Transgénicos
Nos anos 90 as indústrias de biotecnologia puseram em acção uma estratégia de conquista dos mercados alimentares de todo o mundo. O seu modus operandi e as consequências do mesmo passaram totalmente desapercebidos aos média(perdidos entre a ignorância e a censura corporativa), mas não a muitos agricultores, técnicos e membros de ONG que operam no terreno.
Em 1999, durante uma conferência sobre a indústria biotecnológica, um representante da empresa de consultoria Arthur Anderson tomou a palavra e, orgulhoso, explicou o brilhantismo da sai empresa ao criar o plano que levaria a Monsanto a controlar 91% do mercado de produtos agrícolas GM e a apoderar-se de 23% das empresas que comercializam sementes e desfazer-se da concorrência, nomeadamente através da eliminação das semente que eram – e são - a base da agricultura tradicional. A Monsanto explicou à Anderson a sua visão de um mundo "ideal" em que todas as sementes destinadas à agricultura fossem geneticamente modificadas no prazo de 15 anos, e os consultores elaboraram a estratégia que tornaria isso possível. (Jeffrey Smith, 05)Como admitiu um técnico de biotecnologia ligado a uma corporação quecomercializa OGM, «a esperança desta indústria é que, com o tempo, omercado fique tão inundado [com OGM] que será tarde demais para se fazer algo capaz de contrariar a situação, restando às pessoas renderem-se.» (The Toronto Star, 1/9/01)
O lóbi da Monsanto na Casa Branca e na FDA é extremamente poderoso, e os avultados investimentos que a empresa fez na área da biotecnologia deixá-la-ão numa precária posição se a aposta falhar. Os executivos da Monsanto estão extremamente nervosos pois funambulam entre uma fortuna e umpoder quase inimagináveis (caso possam dominar os estômagos de toda a população mundial) e, por outro lado, o descrédito e o colapso da suahegemonia corporativa. Por isso forçaram a administração Bush a mover uma acção contra a U E junto da OMC. (O que aconteceu a 13 de Maio de 2003)Na mesma altura, W Bush anunciou que a "sua" iniciativa para acabar com a fome em África basear-se-ia em alimentos GM, aproveitando para criticar a resistência da U E aos OGM, considerando essa atitude como «um temor sem fundamento científico» (sic)*Os média NA têm corroborado estas alegações, indo mais longe (do quepermitem as regras da diplomacia política) afirmando que se trata de puro anti-americanismo por parte dos europeus.
*Outra estratégia insidiosa para implementar os OGM em países que lhes manifestem alguma resistência, é a mistura de sementes mutantes com as convencionais nos lotes exportáveis. Outras vezes enviam-nas para países subdesenvolvidos como “ajuda humanitária”.
Calcula-se que mais de dois milhões de toneladas de alimentos GM são enviadas directamente pelos E.U.A. para os países em vias de desenvolvimento, sob a bandeira da ajuda humanitária. Este país consegue fazer distribuir mais 1,5 milhões de toneladas dos seus OGM através do Programa Mundial de Alimentos.
A biotecnologia parece ter um grande potencial para a medicina, mas o que não costumam divulgar é que os animais clonados são na sua maioria defeituosos e morrem em pouco tempo. Quando os investigadores Pusztai e Ewen, em 1999, demonstraram que os ratos alimentados com batatas transgénicas eram afectados por deficiências orgânicas e imunológicas, a restante comunidade científica comprometida com a indústria de mutações biotecnológicas, em vez de reflectirem com preocupação sobre estes dados, estigmatizaram os ousados investigadores, cumulando-os de ignomínias e colocando-os no desemprego.
O Dr. Philip James proibiu o Dr. Pusztai de prestar quaisquer declarações sobre as batatas transgénicas, como apressou-se a desmentir aos média as conclusões do seu colega proscrito.
