quarta-feira, maio 31, 2006

A importância da floresta

«As plantas não só sustêm todas as formas de vida, mas ainda, num processo contínuo e fundamental, recombinam os elementos e dão vida à matéria inorgânica.» - David Attenborough (1995)
A clorofila e a hemoglobina são compostas por moléculas quase idênticas,denunciando um antepassado comum. Mesmo tendo evoluído paralelamente, a fim de formarem o Reino Animal e o Reino Vegetal, o sucesso das primeirascélulas-mãe (das bactérias e das algas) só foi possível devido ao trabalhode equipa, que se foi apurando até à simbiose. Por mais que aparentem apenascompetir, os termos gerais do "contrato" vital nunca é quebrado: o que éexcedente para uns alimenta os outros (ex.: oxigénio versus dióxido decarbono, e hidratos de carbono versus sais minerais)
Apesar do conceito de floresta estar bem enraizado no imaginário colectivo, é algo difícil de definir. Mesmo que as autoridades oficiais insistam em classificar como “floresta” monoculturas de árvores (inclusive tratando-se de espécies exóticas e infestantes, como por exemplo os eucaliptos e as acácias no território nacional), paupérrimas em biodiversidade, a floresta é bem mais do que um conjunto de árvores mais ou menos vasto. Embora as árvores devam ser o elemento predominante na fisionomia da formação vegetal, nela encontraremos uma rica variedade de espécies vegetais (não só o estrato arbóreo, mas também arbustivo e herbáceo) e animais (e de outros Reinos, como os imprescindíveis fungos), com relações de interdependência, num complexo e frágil equilíbrio. Nós não podemos sobreviver fora dessa “teia de vida”, da qual dependemos inteiramente. O maior desafio é sabermos explorar racionalmente os recursos naturais numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. Desconcertante é o facto de quanto mais vital é o recurso natural, mais nos olvidamos da sua origem e da sua fragilidade, como fica demonstrado diariamente pela nossa relação com o ar, a água e o solo…
«Os bens humanos podem dividir-se em património cultural, património material e património biológico, sendo apenas o património biológico indispensável para a nossa sobrevivência.» - Jorge Paiva ( 1998)
O património biológico é um pilar fundamental e inalienável da nossa identidade cultural e, logo, da nossa dignidade. O meio natural é, pois, o ideal para alcançarmos o tão almejado equilíbrio psicossomático.

Marc Bonfils é um investigador cujos estudos demonstraram uma forte correlação entre o arrotear dos bosques na Normandia e o aumento da taxa de suicídios nessa região francesa.
Nas últimas duas décadas, os ameríndios Guaranís têm apresentado as mais altas taxas de suicídios per capita do Mundo. Tal deve-se certamente à destruição da selva amazónica que, mais do que o seu lar, há milhares de anos é o seu espaço vital, o sentido das suas vidas, a fonte da sua felicidade, da sua identidade, da sua dignidade e do seu universo mágico-religioso. Como os ameríndios sabem desfrutar na sua plenitude da essência da vida, ao contrário de nós, não suportam viver num estado de infelicidade crónica. Quando são privados da alegria que lhes é característica (mesmo vivendo em condições que muitos de nós consideraria “demasiado duras”), o suicídio é uma opção moralmente aceitável.

O facto de o homem ter surgido quando este planeta se encontrava no auge da sua biodiversidade (em toda a sua história biológica) e num ecossistema especialmente fervilhante de vida, prova que dependemos enormemente da biodiversidade que, por estulto ecocídio, nos empenhamos em destruir. Estamos a viver uma dramática onda de extinções em massa; a sexta que a Terra já conheceu *; desta feita inteiramente protagonizada pelo homem.
