolescente, subordinado à figura poderosa de Cristo, que o considerava o mais puro e emocional dos seus apóstolos. Tradicionalmente, João era considerado «o discípulo virgem». Aliás, tampouco era invulgar os outros apóstolos serem representados da mesma forma, sempre com a intenção de sublinhar a sua inferioridade perante o Messias. Já agora, se na «Última Ceia» de Leonardo Maria Madalena substitui João, para onde foi parar este último?! As charadas simbólicas que possivelmente se ocultam nessa obra-prima creio que deverão ser analisadas mais no contexto da pintura composta (que geralmente é designada como estrutura piramidal ), em que comummente Leonardo fazia os seus personagens pictóricos interligar-se em enigmáticas formas, onde nada é casual. por outro lado, este género de devaneios e elucubrações mais ou menos conspiratórias é inevitável, pois está na base da formação de todas as religiões, seguramente desde os primórdios da nossa espécie. O homem tende a dar significados “profundos” ao acaso, tentando descortinar padrões que dêem a ilusão de nos permitir antecipar o futuro a fim de ter um melhor controlo do nosso destino. É a nossa visão antropocêntrica da vida, intrinsecamente supersticiosa, moralista e megalómana. Acreditamos que a dinâmica do universo e do mundo espiritual está presa às nossas acções orientadas por uma moralidade cuja ética necessita de cuidados constantes,.reavaliações e ajustes.
A mesma curiosidade e pretensão esotérica com que agora muitos crédulos olham para a obras de Leonardo ou fazem cartas astrais (astrologia), há uns séculos outros “liam” entranhas de animais…
Leonardo teria achado muita piada se soubesse que ainda hoje na cidade de Siena (Itália) um exacerbado bairrismo herdado da Idade Média motiva a celebração de uma corrida de cavalos abençoada pela Igreja e que leva a multidão de assistentes ao rubro. O prémio para o vencedor é a glória colectiva de todo o bairro cujas cores representa. O símbolo da vitória que todos os cavaleiros anelam é um estandarte chamado de Palio, cuja iconografia é tão religiosa quanto desportiva. Todos os anos é pintado (manualmente e com muito esmero) um novo modelo de Palio. Muitos continuam a acreditar que o resultado da corrida está codificado na referida pintura.
Para os que conhecem o Novo Testamento, saberão que Maria Madalena desempenha um papel importante na construção do mito de Cristo, afinal foi ela a primeira entre os seus seguidores a ver o Messias ressuscitado e foi também a única entre os apóstolos que não abandonou Cristo crucificado.
Mesmo antes do Imperador Constantino, era óbvio que os líderes da cristandade e do judaísmo reforçavam as suas posições para que se impusesse, de forma inquestionável, o machismo patriarcal e misógino.
Tal como o exército espartano encorajava as ligações homossexuais entre os companheiros de armas, por forma a estreitar a camaradagem e para não ficarem vulneráveis através dos laços afectivos com a sociedade civil (em particular com a sensibilidade e a necessidade de segurança atribuídas às mulheres), a Igreja, desde muito cedo na sua história, estabeleceu a obrigação sistémica do celibato sacerdotal/eclesiástico., o que foi oficializado no Concílio de Elvira (300-306 d.C.). Para além de um exército de sacerdotes com disponibilidade total e exclusivamente dvotados à Igreja, pretendia-se que os os seus membros provenientes de famílias abastadas deixassem em herança os seus pertences à igreja.
O culto mariano ainda não tinha uma expressão relevante, mas Maria Madalena era adorada por algumas facções cristãs algo marginais, principalmente os que seguiam os evangelhos (gnósticos) de Maria Madalena e de Filipe, onde é apontada como a favorita de Cristo entre os seus apóstolos (o que a tornava um alvo recorrente dos ciúmes de Pedro…). A sua proximidade com o Messias tinha um carácter muito íntimo, sendo, à frente de todos os apóstolos, amiúde por ele beijada – na boca? Na face? O pé? Essa reveladora designação anatómica foi eliminada no Evangelho de Filipe por deterioração natural do documento… mas temos que ter em conta o facto de que tanto nos evangelhos apócrifos alvo de tanta especulação sobre Madalena, o de Filipe e de Tomé (provavelmente dois séculos posteriores aos evangelhos canónicos), não há referências explícitas de que Jesus e Madalena tivessem uma relação erótico-romântica. O tal beijo suspeito entre eles facilmente pode ser interpretado como fazendo parte do ritual gnóstico de iniciação e transmissão de um conhecimento esotérico.