Em 1996, o Dr. Pusztai por ser uma das maiores autoridades científicas na áreada microbiologia e da genética, com uma experiência e uma reputação bemconsolidada ao longo de várias décadas, foi eleito para chefiar um grupo decientistas que deveriam criar um modelo para testar a segurança dos alimentosGM na Grã Bretanha e, eventualmente, em toda a U E.Tratava-se de uma mera formalidade, pois, concomitantemente e à revelia dePusztai, da sua equipa e da opinião pública, estavam a ser aprovados elançados (com incrível celeridade) para o mercado OGM.O principal responsável pelo respaldo "científico" para acomercialização dos referidos produtos era o Dr. Philip James, Director do Instituto Rowett - o mesmo que em 1998 entregou ao Dr. Pusztai um monte de documentos contendo os resultados da pesquisa científica sobre a salubridade de alguns agroprodutos GM (ex.:soja, milho e tomates). Esses estudos tinham sido elaborados pelas empresas que pretendiam comercializar a comida "Frangenestein", e deixaram o Dr. Pusztai boquiaberto. Os volumes (que perfaziam 700 páginas que ninguém esperava que fossem lidas na totalidade, quanto mais que pudessem testar a sua veracidade....) apenas denegriam a metodologia científica mais básica e honesta.
«Como cientista, fiquei realmente chocado!» - afirmou. «Foi a primeira vez que me apercebi de que estavam a apresentar ao comité evidências inconsistentes. Havia falta de dados, uma paupérrima metodologia científica e todos os testes tinham sido conduzidos de forma demasiado superficial.» tal não tinha impedido a referida autoridade sanitária de aprovar alimentos GM, sem que nenhum dos 58 milhões de consumidores britânicos tivesse sido informado de que estava a consumir tomates, milho e soja transgénicos.Isto passou-se na véspera de uma reunião de ministros e de euro deputados destinada a discutir a aprovação ou a moratória aos OGM.
O Ministério da Agricultura, Florestas e Pescas (MAFF) britânico precisava do parecer positivo do Dr. Pusztai para defender a aprovação dos OGM que já circulavam no mercado, bem como de novos produtos que as empresas de biotecnologia estavam ansiosas por comercializar.Tentando desenvolver batatas GM concorrentes às comercializadas nos EUA *-+*-+ Todas as células dessa batatas estão habilitadas a produzir uma potente toxina insecticida devido à introdução de um gene proveniente de uma bactéria do solo que é aparentada com o bacilo do Antraz.
A equipa do Dr. Pusztai concentrou-se em fazer as suas batatas GM serem capazes de produzir lactina, um insecticida natural presente em algumas espécies de plantas (que não as batatas). Durante 7 anos este renomado cientista estudou as propriedades da lactina tendo concluído que não era tóxica para os humanos, como tampouco se revelara para os seus ratos de laboratório. Mas a engenharia genética está muito longe de ser capaz de predizer e de controlar todos os efeitos anómalos encontrados nos OGM.Se fosse nos EUA, as batatas com genes (introduzidos) de lactina teriam sido comercializadas num ápice ( baseado na assumpção de que sãonutricionalmente equivalentes às convencionais), mas o Dr. Pusztai levamuito a sério o seu trabalho e as suas responsabilidades quanto a ameaçar levianamente a saúde pública.Usando uma metodologia semelhante à que é praticada pelas empresas que comercializam alimentos GM, para sua surpresa, percebeu que ogénero de batatas que perfilhara tinham uma composição nutricional consideravelmente diferente das convencionais (algumas eram 20% mais pobres em proteínas). Pior ainda, ao cabo de apenas 11 semanas tornou-se evidente que os ratos que delas foram forçados a se alimentar apresentavam sérios problemas de saúde, tais como: fraco desenvolvimento físico - com destaque para atrofiamentos dos testículos, do fígado e do cérebro - e o sistema imunológico danificado. Algumas cobaias apresentavam ainda o pâncreas e os intestinos inchados. Células com a estrutura modificadas e potencialmente cancerígenas proliferavam nos seus estômagos e intestinos. Então como explicar que os laboratórios das corporações tenham resultados tão díspares? O Dr. Pusztai topou-lhes a marosca: os estudos deles baseiam-se apenas em animais adultos. Como nos jovens as proteínas são fundamentalmente utilizadas para a construção de tecidos, músculos e órgãos, problemas como os supracitados tornar-se-iam evidentes. Tal é muito mais difícil de acontecer com os indivíduos maduros, pois estes utilizam as proteínas fundamentalmente para a produção de energia e para a renovação de tecidos. O ardil dos laboratórios corporativos vai ao ponto de, ao invés de pesarem e medirem com acuidade os órgãos das cobaias, limitam-se a utilizar o "olhómetro", como se fosse uma metodologia cientifica precisa (algo completamente refutado pelo Dr. Pusztai).
