quinta-feira, setembro 21, 2006


Educação artística

“A arte perfeita comunga com a natureza.” – Immanuel kant
« A música é uma revelação superior à filosofia.» - Beethoven

Transcendendo as habilidades de sobrevivência pura, é indispensável aproveitar esse ambiente de “duendes, elfos, faunos, fadas, dríades, ninfas…” tão inspirador para potencializar a satisfazer as nossas mais profundas aptidões “mágico-artísticas”, ensinando-lhes, por exemplo, a construírem os seus próprios instrumentos musicais, recorrendo a materiais rústicos exclusivamente colectados na natureza, e a inspirarem-se nesta para comporem canções (letras e melodias). Antes que consigam identificar escalas e construir melodias, o melhor será, através de percursões muito básicas, tentar imitar os padrões dos sons que aprendem dos animais (com óbvio destaque para as aves). Depois conjugar essa colecta de sons numa roda musical (ensamble) em que cada indivíduo tenta manter o seu fraseado e ritmo (em obstinato) em harmonia com os restantes membros do grupo.*
Seria interessante que os educadores dedicassem alguns dias especiais (ex.: duas vezes por mês) para a comunicação dentro das salas de aulas ser feita sem recurso à voz. (Aliás, os professores, tanto na sua formação académica como ao longo da sua carreira, deveriam ter apoios gratuitos de terapia da voz, para aprenderem a colocá-la sem forçarem excessivamente as cordas vocais.)

A cacofonia agressiva e artificial (o que inclui o zumbido irritante das lâmpadas fluorescentes) a que as crianças urbanas estão permanentemente sujeitas indubitavelmente conspira para que estas tenham dificuldades de aprendizagem. A fim de aliviá-las desse stress acústico, devemos cultivar a serenidade e ensiná-las a ouvir e identificar as sonoridades positivas e primordiais da natureza silvestre. Nos passeios pelo campo as crianças necessitam ser ensinadas de que quanto mais barulho fizerem, menos animais verão e menos aprenderão sobre as suas vocalizações.
"Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior, com vales desilêncio e paraísos secretos." - Saint-Exupéry"Há duas coisas que indicam fraqueza: calar-se quando é preciso falar efalar quando é preciso calar-se." - Provérbio persaPara que as crianças compreendam a importância da discrição silenciosaquando deambulam pela natureza (em especial pelos bosques e pelas zonashúmidas), expliquem-lhes que os predadores silvestres não podem ir aosupermercado para se alimentarem. Todos conhecem bem a fome e para lheescaparem usam o silêncio como camuflagem acústica. A escassez de presas, ainexperiência, a fraqueza e as interferências negativas (quer provenham deperturbações antrópicas, ou de um sistema de alarme natural e concertado,fruto de uma atenta aliança anti-predatória, em que as aves costumam ter umdestacado papel), tornam a vida difícil aos que têm que caçar parasobreviver. Por exemplo, se uma gineta juvenil que, por já ter idade parasobreviver pelos seus próprios meios, foi recentemente tornada independentepela sua progenitora, tem dificuldades em aplicar os conhecimentos aprendidosno seio familiar, a fome provocada pelos primeiros falhanços até poderáagudizar-lhe os sentidos e a concentração, mas a sucessão de tentativasfrustradas também a enfraquece, diminuindo-lhe as chances de ser bem sucedida.A morte por inanição é comum entre os juvenis errantes.Podemos representar/teatralizar a cena dramática de uma gineta esfomeada aaproximar-se cautelosamente de um rato, sabendo que poderá ser essa a suaúltima oportunidade de comer e permanecer viva. O crepúsculo vai dando lugaràs estrelas. É lua nova. Os seus olhos estão adaptados a ver com o mínimode luz e os seus bigodes (vibriças, para os técnicos)indicam-lhe que o vento está a seu favor. A tensãoé tremenda. Cada movimento de aproximação é calculado com agonizantecuidado; quase deixa de respirar para que não seja detectada pelos sensíveisouvidos do roedor; os seus músculos são como molas contraídas prontas aexplodir em energia cinética. Quando está prestes a saltar sobre a presa, osilêncio do bosque é violado por um grupo de ruidosos excursionistas que,como se não bastassem as cantorias, ainda apontam as suas lanternas em todasas direcções procurando surpreender animais nocturnos. Previsivelmente,afugentam o rato da nossa estória, que procura refúgio na sua toca.
Proponho aos educadores que peçam às crianças que elaborem uma listagem dos sons que mais apreciam e, noutra coluna, também os que mais os incomodam. Depois de avaliarmos as respostas, procuraremos denominadores comuns a fim de tentarmos construir um ambiente sonoro mais confortável tanto na sala de aula como em casa.