Dan Brown pretende que nos manuscritos do mar Morto/Qumran
Se encontram indicações claras sobre o que se passou entre Madalena e Cristo após a crucificação deste último. Mas, na verdade, esses documentos não fazem qualquer menção a Cristo, ao cristianismo, aos apóstolos e nem sequer ao então muito popular João Baptista.
Tal como tinha acontecido com o judaísmo, a cristandade, desde os seus primórdios, revelou-se prolífica em facções com diferentes interpretações e posturas ante as mensagens sagradas. Então, quais cogumelos num bosque outonal, décadas após a morte de Cristo, surgiu uma profusão de evangelhos. Cada comunidade religiosa concebia as suas próprias estorietas (muitas vezes reciclando lendas e mitos romanos e gregos) de acordo com as versões que mais lhe agradavam das religiões que estavam a moldar. E assim construíram doutrinas que, na sua maioria, foram tornadas proscritas pela ortodoxia vencedora nessa disputa político-teológica. Algumas comunidades heréticas tiveram mesmo que isolar-se a fim de preservarem as suas tradições, mas a maioria extinguiu-se.
As narrativas apócrifas pintam com cores pitorescas pormenores mais mundanos/ terra-a-terra da sagrada família. Acima de tudo, sublimam as qualidades dos apóstolos, colmatando a lacuna do Novo Testamento que não faz qualquer referência ao seu destino no paroxismo da perseguição romana aos cristãos (quem é que ficaria satisfeito com um livro com final aberto no auge da acção?!). Nessas estórias amplamente divulgadas as virtudes morais e os poderes sobrenaturais dos apóstolos aproximam-se dos relatos sobre os milagres de Cristo. (ex.: contam que, em Roma, Pedro envolve-se num duelo de magia com um “falso profeta” chamado Simão Mago, estando em jogo a conquista de um enorme “rebanho de fiéis”. Após uma incrível demonstração de truques assombrosos por parte de ambos os contendores, Pedro acaba por vencer ao se capaz de fazer a derradeira proeza de vencer a morte, ressuscitando um cadáver…)
Para além de reforçarem a doutrina com episódios lúdico-didácticos, ainda deram alento espiritual aos cristãos perseguidos e massacrados com requintes sádicos, inspirando-os com exemplos de fidelidade estóica a Cristo e a Jeová. Segundo essas narrativas, quase todos os apóstolos tiveram mortes extremamente violentas na condição de mártires, jamais fraquejando nas suas convicções perante os seus algozes. Assim, a morte como uma necessária prova de fé e como a libertação dos males mundanos, foi-se enraizando na psique/pneuma cristã.
Alguns dos evangelhos apócrifos sustentavam versões de Cristo que eram incompatíveis com os textos que foram seleccionados para o Novo Testamento. Por ex., o de judas iliba-o como traidor e mostra um Messias que gosta de dar boas gargalhadas; no de S. Tomás, Jesus comporta-se de uma forma que as actuais feministas não teriam pudor em classificar como um porco chauvinista; noutras ocasiões age como um mágico exibicionista que utiliza os seus poderes sobrenaturais desde tenra idade para impressionar os seus companheiros de brincadeiras…
Os doutores da Igreja ao longo dos séculos encarregaram-se de menosprezar a memória e o papel de Madalena, até que a tradição popular passou a vê-la como uma meretriz que apenas se arrependeu da sua vida devassa devido à magnanimidade de Cristo Salvador, sempre disposto a perdoar os que o escutavam em reverência. A intenção principal era impedir as mulheres de ter acesso aos mais altos cargos da Igreja. Esse tornou-se um privilégio exclusivo dos varões que, aos olhos dos devotos, passassem por assexuados, tal como pretendem que Jesus tenha sido Imune às “vis tentações do sexo fraco”…)
A mãe de Cristo só pôde crescer em consideração e devoção porque representava uma figura maternal que, contrariamente às teorias de Freud e às romarias sevilhanas, foi completamente esvaziada de erotismo (tendo até lhe deve sido extraído um pedaço da auréola para lhe reconstruírem o hímen…), além de se prestar ao papel estereotipado das mulheres “ideais” (nas sociedades machistas) que nasceram para sofrer pelos homens, nunca lhes negando o perdão.
