Muito antes de João de Patmos, o profeta Daniel foi o expoente máximo da literatura apocalíptica judaica. Como seria de esperar, Daniel viveu num período muito conturbado para os judeus, quando, uma vez mais, estavam a ser oprimidos por uma potência estrangeira que lhes coarctou até a liberdade de culto e exilou milhares deles para a Babilónia. (O que os clérigos costumam sonegar é que a bíblia se refere a Daniel, não como um líder revolucionário operando na clandestinidade, mas como ocupando um lugar de destaque na corte do tirano Nabucodonossor, onde era tido como um especialista na interpretação de sonhos...) Os crentes estão convencidos de que Daniel previu com acuidade a vinda de Cristo e que 3 membros da tribo Magi (ou seja, os magos, seguidores do zoroastrismo e que se dedicavam à astrologia, à interpretação de sonhos, à adivinhação e à magia/encantamentos) terão ido ao encontro do menino Jesus porque seguiram as indicações do livro de Daniel.
Por volta de 175 a.C., os seleucidas da Síria, liderados por Antioco IV, tomaram Jerusalém. Antioco tinha como prioridade helenizar os judeus. A ofensa mais grave que cometeu contra estes últimos foi ter-se assumido como um deus, exigindo ser venerado pelos adoradores de Jeová no seu Templo.
Em 167 a.C., os judeus revoltaram-se, tendo a resistência armada durado vários anos. Daniel surgiu então como um profeta que prometia aos seus sofridos pares a ajuda divina, enquanto demonizava os inimigos de Israel ao longo dos séculos (metaforicamente representados como bestas do mar). Provavelmente antecipando o desfecho da insurreição judaica, Daniel descreve como o seu campeão libertador, Judas Macabeu, derrota Antioco, numa versão que não tem correspondência com a verdade histórica (apesar de, efectivamente, os judeus terem vencido o referido conflito em 154 a.C., sendo comandados por Judas Macabeu.) As suas terríveis visões escatológicas influenciaram os evangelhos (até Cristo se baseou nelas) e João de Ptamos.
Paulo acreditava que, durante o seu tempo de vida (antes do reinado de mil anos de Jesus Cristo), iria ser testemunha do fim do mundo. E assim decepcionou e confundiu muitos crédulos nos primórdios do cristianismo. Mas devemos ilibar Paulo pelo seu erro de cálculo escatológico, já que se baseou numa falsa promessa que Jesus Cristo (colando-se ao profeta Daniel) terá feito aos seus discípulos no Monte das Oliveiras, mesmo na véspera da sua crucificação (Mateus 24:34).
O João autor do Livro do Apocalipse (que, ao contrário do que acredita a maior parte dos cristãos, o mais certo é que não era a mesma pessoa que o seu homónimo apóstolo) foi condenado ao exílio na ilha de Patmos. Nesse ermo semi desértico teve muito tempo para urdir estórias que, através de rebuscadas e medonhas metáforas, expressavam a sua frustração o seu ódio ao império romano. Por volta de 95 a.C. (uma data vagamente estimada), João de Patmos enviou cartas a 7 igrejas da Ásia Menor (na actual Turquia).
No desfile de horrores escatológicos que a sua mente perturbada conjura e estiliza no Livro do Apocalipse (palavra que significa revelação) João recorre a um código numérico bem conhecido dos judeus para se referir à “besta” que é a encarnação máxima do mal. O seu número é o 666. A maioria dos investigadores acredita que este n.º equivale ao nome «Nero César», tal como era escrito em grego (a língua original do Novo Testamento). Mas existe um problema de desfasamento cronológico, já que João de Patmos terá escrito o livro em causa depois da morte de Nero (no ano 68 d.C.), quando o mundo romano estava dirigido pelo Imperador Domiciano. A explicação talvez seja tão prosaica quanto o facto de que todos os épicos exigem um confronto final entre titãs. O herói da estória deve possuir predicados superiores ao comum dos mortais, assim como um nemésis cujo poder destrutivo quase se equipare ao seu. O nome de Nero ainda provocava frémitos de terror e de cólera entre os cristãos. Muitos destes esperavam que Cristo regressasse em breve para repor uma nova ordem mundial ajustada ás suas convicções e conveniências, salvando-os da brutalidade ímpia dos romanos. Assim, João de Patmos parece insinuar que Nero iria igualmente erguer-se da tumba como a antítese perfeita do Messias, permitindo a Cristo e á sua legião de anjos mostrar todo o seu poder esmagando a pior das criaturas que alguma vez já tinha vivido. O governo de terror imposto pelo Imperador Nero granjeou-lhe uma reputação sobrenatural, num contexto verdadeiramente demoníaco. Tal como acontece na actualidade, as “super estrelas” (mediáticas), independentemente dos valores morais que as norteiam, adquirem um estatuto de “imortalidade” (ex.: Drácula/ Vlad Tepes, Hitler, Elvis Presley, etc, etc…). O fascino (mesmo que traumático) que provocam às multidões faz com que muitos se recusem a acreditar que são vencidos pela morte.
