quinta-feira, setembro 07, 2006


Verde esperanto
A ciência deve libertar-se das grilhetas da religião e de quaisquer outros dogmas e interesses estabelecidos, mas não tem porque esvaziar-se de poesia e até de espiritualidade telúrica .
Plínio o Velho dizia que cada árvore tinha a sua pátria. Embora seja uma linguagem que não se insere na actual ortodoxia científica, é uma maneira válida de aludir às condições ecológicas óptimas em que cada espécie se desenvolve (sobretudo no que se refere às particularidades edafo-climáticas). Mas o que nem os mais atentos naturalistas da antiguidade poderiam saber é que as árvores se expressam com linguagens próprias ; cada espécie tem o seu “ramo linguístico”, cuja essência funciona como um esperanto vegetal.As substâncias voláteis (ex.: o gás etileno que, continuando com a analogia linguística antropocêntrica, corresponde ao “inglês” do mundo vegetal) são o seu principal alfabeto. Já foram identificados mais de 30 mil destes compostos, o que revela uma imensa riqueza lexical e poliglota. Ademais, as plantas num dossel florestal são como prodigiosos vates que não cessam de (re)inventar maneiras de comunicar entre si e até com seres de outros Reinos. (Sabemos que as plantas têm um género de sistema nervosos central muito primitivo, que é percorrido/animado por impulsos bioeléctricos - estes até reagem com os campos bioeléctricos dos animais e com o campo magnético terrestre. Ainda está por desvendar essa linguagem, assim como a dos fungos que habitam no sistema radicular das plantas… As possibilidades de comunicação são tão vastas quanto maravilhosas!)
Este fascinante fenómeno está cientificamente demonstrado na forma como as plantas reagem à predação trófica. O caso mais conhecido é o das acácias africanas, que fazem parte da dieta de uma miríade de herbívoros. Quando a savana e os matos foram compartimentados em reservas de caça no final dos anos 70, muitos animais (principalmente os cudús e as girafas) começaram a morrer sem denunciarem aos veterinários sinais evidentes de doença. O problema foi-se agravando, deixando extremamente preocupados tanto os negociantes da morte por divertimento, como os ambientalistas, os cientistas e as autoridades sanitárias, incapazes de descortinar as suas causas.Após muitas análises (cujo cientista pioneiro foi o Dr. Van Hoven, da Universidade de Pretória), descobriu-se que as principais vítimas deste mistério letal tinham sido envenenadas por um excesso de taninos no trato digestivo (que sempre alojava uma grande quantidade de matéria vegetal não digerida). Que os taninos são tóxicos e que grande parte das árvores o produz, há muito que não era novidade (ex.: perde-se na noite dos tempos a origem da prática comum de usarmos o tanino encontrado em cascas de árvores para curtir peles), mas o que teria levado as acácias a unir esforços para matar os seus predadores, pondo fim a milhões de anos de convivência relativamente pacífica, em que havia um equilíbrio de forças ?! mais uma vez, o desequilíbrio ecológico deveu-se à intervenção humana.
Tanto as tribos nativas como os naturalistas mais versados, sabiam que os animais que se alimentam das folhas das acácias fazem-no durante poucos minutos em cada árvores; e, ao se dirigirem à seguinte, escolhem sempre uma que esteja afastada num raio de pelo menos 15 a 20 metros em relação à que estiveram a tasquinhar. Com a expansão das quintas cinegéticas e o consequente erguer de vedações intransponíveis, os animais silvestres começaram a estar confinados a espaços demasiado exíguos e muitas vezes lotados, pois os administradores da caça turística em terrenos privados tentam gerir as suas manadas herbívoros quase como se se tratassem de rebanhos de ovinos. Assim, os animais em questão foram obrigados a submeter as acácias a um permanente stress trófico, e estas últimas reagiram investindo muita da sua energia na produção de taninos destinados a repelir os seus predadores (que geralmente são apenas um pequeno incómodo), só que estes também tinham sido empurrados para uma situação limite: ou se resignavam a definhar pela fome, ou arriscavam intoxicar-se com taninos.
Neste caso tornou-se evidente que a etérea linguagem das árvores inclui as alianças políticas, já que cada acácia ao ser atacada envia mensagens de aviso às suas vizinhas, que se precatem do perigo recorrendo a um arsenal químico, sendo que quanto mais próximas estão da que emitiu o sinal de alarme gasoso, mais taninos produzem. A superprodução de taninos logo baixa, se as acácias não forem molestadas dentro de 15 minutos.