Nenhum governo está a conduzir testes de salubridade sobre os OGM em larga escala. Isso nem sequer é feito em relação aos pesticidas que, desde pelo menos há 50 anos, se sabe serem causadores de gravíssimos problemas para a saúde pública e para todo o ambiente.
(milho) Aliás, é possível conseguir a aprovação para a comercialização doOGM sem que a FDA proceda a quaisquer testes, confiando nos dados fornecidospelas empresas.
No caso da variedade de milho GM (que produz o seu própriopesticida a partir da bactéria Bacillus thuringiensis Bt), comercializado pelaAventis com a designação de StarLink, e que provocou muitos casos dereacções alérgicas graves pelos menos entre os estado-unidenses, nem sequerera suposto ser utilizado para a alimentação humana, tendo sido autorizadaapenas para rações de alimárias e para a produção de biocombustíveis. As autoridades confiaram que, quaisquer que fossem as eventuais substâncias potencialmenteprejudiciais para o homem, estas não passariam para os nossos organismosmigrando ao longo da cadeia trófica (que acaba no nosso prato), e também queos agricultores zelariam por não misturar o milho StarLink com as variedadesconvencionais (tendo até sido obrigados a assinar contratos deresponsabilização nesse sentido). Como era previsível a qualquer um com omínimo de bom senso, não foi isso o que aconteceu.
Os Amigos da Terra foram a primeira ONG a denunciar a contaminaçãogeneralizada com o milho StarLink, os problemas sanitários que tal ocasionarae o modo como a Aventis em conluio com a FDA falharam em proteger a saúdepública e boicotaram as respectivas investigações. A FDA/CDC primeiro foicúmplice por negligência neste escandaloso atentado, mas depois, ao ser alvode acusações, fabricou um estudo fraudulento em que atropelou quase todos osprocedimentos protocolares da investigação científica.Os técnicos da Agência de Protecção Ambiental (um órgão governamental)juntaram-se à generalidade dos cientistas independentes (incluindo os maioresespecialistas em alergias alimentares) na publicação de duras críticas aosreferidos testes da FDA destinados a ilibar a Aventis e o seu milho StarLink(e, consequentemente, a eles mesmos).No centro da polémica estava a nova proteína Cry9C que era produzida pelomilho StarLink e que se sabia ter um elevado potencialalergénico. Foi a Aventis que determinou qual a percentagem daproteína Cry9C presente nos alimentos que deveria ser considerada segura. AFDA aceitou essas conclusões sem as questionar. Pior ainda, a FDA nãoanalisou essa proteína a partir de amostras do polémico milho (acabado decolher e/ou encontrado em imensos produtos alimentaresconfeccionados),limitando-se a pedir à Aventis que lhe proporcionasse amostrasda Cry9C. A Aventis anuiu, mas, estrategicamente, não retirou essa proteína domilho StarLink, mas sim de uma colibactéria, sabendo que o comportamento dasproteínas varia muito de espécie para espécie (ex.: podendo divergir emcomposições moleculares e/ou na forma como estão dispostas). Este"pormenor" é suficiente para invalidar as conclusões da FDA acerca doStarLink, nem que mais não seja porque a essa variedade de milho foiacrescentada uma cadeia de açucares que é reconhecidamente potenciadora dacapacidade alergénicas das proteínas. Mais tarde a Aventis recusou-se a revelara composição dessa cadeia de açucares, limitando-se a produzir uma série de"estudos", cujas imprecisões tendenciosas deixaram a comunidade científica indignada.O cientista japonês Masaharu Kawata comentou a propósito: «é frequenteencontramos dados comparativos deste género que, apesar de pareceremcientíficos, na verdade são falsos. Tratam-se das tácticas dissimuladasusadas pela Monsanto na sua proposta para a aprovação da soja (GM) RoundupReady no Japão.»
O Dr. Pusztai foi encarregue de desenvolver um teste padrão para os OGM porque não existem testes fiáveis que determinem o potencial alérgénico e de outros problemas para a nossa saúde. Não é apenas um problema de falta de consenso entre a comunidade científica e entre esta e o pode político que deixa a sociedade tão vulnerável. Muito mais perigosos para todos nós é o facto da investigação científica e os órgãos ditos “democráticos” estarem reféns das corporações.