Os manuscritos do Mar Morto (também conhecidos como os manuscritos de Qumran) referem-se à nação judaica durante o período helénico, e , mais
concretamente, à seita dos essénios, que foi muito poderosa na Palestina no
primeiro e segundo século antes de Cristo. Esses textos dão-nos uma clara
ideia da doutrina escatológica que já dominava parte daquele povo atormentado
e belicoso. A comunidade de Qumran tinha objectivos apocalíptico–messiânico, ou seja, ansiavam por um fim do mundo apocalíptico (o "dia do
juízo final") protagonizado por um deus vingativo e cruento, enquanto se
empenhavam numa guerrilha contra os opressores romanos (até que estes
últimos, no ano 68 da nossa era, conseguiram descobrir os refúgios dos
rebeldes no deserto, aniquilando a oposição). Não era só contra os romanos
que a referida seita hebraica assestava os seus ódios; dominados por um
fundamentalismo/ortodoxia férre@, renegavam as orientações espirituais dos
seus ancestrais (nomeadamente o judaísmo "rabínico") e todos os seus
patrícios que não os seguissem incondicionalmente. Os líderes essénios
pretendiam o controlo absoluto das vidas dos seus seguidores por forma a
assegurar uma "pureza imaculada". Na sua doutrina podemos identificar um
ascetismo que repudiava a liberdade de pensamentos tanto quanto a harmonia com o meio silvestre, incluindo a animalidade humana (ex.: proibiam a defecação ao Sabbath, condicionavam a prática sexual e a alimentação), que viria a ser consolidada por alguns dos homens mais influentes do início do cristianismo :(S.) Paulo e (S.) Agostinho. (James Kugel, 1998;
Albert Baumgarten, 1998; Hank Roth 1999)
Os essénios acreditavam que o juízo final purgaria o mundo de toda a iniquidade
e, finalmente, o seu deus dar-lhes-ia a vida eterna repleta de prazeres
pietistas (começando pela ausência de todos os que pensavam e agiam de modos diferentes). Séculos mais tarde, os cristãos seguiram por esta senda de utopia intolerante, que os conduziu a um deserto espiritual...
«As noções apocalípticas podem ser encontradas (por volta do séc. IV a.C.)
no Livro de Daniel, no Livro de Enoch I e no Jubileu. Foram chamadas de
escatológicas porque prevêem o fim de uma velha era e o início de uma nova
era onde a justiça e a bondade triunfariam.»- Hank Roth 1999
as raízes destas visões apocalípticas não são fáceis de determinar com
exactidão, mas remontam pelo menos a um período compreendido entre o séc. XV a.C. e o séc. XII a.C., quando foram escritas
pelo profeta iraniano Zoroastro (na época em que o Irão estava sob domínio
persa) .
E, face ao fim do mundo, quais são os desideratos máximos dos extremistas
afectos às religiões abraâmicas? Os islamitas e o seu povo mais oprimido, os
palestinianos, sonham com a
destruição dos judeus e de Israel, para além de um califado de todas as nações
árabes, onde vigore a lei xaria, tendo o Corão como Constituição.
(Alguns destes fanáticos FDPs que chegaram ao topo do poder político-religioso nos nossos dias, têm-nos dado esclarecedores exemplos do cariz desses “paraísos” terrenos para islamitas. Veja-se o caso da Arábia saudita, do Afeganistão dos talibãns e do Sudão dos janjauides…)
Os cristãos ambicionam converter e
preparar para a segunda vinda de Jesus Cristo todas as outras confissões religiosas, bem como os ateus. (Os evangelistas estado-unidenses que têm dominado a Casa Branca durante a administração George W. Bush, reconhecem a prerrogativa bíblica de que os judeus são o povo eleito por Jeová, bem como a origem étnica de Jesus. Com arrogância paternalista, estão convencidos de que os judeus acabaram por se “desviar do caminho certo para a salvação”, mas que acabarão por reconhecer Cristo como o seu Messias no deflagrar do Armagedon. )
E os judeus pretendem reapossar/reconquistar
todo o antigo reino de Israel, honrando o pacto que os patriarcas bíblicos fizeram com Jeová e preparando a vinda do seu aguardado Messias.
