sexta-feira, agosto 11, 2006

O Rei do politicamente incorrecto

Muito do que Miguel Sousa Tavares (MST) é como homem e como figura pública deve-o à extrema fortuna de ter sido concebido e criado por um casal muito especial. Não ouso tentar analisar até que ponto o influenciaram. Talvez a grandeza da obra poética e humanista da sua mãe (Sophia de Mello Breyner) tenha acabado por eclipsar na opinião pública a importância do trabalho desempenhado pelo político idealista e íntegro que foi o seu pai, Francisco SousaTavares.
Há alguns anos li uma entrevista a MST em que este afirmava, emocionado, considerar o seu pai como o homem mais corajoso que conhecera em toda a sua vida. Obviamente que esta extrema admiração sempre lhe pesou como a responsabilidade de um legado que é necessário preservar e honrar. Talvez isso justifique a postura insubmissa e desafiante que tem mantido face aos poderes instituídos que mais o irritam, acabando por se considerar o maioral entre o elitista rebanho de comentadores políticos que formata as opiniões do imenso rebanho cego. (Então agora que é o autor de um best seller internacional, «Equador», não há quem o ature…)


Não deixando os créditos por mãos alheias, durante os anos 90, a revista Grande Reportagem, então dirigida por MST, esteve sempre na linha da frente na defesa do nosso património natural, denunciando, de forma corajosa, competente e independente os constantes e crescentes ataques que este vinha a sofrer em nome do “desenvolvimento do cavaquistão”, ao mesmo tempo que, também por paixão e por vício do seu director, contribuía grandemente para a implementação no nosso país das práticas agressivas do todo-o-terreno motorizado e reclamava o direito de poder fumar em quaisquer espaços públicos fechados, apenas por ser contribuinte, e taxava de «fascistas» os que se sentiam incomodados pelo fumo( tóxico!) alheio… (Gostava de ver a reacção deste homem ao olhar para radiografias dos pulmões dos seus filhos…)
Sobre as suas “gloriosas aventuras” de jipe, muito ele escreveu. Reportando-me apenas a uma dessas crónicas (GR Julho de 1994), em que participava numa competição de veículos todo-o-terreno na margem esquerda do Guadiana. E utilizou uns curiosos adjectivos. Fazendo referências a um modesto rio alentejano (o Djebe) apelidando-o de «amazónico», e classifica o grupo/caravana de jipes como «armada» e «soberbos»(sic).
Nem esconde o facto de os competidores fazerem uma condução anárquica e alcoolizada, após uma pausa para o almoço bem regada com «várias sangrias geladas» (sic). Mas, porra, que mal tem isso?! Afinal, só se estavam a divertir no «mato», onde o código da estrada faz pouco sentido quando mal se pode falar em estradas dignas desse nome e se está no Alentejo profundo. Pois claro, a elite não precisa de cumprir certas regras estraga-festas…
Depois descreve a excitação de conduzir dentro de rios, caminhos de ferro e de improvisar uma pista descendo «um barranco a pique» (sic) bem enlameado.
Conclui que faz isso tudo «por amor ao Alentejo» (sic) e que «só os estúpidos não sabem o que perdem com o prazer de passar dois dias aos saltos [dentro dos veículos] por montes e vales»(sic).
Não poucas vezes a sua revista promovia viagens desse género no estrangeiro, onde chegaram a fazer a apologia de conduzir sobre dunas (no litoral brasileiro) e de abrir picadas, levando tudo à frente, em selvas tropicais.
Ainda hoje, o MST continua radicalmente avesso às limitações da circulação automóvel nas grandes cidades, considerando o aumento exponencial do parque automóvel e o abuso da sua utilização como uma das grandes conquistas do Portugal moderno/europeu. Pois, mas ao contrário do MST, a esmagadora maioria dos portugueses não tem recursos financeiros para adquirir como segunda casa um monte alentejano, onde se usufrua de amplidão e de sossego, longe do tráfego infernal…
Suponho que a declarada animosidade que o MST sentia em relação «aos meninos da Quercus» (sic) se devia em grande parte a que essa ONGA sempre se ter pronunciado oficialmente desfavorável as actividades todo-o-terreno predatórias. Facilmente imagino o então director da revista Grande Reportagem a resmungar entre dentes que esses “meninos” pretendiam ser mais papistas que o Papa, armavam grandes sururus p´rà televisão e depois fazem muito menos do que ele em prol do ambiente. Se calhar até tinha razão, mas, pelo menos, a Quercus, ao contrário de MST, nunca promoveu roteiros de caça grossa e empresas especializadas nessa actividade execrável em artigos que, depois de rotular a maioria dos caçadores nacionais de sociopatas pindéricos possuídos pela fantasia de estarem a percorrer picadas na África colonial , enaltece as virtudes de andar pelo mundo a matar rinocerontes, leopardos, ursos, alces,... (GR n.º8, Nov. de 91); e tampouco aconselhou a compra de peças de marfim, como fez pessoalmente o referido jornalista, nas visitas à Costa do Marfim... (GR n.º32, Nov. de 93)
Provando que não é nada versado em ecologia, mas, com a arrogância que o caracteriza, tentando justificar o “direito” que os endinheirados como ele têm de ir aos paraísos da fauna silvestre destruir o que lá há de melhor e mais espectacular, no seu livro de crónicas de viagens intitulado «Sul», é peremptório ao afirmar que o homem, entronizando a cadeia alimentar, se deixasse de caçar as consequências para a natureza seriam tão desastrosas como o são as da actividade cinegética completamente desregrada. «As narcejas exterminariam as minhocas, o que acabaria com o alimento das rãs»(sic) Ora aqui está uma parvoíce que daria pano para mangas...caso venha a escassear inspiração aos Gato Fedorento ou ao Nuno Markl, caso contrário, não tem ponta por onde se lhe pegue. O Sr. MST deve ter comprado uma (embaciada) bola de cristal nalguma espingardaria ou oficina de taxidermia de caça grossa, pois, na sua apologia da caça (de elite, pois claro), vaticina ainda que se os pacifistas-ecologistas levarem a sua avante, os predadores extinguirão as presas, até que eles também desapareçam vítimas da fome; no final, até as culturas agrícolas seriam « devastadas pelos sobreviventes esfomeados e pelas larvas e insectos.» (sic) Então não era suposto a base da pirâmide alimentar ser a primeira a desaparecer pelas fauces dos seus predadores?!

