sábado, janeiro 23, 2010

O genocídio secreto do Canadá




As políticas genocidas perpetradas contra minorias étnicas têm sido praticadas até por países considerados internacionalmente como exemplo, quase bastiões/ “santuários”, dos valores democráticos e da salvaguarda dos direitos humanos.
Um dos casos mais horrendos de que tenho conhecimento refere-se às escolas-residenciais, hospitais e sanatórios (para tuberculosos) em que o Canadá, entre 1890 e 1984, enclausurou as crianças indígenas – com o intuito de eliminar fisicamente a maioria delas; aculturando as restantes para que se comportassem como colaboracionistas e servos dos euro-americanos.
Existiram mais de 100 destes internatos infernais. Uns eram geridos por oficiais do governo, mas, na maioria dos casos, a responsabilidade de tutoria das crianças foi entregue a instituições de cariz confessional apoiadas pelo Estado, nomeadamente as igrejas Católica, Anglicana, Presbiteriana e a United Church of Canada.
Abundantes e idôneas testemunhas, assim como relatórios oficiais, referem os recorrentes (ao longo de quase um século) crimes de rapto; estupro (algumas crianças foram até prostituídas a pedófilos +++ a pornógrafos fora dos muros dos internatos) ; esterilização e abortos forçados; espancamentos e tortura (física e psicológica); assassinatos; experimentação médica não consentida, tanto drogas como exposição e inoculação de bactérias e de vírus letais – o que acrescenta o crime de guerra biológica; privação extrema de alimentos (muitas crianças morreram de fome) e administração de alimentos impróprios para consumo; trabalhos forçados; roubo de terras e de recursos naturais vitais para a comunidade indígena,... Enfim, uma sistematizada guerra contra os povos tribais não cristianizados, que decorreu longe dos mídia e da opinião pública influenciada por estes.

+++ Um dos muitos pedófilos que trabalhou e molestou crianças nas referidas instituições, acabou caindo nas malhas do FBI, que descobriu evidências de ser o autor de 142 casos de abusos sexuais a crianças durante cerca de uma década.