Todos os que se opõem a estes objectivos "sagrados" deverão ser eliminados, pois agem contra "a vontade de Deus" e dos seus "escolhidos iluminados".
É por isso que os judeus extremistas estão dispostos até a
recorrer aos atentados terroristas e aos franco atiradores para mostrarem a sua relutância em abandonar os colonatos na Faixa de Gaza. A mesma motivação político-religiosa levou o israelita Yigal Amir a assassinar (em 1995) o seu Primeiro Ministro Yitzhak Rabin porque este último, por forma a consumar as negociações de paz, mostrou-se disposto a devolver terras aos palestinianos, o que foi considerado como uma traição inaceitável por parte dos israelitas.
Quando estes fundamentalistas assassinam civis (incluindo
os que pertencem à sua religião), o seu objectivo principal não é o de chamar à atenção para a sua causa, nem é respeitar integralmente os seus
textos sagrados (que, com todas as suas contradições, condenam essas acções de extrema violência), pois julgam ter um objectivo político e messiânico
maior.
E não se trata apenas de uma luta pela sobrevivência étnico-cultural ou a
apropriação de recursos naturais; o que eles desejam é uma nova ordem
mundial/cósmica imposta pela destruição maciça do fogo apocalíptico - ao
qual apenas sobreviverão, purificados, os valores intemporais dos
sectários que, ao darem o seu contributo em vidas sacrificadas, se
sentem como se fossem os punhos de Deus e acreditam que serão recompensados
por apressarem o dia do juízo final.
Esta ideia já era apadrinhada por grupos hebreus da antiguidade; os fanáticos zelotes
eram demasiado impacientes (como) para esperar, e tentaram
«despoletar a redenção final forçando a mão de Deus.» (Arthur Hertzberg)
«A segregação é o plano de Deus!» Era um dos slogans mais populares nos
estados sulistas (norte americanos) durante a década de (19)60.
«Quem não é comigo é contra mim (…) -S. Mateus 12:30
O apoio incondicional da Casa Branca e do evangelismo fundamentalista que vigora nos EUA à política de apartheid israelita, obviamente que não se deve só a interesses geopolíticos e económicos. A recuperação da nação de Israel é uma das principais profecias do dogma escatológico pelo qual guiam as suas aspirações mais elevadas (a vida eterna no paraíso – interdito a todos os que pensem de modo diferente). Mas o milenarismo cristão, tal como é defendido por esses fundamentalistas, trata-se de uma doutrina (escatológica) anti-semita, pois exige aos judeus a aceitação de Jesus Cristo como o seu Messias, ou a extinção no Armagedão (Livro do Apocalipse).
Assim como muitas facções de extrema direita judaica que reivindicam uma “pureza ideológica, espiritual e racial”. Alguns deles tentam recrear um estilo de vida que julgam corresponder ao período anterior à diáspora; um regresso à terra num ambiente pouco propício para a almejada auto-suficiência. Da tecnologia moderna, o que consideram indispensável são as armas (incluindo os engenhos explosivos que usam em atentados terroristas++++) … Os grupos extremistas que aí habitam (geralmente associados aos colonatos, tais como «A Juventude do Cume» e os seguidores da ideologia Kahanista) por vezes organizam-se com objectivos escatológico-imperiais, que passam por atentados terroristas. Ou seja, pretendem causar o máximo de distúrbio na sociedade, ao ponto de deflagrar uma guerra final entre judeus e árabes, com extermínio total destes últimos e a reconquista integral da “terra prometida”. Para estes arautos do fim do mundo, não basta o “renascimento” do Estado de Israel tal como foi definido em 1948 (à custa de uma vil traição aos árabes que ajudaram os ingleses a derrotar o império otomano e os alemães); eles anseiam ardentemente pelo Grande Israel bíblico. Por isso é que os evangélicos estado-unidenses têm dispendido avultadas verbas no apoio à constituição de colonatos judeus em territórios palestinianos.
