I)
Assim como a história não tomou conhecimento da existência de Jesus, os Evangelhos igualmente desconhecem-no como homem, introduzindo-o apenas como um deus.
Maurice Vernés mostrou com rara mestria que o Velho Testamento não passa de um livro profético de origem apenas sacerdotal, fazendo ver que tudo que ai está contido não é histórico, sendo apenas simbólico e teológico. O mesmo acontece com o Novo Testamento e os Evangelhos. Tudo na Bíblia é duvidoso, incerto e sobrenatural.
Tratando dos Evangelhos, mostra que sua origem foi mantida anônima, talvez de propósito, não se podendo saber realmente quem os escreveu. Por isso, eles começam com a palavra "segundo" Evangelho segundo Mateus; segundo Marcos. Daí se deduz que não foram eles os autores desses Evangelhos, foram no máximo, os divulgadores.
Igualmente deixaram em dúvida a época em que foram escritos. A referência mais antiga aos Evangelhos é a de Papias, bispo de Yerápoles, o qual foi martirizado por Marco Aurélio entre 161 e 180. Seu livro faz parte da biblioteca do Vaticano. Irineu e Eusébio foram os primeiros a atribuírem a Marcos e a Mateus a autoria dos Evangelhos, mas, ambos permanecem desconhecidos da história, como o próprio Jesus Cristo. Destarte, pouco ou nenhum valor têm os Evangelhos como testemunha dos acontecimentos. Se só foram compostos no século III ou IV, ninguém pode garantir se os originais teriam realmente existido.
Os primitivos cristãos quase não escreveram, e os raros escritos desapareceram. Por outro lado, no Concílio de Nicéia foram destruídos todos os Evangelhos. Esse Concílio foi convocado por Constantino, que era pagão. Daí, devem ter sido compostos outros Evangelhos para serem aprovados por ele ou pelo Concílio. Com isto, perderam sua autenticidade, deixando de serem impostos pela fé para serem-no pela espada.
Celso no século II, combateu o cristianismo argumentando somente com as incoerências dos Evangelhos.
Irineu diz que foram escolhidos os quatro Evangelhos, não porque fossem os melhores ou verdadeiros, mas, apenas porque esses provieram de fontes defendidas por forças políticas muito poderosas da época. Os bispos que os apoiaram tinham muito poder político. Informam ainda que antes do Concílio de Nicéia, os bispos serviam-se indiferentemente de todos os Evangelhos então existentes, os quais alcançaram o número de 315. Até então eles se eqüivaliam para os arranjos da Igreja. Mesmo assim, os quatro Evangelhos adotados, conservaram muitas das lendas contidas nos demais que foram recusados. De qualquer forma, era e continuam sendo todos anônimos, inseguros e inautênticos. Os adotados, foram sorteados e não escolhidos de acordo com fatores valorativos. Mesmo estes adotados desde o Concílio de Nicéia, sofreram a ação dos falsificadores que neles introduziram o que mais convinha à época, ou apenas a sua opinião pessoal.
Esta é a história dos Evangelhos que através dos tempos, vêm sofrendo a ação das conveniências políticas e econômicas.
Embora a Igreja houvesse se tornado a senhora da Europa, nem por isso preocupou-se em tornar os Evangelhos menos incoerentes. Sentiu-se tão firme que julgou que sua firmeza seria eterna.
Os argumentos mais poderosos contra a autenticidade dos Evangelhos, residem em suas contradições, incoerências, discordâncias e erros quanto à datas e lugares, e na imoralidade de pretender dar cunho de verdade a velhos e pueris arranjados dos profetas judeus. Essa puerilidade avoluma-se a medida em que a crítica verifica o esforço evangélico, em tornar realidade os sonhos infantis de uma população ignorante. Para justificar sua ignorância, se dizem inspirados pelo Espírito Santo, o qual também é uma ficção religiosa, resultante da velha lenda judia segundo a qual o mundo era dominado por dois espíritos opositores entre si: o espírito do bem e o do mal. Adquiriram essa crença no convívio com os persas, os egípcios e os indus.
