segunda-feira, maio 15, 2006

Manifesto Contra o Racismo

«Os preconceitos são as correntes que a ignorância forja para manter as pessoas separadas.» - Marguerite Blessington

Qualquer preconceito é um atestado de intolerância néscia, e o racismo é mesmo o cúmulo da estupidez.
Em termos científicos, nem sequer faz sentido falarmos em "raças humanas". Uma raça é uma subespécie, e não existem suficientes variantes genéticas dentro do género humano que se justifique a distinção de subespécies. Uma das (poucas) coisas boas que a engenharia genética nos trouxe até agora foi a constatação (que surpreendeu até os cientistas que conduziram a investigação) de que existe mais variedade genética entre vários grupos
étnicos africanos, do que entre estes e, por exemplo, um sueco loiro de olhos azuis. Isto porque a nossa espécie nasceu e desenvolveu-se em África, onde muitos grupos/tribos ficaram relativamente isolados (uns dos outros) por mais de um milhão de anos. O Homo sapiens só saiu de África há 80 mil anos. As
diferenças de pigmentação (cor dos olhos, da pele e do cabelo) e a
constituição física* são ligeiras variações meramente fisiológicas,
consequência de recentes adaptações a diferentes condições
edafo-climáticas bem como às dietas.

*ex.: Os esquimós são baixos e atarracados, tem o cabelo muito denso, escorrido e nunca ficam calvos, para melhor conservarem o calor corporal; e o oposto acontece com os masai, no Quénia)
O cérebro de todos os actuais seres humanos é o mesmo que tinham os nossos antepassados há 200 mil anos, pelo menos. Meus amigos, os verdadeiros "Adão e Eva" tinham a tez bem escura; eram negros, por assim dizer.