Alguns dos seguem piamente as profecias escatológicas estão convencidos de que a segunda vinda de Cristo, ou a chegada de outro Messias para os judeus, só poderá acontecer se for restaurado o Templo de Salomão (Apocalipse 11:1) ~~. O grande problema é que no local onde outrora existiu esse edifício emblemático agora existe a mesquita da Cúpula do Rochedo, cuja destruição através de algum atentado terrorista certamente colocaria (pelo menos) todo o Médio Oriente em guerra. Essa perspectiva catastrófica é prelibada por muitos tresloucados que empunham textos sagrados, vendo neles o que querem ver, com uma fidelidade agressiva a dogmas anacrónicos - e o Talmude está cheio de salmos / versos que enaltecem a vingança, como se isso fosse uma das maiores virtudes do povo de Jeová…
~~ A lenda diz que Templo de Jerusalém foi mandado edificar pelo rei Salomão .
No séc. VI a.C. o exército de Nabucodonossor toma Jerusalém e destrói o seu templo.
Este edifício sagrado conheceu o seu máximo esplendor arquitectónico, bem como o auge da afluência das massas, com o (romanizado e extremamente impopular) rei Herodes.
Em 70 d.C. os romanos voltariam a destruí-lo.
Em 638 os muçulmanos invadiram a cidade santa e, como fazem conquistadores, construíram os seus templos sobre as ruínas dos locais de culto do povo que subjugaram.
Talvez o que estes fanáticos judeus odeiam com mais intensidade do que os árabes/muçulmanos, são os seus compatriotas [israelitas] que procuram encontrar soluções convivenciais, ou mesmo harmoniosas, com os palestinianos.
Deste modo, os terroristas judeus continuam a tentar ataques de extermínio em massa e/ou alvos estratégicos muito sensíveis (do ponto de vista político-religioso e humanitário), como, por exemplo, escolas muçulmanas e as mesquitas do Monte do Templo.
++++Em Israel, o fácil acesso às armas é uma consequência da intensa militarização que caracteriza essa sociedade. (Quase toda a gente tem que fazer serviço militar, e os soldados, quando vão passar os fins-de-semana a casa junto dos seus familiares, são obrigados a levar com eles as armas de guerra – mesmo não passando de garotos…)
Alguns dos maiores atentados terroristas que a polícia israelita conseguiu abortar, estavam a ser elaborados por judeus fundamentalistas com recurso a material bélico roubado ao exército.
Com frequência ouvimos os israelitas justificarem o seu regime de apartheid e
de ocupação de terras dos palestinianos, com o argumento de que «Deus deu
esta terra aos judeus, não aos árabes!» É extremamente difícil contra
argumentar com um crente que se barrica nos seus textos sagrados, pois estão
convencidos de que são o veículo de palavras sacrossantas. Mas neste caso é
fácil perceber que estão a manipular grosseiramente (sonegando
tendenciosamente, para construírem uma meia verdade, as partes que não lhe
interessam) as "palavras de Deus" registadas nos livros do Levítico e do Êxodo. Segundo esse
texto, Deus avisou aos homens da casa de Israel de que só teriam direito às
terras de Canaã , que lhes concedia por graça, se estes cumprissem
escrupulosamente os seus mandamentos - que incluíam a não pressão dos
"estrangeiros" (ou seja, os naturais não israelitas) que aí residam,
devendo mesmo amá-los como a si mesmos. Com pertinência, lembrou aos seus
eleitos que estes também foram estrangeiros (tratados com soberba) no Egipto e
por isso tinham a obrigação de agir com justiça e com respeito na vida que
começavam a construir numa pátria nova. (Lev. 19:33-36)
Protecção aos estrangeiros)
Êxodo 22:21 ; Levítico 19: 33-37
Jeová deixa claro que a terra a Ele pertence, não passando os habitantes de
Canaã de estrangeiros e colonos/rendeiros Seus. (Lev. 25 : 23) Aquela terra já
teria vomitado outros habitantes que se mostraram indignos das dádivas divinas,
e voltará a fazê-lo com os israelitas se estes a contaminarem com
«abominações», e deus encarregar-se-á de extirpar do seu povo as almas
prevaricadoras. (Lev. 18: 28-30)
«Não oprimirás o teu próximo, nem o roubarás (…)» (Lev. 19:13)
«Não fareis injustiças no juízo: não aceitarás a pobreza, nem adularás os
poderosos; com justiça julgarás o próximo.» (Lev.19:15)
«Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás
o próximo como a ti mesmo.» (Lev.19:18)
« Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra» S. Mateus 5:39
»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»
«Há perturbantes paralelismos entre a conquista dos ameríndios pelos colonos
euro-americanos e a conquista da Palestina pelo judeus zionistas [assim como em quase todas as manifestações de colonialismo]. Ambos os
conquistadores tenham "boas razões", desde o seu ponto de vista, para
praticar a opressão e o genocídio.»