Durante os vários estios em que ajudei a combater incêndios no terreno, atónito, reparei que, quando o fogo se aproximava, mas estando ainda a uma distância mínima de 100 a 150 metros, em especial os carvalhos caducifólios, passavam por um processo semelhante ao que acontece no Outono (quando o verde da clorofila desaparece das folhas e estas acabam por cair) – ma a uma velocidade estonteante! Não podiam estar a morrer asfixiadas devido a abrasantes colunas térmicas e de fumo, pois eu estava ao lado dessas árvores e, nessas situações, nunca me posiciono no cimo das encostas que estão a ser consumidas pelas chamas, nem contra o vento. De algum modo (a tal comunicação gasosa), as árvores sabiam que o fogo em breve as poderia destruir e, como uma oportuna estratégia de retirada, concentravam toda a sua energia vital nas raízes, dispostas a sacrificar a parte aérea, para depois, uma vez passado o incêndio, quais Fénix, renascerem das cinzas ao rebentarem de toiça. Se as chamas não lhes tocassem, volvidas 2 ou 3 semanas, voltariam a luzir uma copa de folhas novas.Até que recentemente a ciência se debruçou sobre este fenómeno, encontrando algumas respostas plausíveis (que foram de encontro às hipóteses que eu formulei), andei intrigado de sobremaneira.
O esperanto vegetal atravessa a barreira taxonómica que separa o Reino Vegetal do Reino Animal (já para não falar dos fungos que ainda prometem muitas surpresas fascinantes…). Todos conhecemos alguns casos relacionados com as abrangentes relações de polinização, mas por vezes essa comunicação assemelha-se a brados de guerra…As couves tão típicas das hortas portuguesas têm como principal predador (para além do homem) a lagarta de uma espécie de borboleta diurna, cujo nome científico é Pieris brassicae. São as couves que decidem até que ponto toleram essas agressões tróficas. Quando as vorazes lagartas as atacam em número excessivo, as couves (que reagem aos bioquímicos presentes na saliva das lagartas) emitem um cocktail de químicos desenvolvidos no sentido de atraírem o principal predador dessas lagartas - que é uma espécie de vespa conhecida entre os entomólogos como Cotesia glamerata. As vespas respondem ao pedido de socorro das couves, interpretando-o como uma chamada para porem em prática uma táctica absolutamente brilhante do ponto de vista da eficiência evolutiva, mas que parece demasiado sinistra e repugnante para os nossos valores morais – colocam os seus ovos dentro das lagartas dos pierídeos para que, ao eclodirem, as suas larvas parasitas as comam vivas…
Quando outra espécie de lagartas arborícolas se torna um grande incómodo para os áceres, estas árvores não se esquecem da ataque abusivo, e no ano seguinte, ao se voltarem a vestir com folhagem após a letargia invernal, produzem folhas consideravelmente mais finas que não são propícias às indesejadas lagartas.A sua memória mais conhecida relaciona-se com o seu relógio biológico que responde à duração das horas de luz diurna, bem como das noites. Mas, à semelhança dos mamíferos que têm uma memória muscular e sofrem mudanças estruturais conforme as suas actividades prolongadas, as árvores que se digladiam permanentemente com o vento assumem formas bizarras e fortalecem as partes que lhe estão mais expostas.Abundam exemplos na Flora de espécies que se amigaram com o vento a fim de se puderem reproduzir, mas a maioria das árvores preferiu investir nas relações íntimas e interdependentes com os insectos.
««« Algumas espécies de orquídeas altamente especializadas que simulam não apenas as forma, texturas e cores de abelhas fêmeas, como ainda a química odorífica das respectivas feromonas sexuais, por forma a ludibriarem os insectos macho a participarem na polinização, julgando que estão a copular com as suas respectivas parceiras…
Há plantas que são mesmo más vizinhas! Considerando apenas a linguagem química, algumas espécies produzem substâncias alelopáticas om a finalidade de dissuadir as outras espécies de se instalaram ao seu lado, evitando assim a competição pelos nutrientes onde estes são escassos. Tal é o caso das vulgares estevas (colonizadoras de solos esqueléticos) e das figueiras, entre muitas outras espécies.
Tal como o colagéneo é a proteína mais comum no Reino Animal (sendo a sua acção estruturante indispensável para a junção e fortalecimento dos tecidos nos organismos), a lignina foi das primeiras grandes conquistas das plantas, pois, ao reforçar as paredes das células, permitiu-lhes ter um porte lenhoso e crescer até se tornarem as florestas que foram o lar dos primeiros animais vertebrados que saíram do meio aquático à conquista da terra. A lignina é o que dá força à celulose para criar a madeira. Trata-se de um processo semelhante ao que acontece quando se mistura o cobre com o estanho. Separadamente, estes metais são muito leves, mas, ao se combinarem, são capazes de originar um metal admiravelmente sólido e pesado – o bronze.(Agora a biotecnologia desenvolveu árvores pobres em lignina para facilitar a indústria do fabrico de papel. Estas árvores mutantes e que atentam contra a evolução, em breve contaminarão as parentes silvestres, se é que isso não aconteceu já…)
Paulo Barreiros


1 comentário:

Anónimo disse...

A natureza é absolutamente fascinante! Ainda temos tanto que aprender com ela! Mas estamos numa corrida contra o tempo, em que todos os dias desaparecem várias espécies desconhecidas para a ciência, que nos poderiam proporcionar a cura para muitos males - menos o da ganância irresponsável...
Xando, obrigado por partilhar essas informações connosco.
CP