« árvore provém da palavra sânscrita ürvara, que significa terra fértil; e humano quer dizer proveniente do húmus; somos filhos pródigos do bosque. (…) Traidor a si mesmo, o ser humano tende para a simplificação de realidade; e quase sempre começa cortando os bosques.»– Joaquín Araújo
Muitas razões culturais podem ser apontadas para a nossa incapacidade de gestão correcta dos recursos naturais – que se traduz numa guerra aberta contra a natureza, ou, no mínimo, em administrar desequilíbrios em grande escala de que somos os únicos responsáveis~~~~. O ecólogo Fernando Bernaldez aventou a hipótese de o homem ter um gosto atávico e instintivo por ecossistemas semi-estepários (onde se incluem os nossos montados, que se traduzem num compromisso bastante aceitável entre as actividades humanas e a conservação da natureza) por referência e fixação às nossas origens africanas. Esta teoria parece-me correcta, pois, sobretudo desde que se iniciou a “globalização europeizante” (com a Época dos Descobrimentos e Expansão Marítima), a civilização ocidental inquinou o resto da humanidade com o seu estigmatizante e patológico misto de fascínio, de terror e de ódio ante a natureza silvestre (sentimentos exacerbados ante as selvas virgens).

~~~~ Essas políticas aplicamo-las até às “áreas protegidas”. Yellowstone (EUA) foi o primeiro Parque nacional do mundo. Em vez de deixarem a natureza seguir o seu curso preservando-a de interferências humanas, as primeiras (e duradouras) medidas de gestão desse parque foi a eliminação dos lobos e dos pumas. Essas campanhas de extermínio durarão várias décadas e cumpriram os objectivos determinados. Como consequência, as populações de cervídeos aumentou em demasia, impedindo muita da regeneração natural da floresta. As doenças ameaçavam tornar-se epidemias incontroláveis. (Até os lobos serem reintroduzidos, o parque foi privado da sua presença durante 67 anos.)
A outra medida prioritária foi anular a ocorrência de quaisquer fogos. A acumulação de biomassa vegetal num ecossistema que sempre esteve sujeito a fogos periódicos tornou a situação explosiva e, de facto, no final dos anos (19)80 Yellowstone foi dizimado por um incêndio de proporções nunca vistas.
Os bisontes, que se tornaram num símbolo nostálgico do velho oeste americano, foram deliberadamente chacinados pelos invasores europeus até quase à sua extinção, estão confinados ao parque, que, por sua vez, está rodeado por grandes explorações agro-pecuárias. Os rancheiros temem que os bisontes transmitam brucelose ao seu gado e por isso os guardas do parque vêm-se forçados a reencaminhar e até a abater os bisontes que ultrapassem /transgridam os limites do parque, tratando-os como se fossem gado doméstico. Todos os anos mais de mil bisontes são eliminados deste modo.o lóbi dos rancheiros determina as políticas do parque.
A grande ironia é que foi o gado doméstico que pegou aos bisontes essas doenças. Acabou-se a liberdade das planícies, e os bisontes, quando os rigores do Inverno se instalam, deixaram de poder migrar em busca de pastagens mais amenas e generosas como o faziam os seus antepassados.
Um estudo recente revelou que, dos 300 mil bisontes que restam nos EUA, apenas 15 mil são geneticamente puros, ou seja, não apresentam indícios de que os seus progenitores se cruzaram com o gado doméstico. (Buffalo Field Campaign, 2004)


Sentimos uma necessidade de “pacificar”, ajardinando, a natureza, ou simplesmente exaurimos ao máximo os recursos dos outros povos que ainda vivem em harmonia com a natureza, mas que são demasiado débeis militar, política e economicamente para se defenderem do império ocidental. A actual consciencialização da importância da conservação dos bosques para a salubridade do planeta não parece vir a tempo de os salvar…
Sabemos que: cerca de 70% das espécies vegetais e animais existentes pertencem às selvas; que os bosques ainda acolhem a maior diversidade cultural (línguas, crenças, modelos de organização social,…); nos solos ricos formados pelos bosques podemos encontrar um número de espécies 60 vezes superior à totalidade de pessoas que vivem actualmente; e que grande parte dos fármacos que utilizamos provêm de espécies silvestres – isto sem contar com as inúmeras espécies que extinguimos diariamente sem as termos chegado a conhecer, mas que poderiam fornecer-nos a cura para cancros, sida e outras doenças terríveis…

Afinal, não se enganam muito algumas tribos da amazónia que acreditam serem as imponentes árvores dessa floresta a suporta o peso do céu. Quanto mais a ciência investiga sobre a importância das florestas , nomeadamente da amazónia, mais se dá conta de que estas são cruciais para a regulação do clima de todo o mundo. Os cientistas afectos ao projecto “Experiência de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera” (que contou com o apoio da U.E. e da NASA), em 2004, concluíram que, se não parar a destruição da amazónia (ao ritmo actual de 20 a 25 mil km2 por ano), toda aquela área poderá converter-se numa savana num prazo compreendido ente 50 e 100 anos.