* Um número elevado de materiais testados acusticamente (como, por exemplo, as pinhas) reverberam escalas pentatónicas. Ora, por todo o mundo a música popular é baseada em escalas pentatónicas. Também está provado que a estrutura do nosso sistema auditivo está optimamente adaptada a essas mesmas escalas. Não menos espantosas são as recentes descobertas no campo da microbiologia em relação a esta temática.


O investigador Joel Sternheimer provou haver uma relação entre as proteínas (dos códigos genéticos) e a música*. Um discípulo seu, Jean-Claude Perez, descobriu que o alfabeto (TCAG, correspondendo estas quatro letras a outros tantos aminoácidos) impresso no DNA da vida na Terra se ordena segundo harmonias semelhantes à célebre série numérica de Fibonacci. (Este brilhante matemático do Séc. XIII celebrizou-se sobretudo por ter descoberto uma série de números em que cada número em sucessão é o resultado da soma dos dois números precedentes, e também pelo seu “número de ouro” – 1,6180 - que reflecte como nós vemos a harmonia na natureza (ex.: na concha espiralada dos nautilos, nas escamas dos peixes, na forma como as árvores se ramificam, na distribuição das cores quentes e frias,…) e nas nossas obras arquitectónicas)
Assim, quando a bíblia nos diz que “no princípio era o verbo” (Genesis), talvez devêssemos reescrevê-la, dizendo que “no início estava a música – do silêncio, e qualquer ser vivo conhecido é um diapasão cósmico.

A síntese das proteínas de que necessita o nosso organismo pode ser facilitada se encontrarmos as músicas certas, ou seja, as músicas que harmonizam com as ondas emitidas pelos aminoácidos. Mas as músicas erradas têm um efeito contrário, inibindo a síntese das proteínas.



(Outra variante interessante do mesmo tema, para aqueles dias em que temos que ficar confinados entre paredes, será a reutilização de materiais que normalmente desprezamos como resíduos domésticos para fins artísticos.)
Tão festiva e criativa como a acção de moldar o barro, poderão ser as saídas de campo para o procurar. Outros minerais e vegetais (e até elementos animais, como os ovos), quando devidamente preparados, poderão originar pigmentos para a pintura.


Educação musical

"Se consegues andar, conseguirás dançar."Se consegues falar, conseguirás cantar." - provérbio do Zimbabwe
«Se não consegues manter os teus esquelos no armário, ao menos fá-los dançar.» - Bernard Shaw

o místico Rumi (que inspirou a confraria dos dançarinos Dervixes) costumava dizer que «a dança é o caminho mais curto para chegarmos a Deus.»
as crianças podem aprender a cantar e a dançarmesmo antes de aprenderem a falar e a andar. Desde que não se violentem as suas limitadas capacidades, estas actividades podem ser uma óptima série de exercícios respiratórios, de coordenação motora, de articulação das palavras e de noção de ritmo. Poderem pegar num estescópio, atentar e comparar os ritmos cardíacos (tomando nota individualmente) de todas as crianças da turma é uma boa maneira de serem iniciadas à noção de ritmo.

descoberta da musicalidade intrínseca das palavras dar-nos-á o mote para fazermos uma aproximação à poesia
as canções são um meio óptimo para a interiorização e difusão de informações.
Todas as crianças têm um gosto instintivo pela música e, mais especificamente, por cantar. Mas passada a idade (até aos 4, 5 anos) em que todos os comportamentos abebezados fazem os adultos sorrirem, cantar torna-se um comportamento inconveniente, a não ser em aulas de música, na solidão dos quartos, no chuveiro e noutros locais “apropriados” (ou seja, onde os adultos soturnos não os oiçam). Mais abébias só as conseguem as crianças às quais a natureza dotou/abençoou com talentos canoros afinados como maviosos trinados. Esta castração de epontaneidade deve-se a que a maioria dos adultos deixaram morrer em si o gosto por experimentar a música como uma celebração espontânea, intimidados e frustrados por serem incapazes de competir com os virtuosos bem treinados.


