quinta-feira, março 29, 2007

A cartilha do sexo reprodutivo

É curioso que, para além da adoração monoteísta, a coisa que claramente os distingue dos outros povos que desprezam é a seu comportamento sexual [diferente]; o único aprovado por Jeová, mas de moralidade muito dúbia, ou não estivesse a bíblia cheia de casos de incesto e violência sexual por parte dos protegidos de Jeová.

Vejamos a narrativa bíblica de Loth (sobrinho de Abraão). Este, a fim de proteger da curiosidade hostil por parte dos homens de Sodoma os dois anjos que o visitaram, tenta aclamar os ânimos entregando à turba as sua filhas virgens: « eis aqui, duas filhas tenho, que ainda não conheceram varão; fora vo-las trarei, e fareis delas como bom for a vossos olhos; somente nada façais a estes varões(…)»(Génesis 19:8)

Mais tarde, habitava Loth uma caverna nas colinas que partilhava com as suas filhas, e chegou a ser pai-avô! (Génesis 19: 30-38) Esta violação incestuosa constitui um embaraço espinhoso que a Igreja tenta sacudir com explicações demasiado forçadas e indulgentes.

Coerente com a sua misoginia, a bíblia atribui (mas sem se deter em juízos de valor) a exclusiva responsabilidade deste bizarro episódio às filhas de Loth. Como é que um idoso demasiado bêbado para ter consciência dos seus actos consegue ter relações sexuais e engravidar as duas jovens numa noite?! O relato indica-nos ele conseguiu esta proeza sem a ajuda de Jeová. Estes patriarcas bíblicos têm porras!...

Para os não crentes nestas baboseiras, se as raparigas engravidaram durante a sua convivência com o seu pai num ermo, o mais provável é que tenham sido violadas com frequência pelo velhote…

Segundo os seguidores das religiões abraâmicas, toda a humanidade provém de
relações incestuosas (com quem teriam então acasalado Caín e Abel, senão
com as suas irmãs, assim como os seus descendentes mais próximos?).

E onde é que está essa diferença em termos de comportamento sexual? Por mais que leia a bíblia e a história das religiões judaicas, cristãs e muçulmanas (que têm uma origem comum) só encontro um dominador comum que justifique essa diferença de comportamentos sexuais: o repúdio ao desperdício de esperma (começando pelo episódio de Onan & Tamar logo no livro do Génesis).

O Velho Testamento tolera a violência sexual, os incestos e a prostituição, mas não as práticas sexuais que não conduzem à fecundação. Isto parece-me típico de uma minoria étnica ameaçada que, para além da conversão, procura na demografia a sua sobrevivência e a conquista dos seus opressores. (A hierarquia patriarcal rígida e a imposição da obediência sem pensamento crítico são igualmente características de um povo envolvido em conflitos bélicos de longo termo.)

Os maiores heróis do Velho Testamento são varões que tiveram carradas de filhos. Logo no Génesis (15:5), Jeová promete a Abraão que a descendência do principal patriarca seria numerosa como as estrelas do céu.

A infertilidade é considerada uma maldição de Deus (tal como podemos verificar no caso de Raquel, a esposa favorita de Jacob).
Para os devotos a Jeová, sempre que o sexo se consuma em relações em que a fecundação resulta impossível, adquire um carácter pecaminoso. Quando tal envolve homens (ou seja, desperdício de sémen), “a semente da vida” torna-se na maior das imundices, sendo colocado no mesmo “saco” tanto a homossexualidade como o bestialismo. Por exemplo, se um homem tiver sexo com um animal (irracional), as antigas leis judaicas determinam que deverão morrer os dois, pois os animais assim conspurcados (e quiçá até viciados, valha-nos deus!...) não poderão ser consumidos e menos ainda oferecidos em holocausto em honra de Jeová. Mas o mesmo estava reservado para as mulheres que fossem apanhadas a cometer esse pecado contra natura. (Levítico 20:15,16)

De forma coerente, o Levítico (15:19 e 18:19) também proíbe o coito com as mulheres que estão menstruadas.

Para os judeus ortodoxos (que mantêm a proibição homofóbica) o sexo é “ Cosh”, ou seja, uma bênção pelo seu poder de trazer uma nova alma ao mundo. Mas, para ser sinónimo de beleza e de virtude, deve ser uma prática discreta e frugal.


O sexo que não é condenado pelas religiões abraâmicas restringe-se ao que é legitimado por estas no matrimónio, cuja finalidade exclusiva é a procriação.