Os egípcios tiveram também Os seus sacerdotes, os quais escreveram os livros religiosos como o "Livro dos Mortos", sob a inspiração do deus Anubis. Hamurabi impôs suas leis como tendo sido oriundas do deus Schamash. Moisés descendo do Monte Sinai, trouxe as tábuas da lei como tendo sido ditadas a ele por Jeová. Maomé igualmente, foi ouvir do anjo Gabriel, em um morro perto de Meca, boa parte do Alcorão. Allah teria mandado suas ordens por Gabriel.
O conhecimento mostra que as religiões para se firmarem, têm-se valido muito mais da força física do que da fé. Quanto à verdade, esta não existe em suas proposições básicas. De modo que, Anubis, Schamash, Allah e Jeová nada mais são do que o Espírito Santo sob outros nomes.
Stefanoni demonstrou que todos esses escritos, não representam o Espírito Santo, mas, o espírito dominante em cada época ou lugar. Assim surgiram os Evangelhos, os quais como Jesus Cristo, foram inventados para atender a certos fins materiais, nem sempre confessáveis.
"Não creria nos Evangelhos, se a isso não me visse obrigado pela autoridade da Igreja". São palavras de Sto. Agostinho. Com sua cultura e inteligência, poderia hoje estar no rol dos que não crêem.
No que diz respeito a Jesus Cristo, a teologia toma em consideração, sobretudo, o aspecto sobrenatural e os seus milagres. João Evangelista foi trazido para a cena, afim de criar o Logos, o Jesus metafísico, destruindo assim, o Jesus-Homem.
As contradição surgidas em torno de um Jesus saído da mente de pessoas primárias e incultas, tornaram-no muito vulnerável à crítica dos melhores dotados de conhecimentos. Então, vem João e substitui o humano pelo divino, por ser o mais seguro. O mesmo iria fazer a Igreja no século XV, quando para abafara grita contra os que haviam queimado miseravelmente uma heroína nacional dos franceses, tiraram o uniforme do corpo carbonizado de Joana D'Aro e vestiram-lhe a túnica dos santos. O mesmo aconteceu com Jesus: teve de deixar queimar a pele humana que lhe haviam dado, para revestir-se com a pele divina.
A Igreja na impossibilidade de provar a existência de Jesus-Homem, inventou o Jesus-Deus. Assim atende melhor à ignorância pública e fecha a boca dos incrédulos.
Do que relatamos, conclui-se que, no caso de Joana D'Arc, a igreja obteve os resultados esperados. Contudo, continua com as mesmas dificuldades para provar que Jesus Crlsto, como homem ou como deus, tenha vivido fisicamente. E não é só. Ela não tem conseguido provar nada do que tem ensinado e imposto como verdade. Falta-lhe argumentos sérios e convincentes, para confrontar com o conhecimento científico e com a história sem que sejam refutados.
A Igreja tudo fez para tornar Jesus Cristo a base e a razão de ser do cristianismo. E isto, satisfez plenamente a seus interesses materiais neste dois milênios de vida.
Da mesma forma, os portugueses, os espanhóis e os ingleses, de Bíblia na mão e cruz no peito, foram à longínqua África para arrastar o negro como escravo, para garantir a infra-estrutura econômica do continente americano. Jamais se preocuparam em saber, se o pobre coitado queria separar-se de seus entes queridos, nem o que estes iriam sofrer com a separação.
A Igreja está realmente atravessando uma crise. Acontece que os processos tecnológicos e científicos, descortinam para o homem novos horizontes, e então ele percebe que foi iludido miseravelmente. Sua fé, sua crença e seu deus morrem porque não têm mais razão de ser.
Jesus Cristo foi inicialmente um deus tribal, que teria vindo ao mundo por causa das desgraças dos judeus. Eles sonhavam ser donos do mundo, mas mesmo assim, foram expulsos até mesmo de sua própria terra. Contudo, o cristianismo ganhou a Europa, com a adesão dos reis e imperadores.
Renan, não conseguindo encontrar o Jesus-Divino, tentou ressuscitar o Jesus-Homem. Mas, o que conseguiu foi apenas descrever uma esquisita tragédia humana, cujo epílogo ocorreu no céu. Jesus teria sido um altruísta mandado à terra, para que se tornasse uma chave capaz de abrir o céu. Teria sido o homem ideal com que o religioso sonha desde seus promórdios. Existindo o homem ideal, cuja idealidade ficasse comprovada, o histórico seria dispensável. Mas, ao tentar evidenciar um desses dois aspectos, Renan perdeu a ambos. Mostrou então que, para provar o lado divino de Jesus, compuseram os Evangelhos. Seu objetivo: relatar exclusivamente a vida de um homem milagroso e não de um homem natural.
