sexta-feira, maio 19, 2006

Educação Ambiental, a última esperança? (II)

“A criança educada num ambiente natural tem o espírito tão cheio de emoções e de sensações que nunca está só, mesmo que nalguns momentos se encontre nua e sem ninguém à sua volta, em plena natureza.” (António Manzanares, 1986) As crianças devem ser rodeadas de estímulos positivos, e esses estímulos que provêm do meio natural são infinitos e nunca saciam por completo a curiosidade humana, nem a prodigiosa capacidade de nos deslumbrarmos; daí que seja essencial ao desenvolvimento do nosso sentido estético e de harmonia. As crianças devem aprender a estarem consigo mesmas (essa inestimável escola da autenticidade do ser); a sua integração na natureza traduz-se numa integração nelas mesmas, visto que elas são um produto pouco adulterado da natureza. A sua autognose consolida-se a par com a auto-confiança. “Estar a sós na natureza desactiva a competição, o narcisismo, a empáfia e a luta pelo poder. Não há outro que o fluir com a vida, a paisagem, o tempo; com a beleza possível, em suma.” (Joaquín Araújo, 2000)
"Nós amamos a tranquilidade; (...) quando os bosques sussurram, não sentimosmedo." (um chefe ameríndio de nome desconhecido, 1796)
« A mais bela coisa que podemos viver é o misterioso. É a emoçãofundamental que suporta o berço da verdadeira ciência. Quem já o olvidou ejá não se questiona, nem se maravilha é como se estivesse morto.» - AlbertEinstein
O ilustre etólogo austríaco Konrad lorenz relata que «certa vez passeava pelo bosque em companhia da minha mulher, desfrutando da sinfonia de imagens e sons que a natureza sabe oferecer tão artisticamente, quando ouvimos horrorizados o estrondo de um grande aparelho de rádio que com celeridade se aproximava de nós. Transportava-o na bicicleta um rapaz que pedalava energeticamente. A minha mulher disse: " este tem medo de ouvir cantar os pássaros." E eu respondi-lhe:" do que tem medo é de encontrar-se consigo mesmo apenas por um instante."
Durante um par de anos trabalhei (para uma ONG) numa das regiões commenor densidade populacional da UE. As instalações onde recebíamos eacordávamos os visitantes situam-se num ermo tão privilegiado quepraticamente só se ouviam os sons da natureza silvestre. Pois bem,recordo-me de ter ficado estupefacto quando ouvi pela primeira vez umcitadino, que por lá pernoitou, queixar-se de que lhe tinha sido muitodifícil adormecer - e que até tinha acordado assustado durante anoite – porque «estava demasiado silencioso»…Conversámos sobre ohábito do ruído e fiquei a saber que essa pessoa, à semelhança detantos habitantes das urbes, quando está em casa tem a televisãopermanentemente ligada, sem se importar grandemente com o que está atransmitir. Como "alternativa", ligam a aparelhagem sonora.
A avaliação de todas as experiências sensoriais e psíquicas a que o bebé esteja sujeito determinará de forma relevante a sua posterior conduta. É fundamental que os seus estímulos e as suas expectativas inatas para a acção tenham uma resposta positiva por parte dos seus tutores, deixando-o explorar o mundo guiado pelos seus sentidos e instintos.
O seu corpo deverá igualmente estar exposto às mesmas variações de temperatura toleráveis pelos adultos (o bom senso e o instinto de auto-preservação saberão impor limites a essas experiências salutares).*
* Os bebés até completarem o seu primeiro ano de existência, têm um défice de gordura corporal indispensável ao isolamento térmico. Para compensar isso, a mãe natureza dotou-os de um mecanismo fisiológico mais comum nos mamíferos que hibernam: uma vez que os seus cérebros primitivos registam a descida de temperatura, ordenam a umas células especiais para queimarem os seus depósitos de emergência carregados de gordura, produzindo energia calorífica.
