sexta-feira, março 23, 2007

Na cruzada Albigense (contra os Cátaros, que eram cristãos europeus, divergindo da doutrina teológica e da corrupção do Vaticano) ficou célebre uma frase geralmente atribuída a Inocêncio III (1198-1216), mas que, na realidade, é da autoria de um representante seu chamado Arnaud Amaury, Arcebispo de Narbonne. Na cidade de Beziers, onde ocorreu uma grande chacina purgatórias (1209), tendo escapado com vida poucos habitantes, houve quem tivesse reparado que muitos católicos fiéis ao Papa também foram mortos nessa orgia de sangue. Perguntaram então ao Arcebispo Amaury como poderiam distinguir, na confusão do morticínio, os católicos dos heréticos, pois que tinham a mesma aparência física. Ante esta confrangedora evidência, para tranquilizar a consciência dos matadores/carrascos, ele respondeu : « matem-nos a todos! Deus encarregar-se-á de distinguir os seus»… (A seguir foi escrever relatórios para o Papa, pejados de pormenores sórdidos sobre o bem sucedido projecto de luxúria homicida que conduzia…)



Durante toda a história da cristandade o ódio xenófobo e racista foi instigado pelos clérigos. Os que tinham a pele mais escura que os caucasianos, deveriam ser considerados como obra do demónio, e o facto de professarem religiões pagãs assim o comprovava. Mas, nem sempre era
fácil distinguir a natureza das confissões pela cor da pele. Então, em 1215, no quarto concílio de Latrão, a Igreja estabeleceu, para além de severas punições para os hereges, um código identificativo para os muçulmanos e para os judeus, obrigando-os a usar uma roseta (que seria o sistema percursor da estrela amarela com que os alemães nazis identificavam os judeus).

O catolicismo medieval consolidou a visão de um mundo dessacrilizado e impuro, onde o valor dos seres humanos era primeiramente medido pelas suas filiações religiosas (cabendo às hierarquias eclesiásticas
determinar o direito à vida de acordo com a fé dos indivíduos, e essa fé mais não era do que o supremo exercício de lealdade e submissão à Igreja/Estado) e pela capacidade de acumular símbolos de poder (que
geralmente circulavam nas oligarquias plutocráticas) que permitiam afirmar a superioridade dos católicos e de levar, tão longe quanto possível, a missão de persuadir e de conquistar outros indivíduos para
as suas causas ("divinas"), ou destruir os seus oponentes
.

Se a vida só tem valor (intrínseco e intemporal por deliberação divina) depois do Apocalipse purificador, e se apenas os adeptos da "verdadeira religião" deverão alcançar a salvação, então os que estão no "caminho errado" e nele insistem em permanecer merecem, com toda a "legitimidade", ser mortos ou explorados desapiedadamente pelos detentores da "verdade teológica", da "boa fé"; quem se lhes atravessar no caminho (para alcançar as cúpulas do poder e da redenção paradisíaca) é conotado com o "Anticristo" e, como tal, não são dignos de ser considerados seres humanos genuínos.
Só assim se explicam os massacres com conotações religiosas que tingem de sangue toda a história europeia da cristandade.

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