É importante que as crianças tenham ao seu alcance instrumentos (sobretudo de percursão) concebidos pelas culturas tradicionais de várias procedências à volta do mundo. Melhor ainda é ensiná-los a fazer os seus próprios instrumentos a partir de materias simples colectados na natureza, ou ainda reutilizando materias que comummente atiramos para o lixo.

A música e dança são ingredientes fundamentais e infalíveis para criarmos uma “conspiração de sorrisos”. Para além dos aspectos festivos/lúdicos e estéticos, é através destas artes as crianças tomarão consciência dos seus corpos, apurarão o equilíbrio, explorarão o seu espaço particular e comum, comungarão de liberdade de expressão e de coesão de grupo, animando-se mutuamente e fortalecendo a auto-estima.

«O meu povo é assim altivo; damos o nosso melhor durante a dança» – (Anónimo da tribo Makah, América do Norte)

A obsessão pelo virtuosismo e pela competição tem levado a que muitos conservatórios se convertam em fábricas de génios (inclusive para fins políticos, como se verificou durante a Guerra Fria). Após vários anos de treino intensivo, muitos jovens músicos acabam por rejeitar a sua truculenta educação musical, desenvolvendo até uma aversão visceral aos seus instrumentos e ressentimentos em relação aos adultos mais próximos – aos quais se esforçaram tanto por agradar - por sentirem que lhes roubaram a infância.«Aprende a reverenciar a noite, renunciando ao ordinário medo dela, pois, ao banirmos a [exploração] da noite das nossas experiências [conscientes], faremos igualmente desaparecer uma emoção religioas e uma disposição poética que dão profundidade à aventura da humanidade.» - Henry Beston
Muito divertido e educativo é ainda aprender a interagir com os animais imitando-lhes as vocalizações (com ou sem recurso a objectos manufacturados pelas crianças). Este jogo é especialmente interessante quando efectuado à noite, não só porque ao limitarmos o recurso ao nosso sentido mais apurado – a visão - deixaremos grande margem para a imaginação e para explorarmos os nossos outros sentidos geralmente pouco valorizados, mas também porque as temperaturas mais baixas e o aumento da humidade verificados de noite favorecem a propagação dos sons.


Treinar a memória auditiva é imprescindível a qualquer naturalista, tanto mais importante se desenvolverem as suas aptidões como melómanos, músicos, ornitólogos,…
Também é vivamente aconselhável realizarem-se celebrações ritualizadas que envolvam os familiares dos petizes (ex.: festa dos solstícios, dos equinócios, do magusto,…). Para tal é indispensável efectuar-se uma recolha de mitos e de jogos populares, bem como uma investigação do modo como outras civilizações (ex.: os celtas, os iberos, os árabes,…) que habitaram a península ibérica celebravam as suas ligações telúricas, tentando compreender a essência espiritual desses rituais.

No planeamento das tarefas de trabalhos manuais propostas pelos educadores, deveremos ter em conta que, se sabemos que nas actividades desportivas não podemos submeter as crianças à disciplina exaustiva de um atleta de alta competição, os olhos das crianças não devem ser forçados horas a fio com trabalho meticuloso. (basta pensarmos que vários anos “acorrentados” aos livros faz que grande parte de nós tenhamos passado a necessitar de óculos. E se necessitarmos de exemplos mais dramáticos, poderemos informarmo-nos sobre o que acontece em quantiosas fábricas asiáticas que empregam quase exclusivamente mão-de-obra infantil em tarefas que exigem um esforço enorme dos olhos. Em pouco anos as crianças são despedidas pois perdem irremediavelmente a sua acuidade visual.)
Uma actividade extremamente divertida e de inquestionável utilidade didáctica é a de calcorrear os campos colhendo o máximo de informação visual sobre todo o tipo de materiais, seres vivos silvestres , ou apenas pormenores destes, que despertem a atenção do observador atento. De volta à oficina, tentaremos reproduzi-los com uma escala diferente, dando-lhes uma componente prática para o nosso quotidiano (como é apanágio da Escola Soares dos Reis, no Porto). A olaria é o método ideal (por ser o barro versátil, extremamente dúctil e barato) para esta tarefa, mas a escultura em madeira poderá ser uma evolução de materiais muito interessante para adolescentes.
O caminho para a realização pessoal também passa pela formação de cidadãos conscientes e reivindicativos sobre o que é realmente essencial para aqualidade de vida dos indivíduos e da comunidade, começando pelo património natural.

PB

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