Considerando as adaptações evolutivas (estudadas pela biologia, pela etologia e até pela paleontologia) resultantes das interacções entre os predadores, as presas e os respectivos habitats naturais em permanente mudança desde que surgiu a vida neste planeta, o Sr. MST prossegue com a comparação néscia de que a contribuição humana (neste caso, restringindo-se aos espingardeiros como ele) para moldar as espécies tem uma importância e se processa a uma escala semelhantes à dos predadores selvagens...
Ó homem, poupe-nos o embaraço dessa fósmea tendenciosa. Mais vale assumir paixões acríticas do que respaldar-se em argumentos tão absurdos quanto ignorantes.(Num país onde quase ninguém percebe o mínimo sobre estas matérias, é fácil uns “trutas” saírem-se com a sua, e ainda fazerem um figurão, dizendo aleivosias deste calibre.)
Pergunto-me como foi possível a vida na Terra ter durado milhares de milhões de anos, até os seres humanos terem o discernimento de fazer uso das armas de fogo como instrumentos da “providência divina” para garantir o equilíbrio na biocenose?
E como é que a Índia poderia alimentar tanta gente e tirar enormes dividendos da florescente indústria do turismo de natureza, se a maioria dos indianos (hindus, budistas e shintoistas) não tivesse uma dieta vegetariana e não professassem cultos que repudiam a caça? Se a exuberante vida selvagem do Quénia não tivesse sido protegida dos espingardeiros “desportivos” , sendo actualmente explorada turisticamente (embora se tenha tornado uma actividade excessivamente macificada, admito), como é que esse país poderia ter feito uma recuperação económica inigualável em toda a África que foi devastada por guerras em recentes décadas?
Se o MST e outros que tais precisam de afirmar a sua virilidade através da destruição fútil de animais silvestres, então suponho que teriam orgasmos múltiplos e mandariam implantar pêlos no peito, se conseguissem matar as maiores baleias...
*A propósito, a caça à baleia só subsiste por ser fortemente subsidiada por governos corruptos que mantêm o subterfúgio da «caça científica» (e até compram votos nas NU, fazendo seus aliados “repúblicas das bananas” que não têm qualquer interesse no abate das baleias). Mesmo assim, os rendimentos dessa actividade não se compara aos mil milhões de dólares anuais que rende a observação (turística) em todo o mundo - e esta é uma actividade, que ao contrário da caça, está a dar os primeiros passos rumo a um futuro que poderá ser radiante para todos (se conseguirmos acabar com a caça).