Os fogos florestais nessa (ainda ) imensa floresta libertam fumo suficiente para reduzir em 25% a radiação fotossintética (essencial para as plantas) durante 2 a 3 meses por ano.

«Cerca de metade das florestas (...) já desapareceu. Concomitantemente, sete milhões de crianças abandonadas perambulam pelas ruas do Brasil. Será que as árvores desaparecidas estão a reencarnar em crianças indesejadas?» -Gary SnyderFocando o olhar sobre o solo pátrio, tão pouco é novidade que a floresta nos fornece inúmeras mais valias económico-sociais, tais como: matérias primas (madeira, cortiça, resinas, cascas, etc...), frutos, plantas medicinais, aromáticas, tintureiras, melíferas; caça e pesca; biomassa; complemento à dieta do gado doméstico; assegura postos de trabalho (a cerca de 164 000 portugueses e 7000 empresas, sendo o quinto maior empregador; Portugal é ainda o terceiro país da União Europeia onde o sector florestal tem maior peso no Produto Interno Bruto) e recursos turísticos. Mas não estaremos a cometer um erro colossal ao desprezarmos bens difusos – e absolutamente essenciais! – que a floresta origina?! Quanto vale a acção de produzir e purificar a água e o ar (absorção de muitos milhões de quilogramas de gás carbónico e libertação de oxigénio)? As árvores são capazes inclusivamente de absorver grande parte dos metais pesados - um carvalho adulto pode fixar 22 toneladas de carbono (sendo as árvores constituídas por 25% de carbono) e filtrar até 7 toneladas de contaminantes aéreos todos os anos. Cada hectare de bosque caducifólio adulto, laborando na sua plenitude, chega a libertar 15 a 20 toneladas de oxigénio por ano!
«Para que a vida na Terra seja mantida, muitas são as árvores que possuem mais valor do que os homens que as abatem (…). O espaço percorrido pelas raízes das árvores florestais retém, num único metro de profundidade, 2000 toneladas de água por hectare. Quando a floresta é cortada, os musgos e as raízes morrem, o solo perde a maior parte da sua capacidade de retenção de água, assim como a sua plasticidade. A água da chuva, ao embater violentamente no solo, arrasta a terra fértil. O vento, deixando de encontrar obstáculos, absorve a humidade, e a influência que a floresta exerce no clima das regiões limítrofes desaparece.» – Gunter Schwab
A floresta regulariza o escoamento das águas pluviais (no Inverno as árvores retêm a água à volta das suas raízes, e vão-na soltando lentamente à medida que o calor avança) e actua como um regulador climatérico (diminui as amplitudes térmicas e aumenta a humidade do ar através da evapotranspiração). Contribui para a regulação da composição química dos oceanos; produz solo fértil e protege-o da erosão*; evita o assoreamento de rios e barragens; é uma eficaz barreira contra a poluição sonora; oferece protecção às culturas agrícolas (atenuando a acção perniciosa dos elementos erosivos naturais – vento, chuva, sol e a geada -, evitando a dispersão de sementes das ervas daninhas e dando abrigo a uma numerosa comunidade de seres vivos*** que são preciosos auxiliares do agricultor no controle das populações de roedores e insectos que competem pelas culturas agrícolas, evitando assim o uso de biocídas. Assegura a biodiversidade e modela as paisagens (não só a estrutura agrária, mas todas as zonas verdes com função social e turística).