Apenas são conhecidos (ou seja, puderam ser publicados em revistas científicas) uma dezena de Estudos sobre os efeitos para a saúde dos OGM presentes na alimentação animal; sendo que unicamente 2 destes estudos foram efectuados por laboratórios (considerados) independentes. Cientistas de todo o mundo (que não têm interesses directos na comercialização dos OGM), ao analisarem os estudos em causa, concluíram que 7 deles foram concebidos por forma a mascarar quaisquer informações que pudessem indicar perigos para a saúde pública. Os estudos independentes não deixam grande margem para dúvidas quanto ao potencial cancerígena dos OGM analisados e que continuam a ser comercializados. Esta conclusão foi, ousadamente, corroborada por um estudo não independente, mas o cientistas que teve a integridade de fazer soar o alarme, foi despedido, publicamente caluniado e amordaçado com a ameaça de processos judiciais milionários.
Atendendo a que 90% das importações de OGM para a U.E. são destinadas àalimentação pecuária (só a Inglaterra anualmente importa para esse fim um milhão de toneladas de soja, enquanto que na Argentina continuam a serdestruídas selvas milenares para plantações de soja gm), à produção deóleos e vários subprodutos, é de importância capital o facto de essesprodutos passarem a ser identificados como OGM. Mas esta nova regulamentação (supervisionada pela recém formada Autoridade Europeia para a sanidade Alimentar) dá uma no cravo outra na ferradura, pois os produtos (como, por ex., a carne, o leite, os iogurtes, a manteiga e os ovos) provenientes de animais que são alimentados com OGM não são obrigados a ser rotulados como OGM. Para cativar a confiança dosconsumidores (ninguém está interessado noutra crise económica como a dasvacas locas), alguns dos maiores produtores europeus de carne, leite e ovossuplantaram os políticos e tecnocratas de Bruxelas, desenvolvendo meiospróprios para darem algumas garantias de rejeição das rações OGM nas suasexplorações pecuárias. Assim, todas as partes envolvidas nas cadeias deprodução, distribuição ( e comercialização) de alimentos gm sãoobrigadas a informar os seus operadores e receptores sobre a presença de OGM.
Ainda estamos à espera do Decreto-lei que fará a transposição para o direito interno da directivacomunitária concernente aos OGM. Muito mais curioso estou sobre como é que estas regras serão implementadas e se afiscalização funcionará em Portugal...
Ainda há muitospodres por revelar e por apurar sobre os transgénicos, mas, por ora, fiquem com a curiosidade (mórbida…) de Alpiarça ter estado entre as primeiras localidades do país que produziram culturas transgénicas. Agora estamos rodeados dessa merda, cuja coexistência com as culturas tradicionais é verdadeiramente impossível e que invalida todos os esforços da agricultura biológica.
A autarquia tem o poder (e a obrigação) de actuar no sentido e alertar os agricultores para estes perigos ocultos pelas empresas de biotecnologia e pelo próprio governo (que, como não podia deixar de ser, “dança à música” das corporações). Existem mecanismos legais para criarmos zonas livres de transgénicos, mas as autarquias só se mexerão nesse sentido se forem pressionadas a tal. O que fará o “rebanho cego”?...
sábado, setembro 23, 2006
quinta-feira, setembro 21, 2006
Educação artística
“A arte perfeita comunga com a natureza.” – Immanuel kant
« A música é uma revelação superior à filosofia.» - Beethoven
Transcendendo as habilidades de sobrevivência pura, é indispensável aproveitar esse ambiente de “duendes, elfos, faunos, fadas, dríades, ninfas…” tão inspirador para potencializar a satisfazer as nossas mais profundas aptidões “mágico-artísticas”, ensinando-lhes, por exemplo, a construírem os seus próprios instrumentos musicais, recorrendo a materiais rústicos exclusivamente colectados na natureza, e a inspirarem-se nesta para comporem canções (letras e melodias). Antes que consigam identificar escalas e construir melodias, o melhor será, através de percursões muito básicas, tentar imitar os padrões dos sons que aprendem dos animais (com óbvio destaque para as aves). Depois conjugar essa colecta de sons numa roda musical (ensamble) em que cada indivíduo tenta manter o seu fraseado e ritmo (em obstinato) em harmonia com os restantes membros do grupo.*
Seria interessante que os educadores dedicassem alguns dias especiais (ex.: duas vezes por mês) para a comunicação dentro das salas de aulas ser feita sem recurso à voz. (Aliás, os professores, tanto na sua formação académica como ao longo da sua carreira, deveriam ter apoios gratuitos de terapia da voz, para aprenderem a colocá-la sem forçarem excessivamente as cordas vocais.)