Os relatos testemuniais desta tragédia encoberta evidenciam tratar-se de um crime contra a humanidade inserido na definição de genocídio oficializada pelas Nações Unidas, cuja convenção foi ratificada pelo Canadá em 1952.
Até em relatórios oficiais do Departamento dos Assuntos Indígenas é referido que nos mortíferos internatos perderam a vida mais de 50 mil crianças! Acresce-se um pormenor macabro e, no mínimo, suspeito: a esmagadora maioria desses cadáveres nunca foram vistos, menos ainda recuperados, pelas respectivas famílias. De facto, continua um mistério qual o seu destino final. Os registos pessoais das crianças “desaparecidas” foram igualmente obliterados, como se as vítimas nunca tivessem existido. E nem conta para efeitos estatísticos os corpos dos abortos e dos que foram mortos à nascença. As testemunhas eram coagidas ao silêncio ou também desapareciam sem deixar rasto, lembrando a política nazi de “noite e nevoeiro” (nacht und nebel).
Não faltam testemunhas que referem a existência nos internatos ou nas suas imediações de cemitérios secretos, corpos emparedados e câmaras-frias para armazenamento dos cadáveres. Quando, na década de 70, os internatos para índios começaram a ser fechados, os restos mortais das crianças foram retirados e destruídos apressadamente. Mas ainda há muito material forense disponível para análise; só falta vontade política para esclarecer a fundo esses crimes.
A polícia sempre se recusou a investigar; até chegaram a ameaçar as crianças queixosas. Possivelmente a participação destes agentes foi além da ocultação de provas. Pelo menos, há relatos de meninas que foram obrigadas a se prostituir aos policiais.
Já em 1907 a imprensa canadiana levantou a lebre, constatando que a taxa de mortalidade das crianças índias que estavam (compulsivamente/ por ordem judicial) internadas excedia os 50%. Ou seja, mais de metade morria em relativamente pouco tempo.
O Dr. Peter Bryce, quando trabalhava para o Departamento de Saúde de Ontário, foi contratado pelo Departamento de Assuntos Indígenas de Ottawa a fim de fazer vistorias às condições insalubres a que estavam sujeitas as crianças indígenas nos internatos da costa Oeste e Columbia britânica. O que ele viu deixou-o profundamente abalado e escreveu um relatório em que deixava claro as atrocidades testemunhadas por ele . Os seus superiores hierárquicos do governo e os clérigos ocultaram/destruíram esse relatório e trataram de afastar Bryce da função pública. Só volvidos 13 anos, em 1922, é que este médico revelou à sociedade pormenores do que chamou um crime nacional contra os índios.
Um dos procedimentos corriqueiros (também denunciado pelo Dr. Bryce) era o de infectar com tuberculose as crianças. Depois obrigavam outras crianças ainda livres dessas bactérias a dormir na mesma cama que as enfermas. Bastava esperar até se cumprir a “vontade de deus” de acabar com os pequenos pagãos. Quando não eram bactérias e vírus mortais, as injecções de veneno faziam o trabalho mais rapidamente. (entretanto, o governo dos EUA inoculava plutónio nos pobres – maioritariamente negros, mexicanos e índios – que procuravam ajuda médica, numa experiência que durou quase toda a Guerra Fria.) À medida que estes assassinatos se tornavam quotidianos e a uma escala industrial, a metodologia homicida foi perdendo “subtileza”. Valia tudo no esforço nacional de erradicação do “problema indígena”: espancamentos; fome/inanição; estrangulamentos; garotos atirados pelas janelas e escadas abaixo,...
E não pensem que o trabalho sujo desta barbárie planeada era exclusivo dos “gorilas”/energúmenos contratados para o efeito; muitos padres e freiras foram vistos a brutalizar até à morte indiozinhos, da forma mais cruel e sádica que se pode imaginar.
Os algozes certamente que confiavam na impunidade dos seus crimes, cuja responsabilidade se estende para além dos oficiais do governo e dos representantes das igrejas; a conspiração envolve igualmente médicos, enfermeira, policiais, juízes e empresários. Foi a cooperação de todos que tornou possível consumar este holocausto canadiano sem a condenação da comunidade internacional. ( E é lícito deduzirmos que o legado essa cabala continua a permitir que as redes de pedofilia predem tantas crianças indígenas no Canadá ...)

Neste contexto, refira-se, por curiosidade, que a expressão “solução final” notoriamente utilizada pelos nazis para designar o seu plano de extermínio em massa, foi cunhada (em 1910) pelo superintendente dos Assuntos Indígenas
Duncan Campbell Scott quando se referiu ao modo como o Canadá deveria lidar com o “problema indígena”.
Noutra ocasião, ele definiu o intuito principal dos internatos nos seguintes termos: “matar o índio dentro do índio”.

Efectivamente, o Canadá foi bem sucedido em ocultar os seus equivalentes aos centros de eugenia negativa e campos de extermínio nazis. Não é uma analogia forçada. A descomunal violência a que temos submetido as nações indígenas faz parte de uma estratégia concertada internacionalmente num clima de consenso. A limpeza étnico-religiosa era uma prioridade assumida, “legitimada” pelos esforços civilizatórios, em que a ciência e o cristianismo poderiam dar as mãos para dominar e homogeneizar o mundo, como um modernizado legado das cruzadas e da Inquisição, levando consigo o estandarte da “guerra justa" contra os não-cristãos. Assegurar os interesses dos industriosos saqueadores / exploradores da Terra, os que geram capitais e postos de trabalho, é considerado o mesmo que defender a civilização.
No século XIX a política expansionista dos euro-canadianos estava a todo o vapor. Civilizar apresentava-se como um imperativo moral – que não passava de uma fachada para “justificar” a invasão, usurpação e morticínio nos territórios a desbravar. Em 1857 o Canadá intensificou essa política respaldando-a por um corpo legal (Gradual Civilization Act) que parece ter sido redigido em parceria entre clérigos e industriais. Esse documento vil estabelece oficialmente a inferioridade das pessoas pertencentes às primeiras nações, e serviu de base para a Lei federal dos Índios que, em 1874, dava o tiro de partida para o referido sistema de internatos.
Ainda em 1960 (na revisão do estatuto da Colômbia Britânica) se reafirmou a definição de índio que continua a vigorar: “pessoa não civilizada, destituída do conhecimento de deus, ou qualquer outra clara e enraizada crença religiosa.”