Se as consequências do género de argumentação defendidas por MST e por outros caçadores de elite não fossem trágicas, limitar-me-ia a responder com uma sonora gargalhada.
Ainda assim, reitero a minha convicção de que este homem a equipa de jornalistas que liderou nos bons velhos tempos da revistas Grande Reportagem , foram dos que desempenharam um papel mais relevante na defesa doo ambiente em Portugal durante a década de 90 (sobretudo no que se refere a um fundamental exercício de cidadania, de isenção, coragem e de responsabilidade civil por parte dos jornalistas empenhados na denúncia dos abusos do poder político-corporativo e na reivindicação de um património que a todos pertence e que é indispensável à nossa qualidade de vida ).

Voltando ao todo-o-terreno desregrado, é preciso admitir que, vergonhosamente, é praticado por um número considerável de sócios da Quercus.
Há menos de 10 anos, um dirigente da Quercus/Guarda, (que não passa de um imbecil, sacana, oportunista e infantil, apesar de ser professor do ensino básico), assumidamente adepto das provas estilo Camel Trophy (quanto mais a “partir” caminhos e a fazer corta-mato sempre “a abrir”, melhor!...), em comunicação pessoal, justificou esse seu passatempo como «o direito que os ambientalistas têm em também se divertirem» (sic), e concluiu com uma “pérola da ecologia” na forma de uma pergunta de retórica: «afinal, que mal é que fazem os carros? Então o fumo não desaparece no ar?!» Por incrível que pareça, ele não estava a gozar!...
Ainda a propósito, deixo-vos de “brinde” duas estórias elucidativas.
Havia já vários anos que os dirigentes da Quercus afectos ao núcleo de S.André insistiam junto da GNR local para que os militares fossem maisdiligentes nas suas patrulhas, a fim de erradicarem o problema dos adeptos dotodo-o-terreno sobre as dunas (que, como se sabe, é um "desporto"muitopopular em Portugal). Em 1997, cansados das acusações de conivência, osagentes finalmente deram-se ao trabalho de apanhar em flagrante delito um dessesjipeiros infractores - que era o dirigente (vitalício?) do núcleo da Quercus/Castelo Branco...Bravo!. Bem, felizmente estes incidentes (sempre abafados internamente, não deixando espaço para discussões purgativas e muito menos para o assumir de responsabilidades e até de punições…) são mais a excepção do que a regra.
No dealbar do novo milénio, a Reserva Natural da Malcata (tardiamente criada para proteger os linces ibéricos) teve um novo director, cuja primeira medida oficial foi organizar uma prova de todo-o-terreno, em que participaram dezenas de jipes (alguns deles conduzidos pelos caciques locais que financiavam a carreira política do novo director do parque…), passando (até a corta-mato) por uma zona da Rede Natura 2000 !
PB

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