Se o lascivo Rei Salomão não tivesse escrito (?) o «Cântico dos Cânticos», e se este poema erótico não tivesse sido aprovado pelos autores e/ou compiladores das escrituras sagradas, duvidaríamos que a tradição judaico-cristã apreciasse o sexo como uma celebração prazerosa e mutuamente desejada e consentida entre os casais .

Essa mentalidade judaico-cristã realizou todo o seu potencial nefasto na Europa medieval.
«A violência constituía o ingrediente essencial daquele mundo. A nobreza feudal tinha dois objectivos prioritários: ser uma forte máquina de guerra e gerar uma batelada de filhos.» - Alan Woods (2003)
como o primogénito (varão) herdava quase tudo, muitas dezenas de jovens nobres sentiam necessidade de conquistar e espoliar novos territórios – as cruzadas pareceram-lhes uma oportunidade de ouro para
conseguirem esses objectivos.

(…)
Originalmente chamava-se Saulo, mas, para condizer melhor com o seu estatuto de novo cristão romanizado, adoptou o nome Paulo.

Este homem durante muito tempo divertiu-se a perseguir os cristãos, até que, devido ao "milagre da estrada de Damasco" (onde um raio de luz cegante o atirou do cavalo abaixo, a fim de lhe mostrar o verdadeiro caminho espiritual), se tornou num converso iluminado e andarilho pregador.

Paulo mostra-se um ser angustiado que enaltece as sublimes virtudes da continência, considerando que a espiritualidade é incompatível com a sensualidade e vice versa.*-+ Não indo tão longe quanto S. Agostinho, Paulo também defendia a submissão e a mortificação (chegou, inclusive, a descrever o seu próprio corpo como um execrável presídio da sua alma), aconselhando aos homens que abraçassem Cristo para que prescindissem
do sexo. (Quanto ao casamento, este andarilho pregador, considerava-o um mal menor, apropriado para os homens fracos de espírito que não conseguíam resistir às tentações da carne.)

A sua influência cresceu até se tornar o teólogo mais influente no Novo Testamento [autoridade eclesiástica], marcando o divórcio fatídico entre o corpo e a alma, entre a natureza e a religião. Este divórcio veio a tornar-se a própria essência da fé.

(Aos Romanos 6:6-13; 7:8-25; 8:12-13; 12: 1,2. Aos Gálatas 5:16,17; 5: 24; 6:8. Aos Filipenses 3:3. Aos Coríntios 15: 36-47)

«Porque a carne cobiça contra o Espírito,e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quiserdes.» (Paulo – aos Gálatas 5:17)

«E os que são de Cristo, crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.» (Paulo – aos Gálatas 5:24)

«Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas, o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna.» (Paulo – aos Gálatas 6:8)


Em sua defesa, devemos ter em conta que Paulo (obcecado com a importância do seu papel, o que o levou a reclamar insistentemente, mas em vão, o estatuto de apóstolo, apesar de nunca ter conhecido Cristo pessoalmente) julgava que o fim do mundo se aproximava a passos largos (com a 2ª vinda de Cristo, precedida do reinado do Anticristo), e daí que fosse indispensável aos homens consagrarem-se ao desenvolvimento dos valores espirituais.


*-+ Diverte-me imenso imaginar a perplexidade, o choque horripilante e a frustração exasperada de Paulo quando este foi pregar para a ilha
grega de Corintos - que, basicamente, era o maior bordel da antiga
Grécia, e onde a licenciosidade/liberdade sexual e a religião estavam
profundamente ligados. A deusa dos coríntios, como seria de esperar,
era Afrodite. A felicidade dos seus
devotos, que viviam para o prazer carnal, tornava infrutíferos os
esforços de Paulo que, durante 18 meses, tentou converte-los ao
cristianismo, incutindo-lhes o medo e a culpa. Paulo, num tom
imperativo (repetindo o apelo apaixonado do seu Messias) dizia-lhes:
«segue-me!», mas enfrentava uma competição impossível de vencer, pois
as cortesãs escreviam nas solas dos seus sapatos exactamente o mesmo
convite, que ficava impresso nas pegadas seguidas pelos
fogosos/arrebatados mancebos...


