quarta-feira, maio 10, 2006

“Desonrar a Terra é desonrar o espírito do homem.” – Henry Beston


O Espírito da Terra
Extremamente frutíferos e marcantes costumam ser os passeios à procura do "espírito da terra". De inspiração britânica, este exercício deleitura da paisagem procura interpretar-lhe a sua hierofania e aprofundar onosso respeito e a nossa identidade cultural. Assim como estimula odesenvolvimento da nossa espiritualidade telúrica. O deambularmos por umadeterminada região, deveremos, então, tentar localizar (ou através demonumentos, vestígios arqueológicos ou de mitos e lendas locais) aqueles que foram durante muito tempo locais de culto. De seguida, tentaremos interpretar os motivos que levaram os homens a sentirem-se profundamente atraídos e até a venerar certas particularidades paisagísticas; o que sobrou desse espírito nas populações locais; o porquê da direcção dos caminhos e de algumas árvores seculares terem sido poupadas, etc...
Os centros de poder que o homem identifica na Terra destinam-se a tentaraplacar a nossa crescente fome espiritual.
Apenas sobreviveram 4 dos 600 homens que integraram a expedição liderada por Pánfilo de Narváez em 1528. Cabeza de Vaca, por ter narrado a sua fabulosa aventura na corte espanhola, chegando mesmo a deixá-la escrita para a posteridade, tornou-se o mais conhecido desses sobreviventes. Este homem tinha 38 anos quando a ambição o levou a desembarcar na Florida. Inspirado pelas descobertas e pelos saques riquíssimos conseguidos pelos seus compatriotas (sob o comando de Cortez), Cabeza de Vaca, que era um veterano de guerra, tendo derramado muito sangue em conflitos na Europa, estava disposto a empilhar tantos cadáveres de indígenas quanto fossem necessários para se apossar das riquezas das míticas cidades douradas do novo continente. Mas, como as “terras selvagens” e os seus povos não queriam ser conquistados, os espanhóis sofreram mais agruras do que podiam suportar. Acima de tudo, a verdadeira riqueza que lá se encontrava só poderia ser descoberta e experimentada se os europeus se abrissem a um processo redentor de metamorfose espiritual-civilizacional, deixando-se possuir pelo Espírito da Terra. Foi o que aconteceu a Cabeza de Vaca e aos 3 companheiros espanhóis que conseguiram alcançar a Nova Espanha em 1536.
Passaram os primeiros 6 anos como escravos entre as tribos que habitavam o litoral da região actualmente conhecida como o Texas, sentindo-se maltratados tanto pelos seus captores (que conheciam bem a crueldade e iniquidade dos espanhóis), como pela natureza que não correspondia às suas noções de paraíso idílico... quando finalmente conseguiram escapar, iniciaram uma saga que, por mais desafios físicos que tenha representado (cobrindo milhares de Kms por territórios aparentemente hostis), foi fundamentalmente uma viagem de purificação e de crescimento espiritual.
Arrastados por dramáticas contingências, estes europeus não faziam ideia de que estavam prestes a ser protagonistas das mais mirabolantes, irónicas e inspiradoras aventuras do colonialismo genocida perpetrado pelos europeus.
Numa das tribos que os acolheu (ou os escravizou?), foram feitos ajudantes de curandeiros/xamãs, e consta que não se deram nada mal nessas novas tarefas. Ainda não sentiam que tinham descoberto uma insuspeita vocação (ou dom?) e muito menos estavam conscientes da auroral e telúrica epifania que despontava nas suas mentes confusas.
Continuando a fugir em direcção à civilização, a sua fama benfazeja precedia-os e por todo o lado as tribos queriam acolher os curandeiros brancos, coagindo-os a ajudar os desfalecido. Com o tempo, todos eles acabaram por assumir-se como curandeiros (miscigenando o melhor que conheciam entre as religiões dos dois continentes em colisão cultural), tornando-se lendária a sua competência. A seu favor, além de uma estranha sorte, contava ainda um atractivo exótico misturado com o sobrenatural, pois eles agiam de forma de forma oposta ao que era esperado do seu povo e sobretudo dos seus líderes.