A cacofonia agressiva e artificial (o que inclui o zumbido irritante das lâmpadas fluorescentes) a que as crianças urbanas estão permanentemente sujeitas indubitavelmente conspira para que estas tenham dificuldades de aprendizagem. A fim de aliviá-las desse stress acústico, devemos cultivar a serenidade e ensiná-las a ouvir e identificar as sonoridades positivas e primordiais da natureza silvestre. Nos passeios pelo campo as crianças necessitam ser ensinadas de que quanto mais barulho fizerem, menos animais verão e menos aprenderão sobre as suas vocalizações.
"Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior, com vales desilêncio e paraísos secretos." - Saint-Exupéry"Há duas coisas que indicam fraqueza: calar-se quando é preciso falar efalar quando é preciso calar-se." - Provérbio persaPara que as crianças compreendam a importância da discrição silenciosaquando deambulam pela natureza (em especial pelos bosques e pelas zonashúmidas), expliquem-lhes que os predadores silvestres não podem ir aosupermercado para se alimentarem. Todos conhecem bem a fome e para lheescaparem usam o silêncio como camuflagem acústica. A escassez de presas, ainexperiência, a fraqueza e as interferências negativas (quer provenham deperturbações antrópicas, ou de um sistema de alarme natural e concertado,fruto de uma atenta aliança anti-predatória, em que as aves costumam ter umdestacado papel), tornam a vida difícil aos que têm que caçar parasobreviver. Por exemplo, se uma gineta juvenil que, por já ter idade parasobreviver pelos seus próprios meios, foi recentemente tornada independentepela sua progenitora, tem dificuldades em aplicar os conhecimentos aprendidosno seio familiar, a fome provocada pelos primeiros falhanços até poderáagudizar-lhe os sentidos e a concentração, mas a sucessão de tentativasfrustradas também a enfraquece, diminuindo-lhe as chances de ser bem sucedida.A morte por inanição é comum entre os juvenis errantes.Podemos representar/teatralizar a cena dramática de uma gineta esfomeada aaproximar-se cautelosamente de um rato, sabendo que poderá ser essa a suaúltima oportunidade de comer e permanecer viva. O crepúsculo vai dando lugaràs estrelas. É lua nova. Os seus olhos estão adaptados a ver com o mínimode luz e os seus bigodes (vibriças, para os técnicos)indicam-lhe que o vento está a seu favor. A tensãoé tremenda. Cada movimento de aproximação é calculado com agonizantecuidado; quase deixa de respirar para que não seja detectada pelos sensíveisouvidos do roedor; os seus músculos são como molas contraídas prontas aexplodir em energia cinética. Quando está prestes a saltar sobre a presa, osilêncio do bosque é violado por um grupo de ruidosos excursionistas que,como se não bastassem as cantorias, ainda apontam as suas lanternas em todasas direcções procurando surpreender animais nocturnos. Previsivelmente,afugentam o rato da nossa estória, que procura refúgio na sua toca.
Proponho aos educadores que peçam às crianças que elaborem uma listagem dos sons que mais apreciam e, noutra coluna, também os que mais os incomodam. Depois de avaliarmos as respostas, procuraremos denominadores comuns a fim de tentarmos construir um ambiente sonoro mais confortável tanto na sala de aula como em casa.
* Um número elevado de materiais testados acusticamente (como, por exemplo, as pinhas) reverberam escalas pentatónicas. Ora, por todo o mundo a música popular é baseada em escalas pentatónicas. Também está provado que a estrutura do nosso sistema auditivo está optimamente adaptada a essas mesmas escalas. Não menos espantosas são as recentes descobertas no campo da microbiologia em relação a esta temática.
O investigador Joel Sternheimer provou haver uma relação entre as proteínas (dos códigos genéticos) e a música*. Um discípulo seu, Jean-Claude Perez, descobriu que o alfabeto (TCAG, correspondendo estas quatro letras a outros tantos aminoácidos) impresso no DNA da vida na Terra se ordena segundo harmonias semelhantes à célebre série numérica de Fibonacci. (Este brilhante matemático do Séc. XIII celebrizou-se sobretudo por ter descoberto uma série de números em que cada número em sucessão é o resultado da soma dos dois números precedentes, e também pelo seu “número de ouro” – 1,6180 - que reflecte como nós vemos a harmonia na natureza (ex.: na concha espiralada dos nautilos, nas escamas dos peixes, na forma como as árvores se ramificam, na distribuição das cores quentes e frias,…) e nas nossas obras arquitectónicas)
Assim, quando a bíblia nos diz que “no princípio era o verbo” (Genesis), talvez devêssemos reescrevê-la, dizendo que “no início estava a música – do silêncio, e qualquer ser vivo conhecido é um diapasão cósmico.