«A fim de ser preservada a castidade, é indispensável manter o estômago vazio e roncando e os pulmões febris.» (São Jerónimo, 340?-420)


S. Agostinho (nascido em 364) estendeu e consolidou a misoginia e a fobia à natureza silvestre de que padecia S. Paulo, deixando um pesado
legado à cristandade que ainda hoje faz misérias. S. Agostinho (que até teve uma vida marital aparentemente feliz, chegando até a gozar os prazeres de ser pai) acabou por renegar e condenar a sexualidade,
torturado pela sua intelectualidade e espiritualidade em conflito permanente com os seus instintos animais. Esta infeliz dicotomia/dualidade é mais consentânea com as filosofias de tradição clássica que então vigoravam no decadente/moribundo império greco-romano, do que com a tradição hebraica. O helenismo, e não tanto o Antigo testamento, defende a separação (irreconciliável) entre o mundo da matéria (que incluía a natureza e, inevitavelmente, a sexualidade), cheio de imperfeições e impurezas, e o mundo espiritual, considerado como a única via para a sublimação dos humanos e um
privilégio exclusivo da nossa espécie. O clérigo Agostinho adaptou esta filosofia e especulou sobre a origem da "impureza carnal" na sua religião, tendo-a encontrado no "pecado original" de Adão e Eva. Para Agostinho, o pecado original era de cariz sexual e temia a vida
sensual e beleza - fatalmente "demoníaca"! - das mulheres, defendendo-se das tentações da carne através da meditação solitária e da auto flagelação.

Para Agostinho o sexo era a confirmação da imperfeição humana, e apenas se justificava (desde que abençoado pelo santo matrimónio, está claro) devido à necessidade de procriação. Assim, opunha-se tanto à homossexualidade como até ao sexo entre idosos (ou seja, a menopausa tornou-se mais um estigma para as mulheres).



Antes de se converter (com a idade de 42 anos) ao cristianismo, Agostinho andou apaixonado com a filosofia (carregando para todo o lado livros de Cícero e de
Hortesius), juntou-se aos maniqueístas (que afirmavam haver na alma humana uma dualidade interdependente entre o bem e o mal) e até simpatizava com a heresia
e a astrologia. Uma vez "cristão, tornou-se intolerante e perseguidor em relação às filosofias que tinha seguido até então. Provavelmente as maiores controvérsias em que se envolveu e que necessitaram o empenho máximo das suas notáveis capacidades intelectuais e do conhecimento aprofundado que possuía da bíblia, foi rebater os argumentos dos donastistas e dos pelagianistas. Os donastistas advogavam uma total integridade entre as crenças e a disciplina litúrgica defendidas pelos bispos católicos, mas respeitadas por poucos deles. Se a Igreja tinha um carácter intrinsecamente sacrossanto, os sacerdotes do Clero tinham que agir em conformidade em todos os seus actos quotidianos, caso contrário estaria apenas e debitar hipocrisias destituídas de valor e de sentido. Para Agostinho o divino sacramento não podia ser posto em causa e transcendia a conduta dos homens de Deus.
A Agostinho deve-se também o dogma absurdo (que o Vaticano manteve até ao início do séc. XXI) de que os homens nascem impuros devido ao legado pecaminoso de Adão.

Pelágio (350-425) e os seus
seguidores defendiam a ideia (bem mais sensata) de que a pureza é inata e que só a partir dos 7 anos (idade que consideravam estarem as crianças aptas a fazer julgamentos e opções de consciência) é que perdíamos essa pureza (sendo o mal transmitido por influência dos adultos) e, como ela, a vida eterna, tal como Adão perdeu o direito à eternidade por ter pecado. Agostinho não podia concordar com estas ideias porque elas desacreditavam o poder regenerador do baptismo e a influência da graça divina na salvação dos eleitos, sendo os homens os únicos responsáveis pela sua salvação através dos seus actos. As pessoas poderiam redimir os seus pecados cumprindo a lei de Deus, o que não tornava indispensável a intermediação da Igreja (os pelagianos tinham a ousadia de afirmar:«a Igreja somos nós!»)


Para os pelagianistas o livre arbítrio seria mais uma habilidade
moral concedida por Deus a fim de que os homens pudessem evitar o
pecado (que para Agostinho era impossível) e, se estes obedecessem às
escrituras sagradas e sobretudo à mensagem de Cristo, tornar-se-iam
independentes e auto-suficientes espiritualmente, deixando a Igreja
de ser uma intermediária indispensável para os que pretendiam alcançar
a salvação (pós Armagedom). O corajoso monge bretão que foi para Roma
envolver-se em aguerridas batalhas morais e teológicas, pretendia uma
renovação moral da Igreja para que esta se tornasse de acordo com a
bíblia e com o que predicavam os sacerdotes, acreditando ainda que a
justiça divina não nos imporia preceitos fora do nosso alcance moral,
pois isso conduzir-nos-ia a uma condenação e a um sofrimento
inevitável e inútil.
Pelágio sentia-se tão longe da decadência moral e espiritual da
Igreja que sucumbiu à tentação da vaidade, vangloriando-se das suas
virtudes que, a seu ver, o tornaram num homem cheio de pureza
beatífica.

PB

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