À medida que aprendiam e adoptavam os costumes dos ameríndios seus anfitriões, descobriram a essência da felicidade que transcende as particularidades/idiossincrasias culturais; o elo espiritual que une todos os homens e estes à natureza que os sustenta. Durante dois anos cultivaram o prazer de praticar a generosidade abnegada e a pobreza material, indispensáveis à riqueza, ao fortalecimento e à credibilidade espiritual. Sentiram-se agraciados pelas dádivas da natureza, curaram doentes, apaziguaram disputas e conquistaram a amizade e o respeito daqueles que inicialmente odiavam e temiam (muitos dos quais passaram a ser seus companheiros da viagem que assumiu contornos messiânicos).
Regressados à civilização, ninguém queria aceitar que eles se tinham “indianizado” devido ao velho pavor (típico da tradição judaico-cristã) de que civilização é um artifício precário que tende a “degenerar”, assilvestrando. Os seus relatos fantásticos foram distorcidos para alimentar a quimera do ouro americano e os redimidos pareceram esquecer o que aprenderam entre os ameríndios, voltando a contagiar-se com a febre mortal da ganância; pelo menos metade deles voltou a juntar-se a expedições e perderam a vida à procura do ouro na terra onde tinham encontrado o maior dos bens.
No início do séc. XIX, Lewis & Clark foram enviados pelo Presidente Jefferson à procura da via do Norte para os colonos europeus chegarem à desconhecida costa Oeste. Estes intrépidos exploradores ganharam um lugar cimeiro na, galeria dos heróis americanos pelo seu sucesso nessa odisseia de mais de dois anos, em que percorreram cerca de 6700 Km. No seu papel de arautos do império, fizeram as vezes de batedores, geógrafos, naturalistas e antropólogos.Numa escaramuça com guerreiros da tribo dos Pés Negros, Lewis & Clark mataram os primeiros indígenas desta viagem à conquista do Oeste. Nos pescoços dos cadáveres colocaram "medalhas da paz" cunhadas pelo governo dos EUA. Era uma mensagem para os companheiros dos defuntos que dizia ser este o destino dos que não se submetessem à vontade rapace dos novos senhores. O império tinha chegado e a “paz americana”, tal como a romana, não admitia resistências.

Quando regressaram à civilização, o governo recompensou-os com elevadospostos no exército. Mas, para que fosse oficialmente justificado oinvestimento desta expedição, Lewis tinha a obrigação de organizar epublicar os seus diários. Ele nunca o fez. Apesar do reconhecimento social ede usufruir de muitas regalias a ele associadas, Lewis tornou-se um homemmelancólico, entregando-se ao álcool, à especulação imobiliária /fundiária (que era o grande negócio da época) e a muitos negócios ilícitos de desfecho ruinoso. Acabou por suicidar-se. Poucos terão compreendido que Lewis estava possuído pelo Espírito da Terra. Ele tinha visto a natureza em todo o seu esplendor e convivido com indígenas quesabiam viver plenamente, sendo felizes e ricos na sua frugalidade harmoniosa.Os seus modos de vida possuíam ainda um carácter viril e solidário de queLewis & Clark tanto apreciavam. Penso que, por terem aberto caminho para os colonos tomarem posse de todo o novo mundo, sabiam que o tinham condenado à destruição.