Aliás, toda a “sagrada família” foi virginizada. No protoevangelho de Tiago (que provavelmente data do século II) José é um idoso (viúvo que já tinha cumprido o seu dever máximo para com a sociedade judaica ao ser pai de 6) aquando da sua união matrimonial com Maria. Esta última, como forma de realçar a sua virgindade beatífica, teria sido entre aos cuidados do Templo desde os 3 anos de idade. Um texto copta (do séc. IV?) vai mais longe na tentativa de acreditar a virgindade perene de Maria, extremando a velhice de José quando este a tomou por esposa. O(s) seu(s) autor(es) apócrifo(s) refere(m) que o primeiro casamento de José aconteceu quando ele tinha 40 anos (algo que muito dificilmente poderia acontecer na comunidade hebraica daquele tempo…) e durou 49 anos. Ao enviuvar, recorreu à ajuda dos sacerdotes do Templo de Jerusalém para que estes lhe arranjassem uma das suas imaculadas pupilas – apenas para lhe fazer companhia, subentendendo-se uma impotência geriática…
Para os (misóginos) católicos que acabaram de compor convenientemente a história da sagrada família e de muitos outros santos, essas figuras de culto necessitavam de ser assexuadas na sua devoção exclusiva a deus. Assim, a prole destes foi sonegada ou reestruturada ao estilo Disney (ex.: as crias que vivem com as personagens principais são todos seus sobrinhos, tal como os filhos dos padres costumavam ser chamados de afilhados…). No Novo Testamento é referido que Jesus Cristo tinha irmãos (só entre os varões, contavam-se Tiago, Judas, Simão e José). Um dos problemas para a definição de uma árvore genealógica da sagrada família é que, nesse tempo, as palavras irmão e primo tinham uma utilização semelhante. Há ainda a dúvida de quais os irmãos que partilhavam os mesmos pais que Cristo, e quais os que José trazia do seu primeiro casamento.
Tenho poucas dúvidas de que os principais fundamentos teológicos e alguns dos seus rituais mais relevantes (como, por ex., o da circuncisão) das religiões abraâmicas tiveram as suas origens no Egipto (com destaque para o reinado do faraó Akenaton), onde uma numerosa comunidade hebraica permaneceu cativa durante séculos até ao seu êxodo liderado por Moisés.
O culto mariano, tal como se desenvolveu a partir do segundo século após a morte de Cristo, tem óbvios paralelismos com Isis, a esposa de Osíris, Rei dos deuses egípcios. Isis era igualmente vista como uma “virgem, Santa Mãe de Deus” ) neste caso, Orus), sendo retratada sempre vestida com linho branco.
Três décadas antes de Cristo Nascer, o Egipto foi anexado pelo império romano (após o suicídio de Cleópatra), mas a relação entre essas duas grandes potestades já era bem estreita há muito tempo.
Os romanos tinham por costume, não apenas tolerar a liberdade religiosa entre os povos que conquistavam (desde que estes não falhassem no pagamento dos impostos, nem professassem cultos que pusesse em causa a autoridade do Estado, como foi o caso dos cristãos), mas ainda adoptar os seus deuses (o melhor exemplo disso verificou-se na sua assimilação da cultura grega). Pois bem, em 40 a.C. Calígula inaugurou em Roma um templo em honra de Isis (que passou a entronizar o santuário da deposta deusa Diana), que se tornou muito popular. (Este ditador ensandecido/ louco patrocinava fortemente o culto a Isis provavelmente por motivos que deixariam Sigmund Freud tão excitado quanto Michael Jackson na Disneylândia… É que Calígula mantinha uma relação incestuosa com a sua irmã Drosila. O mito dos deuses irmãos Osíris e Isis, assim como a história do faraó helénico Ptolomeu IV que estava casado com a sua irmã (prática que era comum entre os soberanos do Egipto) fascinavam imenso o imperador romano que via neles a legitimação do seu bizarro relacionamento romântico-erótico, como se seguisse um padrão profético exclusivo de seres superiores.)