A propósito, recordo-me de um caso bastante paradigmático e esclarecedor que tomei conhecimento aquando de uma visita, no início dos anos 90, ao centro de educação ambiental do Parque Nacional da Floresta Bávara (Alemanha). Fiquei agradavelmente surpreendido com a extraordinária qualidade das exposições que aí decorriam (constou-me que eram renovadas mensalmente). Nenhum pormenor didáctico era descurado para transmitirem as suas mensagens positivas; ora de forma subtil, quase subliminar, ora provocativas e chocantes. Só me deparei com boas ideias, tanto as que exigiam uma sofisticada e dispendiosa execução, como as apresentadas com a simplicidade desconcertante de “ovo de Colombo”.
Lá fora, distando uns 50 metros destas instalações, existia um parque infantil (“jogos de consciência”), ao qual se acedia por uma vereda que atravessava um nemoroso bosque de altivos abetos e piceas. As crianças eram encorajadas a fazerem este percurso sozinhas, afastando-se momentaneamente dos seus tutores adultos.
O genial Dr. Willfried Janpen, principal responsável por este centro de EA, mui consciente e zeloso das suas responsabilidades pedagógicas, sabia dar a devida importância à avaliação destas experiências. (Talvez este ponto crucial – a avaliação – seja o mais deficitário na generalidade das iniciativas de sensibilização ambiental que têm decorrido no nosso país). Por isso, investia muito do seu tempo a analisar as reacções dos visitantes, em especial das crianças, escolhendo aleatoriamente algumas para entrevistar no final das visitas. Estes inquéritos revelaram algo inesperado. À pergunta «do que é que tinham gostado mais?», a resposta maioritária referia-se à aventura das suas incursões solitárias pelo bosque, antes de extravasarem energias no parque infantil…
O desenvolvimento e destreza do físico, bem como do intelecto, são potencializados (em interacção) pelos sentidos bem despertos a todos os enriquecedores estímulos do campo e pela liberdade vivificante. É uma autêntica celebração da vida mantermos sempre o espírito imbuído da excitante sedução dos mistérios naturais e as descobertas feitas conquistas diárias.
A natureza é um ambiente psíquico propício a uma sociabilização mais aberta e espontânea, que é um reflexo de qualquer criança feliz, saudável e segura. A alegria e o afecto são os dois sentimentos que melhor transformam a memória das crianças em “barro húmido”, onde ficam para sempre gravados o fundamental da aprendizagem, e que depois, ao chegarem a adultos, terão grande prazer em transmitir esses conhecimentos aos mais jovens.
Não é, pois, de estranhar que nos países com fraco desenvolvimento industrial (mas que tampouco seja generalizada a pobreza mais extrema, traduzida em subnutrição crónica, no sacrifício da infância presos a trabalhos próprios de adultos, ou ainda forçados a engajarem-se em guerras hediondas cujo sentido lhes transcende), com bastante natureza não sufocada sob o alcatrão e o betão, onde as crianças não têm acesso a brinquedos caros e sofisticados (que alimentam muito mais a sede insaciável do consumismo do que a verve), estas exibem os sorrisos mais radiantes, uma imaginação vivíssima, uma rica vida espiritual e um vigor e destreza física ímpares.
Pelo contrário, «os jovens criados nas cinzentas e poluídas cidades industriais costumam ter dificuldades em estarem sós. É tão desesperadamente triste a solidão entre a multidão, que a rejeitam desde o início! Entediam-se ante a vida e cada dia têm que esforçar-se por preencher o seu tempo vazio. A criança urbana tem menos facilidade em estar a sós consigo mesma e sente necessidade de levar pedaços da urbe nas suas (esporádicas e muitas vezes forçadas) saídas de campo.» (António Manzanares, 1986) Efectivamente, quem é que nunca guiou um grupo nestas circunstâncias, sem ter que competir pela atenção da garotada com os odiosos jogos electrónicos de bolso, os Walkman, os telemóveis,etc...?
Cada vez mais vejo crianças com expressões enfastiadas, corpos obesos, ou simplesmente com as costas apoltronadas. As manifestações de entusiasmo perante o inesperado e a disponibilidade para cooperarem voluntariamente, estão a tornar-se tão raras como as cicatrizes nos joelhos (que geralmente se tratam apenas de “medalhinhas de bom comportamento”) e os modos cordiais.

Paulo Barreiros

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