Como já referi abundantemente, facilita o trabalho de genocídio (cultural e físico) desumanizar as vítimas – comummente conotando-as com as criaturas (de preferência rastejantes) da fauna silvestre que os europeus mais desprezam; mas a melhor sucedida estratégia difamatória tem sido a de demonizá-las. Assim é fácil engajar a sociedade numa luta que, mais do que a erradicação de pragas , é o dever cristão de se opor por todos os meios às representações do mal supremo que insiste em querer arruinar as conquistas da civilização, fazendo-nos regredir até ao intolerável estado de “selvagens”, indistinguíveis das feras que povoam os nossos pesadelos.


Os genocidas seguiam a mesma cartilha e conheciam o trabalho dos seus colegas e aliados ideológicos, tentando emular-se mutuamente. Era aplaudida qualquer acção social que as autoridades e/ou a iniciativa privada apresentassem “em nome da civilização e do progresso” – expressão interpretada com sinistra benevolência pela sociedade caucasiana, que preferia desconhecer os tenebrosos meios para alcançar esse enaltecido fim. Ninguém quer revolver essa cloaca com medo de se sujar, mas essa atitude a todos nos torna cúmplices por indiferença.

O modelo dos internatos para extinção das culturas e etnias aborígenes foi exportado para todo o mundo, mas continuam desconhecidos da maioria dos civilizados que se viciaram em telejornais...

No âmbito da sua política de “guerra de baixa intensidade” (sic), os EUA fizeram o mesmo com os descendentes dos maias, na América Central, onde constituíram as suas “aldeias-modelo”. Depois o “Tio Sam” chegou à conclusão de que bastava pressionar os seus governos-títeres para a implementação das medidas reestruturantes (que têm por testa de ferro o banco Mundial e o FMI), arrasando com a autonomia económica, a auto-suficiência numa escala que respeita os limites biorregionais dos recursos, enviando directamente para as maquilas e para as plantações dos latifundiários os campesinos expulsos dos campos (pela força das armas e/ou pela miséria induzida).

O culto ao poder simbólico do capital sempre foi o motor destas políticas genocidas. À semelhança do que aconteceu no desbravamento do interior do Brasil (ex.: Mato Grosso e Minas Gerais), em que as igrejas eram erguidas o mais próximo possível dos filões de ouro, no Canadá as escolas-residenciais para indígenas foram estrategicamente situadas em locais cujas riquezas naturais eram e são muito cobiçadas pelos “brancos”. As Igrejas puderam assim amealhar muito negociando com as empresas sobretudo de pesca e de madeiras nobres.