A síntese das proteínas de que necessita o nosso organismo pode ser facilitada se encontrarmos as músicas certas, ou seja, as músicas que harmonizam com as ondas emitidas pelos aminoácidos. Mas as músicas erradas têm um efeito contrário, inibindo a síntese das proteínas.
(Outra variante interessante do mesmo tema, para aqueles dias em que temos que ficar confinados entre paredes, será a reutilização de materiais que normalmente desprezamos como resíduos domésticos para fins artísticos.)
Tão festiva e criativa como a acção de moldar o barro, poderão ser as saídas de campo para o procurar. Outros minerais e vegetais (e até elementos animais, como os ovos), quando devidamente preparados, poderão originar pigmentos para a pintura.
Educação musical
"Se consegues andar, conseguirás dançar."Se consegues falar, conseguirás cantar." - provérbio do Zimbabwe
«Se não consegues manter os teus esquelos no armário, ao menos fá-los dançar.» - Bernard Shaw
o místico Rumi (que inspirou a confraria dos dançarinos Dervixes) costumava dizer que «a dança é o caminho mais curto para chegarmos a Deus.»
as crianças podem aprender a cantar e a dançarmesmo antes de aprenderem a falar e a andar. Desde que não se violentem as suas limitadas capacidades, estas actividades podem ser uma óptima série de exercícios respiratórios, de coordenação motora, de articulação das palavras e de noção de ritmo. Poderem pegar num estescópio, atentar e comparar os ritmos cardíacos (tomando nota individualmente) de todas as crianças da turma é uma boa maneira de serem iniciadas à noção de ritmo.
descoberta da musicalidade intrínseca das palavras dar-nos-á o mote para fazermos uma aproximação à poesia
as canções são um meio óptimo para a interiorização e difusão de informações.
Todas as crianças têm um gosto instintivo pela música e, mais especificamente, por cantar. Mas passada a idade (até aos 4, 5 anos) em que todos os comportamentos abebezados fazem os adultos sorrirem, cantar torna-se um comportamento inconveniente, a não ser em aulas de música, na solidão dos quartos, no chuveiro e noutros locais “apropriados” (ou seja, onde os adultos soturnos não os oiçam). Mais abébias só as conseguem as crianças às quais a natureza dotou/abençoou com talentos canoros afinados como maviosos trinados. Esta castração de epontaneidade deve-se a que a maioria dos adultos deixaram morrer em si o gosto por experimentar a música como uma celebração espontânea, intimidados e frustrados por serem incapazes de competir com os virtuosos bem treinados.
É importante que as crianças tenham ao seu alcance instrumentos (sobretudo de percursão) concebidos pelas culturas tradicionais de várias procedências à volta do mundo. Melhor ainda é ensiná-los a fazer os seus próprios instrumentos a partir de materias simples colectados na natureza, ou ainda reutilizando materias que comummente atiramos para o lixo.
A música e dança são ingredientes fundamentais e infalíveis para criarmos uma “conspiração de sorrisos”. Para além dos aspectos festivos/lúdicos e estéticos, é através destas artes as crianças tomarão consciência dos seus corpos, apurarão o equilíbrio, explorarão o seu espaço particular e comum, comungarão de liberdade de expressão e de coesão de grupo, animando-se mutuamente e fortalecendo a auto-estima.