Na viragem do século XVIII para o séc. XIX, Daniel Boone tornara-se uma figura lendária entre os exploradores e colonos euro-americanos. Até a imprensa e os escritores de novelas de aventuras o admiravam, pois ele encarnava um modo de vida evanescente como o mundo que tivera o privilégio de conhecer e de amar, mas que ajudara a destruir. Os euro-americanos encantavam-se/extasiavam-se comos relatos destes intrépidos exploradores porque eles tinham cada pé em ambosos lados da fronteira civilizacional (e esta expandia-se "a seu favor" a umavelocidade estonteante, deixando um irremediável e apocalíptico rasto dedestruição). A fronteira naquele tempo era mais um estado de espírito e ummodo de vida, do que marcos geopolíticos traçados em mapas e defendidos por fortes militares isolados. Alguns daqueles homens da fronteira conheciam muitos dos inúmeros mistérios da vida selvagem, tinham adquirido o gosto pela liberdade e pelo modo de vida dos indígenas (seus mestres), isso levava-os a rejeitar a domesticação imposta pela revoluçãoindustrial-urbana, mas não eram vistos (pelos caucasianos) como traidores,possuídos pelos "demónios das matas", porque não abjuraram osfundamentos da mentalidade judaico-cristã (então completamente moldada pela ganância insaciável, pelo imperialismo e pela xenofobia) e porque tiveram um papel crucial na guerra contra a natureza, revelando os pontos mais vulneráveis desta última (ou seja, assinalando os maiores motivos de cobiça doseuro-americanos). Depois passaram o resto das suas vidas lamentando as perdas, e nada no mundo civilizado parecia ser suficientemente bom para mitigar essa dor.
A propósito, vale referir uns episódios extraídos do livro (fundamental) “O Espírito Ocidental Contra a Natureza”. Escreve Frederick Turner:
«Cadwallader Colden testemunhou uma troca de prisioneiros entre os iroqueses e os franceses em 1699, no norte de Nova Iorque. Sem rodeios, ele diz que «apesar de os comissários franceses se esforçarem ao máximo por levar os francese para casa, houve muitos prisioneiros dos índios que, mesmo libertos, não foram convencidos a retornar». E admite que isso não era um mero reflexo da qualidadede vida nas colónias francesas, «pois os ingleses encontraram a mesma dificuldade» de convencer os seus redimidos a regressara casa, apesar do que Colden considerava o modo de vida superior dos ingleses:
«Nenhuma argumentação, nenhum apelo, nem as lágrimas de seus amigos e parentes conseguiam persuadir muito deles a abandonar seus novos amigos e companheiros índios; alguns dos que foram convencidos a voltara casa pelo carinho dos seus parentes, logo se cansaram do nosso modo de vida e fugiram de volta para os índios e ficaram com eles até ao fim dos seus dias. Por outro lado, entre as crianças índias criadas com todo o cuidado entre os ingleses, que aprenderam a se vestir e foram à escola, creio que não houve uma única que preferisse ficar com os ingleses quando teve a liberdade de procurar o seu próprio povo ao atingir a maioridade. Ao contrário, todos retornaram às suas próprias nações e aprenderam a gostar do modo de vida índio tanto quanto os nativos que nunca conheceram um modo civilizado de vida.»
Crèvecoeur, outro conterrâneo e contemporâneo de Colden, num texto em que faz a apologia do estilo de vida dos colonos norte (considerando a agricultura como a salvação da civilização e o antídoto ideal contra a selvajaria), acaba por deixar escapar uma observação bastante elucidativa que põe em causa a sua filosofia cristã: «milhares de europeus são índios e não há um exemplo sequer de um aborígene que tenha escolhido ser europeu!»

Numa época em que os próprios nativos americanos tentam recuperar o orgulho nas suas culturas ancestrais, procurando na sua mitologia (que eles preferem que a designemos por «história sagrada»), não apenas as raízes da suaidentidade tribal, mas uma forma de crescimento pessoal e de organizaçãosocial que lhes permita caminhar com rectidão, com firmeza e de semblanteerguido, abrindo novos trilhos por uma sociedade insana que os despreza e queos despojou até da sua dignidade, não deixa de ser irónico que tantos jovenscaucasianos e urbanos pretendam "apanhar boleia" nessa demanda espiritual.As peregrinação new age com frequência têm como destino os lugares sagradosdos nativos americanos. Aí misturam uma confusão de cultos, o que tem sidomotivo para alguns atritos entre eles e os nativos americanos que se sentemofendidos pelo que consideram ser uma palhaçada sacrílega.
Na Europa essa necessidade de harmonia telúrica, cultivando mitologias vivas,tem mais dificuldade em encontrar referências histórico-culturais empáticas.
A história (eurocêntrica) que aprendemos no ensino formal inquina os livros de sangue e de propaganda política imperialista, prescindindo de fazer referências ao modo como os nossos antepassados (anteriores à Idade Média) reverenciavam a natureza. As poucas referências às interacções com o mundo natural praticamente limitam-se afazer a exaltação da caça (como um “desporto” das elites”) e do poder dos machados e das charruas. Embora faltos de provas históricas ou mesmo de conhecimentos elementares sobre a cultura popular, os adeptos do "new age" (de inspiração oriental enorte americana) com frequência tentam criar pontes espirituais com fragmentos (confusos e retocados por uma imaginação com forte sentido comercial) do que julgam ter sido a cultura celta, misturarando Stonehendge com Camelot, druidas com bruxas; yoga, reiki e tai chi; a Body Shop e a música para meditação; fadas, duendes, dragões e os unicórnios; a astrologia com ecofantasias; imaginam uma aliança entre o Harry Potter e o Gandalf na demanda pelo Santo Graal; tudo numa salganhada pseudoesotérica, pseudocelta e até pseudoecológica.
Na realidade, o pouco que sabemos deles foi-nos (no-lo??) transmitido pelos seus inimigos gregos e romanos, e, como tal, são testemunhos profundamente marcados por um desprezo preconceituoso.
a miscigenação do cristianismo (celta) com o druidismo deve-se essencialmente a (S.) Patrício [Patrick]ste não tivesse renunciado às mordomias inerentes à sua condição de bispo, tendo ido viver – com humildade – para os ermos mais agrestes da Irlanda, nunca teria sido aceite pelos irredutíveis pagãos irlandeses. Mais importante, Patrício (que em tempos fora escravo e, por isso, sabia dar valor à liberdade, bem como à compaixão e à fraternidade) não os ameaçou com o poder de um Deus que impunha a sua vontade tirânica e que era terrível na sua intolerância vingativa. Ao invés, falou-lhes de um deus bondoso e paternal; na benesse única de alojarem nos seus “corações” uma nova energia vital que provinha do amor divino, e que os inspirava como o tinham feito as divindades celtas. Este pregador tampouco tentou impor dogmas para, hipocritamente, esconder as suas fraquezas espirituais. Esses “demónios” interiores defrontou-os – com coragem e frontalidade – ao longo de toda a sua vida.
Quando a milenar tradição pagã foi obrigada a converter-se ao catolicismoromano, logo se desenvolveram muitas formas de resistência, mais ou menosdissimulada, ao despotismo do culto monoteísta administrado a partir de Roma. Mesmo entre os cristãos convictos, desde os alvores do catolicismo, abundavam os que se sentiam indignados em prestar reverência a uma Igreja/Estado fortemente hierarquizada e com um governo centralizado, repressivo e corrupto. Também percebiam que a Igreja não mais fazia do que acentuara sua decadência moral, afastando-se dos ensinamentos (bíblicos) de Cristo e dos apóstolos, no seu desprezo pelos pobres, na sua ostentação de riqueza (que se torna evidente sobretudo a partir dos séc. XII, com a construção de sumptuosas catedrais por toda a Europa); nos abusos de poder e na sanguinária intolerância religiosa; na hipocrisia e na extorsão (nomeadamente através davenda de indulgências promovidas pelo Papa Leão X que esvaziou os cofres da Igreja em lautos banquetes, festas e na basílica de S. Pedro, enquanto o povo passava fome e era vítima de epidemias)++++++++; no seu envolvimento em sucessivas guerras (tendo tornado o poder leigo e o poder eclesiástico numa única força de opressão, exploração e morticínio em massa); e na liturgia tétrica feita de rituais repetitivos e vazios de sentido e que condenava o prazer, o pensamento livre e os conhecimentos sobre a natureza.*-+
+++++++++ A venda de indulgências (feita através do testa de ferro do Papa, o monge Johann Tetzel) granjeou a ira separacionista de Martinho Lutero que criticou (nas suas 95 teses) duramente a decadência imoral da Igreja de Roma. Apesar da excumunhão e da fundação de uma nova igreja, nem Lutero teve coragem para expor em praça pública um dos podres mais escondidos do Vaticano e do pontificado de Leão X em particular, e que era o facto de o Santo padre e os seus compinchas terem à disposição um harém de meninos...

*-+ Entre as cruzadas e a expansão ultramarina a acção da Igreja medievalcentrou-se na acumulação de poder e de riquezas, bem como em perseguir todos os reformistas e todos aqueles que cultivavam o estudo e a paixão pelanatureza silvestre (acusando-os de heresia e debruxaria, respectivamente). A perda dos direitos civis, as humilhações públicas, tortura, e a morte e morte era, indefectivelmente, o tratamento reservado pela “piedade cristã” para os que a punham em causa…



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Numerosas correntes filosófico-teológicas e seitas tentaram umareaproximação reconciliatória com a sacralidade do mundo natural(recuperando os valores arcaicos da cultura pagã), praticando e apelando àpobreza voluntária (como condição indispensável para alcançar a purezamoral e desenvolvimento de uma sã espiritualidade), ao ascetismo, àgenerosidade abnegada, à compaixão e à resistência activa, mas geralmentepacífica, contra as injustiças dos poderosos.Não creio que seja relevante apresentar aqui uma memória descritiva, ou mesmo uma sinopse, da miríade de seitas cristãs renovadoras (que têm sidoclassificadas/apodadas de cabalistas, gnósticas, apóstatas, heréticas, cismáticas e pagãs) que encontrei em pesquisas bibliográficas, mas, na impossibilidade decitar um desses movimentos genuinamente lusitanos, vale um exemplo bem próximode nós, na Galiza do séc. IV, que foi liderado por Prisciliano.
Os gregos referiam-se aos povos celtas como Keltoi ou Keltai ( significando "ocultos; longínquo"). Essas palavras foi latinizadas para "celta".A palavra Galiza provavelmente tem a sua raiz etimológica nos vocábulos latinos Gal e Galli, que eram as principais designações utilizadas pelos romanos (por influência dos gregos, que, para o mesmo efeito, também utilizavam a palavra “Galatai”) para se referirem aos celtas da Europa Central. Os celtas falavam muitas línguas, mas supõe-se que todas derivassem do goidélico. (Assim, o gaélico seria a língua principal dos povos hoje conhecidos como irlandeses e escoceses; os galegos falariam galaico; o galês seria falado pelos galeses, etc...)A principal deidade feminina dos celtas goidélicos era a deusa-Nai ouCal-leach. Alguns historiadores afirmam que a sua designação latina,Calaic-ia, está na origem do nome Galiza.
Ainda hoje a tradição galega e asturiana está povoada de mitosmágico-religiosos que conseguiram sobreviver à romanização e àcristianização. (A islamização da Península Ibérica teve poucainfluência no seu extremo norte.)
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Talvez por isso mesmo, enquanto no início do séc. XVI os conquistadores espanhóis vasculhavam as Américas à procura de ouro, o galego Ponce de León (que chegou a embarcar com Colombo e que, em 1513, conseguiu convencer os seus monarcas a deixarem-no liderar uma missão tresloucada) gastou a sua vida à procura da "fonte da juventude" (que julgava encontra-se nas Bahamas), até que os seus devaneios se cruzaram com uma flecha envenenada, falecendo na Florida em 1521.


Prisciliano (de origens abastadas) foi um sacerdote que pregava um cristianismo heterodoxo de inspiração ascética e milenarista; negava a Santíssima Trindade e pregava o gnosticismomaniqueísta e o pensamento nazareno e estoriano; também os essénios eos zadoquistas o inspiraram. Os "Actos de Tomé" eram textos quePrisciliano levava para todo o lado.Ele liderou um importante movimento religioso nascido e sustentado pelas comunidades rurais, que queriam ver o cristianismo sincretizado com o paganismo da Galiza mística. Numa época que foi pródiga no surgimento de comunidades ascetas e no eremitismo,inspirados sobretudo no movimento Nova Profecia**** e nos «padres dodeserto», a doutrina prisciliana tornou-se muito popular. Aosseus seguidores não escapava o exemplo de integridade do seu líder espiritualque acreditava no amor daimoso (como a maior força redentora) e na pobreza voluntária.
«E disse-lhe Jesus: se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e doa-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; vem e segue-me.» (Mateus 19:21)
«Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam.» (Mateus 6:19)
**** a Nova Profecia foi um movimento cristão escatológico do séc. II que defendeu a purificação física e espiritual (através do ascetismo, da mais rigorosa continência, da mortificação da total consagração à oração) como preparação para a segunda vinda do Messias, os seus adeptos, profundamente misóginos e masoquistas, são os mais legítimos herdeiros espirituais-filosóficos/teológicos de S. Paulo, e os percursores do movimento “padres do deserto” iniciado por Antão. Tertuliano, pelos seus inflamados e eloquentes discursos, foi, por ventura, o seu porta-voz mais popular/aclamado.
Já no séc. IV, esta causa voltaria a ser retomada para atingir novos píncaros de fanatismo na pena do filósofo Taciano. Alguns autores (como, por ex., Deschen) referem-no como um dos copistas que trabalhou na revisão de algumas das partes mais significativas da bíblia (corrigindo as traduções e adaptando os textos sacrossantos aos interesses do catolicismo de estado, num ambiente profundamente anti-semita), nomeadamente nas epístolas de S. Paulo.

Aos 40 anos, Prisciliano foi nomeado bispo de Ávila, e dizem que até caía nas boas graças do imperador Graciano. Tal não o protegeu das conspirações urdidas por vários bispos ortodoxos, que acabaram por conseguir a sua prisão. Junto com alguns os seus seguidores, Prisciliano foi acusado de heresia e de bruxaria. Em 385 executaram-no por decapitação (o que era uma morte “piedosa” para a Igreja”…) na cidade alemã actualmente conhecida como Triers. Os seus restos mortais foram devolvidos à Galiza e muito afirmam que em Compostela são os seus restos mortais que são alvo de adoração e de peregrinação, não os de S. Tiago===. Os seus seguidores “heréticos” mantiveram viva a mensagem prisciliana pelo menos por mais 3 séculos, até que a jihad islâmica trouxe os invasores árabes para a Península Ibérica
===Santiago de Compostela foi a alternativa (herética) do pensamentonazareno à doutrina de S. Paulo (que desprezava o movimento teológicodifundido por Tiago, o irmão de Cristo) institucionalizada em Roma, mas existem suficientes evidências de que, mesmo antes do cristianismo, já o caminho de Santiago era alvo de peregrinação por parte dos celtas e até dos romanos.
Reza a lenda que em 820, em Libridón, um fenómeno luminoso (porventura um meteorito) interrompe a concentração meditativa do eremita Paio, causando-lhe um grande espanto. Este asceta cristão quebrou os seus votos de solidão e de silêncio, e correu até à localidade mais próxima a fim de partilhar com os populares o feito extraordinário. Logo se organizou uma expedição à procura do corpo cintilante caído dos céus. Acabaram por encontrar uma tumba suspeitosamente bem oculta, e convenceram-se que esta continha os restos mortais do apóstolo Tiago. A estória pegou e nesse local o Clero mandou erguer a basílica de Compostela.
Como é que o irmão de Cristo - que era oriundo do Médio Oriente, tinha a tez escura, pregava a paz, a concórdia e até o vegetarianismo, numa versão do cristianismo que ele pretendia o mais próxima possível ao judaísmo – passou a ser o patrono da "Reconquista Cristã", tendo até recebido o cognome de "mata mouros"? Bem, as devoções são sempre adaptadas às realidades de cada época e de cada região. Neste caso, como já era um santo muito popular, bastou inventar a estória da sua aparição na batalha de Clavijo (Rioja), em 844. Quando os mouros eram combatidos pelo exército "cristão", o líder militar dos castelhanos, Ramiro I, ao ver a sua morte e a derrota dos seus soldados aproximar-se, teve um momento de desânimo do qual só se recuperou de vido à aparição de S. Tiago (montado num cavalo branco) que o ajudou a dar uma coça aos "infiéis".
À medida que uma civilização muito menos avançada e mais violenta expulsava os “mouros” de volta para onde tinham vindo (no séc. VII), o desenvolvimento económico da Europa cristã (nomeadamente no norte da Península Ibérica, no sul de França e em Itália) em muito se deveu ao comércio ligado às peregrinações ao santuário de Compostela.