Na América do Norte, os eugenistas, quando se referiam às suas monstruosas intenções, foram bem mais parcimoniosos no uso de eufemismos do que os alemães engajados na mesma luta pela “purificação racial”.
Como bem observou Simon Wiesenthal, referindo-se aios campos de morte nazis, “onde há aprovação oficial, não pode haver arrependimentos nem contrição pública”.
Os euro-canadianos decentes que ficam indignados perante esporádicas notícias (de um mundo que a maioria sente ser bastante distante da sua amena realidade) sobre alguém que se atreveu a negar a existência do holocausto nazi, sendo imediatamente alvo de justificada e generalizada condenação moral, falham em reconhecer o seu holocausto indígena. E não é apenas porque se tratam de crimes que parecem demasiado graves para ser verdade, cometidos por pessoas que ainda detém prestígio e poder na sua sociedade; a maioria dos que ainda vivem continuam impunes e beneficiando de subsídios estatais bem como, no caso das igrejas, de isenção fiscal. Tal qual acontece com os torturadores e os matadores que estiveram, ou continuam na activa, ao serviço de governos ditatoriais. Na rara eventualidade da protecção política falhar com alguns deles, as instituições que estes serviram continuam intocáveis. (De vez em quando ainda é possível toparmo-nos com declarações à imprensa proferidas por clérigos que fazem a apologia dos seus internatos para indígenas, costumando dizer o seguinte: “se alguma coisa correu mal, os objectivos do nosso projecto eram e são louváveis”. Poucos se indignam...)
E quando os mídia clamam por justiça, não costumam ir mais longe do exigir medidas “compensatórias” para as vítimas de abusos (umas indemnizações pecuniárias, “e já vão com sorte”...).
A maior relutância da sociedade canadiana não-índia em perceber as verdadeiras dimensões deste problema (que está muito longe de ver o seu término) deve-se principalmente a que a sua identidade, conforto, segurança e orgulho patriótico assenta no facto de que pertencem a um sistema político que só pode desenvolver-se com sucesso através da usurpação dos territórios indígenas, destituindo os seus habitantes originais de tudo o que lhes era essencial e dava sentido às suas vidas. A mesma crítica pode ser feita em relação a todos os países criados pela expansão imperialista da Europa. Uma vez que é impensável que as potencias ocupantes se retirem e que tudo volte a ser como nos tempos pré-colombianos, o busílis do problema é como conviver fraternalmente e com justiça social na multiculturalidade e multietnicidade? As possíveis respostas não se me afiguram otimistas, porque todas as sociedades subjugadas ao capital e ao industrialismo ecocida, a fim de manterem as suas economias artificialmente prósperas, é-lhes imprescindível continuar a devorar o mundo e a esmagar os modos de vida alternativos...


A assimilação cultural dos índios significa cortar a sua ligação espiritual com a Terra e toda a sua cultura telúrica de respeito reverente pela natureza. Despojá-los dos seus territórios ancestrais, submetê-los a leis injustas, à força das armas, à corrupção e à miséria econômica e à subsídio-dependêndia, até que aceitem desistir de defender aguerridamente o que a nossa sociedade deseja rapinar. As nações indígenas nunca quiseram nem pediram a “ajuda” da civilização. Se não for já tarde demais, talvez um dia a nossa sociedade compreenda que para sobreviver e cumprir o seu melhor potencial necessita da ajuda dos povos que mais tem tentado destruir...


genocideincanada.blogspot.com
http://www.hiddenfromhistory.org/
hiddenfromhistory@yahoo.ca
(250) 753-3345 ( Canada )

http://canadiangenocide.nativeweb.org/

http://assets.survivalinternational.org/static/files/books/InnuReport.pdf

Através da Internet, poderão ainda adquirir as seguintes obras :

* Hidden from History: The Canadian Holocaust (2005)
* Love and Death in the Valley (2002) at: www.1stbooks.com/bookview/11639
* UNREPENTANT (documentário acessível para visionamento no google vídeo)

Agora um pouco de marketing bem intencionado: Noam Chomsky é provavelmente o pensador e ativista político (para além de ser um filólogo brilhante) mais relevante e respeitado desde J.P. Sartre. Ele disse que Kevin D. Annett, um destacado membro da Comissão para a Verdade acerca do Genocídio no Canadá (The Truth Commission into Genocide in Canada), “merece o Prémio Nobel da paz mais do que a maioria dos que já o receberam”.

Sem comentários: