terça-feira, março 20, 2007

Sempre embirrei com a designação/epíteto de “planeta azul” que atribuíram ao nosso planeta. (Nem sequer o nome “Terra” se me afigura correcto, uma vez que dois terços da terra está debaixo d´água.) A cor que eu vejo como dominante entre nós é o verde (por ter as melhores relações de produtividade com a luz solar), não o azul – só visto do espaço (fora da atmosfera terrestre) é que o nosso planeta parece ter essa cor, e essa perspectiva é um sinal de que os humanos cometeram um grande disparate ao tentarem conquistar o espaço, afastando-se do seu planeta-mãe e investindo imensos recursos que poderiam ser empregues na resolução dos problemas mais prementes e “terra-a-terra”.

No entanto, as fotografias da Terra que trouxeram os primeiros homens que visitaram a lua, em muito contribuíram para que tomássemos consciência da fragilidade da biosfera – vendo-a como uma pequena jóia viva gravitando num imenso “vazio”. Até os astronautas, com todo o seu treino físico e psicológico quase supra-humano, ao verem a Terra do espaço sideral, comoveram-se até às lágrimas, não só pela beleza do planeta, mas também por uma incontida sensação de desamparo por se afastarem da sua casa. A angústia dessa orfandade espacial e desse simulacro tecnológico da morte (pelo brutal afastamento do único planeta conhecido com vida), deve ter despertado uma responsabilidade afectiva perante o facto de que a Terra é o nosso lar e uma mãe generosa que, por nossa causa, se encontra gravemente enferma; não podemos voltar-lhe as costas sob pena de nos extinguirmos como espécie.

Não fomos desterrados do paraíso nem este foi destruído há milénios por uma divindade, num colérico e vingativo excesso de zelo; nós vivemos no paraíso e somo nós que o destruímos diariamente. Nenhum planeta de universo pode oferecer-nos melhores condições de vida do que este onde evoluímos.

Em vez de investirmos em formas de exploração sustentável dos recursos naturais neste planeta ameaçado, desperdiçamo-los atrás de uma quimera espacial neocolonialista que não convence nem os seus actores mais mediáticos. Nas palavras do astronauta Scott Carpenter, « este planeta não é terra firma. É uma flor delicada e necessita de cuidados. É solitária, é pequena, é insubstituível, e estamos a maltratá-la.»

«Os movimentos ambientalistas não poderão prevalecer enquanto não convencerem as pessoas de que ar e água puros, energia solar, reciclagem e repovoamento florestal são as melhores soluções para as necessidades humanas – e não para futuros planetários impossíveis pela sua distância.» - Stephen Jay Gould

A conquista do espaço é, antes de mais, um negócio para as grandes corporações, um meio de dotar os militares de tecnologia poderosíssima e um instrumento de propaganda estatal
(não estarão certamente preocupados com a remota possibilidade dos nossos
descendentes enfrentarem o problema de o sol esgotar as suas reservas de
hidrogénio - daqui a 5 mil milhões de anos - , desintegrando a Terra com
chamas vermelhas antes de se extinguir).
Como tal, não admira que até as redacções de revistas como a National Geographic se empenhe em convencer os ambientalistas urbanos de que :”o ser humano tem de encontrar outros locais para viver no sistema solar. Um regresso à Lua será tão importante como o êxodo dos nossos antigos antepassados para fora de África.” (Julho de 2004, versão portuguesa).

Assumindo o ingrato papel de "velho do Restelo", se
é tão perigoso transportarmos (intencional ou inadvertidamente) organismos
vivos de um continente para outro, até se me arrepiam os cabelos dos pés
pensar nas consequências decorrentes da aventura espacial, se as nossas naves
(espaciais) algum dia trouxerem no seu bojo microorganismos alienígenas,
permitindo-lhes colonizar o nosso planeta sem passarem pela "desinfecção"
calorífica (por atrito) a que são submetidos os pequenos corpos celestes que
entram na atmosfera terrestre.

No entanto, talvez a vida na Terra provenha de corpos celestes que embateram neste planeta (a chamada teoria da transpermia ou panspermia). Durante milhões de anos a Terra foi bombardeada com grandes meteoritos. No interior de alguns destes poderiam ter viajado microorganismos que sobreviveram à viagem espacial é ao embate.

Os cientistas estão convencidos que os organismos extremófilos estiveram no origem da explosão de biodiversidade de que a nossa espécie veio a beneficiar. Foram encontrados fósseis de procariotas^^^^ com 3800 milhões de anos em géisers e em fontes termais oceânicas. Ainda hoje aí vivem (a temperaturas que chegam aos 120 Cº !) esses organismos unicelulares.

^^^^A designação de procariotas refere-se às bactérias e algas azul-verdes pertencentes ao Reino das Moneras. São células desprovidas de núcleo e de mitocôndrias e constituem a forma de vida mais simples que conhecemos.

Uma das descobertas científicas mais interessantes do novo milénio foram os organismos hipertermófilos que desafiam a antropocêntrica lógica das criaturas terrícolas que nós somos, pois os nossos parentes mais distantes e vetustos vivem sob a crosta terrestre, bem no interior das chaminés hidrotermais e das fendas vulcânicas no fundo dos oceanos. Acredita-se que a biomassa destes incríveis microrganismos equivale ou supera mesmo a que se verifica à superfície do planeta que erradamente chamamos Terra.

PB

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