* O medo da sexualidade feminina que se quer exprimir de forma libertária/emancipada é, obviamente, muito anterior às religiões abraâmicas, estando fortemente implantado, desde tempos imemoriais, nas sociedades patriarcais. Provavelmente advém da insegurança instintiva de os homens nunca saberem ao certo (pelo menos antes dos testes de ADN) se são os pais biológicos das crianças que ajudam a criar. Em termos evolutivos, parece desastroso investir tanto em seres que não carregam o nosso legado genético. ( Atenção que, racionalmente, sou 100% a favor da adopção!) O facto de as mulheres terem uma vida sexual mais longeva e serem multiorgásmicas (sem que os seus orgasmos tenham grande influência no processo de fecundação) e poderem receber o sémen de muitos parceiros sexuais (sendo possível terem sexo, forçadas ou não, mesmo sem estarem excitadas sexualmente), faz com que muitos machos tentem “cortar o mal (dos apetites sexuais femininos) pela raiz”, tanto em termos culturais (coerção psicológica) como até físicos. É por isso que em África diariamente continuam a excisar (o clítoris) de umas 6 mil meninas, muitas das quais morrem de subsequentes infecções. Comummente este procedimento bárbaro é complementado com o corte dos lábios vaginais que de seguida são cosidos (com espinhos), de modo a deixar apenas uma abertura mínima que assegure a expulsão da urina e do fluxo menstrual (chama-se a isso infibulação). Assim fica garantida a virgindade!... Imagine-se as terríveis dores que as sobreviventes têm ao iniciar a sua vida sexual (em conformidade com alguns seguidores do Corão). Em países como a Etiópia e o Sudão, entre outros, um elevado número de mulheres acaba por perecer ao tentar “dar a luz” como resultado destas práticas que as autoridades de 16 países se comprometeram protocolarmente a combater, mas que insistem em fingir ignorar …
Em 2006 um tribunal estado-unidense condenou um cidadão de origem etíope (que reside com a sua família nos EUA) a 10 anos de cárcere por, na privacidade do seu lar, ter excisado o clítoris da sua filha quando esta era um bebé de 2 anos (na altura do julgamento a menina tinha 7 anos), segundo os preceitos em que fora educado. A inusual severidade desta pena certamente que se destina a fincar um exemplo de tolerância zero quanto a estas práticas em terras do Tio Sam, amedrontando todos os que ainda acreditam na necessidade de mutilar as meninas, comprometendo toda a sua vida sexual e desobedecendo as leis do império. (Por outro lado, poucos acreditarão que, se algum estado-unidense filho de um proeminente político ou industrial for apanhado a furtar num país muçulmano ultraconservador, a pena habitual para estes tipos de delitos – a amputação da mão – será aplicada….)
Na caça às bruxas medievais, ter os lábios vaginais e/ou o clítoris grandes, era considerado um comprovativo de que estavam a lidar com um estrigídeo ao serviço de Satã.
Estranhamente, ainda hoje o clítoris quase não é merecedor de tratados de medicina.
O clítoris é um órgão muito maior do que se supõe (estando quase todo oculto à volta da vagina) composto por mais fibras nervosas do que o pénis; a sua única função é a de dar prazer e, após o orgasmo, não é afectado por um relaxamento muscular acompanhado de uma diminuição do afluxo sanguíneo (como acontece ao pénis), o que lhe permite provocar orgasmos múltiplos. Para algumas culturas misóginas, tal capacidade feminina (digna de admiração, digo eu!) apenas contribui para o mito da ninfomaníaca fora de controlo (masculino)…
O “pai da medicina”, Hipócrates, associava as mudanças de humor e as doenças femininas à sexualidade, conjecturando que o útero era um órgão maligno e errante, capaz de se deslocar do seu sítio certo no baixo ventre para errar pelo corpo, provocando doenças em cada órgão que embatia…
Milhares de anos depois, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, tinha algumas ideias deste calibre em relação às mulheres; eis algumas delas: «o orgasmo clitoriano é infantil»; «as mulheres só ultrapassarão a sua ansiedade crónica e desequilíbrio emocional (constituídos por um rosário de fanicos e de caprichos) quando aceitarem a sua condição de inferioridade (inata) em relação aos homens»…
«As palavras e actos de Deus são bem claros: as mulheres foram feitas para ser esposas ou prostitutas» - Martinho Lutero
(S.) Agostinho colocou o dedo na ferida da fraqueza masculina (heterossexual) na sua luta contra os instintos:
«As mulheres não deveriam ser educadas ou ensinadas de nenhum modo. Deveriam, na verdade, ser segregadas já que são causa de horrendas e involuntárias erecções em santos homens» …
Certamente que esses eventos e ideias heréticas relativas a Madalena não passariam desapercebidos ao mestre Leonardo, assim como o facto de o “Santo Graal” não passar de uma intrujice inventada uns 10 séculos após a morte de Cristo.