Talvez seja verdade que «o direito das pessoas às suas terás em parte deriva
da sua habilidade em defendê-las da inevitável intrusão de outras pessoas.
(...) Os euro-americanos provinham de uma Europa empobrecida e comummente
repressiva, e sentiam que mereciam algo (de) melhor. Havendo milhões deles e,
comparativamente, tão poucos indígenas, parecia, no mínimo, um desperdício
deixar um vasto continente só para uma mancheia de caçadores-recolectores.
Devido ao sofrimento dos judeus (mesmo antes do holocausto), os zionistas
sentiram que a sua necessidade por uma pátria superava os direitos de uns
árabes subdesenvolvidos. Afinal de contas, nenhum povo alguma vez possuiu os
seus territórios desde o início da humanidade. As pessoas de todas as
nações são descendentes de conquistadores.**» - Ronald Goetz
**Isto é verdade, tal como é verdade que o sedentarismo desde os primórdios
da nossa espécie foi sempre privilégio dos mais fortes e inclementes, tendo a
nossa espécie conquistado o globo porque havia sempre grupos mais fortes que
empurravam os derrotados para longe dos melhores territórios, ou porque os
recursos naturais começavam a escassear perigosamente. Os novos
conquistadores-colonialistas dizem seguir orientações divinas, mas no plano
espiritual/religioso o que realmente os difere dos povos que oprimem e exploram
é o facto de terem um deus ex machina, pois é a superioridade tecnológica,
não moral & teológica, que dita o rumo dos acontecimentos.
Antes da al Qaeda, das cruzadas dos Bush, do apartheid genocida que Israel
impõe aos palestinianos, e da resposta do Hamás, já a história estava
abarrotada de exemplos de líderes que inspiraram os seus seguidores
(intoxicados com promessas de recompensas eternas para si e para os seus entes
queridos) a abdicarem do seu instinto de auto-preservação, da liberdade de
pensamento crítico e da oportunidade de tentarem construir uma vida estável e
feliz, quando esta estava ao seu alcance, a fim de se engajarem em projectos
assassinos que exigem o martírio messiânico, como a única maneira de
alcançar algum tipo de paraíso. A transcendência ideológica da missão
genocida é especialmente convincente quando os seus profetas acumulam as
funções de líderes religiosos e militares, bem de acordo com os heróis
bíblicos.
Para os que acalentam as visões apocalípticas, os compromissos mundanos da
convivencialidade idiossincrática e multicultural estão fora de cogitação.
A realidade é demasiado penosa para os que se sentem impotentes para impor as
suas ideologias a toda a sociedade, e não nutrem o menor respeito por aqueles
que pensam e agem fora dos seus parâmetros fundamentalistas. Assim, acreditam
que só deus os poderá vingar, redimir e recompensar. A vida que desejam só é
possível através da purificação apocalíptica - e eles querem ser os seus
arautos, sentindo o gosto de uma parcela da omnipotência destruidora que
atribuem às suas divindades.
A ressurreição purificante é um mito muito recorrente em quase todas as
culturas, suponho que desde que os nossos antepassados tiveram capacidades
cognitivas para questionar o sentido da vida. Este mito é fruto do nosso medo
da morte, mas sobretudo de que a vida não seja uma contingência cósmica,
cujo sentido não seja outro além do que escolhemos acreditar. Ninguém
encontra conforto na ideia de que existimos ao acaso excluídos de um plano
cósmico concebido por poderosas entidades metafísicas(mas antropomórficas), que acabarão por
corrigir injustiças (em que incluem as nossas limitações físicas
impostas pela natureza) e perpetuar a nossa existência e os valores morais e
espirituais que temos em mais lata consideração. Assim, a morte (ou o fim da
nossa consciência individual) deixa de ser um fim aleatório, mas inevitável,
podendo tornar-se num legítimo instrumento de redenção para os mártires.
Nas religiões abraâmicas, a expiação pela dor - cujo zénite é o martírio apocalíptico – sempre foi encarada como uma parte essencial do processo de elevação espiritual. Se os seus profetas, Messias e apóstolos sofreram horrores pela sua fé, então o sofrimento dos seus seguidores aproximam-nos da santidade – e esta só poderá ser alcançada através da renúncia aos ditames da natureza.