Nós os portugueses até temos um dia oficial da "nossa raça" (a 10 de Junho). Mas, afinal, que raça vem a ser essa? A não ser que a expressão se refira a alguma (obscura) qualidade de carácter típica dos portugueses, não faz qualquer sentido. Somos dos povos com mais misturas étnicas a correr-nos no sangue, benzadeus!
O Mar Mediterrâneo foi o berço da maioria das grandes civilizações que o mundo conheceu, e todos esses povos (quer devido ao comércio marítimo, quer por ímpetos conquistadores) deixaram o seu contributo cultural e genético na
Península Ibérica. Povos do centro e norte da Europa, do Médio Oriente e da Ásia fizeram o mesmo.
Por cá passaram os egípcios, os fenícios, os minóicos, os gregos, os celtas, os romanos, os suevos, os vândalos, os visigodos e os árabes, entre outros. Os portugueses aplicaram a mesma fórmula na sua grande aventura expansionista,
desde a Época do Descobrimentos. Por mais que ainda custe admitir e que evite falar nas escolas, o colonialismo
foi um projectos imperialista de exploração esclavagista e um genocídio étnico (tanto físico como cultural), além de ter originado a maior destruição da natureza desde que um gigantesco meteorito, há 65 milhões de anos, embateu contra a Terra, extinguindo a maioria das espécies (com destaque para os dinossauros).
Portugal construiu, entretanto, uma cultura cosmopolita e miscigenante, e esse deveria ser um dos nossos maiores motivos de orgulho.
Um estudo coordenado pelo Dr. João Lavinha (do Departamento de Genética Humana do Instituto Ricardo Jorge) e que visou a população portuguesa a sul do rio Mondego, chegou a conclusões que são difíceis de digerir para os racistas nacionais, mas que lamento não terem sido mais divulgadas. O estudo em causa andou à procura da hemoglobina S tipicamente africana e não teve dificuldade em encontrá-la numa percentagem elevada dos milhares de indivíduos analisados. Concretamente nas regiões de Alcácer do sal e de Coruche a incidência de hemoglobina S é semelhante à que encontramos nos cabo verdianos – mesmo que a fisionomia, e nem sequer os cabelos, [assim] o denuncie.
No meio rural alentejano, com destaque para a bacia hidrográfica do rio Sado, tinham vantagens os negros e os mulatos, por serem mais resistentes ao calor e ao paludismo. Quer fosse na condição de escravos ou como homens recém libertos, os africanos-alentejanos ficaram confinados em pequenas comunidades agrícolas, onde havia muita consanguinidade (até porque os “puro sangue lusitanos” não lhes passava pela cabeça casar com “pretos”). Ainda hoje é tabu por aquelas bandas falar-se do legado genético africano, e mesmo naqueles em que isso é evidente na sua fisionomia, o mais certo é ouvirmo-los cuspir comentários depreciativos sobre os “pretos”…
Já no início do séc. XVI, os negros que viviam em Lisboa não eram menos que 10 mil; e nas outras principais/maiores cidades os escravos também constituíam cerca de 10% de toda a população.
Creio que o saudoso Jorge Amado concordaria com a minha afirmação de que as mulatas foram a melhor "invenção" dos portugueses; dificilmente poderíamos ter feito melhor contribuição para a humanidade (mesmo que inicialmente tenha sido consequência de violações inadmissíveis)! Veja-se o caso do Brasil, onde até as pessoas (verdadeiras) dificilmente não terão
algum avoengo negro; assim como um caboclo da Amazónia poderá ter na sua árvore genealógica algum holandês.
É uma correcta educação, a miscigenação e a possibilidade de viver num ambiente (tanto social como natural) saudável que melhora o ser humano. A cor da pele de um indivíduo nada nos diz sobre o que lhe vai no “coração".
Hitler utilizou os Jogos Olímpicos (que se realizaram em Berlim no ano de 1936) para fazer propaganda política, querendo sobretudo afirmar a alegada “superioridade da raça ariana” , bem como a capacidade organizadora do partido nazi. Mas, para consternação do führer e dos seus seguidores, o atleta que ganhou mais medalhas (e logo nas provas mais apreciadas) foi um afro-americano chamado Jessie Owens. Furibundo ante a humilhação, Hitler retirou-se do estádio para não Ter que lhe apertar a mão. Quando um jornalista perguntou a Owens se este tinha orgulho da sua raça, o campeão que corria veloz como o vento apesar de carregar o peso ingente da responsabilidade que lhe coube na história do desporto misturado com a política, com um sorriso franco que se presta a múltiplas interpretações, deu a melhor resposta possível: « sim claro, estou orgulhoso de pertencer à raça humana.»
Até o Dr. Münch, que durante a II Guerra Mundial vestiu a farda das SS e trabalhou no campo de concentração e de extermínio em massa de Auschwitz (embora se declare profundamente arrependido e até tenha sido absolvido, pelo tribunal de Krakow, de quaisquer crimes de guerra), numa entrevista concedida à Sr.ª Eva Mozes Kor (uma judia sobrevivente às experiências com gémeos perpetradas pelo malévolo Dr. Mengele), afirmou: «falando como um cientista, quanto mais pura for uma raça, mais fraca esta se torna. A melhor maneira de termos filhos fortes e saudáveis é diversificando os genes dos pais.» (Isto não invalida que as prodigiosas adaptações às condições edafo-climáticas e às dietas de determinadas regiões e acumuladas no nosso património genético ao longo de muitas gerações, sejam irrelevantes ou mesmo indesejáveis.)

Já fomos conhecidos como um povo de brandos costumes, generoso e hospitaleiro, que se orgulhava de bem receber os estrangeiros (ou apenas considerávamosmerecedores dessa deferência os caucasianos com a carteira recheada?), mas não podemos fazer jus e perpetuar essas qualidade se insistirmos em julgar as pessoas apenas pelas aparências – isso apenas origina processos de exclusão social tão perversos quanto imbecis, que, mais tarde ou mais cedo, nos rebentam na cara…
Agora que se fala tanto na necessidade - vital! - de protegermos abiodiversidade, deveríamos reflectir sobre o facto da multiculturalidade ser um dos nossos principais factores de riqueza.

Paulo Barreiros

1 comentário:

Joana Brito disse...

Olá.
Estou interessada neste tipo de estudos.
Por acaso não me sabe dizer o nome do artigo ou do livro de João Lavinha que retrata as regiões de Alcáçer do Sal e de Coruche?
É mesmo urgente.
Cumprimentos bloggianos ;)