A cena litúrgica que Leonardo pintou no bafiento refeitório do mosteiro de Stª Maria da Graça, em Milão, parece ser uma reconstituição bastante fiel da narrativa do evangelho segundo João. Nesse texto não se encontram quaisquer referências à instituição da eucaristia (simbolicamente antropofágica) nem ao “Graal”. O facto de este objecto mitológico estar ausente na pintura não deveria causar-nos espanto, até porque todos os apóstolos retratados – assim como Jesus Cristo – têm à sua frente recipientes (individuais e em número equivalente aos presentes) para beberem o vinho na comemoração da Páscoa judaica.
É possível que, para o quadro em questão, o maior génio do Renascimento se tenha inspirado num texto intitulado «Apocalipsis Nova», da autoria de João Mendes da Silva (vulgo Amadeo de Portugal), que naquela época causou alguma comoção entre o restrito número de leitores que tiveram acesso a este texto proibido; nele este monge franciscano ousou assinar a afirmação herética de que os maiores protagonistas do Novo Testamento foram a “Virgem” Maria e João Baptista, sendo Cristo pouco mais do que um títere destes. (Pietro Maani, 2004)João Baptista foi percursor de um trabalho continuado pelo seu discípulo Jesus Cristo. A fama deste último, crescendo exponencialmente ao longo dos séculos, em muito ultrapassou a de João Baptista, mas, na palestina de há dois mil anos, a situação era inversa.
Tal como os judeus não aceitam/reconhecem Cristo como o seu Messias, no início da cristandade houve uma seita gnóstica de seguidores de João Baptista (que chegou a rivalizar em número com os cristãos) que preferiu isolar-me a fim de tentar preservar a sua pureza espiritual e também escapar a represálias.
O trauma de ter sido um filho bastardo (o que o impedia de seguir profissões mais conceituadas, como a medicina e a magistradura) de um homem que lhe dedicava pouco tempo e que prematuramente o privou da companhia de sua mãe (uma serviçal banida para sempre da sua vida), contrabalançado com a fecunda experiência de (até aos 15 anos de idade) ter gozado da liberdade para explorar os campos em redor da aldeia onde cresceu, moldou o espírito curioso e criativo do jovem Leonardo – que nunca perdeu o fascínio pela natureza e nela nunca encontrou deus.
A aldeia serrana de Vinci (situada na Toscânia, apenas a 30 Kms de Florença), no século XV, era um sítio encantador. Inseria-se numa prodigiosa paisagem (que inspirara pintores afamados como Fra Angélico e Sandro Botticelli), constituída por um harmonioso mosaico de culturas agrícolas, com destaque para os vinhedos e os olivais. As encostas superiores do Montalbano estavam cobertas por um dossel florestal maioritariamente constituído por carvalhos e castanheiros. A planície em redor era de aluvião, cortada pelo rio Arno, que alimentava uns pauis cheios de vida selvagem.
Essa riqueza florística e faunística estimulou imenso os sentidos aguçados, a invulgar inteligência e a afectividade poética de Leonardo. A natureza sempre foi para ele uma fonte inestimável de inspiração e a única coisa que jamais o desiludiu. De todas as criaturas silvestres que conheceu, nenhuma preencheu mais o seu imaginário do que as aves; estas sim possuíam um segredo que Leonardo, em vão, perseguiu toda a sua vida: o voo.
Também de grande influência na sua educação foi o seu tio Francesco, que, devido às frequentes ausências do pai e do avô, acabou por se tornar numa figura paterna pouco ou nada autoritária. Francesco era avesso às formalidades e à disciplina que nos é imposta por terceiros a fim de que executemos tarefas que nos violentam o corpo e/ou a psique; dava bastante importância à contemplação da natureza e ao desfrute pacato dos sentidos, assim como à convivência humorada e à expressão artística (apesar de cultivar uma indolência aburguesada que lhe permitia não se aplicar no desenvolvimento da sua veia artística, encorajou o talentoso sobrinho a desenhar desde tenra idade) Deste modo, Leonardo pode aprender como auto didacta, livre de muitos dogmas retrógradas e da ortodoxia castrante que sempre força à uniformização medíocre.