Uma vez interiorizadas estas informações, talvez se tornem mais arrepiantes os dados estatísticos que nos esforçamos por ignorar: anualmente destruímos cerca de 14 milhões de hectares de floresta (uma superfície maior que a Grécia); mais de 80% dos bosques primários já foram destruídos; diariamente extinguem-se entre 40 a 100 espécies animais e vegetais; na Europa restam apenas 0,3% do bosque original (em vastas áreas desabitadas da Finlândia e da Suécia, mas que estão sujeitas a exploração madeireira intensiva); o pouco sobrante encontra-se gravemente enfermo devido à poluição, com destaque para as chuvas ácidas; à falta de renovação genética dos núcleos isolados; às enfermidades transmitidas por organismos alóctones; às monoculturas; incêndios florestais demasiado frequentes ****; às constantes ameaças do urbanismo expansivo, das barragens, da rede rodoviária,… Chega?
Então do que é que estamos à espera para agirmos em conformidade com os nossos conhecimentos?! Será que, como dizia Óscar Wild, «a tudo damos um preço, mas não sabemos dar valor a nada»? Teremos que aprender – o quanto antes – a valorizar os bens ambientais, cuja existência não pode ser mercadejada!
«Para o capital, um bosque não tem valor até que seja destruído e convertido em madeira, do mesmo modo que as pessoas que cultivam a sua própria comida e se esforçam por satisfazerem as outras necessidades básicas fora dos mercados dominantes, são considerados uma perda económica.» - David Watson
Assim, cultivar uma horta e assegurar a perenidade dos bosques é um acto político maior!
Na verdade, a nossa civilização tecno-industrial, tal como a conhecemos, necessita continuar a destruir (de forma irracionalmente insaciável) a natureza para prolongar a sua existência – essencialmente ecocída. É essa a fatal premissa do crescimento económico em que se baseia o actual sistema industrial multinacional.
Simplificando esta problemática, estou convencido que todas as “grandes civilizações” (as que detiveram um maior poder tecnológico, militar, político e económico, e o exerceram sobre um vasto território) tiveram a sua ascensão e queda por motivos semelhantes. Os sintomas dessa doença civilizacional são fáceis de identificar e certamente soar-vos-ão familiares.
Os pequenos grupos nómadas de recoletores-caçadores quando passaram a dominar as técnicas de horticultura conseguiram conservar os laços harmoniosos com a natureza e de coesão social. Mas com o advento da agricultura e da pecuária tudo mudou radicalmente. Grandes extensões de terra (muitas vezes roubadas às florestas) eram consagradas de forma intensiva a essas actividades, sem que os homens dominassem as técnicas sustentáveis das práticas agrícolas.
Enquanto a natureza aguentou essa agressão contínua, esses povos conheceram uma prosperidade extraordinária, baseada na acumulação de excedentes agroalimentares e num consequente crescimento populacional. O passo seguinte foi a criação de cidades cada vez maiores, onde o poder era centralizado numa minoria privilegiada que, para além de ser detentora de quase toda a riqueza material, orientava (a seu favor, pois claro) também os cultos religiosos (como forma comprovadamente eficaz de domínio de massas). A sociedade estratificou-se (numa hierarquia rígida e injusta) baseando-se na divisão do trabalho. E cada ramo laboral (ex.: agrícola, militar, meios de registo e de comunicações, etc…) exigia um desenvolvimento tecnológico específico. Assim, uma população crescente deixou de participar directamente na produção dos alimentos que consumia, bem como na tomada de decisões cruciais que orientavam as suas vidas.
A fim de manterem essa estrutura social, os Estados tinham que se expandir, conquistando novas riquezas subtraídas à natureza e aos povos periféricos. A política de espólios tem uma aritmética implacável: um exército forte é capaz de saquear maiores riquezas, e com estas os governos imperialistas podem continuar a fortalecer os seus exércitos… Se o exército não for empregue na pilhagem e exploração, torna-se um encargo dificilmente suportável pelos contribuintes. Mas esta política imperialista é limitada pela disponibilidade dos recursos naturais. Como já se queixava o imperador romano Constantino (o pai da Igreja Católica), para manter grandes exércitos é necessário um imenso tesouro dividido em salários e muita burocracia. Por mais eficiente que essa máquina militar seja a saquear e a proteger as suas conquistas, não poderá assegurar de forma sustentável o fornecimento suficientemente constante e abundante de riquezas ao Estado. Nem com o apoio financeiro dos impostos isso é possível. O rasto de devastação e a revolta dos oprimidos, mais tarde ou mais cedo, fazem os impérios colapsarem.