Cristo sacrificou a sua humanidade para obedecer aos desígnios do seu pai celeste (apesar de muito confuso, é suposto que esse sacrifício trouxe benefícios à humanidade, tendo sido cometido em nome dos nossos pecados ?!?)
«Mas alegrai-vos no facto de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis.» (I Pedro 4:13)
«Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.» (Paulo, Aos Gálatas 6:17)~~~
~~~~Paulo terá sido a primeira pessoa da Igreja a auto publicitar a sua dor por forma a dar credibilidade à sua fé.
Como as mulheres eram mais ligadas à natureza (ex.: por a menstruação, a
fertilidade e a gravidez serem pontuadas pelos ciclos lunares; por terem fama
de manipuladoras; por conhecerem "estranhas" mezinhas, com as quais curavam
os seus filhos, etc...), muitas freiras foram consideradas "agentes
infiltrados" ao serviço de Satanás. Ainda por cima, apesar de S. Francisco
de Assis (que morreu em 1226, sendo canonizado apenas dois anos depois) ter
sido o primeiro caso documentado de um devoto a apresentar os "estigmas de
Cristo", este raro fenómeno tinha uma predominância claramente feminina (de
7 para 1 em relação aos homens). O sacerdócio podia estar interdito às
mulheres, mas o povo geralmente via as freiras como ainda mais devotas e menos
hipócritas do que os sacerdotes. E quando estas mostravam "manifestações
do divino"(ex.: a capacidade de curar outras pessoas e os estigmas)
tornavam-se perigosos alvos de devoção.
A Igreja nunca viu com bons olhos quaisquer manifestações de mitologia vivas
fora da sua orgânica hierárquica. Era uma época em que o exacerbado fervor
religioso de um povo desiludido com a Igreja procurava novos caminhos
diferentes dos impostos por Roma. Sempre que os devotos tinham experiências
religiosas directas, em que reforçavam a fé de cada indivíduo interagindo
com as suas entidades (místicas) de culto, estavam a declarar que não
necessitavam da intermediação da Igreja.
O professor Gary Burge dá aulas de religião/teologia na Universidade de
Wheaton (Illinois). Tal como outros evangélicos fanáticos, em 1991, quando o
seu país partiu para a guerra no Golfo Pérsico, mostrou assim o seu
entusiasmo belicoso: « Se a guerra significa que se aproxima a 2ª vinda de Jesus, então que se iniciem as hostilidades! Se a guerra significa a aceleração do relógio escatológico, então vamos a isso!»
Mas quando este académico (que costumava dizer aos seus alunos «Deus é um
zionista bíblico»...) percebeu que a guerra em causa tirara a vida a mais de
200 mil iraquianos e que os subsequentes embargos impostos pela ONU ao Iraque condenavam à morte 500 crianças por dia, repensou a sua posição e acabou
por renegar o seu fundamentalismo religioso, xenófobo e imperialista.
George W. Bush & Cª LDA empunham a bíblia, inspirados por avatares
fundamentalistas e reivindicando o monopólio dos "valores cristãos",
quando as suas acções e o que predicam nada tem a ver com o que Cristo
defendeu/doutrinou e o seu exemplo de vida que sobreviveu às numerosas
manipulações deturpantes que as religiões ocidentais fizeram na
bíblia. (Bem, no fundo, acreditamos sempre no que queremos acreditar.)
O profeta andarilho da Galileia (cuja mitologia parece ser uma súmula
de mitos mítricos e budistas), tal como nos é retractado na bíblia (o único registo “histórico” que atesta a sua existência) era um rebelde cínico (na verdadeira asserção da palavra, que remete à escola filosófica de Diógenes) e
corajoso, indómito perante os poderes instituídos; agitador de
consciências oprimidas; defensor de um movimento social que, segundo
a actual cosmovisão e os respectivos valores sócio-políticos, poderia
inscrever-se no socialismo primitivista e libertário, (re)creando um
sistema moral que se integre na amoralidade igualitária e generosa da
natureza, onde a aceitação pluralista pelos cultos religiosos, o
pacifismo humanista e solidário (à excepção daquela passagem polémica encontrada em Lucas 19:27, em que Cristo ordena aos seus seguidores que assassinem os que não o aceitam como Rei dos judeus…), a humildade, a pobreza voluntária e a integridade entre o discurso e a acção eram pontos de honra. Defendia o desenvolvimento de vínculos espirituais espontâneos; e essa
espiritualidade deveria ser tão holística quanto idiossincrática, sem
mediações entre o homem e o sagrado, considerando todas as pessoas
como parcelas desse sagrado.
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