Quando, ainda adolescente, foi viver para Florença, essa cidade era o epicentro de uma revolução cultural e, como tal, fervilhava com ideias novas – algumas delas heréticas! Sabendo-o incansável na demanda do conhecimento verídico, era impossível que Leonardo não se sentisse atraído por todas as ramificações do pensamento radical que medravam na capital intelectual do mundo conhecido. A Igreja esforçava-se por manter sob controlo este movimento cultural renovador, usando-o em seu proveito no patrocínio de obras que a enalteciam. Os outros senhores da guerra converteram-se igualmente em patronos dos artistas, engenheiros e arquitectos ***que poderiam assegurar o reforço do seu poder.
***Nessa época a fronteira entre estes misteres era muito ténue, pois os artistas nem sequer tinham uma classe própria, sendo identificados como quaisquer outros artesãos/trabalhadores manuais. Por outro lado, no afã de recuperar os elevados conhecimentos/cânones dos gregos e dos romanos, os pioneiros das artes e ciências renascentistas compreendiam melhor do que hoje a importância da interdependência e da criação de sinergias entre as disciplinas que estudavam e que desenvolveram magnificamente.
Assim, um amante da paz como Leonardo, por estar à mercê de homens poderosos e beligerantes, apesar de considerar a guerra como «uma bestialíssima loucura» (sic), foi obrigado a empregar o seu génio na construção de máquinas de guerra.
O seu génio independente era imune às doutrinas religiosas, mas não podemos esquecer-nos que a Igreja era a instituição mais poderosa na Europa. A sobrevivência (não apenas económica) de Leonardo dependia da sua competência em ocultar o seu desprezo pelos dogmas embrutecedores e pela violência opressiva que eram os principais recursos das autoridades eclesiásticas para disfarçar a sua hipocrisia e explorar os fiéis.
Todos os artistas profissionais e aprendizes tinham que estudar a sacrossanta mitologia judaico-cristã. Leonardo não constituía uma excepção a essa regra, mas, como era seu apanágio, tentou aprofundar esses conhecimentos e pensamentos filosófico-teológicos a patamares que a esmagadora maioria dos seus contemporâneos considerava tabu.
Sabemos que Leonardo possuía livros gnósticos e outros textos relacionados com os evangelhos apócrifos (Mário Taddei, 2004). Alguns dos seus quadros (ex.: a primeira versão d’«A Virgem dos Rochedos»), bem como dos seus discípulos (ex.:Bernaldini) possuem um simbolismo hermético que dificilmente conseguiremos explicar sem as orientações dessa doutrina proscrita.
Creio que a preferência de Leonardo pela figura de João Baptista (que era um tema recorrente nos seus quadros, nos quais estrelava sempre com papéis deveras enigmáticos), se devia primeiramente ao facto de que esse corifeu místico era o padroeiro de Florença. Não obstante, tenho fortes suspeitas de que o maior mestre renascentista estva convicto de possuir informações (arcanas e proibidas) sobre João Baptista que hoje desconhecemos…
Em suma, Leonardo via o homem como a mais assombrosa criação da mãe natureza, por sermos portadores da centelha da divindade criativa que muitos procuravam, e continuam a procurar, em entidades metafísicas que se supõe viverem algures num céu místico. Na época hodierna, poderíamos considerar a sua espiritualidade como a de um naturalista agnóstico, tecnófilo e industrioso, que apenas acreditava naquilo que era possível ser percebido pelos sentidos e pelo método científico. Ele, que procurou estabelecer um casamento perfeito entre a arte e a ciência, apenas tinha fé no engenho humano, em especial nas suas próprias capacidades, pois sabia que a fé cega e conformada que as religiões oferecem começa onde a razão desfalece e se recusa a trilhar o árduo e laborioso caminho da verdade. Acreditava ainda que as virtudes mais elevadas provinham do racionalismo educado, e que o conhecimento deveria ser acessível a todos.