A situação acabou por se tornar insustentável: as frequentes guerras, os saques e a escravatura não atenuavam as desigualdades sociais até mesmo dos que pertenciam aos povos dominantes, antes pelo contrário. A repressão interna (começando por uma educação infantil cada vez mais severa) tornou-se uma constante; os administradores acentuaram a carga fiscal sobre os produtores primários; as rebeliões ocasionais; a corrupção, as intrigas e os atentados nas esferas do poder; governantes dementes (não só pela obsessão pelo poder, mas igualmente devido a degenerações genéticas consequentes de muitas gerações de cruzamentos consanguíneos, ademais quanto mais poder os governantes julgam ter, mais obcecados se tornam com a suaimortalidade, desperdiçando as suas vidas e de inúmeros súbditos, assim como os recursos naturais perseguindo a ilusão de transcenderem as leis mais elementares danatureza.); até que as catástrofes naturais (ex.: desflorestação; erosão, salinização e esgotamento dos solos aráveis; e outras mais aleatórias como os tremores de terra e as explosões vulcânicas; pragas agrícolas; epidemias entre o gado e os humanos; a fome….) finalmente impuseram uma nova ordem a estes conflitos. A natureza excessivamente violentada deu de ombros e os homens conheceram a sua fragilidade, mas não aprenderam as lições mais óbvias…
A civilização europeia medieval mostrava claros sinais de decadência, caminhando inexoravelmente para um colapso (ex.: as cruzadas, as constantes guerras entre reinos e senhores feudais, os cismas religiosos, a inquisição, as desigualdades sociais gritantes, as pestes devastadoras, as cidades imundas e insustentáveis,…) quando se lançou à conquista de territórios ultramarinos. Essa epopeia foi definida pelo biólogo Carlos Herrera como “a maior perturbação genética e biogeográfica protagonizada pela nossa espécie desde o final da última glaciação.” É deveras paradigmático que tenham destruído o que restava dos nossos bosques para construírem embarcações que os levariam, determinados com furiosa cupidez, à predação de novas terras e de riquezas (fundamentalmente pedras preciosas) apenas sonhadas. Claro que, como intrusos rapaces, acabámos por esgotar e vilipendiar os recursos naturais alóctones (uma natureza tão prodigiosamente rica que parecia inesgotável), bem como subjugar e explorar impiedosamente os seus povos nativos. Foi esse input económico que sustentou a crescente insanidade europeia.
O século XVII, a partir de Inglaterra, conheceu o nascimento da revolução industrial, apoiada no êxodo rural. O ingente afluxo de mão-de-obra barata providenciada pelos campesinos expulsos das suas terras e aldeias comunais pelos poderosos criadores de gado – que tampouco queriam ouvir falar de florestas…. A indústria de lanifícios patrocinou o sistema de enclosures que arruinou completamente os sistemas de agricultura sustentáveis (acabando com o sistema da gestão comunal dos terrenos), desalojou os camponeses (que foram substituir os escravos africanos como principal força de trabalho) e teve um tremendo impacto na vida selvagem britânica.