Elaborando os Evangelhos, cometeram tantos erros e contradições, que acabaram por destruir, de vez, a Jesus.
A exegese da vida de Jesus, baseada no conhecimento e na lógica, separando-se o ideal do real, eles destroem-se mutuamente. Quem descreve o Jesus real, não poderá tocar o ideal, e vice-versa, porque um desmente o outro.
Em suma, os Evangelhos não satisfazem aos estudiosos da verdade livre de preconceitos, destruindo o material e o ideal postos na personalidade mítica de Jesus. A fabulação tanto recobre o humano como o divino.
Verificamos então, estarmos em presença de mais um deus redentor ou solar. Jesus, através dos Evangelhos, pode ser Brama, Buda, Krishna, Mitra, Horus, Júpiter, Serapis, Apolo ou Zeus. Apenas deram-lhe novas roupas. O Cristo descrito por João Evangelista, aproxima-se mais desses deuses redentores do que o dos outros evangelistas. É um novo deus oriental, lutando para prevalecer no ocidente como antes tinha lutado para impor-se no oriente. É um novo sub-produto do dogmatismo religioso dos orientais, em sua irracional e absurda metafísica. Por isso, criaram um Jesus divino, não por causa dos seus pretensos milagres, mas por ser o Logos, o Verbo feito carne. Essa essência divina é que possibilitou os milagres. É um deus antropomorfizado, feito conforme o multimilenar figurino idealizado pelo clero oriental. Jesus não fez milagres, ele é o próprio milagre. Nasceu de um milagre, viveu de milagres e foi para o céu milagrosamente, de corpo e alma, realizando assim mais uma das velhas pretensões dos criadores de religiões: a imortalidade da alma humana.
Sendo Jesus essencialmente o milagre, não poderá ser histórico, visto não ter sido um homem normal, comum, passando pela vida sem se prender às necessidades básicas da vida humana. Jesus foi idealizado, exclusivamente para dar cumprimento às profecias do judaísmo, é o que verificamos através dos Evangelhos. Tudo quanto ele fez já estava predito, muito antes do seu nascimento.
Jesus surgiu no cenário do mundo, não como autor do seu romance, mas tão somente como ator para representar a peça escrita, não se sabe bem aonde, em Roma ou talvez, Alexandria. O judaísmo forneceu o enredo, o Vaticano ficou com a bilheteria. E para garantir o êxito total da peça, a Igreja estabeleceu um rigoroso policiamento da platéia, através da confissão auricular. Nem o marido escapava à delação da esposa ou do próprio filho. O pensamento livre foi transformado em crime de morte. Os direitos da pessoa humana, calcados aos pés. Nunca a mentira foi imposta tão selvagemente, como aconteceu durante séculos com as mentiras elaboradas pelo cristianismo. À menor suspeita, a polícia tonsurada invadia o recinto, e arrastava o petulante para um escuro e nauseabundo calabouço onde as mais infames torturas eram infligidas ao acusado. Depois, arrastavam-no à praça pública para ser queimado vivo, o que decerto, causava muito prazer ao populacho cristão.
Desse modo, a Igreja tornou-se um verdugo desumano, exercendo o seu poder de modo impiedoso e implacável, ao mesmo tempo em que escrevia uma das mais terríveis páginas da história da humanidade.
Durante muito tempo, o sentimento de humanidade esteve ausente da Europa, e a mentira triunfava sobre a verdade. Milhares de infelizes foram sacrificados porque ousaram dizer a verdade. O poder público apoiava a farsa religiosa, e era praticamente controlado pela Igreja. Aquele que ousasse apontar as inverdades, as incoerências e o irracionalismo básicos do catolicismo, seria eliminado. Tudo foi feito para evitar que o cristianismo fracassasse, devido a fragilidade de seus fundamentos. O que a Igreja jura de mãos postas ser a verdade, é desmentido pelo conhecimento, pela ciência e pela razão.
- La Sagesse
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