A nossa neoténica necessidade de procurar e seguir modelos comportamentais (miticamente recenados e respeitados pelas comunidades em que nos inserimos, ou que desejamos ser aceites) poderá levar alguns piedosos amantes da natureza a inspirar-se na mensagem e obra de (S.) Francisco de Assis. (isto, claro, se tiverem sucos gástricos potentes como o dos abutres, para digerirem a ingente quantidade de podres que sempre caracterizou a Igreja Católica…) Esta possível referência para os ecologistas é muito interessante não apenas porque Francisco de Assis defendia uma revolucionária irmandade com as criaturas não humanas (vistas todas como bênçãos divinas dignas de respeito e de protecção) e uma vida tão frugal e pura quanto é possível (levando a um insalubre extremo da auto negação do ego e da auto martirização), mas sobretudo porque nele se produziu uma metamorfose beatífica, renunciando a uma vida marcada pelo hedonismo egoísta e mundano, os excessos libertinos, as ambições beligerantes (em jovem queria ser um cavaleiro, mal podendo esperar por provar o seu valor no campo de batalha); e até a segurança económica da sua família burguesa que o mimara, acalentando a esperança de que ele acabasse por “ganhar juízo” e tomasse conta dos negócios familiares. Ao ter experimentado os horrores da guerra e do cativeiro, o futuro santo tomou consciência de que a boémia era uma forma fútil e irresponsável de desperdiçar os seus dias (o referido trauma provocou no seu ego uma revolução copernicana, deixando de se reconhecer como o centro do universo), mas tampouco lhe interessava ouvir os apelos da sua família demasiado arreigada aos valores materiais. Francisco passou a ambicionar a santidade, seguindo os passos de Jesus Cristo. Como a heresia naquele tempo (séc. XIII) estava fora de cogitação, ele pretendeu reformar a Igreja desde dentro, limpando-a da iniquidade corrupta e hipócrita que a dominava. Como é óbvio, este último propósito foi um falhanço, assim como a sua tentativa de converter ao cristianismo os muçulmanos (começando pelo seu líder; para tal chegou a unir-se à 5ª cruzada). Assim, podemos deduzir que Francisco subestimou a fé dos seguidores de Maomé na mesma proporção que superestimou a boa fé dos cristãos e os reais interesses dos líderes da sua Igreja.
A ordem franciscana cresceu muito – ao ponto de escapar ao controlo do seu fundador e acabar por trair a sua mensagem e objectivos…

* Curiosamente o mais notório sacerdote franciscano português da actualidade, o padre Milícias, contra os seus votos, tem uma vida regalada gerir fortunas imensas provenientes de jogos de azar, e nem sequer tem pudor em defender as corridas de touros à espanhola (ou seja, que acabam com a morte dos animais na arena, depois de estes terem sido barbaramente torturado para o fútil deleite de uns “señoritos” grunhos que, infelizmente, ainda dominam uma anacrónica mentalidade ribatejana)…



Discordo da maioria dos pedagogos que consideram ser Educação Ambiental (EA) parte integrante da Educação Cívica e ponto final.
A EA não se pode confinar a mandamentos (do género "não deitem o lixo para o chão" , “abstenham-se de fumar junto de não fumadores” e “dêem prioridade aos peões nas passadeiras”) que, acima de tudo, são noções básicas de higiene e civilidade. A EA é inalienável da EC, partilhando dos seus desideratos, mas transcende os seus limites, necessitando ir muito mais fundo e longe (do que isso), abrangendo todos os aspectos de convivência e tendo um papel preponderante na formação holística dos indivíduos – que inclui as orientações filosóficas, políticas e espirituais, baseadas no amor e no respeito pelo planeta como um organismo vivo que nos sustenta.
O principal problema que afecta a humanidade é de ordem espiritual; todos os outros, por maior que sejam, derivam deste. Teremos que reaprender a considerar sagradas todas as formas de vida.






Paulo Barreiros

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