A industrialização da civilização ocidental permitiu um “domínio” e saque da natureza e das comunidades indígenas (começando por lhes destruir os sistemas sócio-económicos comunais e seculares, escravizando-os, destruindo-lhes o habitat ou simplesmente tornando-os vítimas de um genocídio deliberado) por toda a biosfera, para sustento de uma cultura imperial parasitária que se comporta como um verdadeiro cancro, crescendo à custa de consumir as “células boas” até que, eventualmente, mata o organismo hospedeiro, perecendo com ele. Só que desta vez o trágico colapso civilizacional não ficará restrito a uma determinada região com evidentes afinidades edáficas, climáticas e biológicas (como aconteceu na Mesopotâmia, na Anatólia, no Mediterrâneo, no Egipto, no México, na ilha de Páscoa…), afectando, com proporções apocalípticas, até os locais mais remotos e desabitados da Terra. São disso exemplos a poluição generalizada, o buraco na camada do ozono, as mudanças climáticas, a subida dos oceanos, a erosão do solo arável, a extinção diária de espécies, a dependência de um punhado de variedades agrícolas uniformizadas, as culturas transgénicas, a fome endémica, as pestes, as doenças ambientais e do foro psiquiátrico, o excesso de população, o crime generalizado, a corrupção completa da verdade, o terrorismo, os êxodos Sul-Norte, o racismo, a desflorestação, e um longo e excruciante etecétera… mas para os detentores do poder tecno-industrial ( legitimado pelos governos que dominam), cujas empresas multinacionais humilhariam qualquer ditador que a história já conheceu, estes problemas pouco mais são do que possibilidades de novos mercados. De costas voltadas para as suas obrigações para com a sociedade, apenas justificam os seus actos perante os seus accionistas, a não ser que enfrentem processos judiciais. Mas até nessas circunstâncias têm pouco a temer, salvaguardados por temíveis firmas de advogados com a disposição e os meios (legais e ilegais) de destruírem a credibilidade e as vidas de quem ouse enfrentá-los.
Os recursos naturais e os recursos humanos não passam de pratos na esquisita ementa da ágape corporativa. Mas, antes mesmo da escassez de ingredientes toldarem o ambiente opíparo dos seus banquetes, já os selectos e insaciáveis comensais se entreolham com avidez/gula antropofágica e se pontapeiam por debaixo da mesa…
Temos que exigir valores éticos e transparência nas transacções comerciaisàs empresas que enriquecemos!






As corporações que mandam no mundo tiveram várias décadas para construíremimpérios e, simultaneamente, bloquearem quase todas as vias alternativas quenão lhes pagam tributo/prestem vassalagemAcordos de conveniência
«Eles comem tudo e não deixam nada.» – José (Zeca) Afonso

Até há meio século a sociedade ocidental media os limites do crescimento económico pelos meios técnicos que conseguia conceber a fim de explorar os recursos naturais. Só muito recentemente nos começamos a dar conta de que as premissas em que se baseiam o capitalismo e a indústria (que se implantaram e cresceram numa época em que havia menos gente e mais recursos naturais) são insustentáveis. De nada vale Ter serrações equipadas com a mais recente tecnologia, apoiada por meios de transporte eficientes e trabalhadores especializados, se o bosque deixou de existir. Nem a poluição se pode dissociar da produção industrial, nem o luxo de uns poucos pode existir sem a pobreza de muitos. A sociedade começa a procurar um crescimento qualitativo e não quantitativo.

« A organização da economia para uma vida “melhor” está a minar as possibilidades de uma vida boa.» - Ivan Illich

Em jeito de conclusão, confesso que não estou optimista quanto à evolução da crise ecológico-social em que estamos mergulhados, mas se sabemos (?) que devemos abjurar o hedonismo consumista (implicitamente insatisfatório, fútil, egoísta, irresponsável e, em última instância, insustentável), é igualmente importante não nos deixarmos dominar pela frustração, pelo desespero ou pela fúria nemésica. Um bom exemplo da atitude positiva que mais nos convém encontramo-la numa máxima de Martin Luther King: «mesmo que eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda hoje plantaria uma árvore!» Eis um bom conselho: plantar árvores - não apenas metaforicamente! Mas que sejam espécies autóctones ( « Cada árvore tem a sua pátria.»- Vergílio ) e tendo em atenção que esses trabalhos devem ser realizados nos meses frios, não no folclórico e hipócrita “dia mundial da árvore”.) A isto chama-se transcender o pessimismo da razão com o optimismo da vontade.
Plantar árvores já não é, per si, um acto de amor altruísta, tal como nem todas as expressões de “amor” entre os humanos são intrinsecamente boas, quando não há consentimento e satisfação/prazer de pelo menos uma das partes implicadas. Existe tanto “amor pela natureza” num industrial de celulose que manda plantar um eucaliptal onde deveriam existir predominantemente árvores do género Quercus, como as acções de Hitler se justificam por amor à raça ariana.