Neste aspecto, a tumultuosa reforma protagonizada pelo irado Martinho Lutero não trouxe qualquer benefício pela via teológica.«A Razão deveria ser destruída em todos os cristãos. Ela é o maior inimigo da Fé. Quem quiser ser um cristão deve arrancar os olhos de sua Razão» - Martinho Lutero
É inconcebível imaginá-lo como dirigente de uma sociedade secreta (que, ainda por cima, foi inventada uns 5 séculos depois…); simplesmente faltava-lhe tempo, vocação e capacidades organizativas para tal. O seu individualismo não se devia apenas ao facto de ser um génio sem par, mas também porque conhecia demasiado bem a psique humana e a sociedade em que vivia, como para confiar a outros informações do seu foro privado que o deixariam demasiado vulnerável.
A ideia de que um intelecto superior como o de Leonardo da Vinci ter empatia pela obra e legado dos Templários seria insultuoso, se não fosse obscenamente ridículo.
Gosto do novo símbolo de Alpiarça. Talvez daqui a uma meia dúzia de anos algum político minimamente inteligente considere importante acrescentar-lhe alguma referência ao Paul dos Patudos…
Lembro-me que, há uns 15 anos, quando comecei a visitar regularmente o Douro Internacional (antes de ter o estatuto de Parque Natural), as populações (humanas) autóctones não pareciam ligar puto à extraordinária vida selvagem que os rodeava; até consideravam essa bicharada como daninha (vá se lá saber porquê?...)
Um dos locais mais visitados mais visitados pelos naturalistas (sobretudo os ornitólogos) era (e continua a ser) as escarpas do rio Águeda, junto da povoação de Almofala. Foram tantos os que, como eu, se encaminharam (numa autentica peregrinação ornitológica) para aquele sítio deslumbrante, pedindo direcções aos campesinos e fazendo despesas nas pequenas lojas, cafés, pensões, bombas de gasolina, etc… que havia por ali, que a atitude dos residentes mudou drasticamente. Um dos mais claros reflexos disso foi que, ao renovarem a fonte à entrada da aldeia, colocaram um painel de azulejos em que estrelava um grifo (o abutre mais comum em Portugal e que tem no D.I. a população nidificante mais numerosa ).
Houve até um episódio caricato (típico do terceiro-mundismo lusitano) em que o presidente da junta, com um neófito orgulho no património natural que tinha à porta, foi mostrar a uns amigos de fora as escarpas onde nidificam os grifos (bem como os abutres-do-Egipto, as cegonhas-negras, as águias-de-Bonelli, os falcões-peregrinos, etc…). E não esteve com meias medidas: para que os forasteiros não tivessem que apurar o olhar à procura de aves miméticas com as rochas, nem ficassem desapontados por na vida real a natureza não ser uma ininterrupta acção predatória com dão a entender os documentários televisivos, atirou uns foguetes para o meio das aves de rapina pousadas. Assim, todos puderam apreciar a majestosa envergadura das mesmas, enquanto estas fugiam espavoridas…
Os espelhos d’água do nosso paul estão a ficar cobertos com a erva-pinheirinha (que é uma espécie acidentalmente introduzida e que prospera às mil maravilhas em águas com excesso de poluição orgânica).
O Sr. Borgas (que agora anda lá pelo paul ao serviço de um útil programa de vigilância e prevenção aos fogos), em comunicação pessoal, já se prontificou – até em regime de voluntariado – a limpar (provisoriamente) a cobertura da erva-pinheirinha que está a asfixiar toda a vida aquática. O dono do paul e a autarquia que dêem luz verde a esta iniciativa, antes que seja tarde demais! Eu faço questão de me voluntariar para ajudar nesses trabalhos (se assim o permitirem os Mestres do Universo…).
Por falar no Sr. Borgas, há poucos dias veio pedir-me explicações (directamente e de forma cordial, como é o mais correcto, apesar das nossas velhas divergências de opiniões) porque um leitor deste blog lhe tinha envenenado as orelhas contra mim, com a intriga de que eu aqui tinha assinado e divulgado um texto em que o acusava de andar a vender aves de rapina e até fazia a sua descrição física!... Não encontro melhor resposta para esta calúnia do que partilhar uma velha anedota:
Encontram-se dois clítoris na rua. Depois de se cumprimentarem, um deles diz: «então pá, ouvi dizer que andavas murcho; que já não te excitavas…» E responde-lhe o outro: «Oh, essas más línguas…»
1 comentário:
Gostava de me voluntariar para a limpeza dos espelhos de água.
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