« Se um homem deambular pelos bosques – por amor a estes – durante metade dos seus dias, corre o risco de ser (des)considerado um vagabundo; mas se ele gastar todos os seus dias como um especulador financeiro que lucra com o abate dos bosques (…), será estimado como um cidadão empreendedor e engenhoso.» - Henry Throreau
«O mundo da alta finança deixa-se apenas compreender se tivermos consciência de que o máximo de admiração vai para aqueles que abrem caminho às maiores catástrofes.» - James Galbraith
É urgente mudarmos valores e comportamentos, reatando as vitais ligações telúricas e de solidariedade social. Um novo humanismo libertário e ecológico só poderá florescer e fortalecer-se depois reconhecermos e respeitarmos as nossas necessidades reais. A economia poderá evoluir de mão dada com a ecologia. Para tal terá que recuperar os sistemas comunais auto-sustentados em harmonia possível com as respectivas biorregiões (o que significa respeitarmos também os seres não humanos) e, talvez até, encontrarmos sistemas monetários alternativos *. A actual filosofia de “comércio justo” poderá ser a melhor das opções para as transacções inter-regiões. ( http://www.comerciosolidario.com/ ; http://www.comerciojusto.com/ ; http://www.fairtrade.net/ ; http://www.worldshops.org/)

«A esperança reside nas pessoas comuns que desenvolvem a sua actividade nos locais em que vivem, onde a sua prosperidade e mesmo a sua sobrevivência dependem da realização do acordo mais sensato com a natureza. Um número crucial para a espécie humana é o da população mundial e este é fundamentalmente o produto das decisões privadas de milhares de milhões de pais. Para que as novas descobertas científicas sobre o sistema Terra tenham qualquer resultado prático, terão de ser compreendidas, interpretadas e implementadas por essas mesmas pessoas comuns; são elas os verdadeiros vigilantes da nave espacial Terra.» –Nigel Calder


Mais do que sobrevivermos como espécie, certamente que assim seríamos recompensados com uma vida mais digna, plena e feliz. Para além de um recurso natural indispensável, os bosques são uma fonte de inspiração para (re)encontrarmos esse caminho redentor.
Independentemente de tudo o que fizermos, a natureza sobreviverá à espécie humana. Pode demorar milhões de anos a recuperar a biodiversidade (com uma composição necessariamente diferente da que hoje conhecemos), mas a génese cósmica da vida perdurará, incólume, na sua capacidade regeneradora e criativa. A parte do barro prisco da evolução que mais conspurcamos é a que constitui a nossa espécie.

Segundo o geógrafo francês Viers, «hoje o bosque não é mais a antítese da civilização, mas para milhões e milhões de pessoas, um antídoto.» O contacto íntimo e harmonioso com a natureza pode, e deve, ser uma experiência profundamente terapêutica e até religiosa.
«Um sentimento de paz fluirá da natureza [silvestre] para nós, como a luz solar se incorpora às folhas das árvores.» - John Muir
Desafortunadamente, para grande parte dos portugueses as matas servem essencialmente para fazer despejos - de lixo^^^^^^ e de fluidos corporais (não é preciso fazer um desenho,ou é?)assim, sempre que adestrarmos num caminho "florestal" acessível, já sabemos o que lá encontraremos e que nos fará desejar termos saído de casa em jejum …«Para os portugueses a terra é ainda sinónimo de frio no Inverno ou de calorno Verão, mas sempre de trabalho duro. A terra é violência e não seacarinha o que nos violenta.» - José Barata-Feyo (GR n.º54, Set. de 95)

*O nível de depauperamento da biodiversidade aproxima-se a passos largos do verificado no final do Mesozóico (há 65 milhões de anos), quando uma implacável onda de extinções fez desaparecer enre 60 a 70% das espécies (com destaque para os retroactivamente populares dinossauros), provavelmente como consequência do embate com um gigantesco asteróide (com uns 15 Kms de largura), segundo nos conta o registo fóssil, que nos fala ainda de um megatsunami que varreu toda América do Norte .

Paulo Barreiros

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