«O meu povo é assim altivo; damos o nosso melhor durante a dança» – (Anónimo da tribo Makah, América do Norte)
A obsessão pelo virtuosismo e pela competição tem levado a que muitos conservatórios se convertam em fábricas de génios (inclusive para fins políticos, como se verificou durante a Guerra Fria). Após vários anos de treino intensivo, muitos jovens músicos acabam por rejeitar a sua truculenta educação musical, desenvolvendo até uma aversão visceral aos seus instrumentos e ressentimentos em relação aos adultos mais próximos – aos quais se esforçaram tanto por agradar - por sentirem que lhes roubaram a infância.«Aprende a reverenciar a noite, renunciando ao ordinário medo dela, pois, ao banirmos a [exploração] da noite das nossas experiências [conscientes], faremos igualmente desaparecer uma emoção religioas e uma disposição poética que dão profundidade à aventura da humanidade.» - Henry Beston
Muito divertido e educativo é ainda aprender a interagir com os animais imitando-lhes as vocalizações (com ou sem recurso a objectos manufacturados pelas crianças). Este jogo é especialmente interessante quando efectuado à noite, não só porque ao limitarmos o recurso ao nosso sentido mais apurado – a visão - deixaremos grande margem para a imaginação e para explorarmos os nossos outros sentidos geralmente pouco valorizados, mas também porque as temperaturas mais baixas e o aumento da humidade verificados de noite favorecem a propagação dos sons.
Treinar a memória auditiva é imprescindível a qualquer naturalista, tanto mais importante se desenvolverem as suas aptidões como melómanos, músicos, ornitólogos,…
Também é vivamente aconselhável realizarem-se celebrações ritualizadas que envolvam os familiares dos petizes (ex.: festa dos solstícios, dos equinócios, do magusto,…). Para tal é indispensável efectuar-se uma recolha de mitos e de jogos populares, bem como uma investigação do modo como outras civilizações (ex.: os celtas, os iberos, os árabes,…) que habitaram a península ibérica celebravam as suas ligações telúricas, tentando compreender a essência espiritual desses rituais.
No planeamento das tarefas de trabalhos manuais propostas pelos educadores, deveremos ter em conta que, se sabemos que nas actividades desportivas não podemos submeter as crianças à disciplina exaustiva de um atleta de alta competição, os olhos das crianças não devem ser forçados horas a fio com trabalho meticuloso. (basta pensarmos que vários anos “acorrentados” aos livros faz que grande parte de nós tenhamos passado a necessitar de óculos. E se necessitarmos de exemplos mais dramáticos, poderemos informarmo-nos sobre o que acontece em quantiosas fábricas asiáticas que empregam quase exclusivamente mão-de-obra infantil em tarefas que exigem um esforço enorme dos olhos. Em pouco anos as crianças são despedidas pois perdem irremediavelmente a sua acuidade visual.)
Uma actividade extremamente divertida e de inquestionável utilidade didáctica é a de calcorrear os campos colhendo o máximo de informação visual sobre todo o tipo de materiais, seres vivos silvestres , ou apenas pormenores destes, que despertem a atenção do observador atento. De volta à oficina, tentaremos reproduzi-los com uma escala diferente, dando-lhes uma componente prática para o nosso quotidiano (como é apanágio da Escola Soares dos Reis, no Porto). A olaria é o método ideal (por ser o barro versátil, extremamente dúctil e barato) para esta tarefa, mas a escultura em madeira poderá ser uma evolução de materiais muito interessante para adolescentes.
O caminho para a realização pessoal também passa pela formação de cidadãos conscientes e reivindicativos sobre o que é realmente essencial para aqualidade de vida dos indivíduos e da comunidade, começando pelo património natural.
PB
sábado, setembro 16, 2006
Ao invés de fazerem tantas viagens (à conta dos nossos impostos!) na sua demanda por um modelo de campo de golfe “adequado” à «Agenda 21» (pois, pois,…), a vereadora Gama-slides e o vereador Betoneirinha deveriam cá trazer o governador do estado(brasileiro) de Mato Grosso, Blairo Maggi, a fim de ele, em palestras e conferências de imprensa, possa dar argumentos os alpiarcenses (que o Rei maçon acredita serem desprovidos de cérebro – comido pelos comunas!) que acreditam que o Paul dos Patudos não passa de mato ao abandono sem mais valias e que, portanto, necessita de ser “composto” como um parque de diversões (lesa natura) para ricos… Afinal, o Sr Maggi (que é também um latifundiário dos maiores criadores de gado do mundo e responsável pela destruição d uma área da selva Amazónia maior do que Portugal) nega todas as evidências científicas (até as fotos por satélite) sobre a desflorestação; afirma que os ambientalistas deveriam ser todos enforcados, pois «estão ao serviço de uma cabala estrangeira que não deixa o seu país desenvolver-se» (só à conta desta aleivosia, o nosso rei vai-lhe oferecer um boletim de inscrição para a maçonaria…); e ainda que « a Amazónia é uma beleza morta», pois quando a sobrevoa durante horas não vê nenhum animal, concluindo que a selva «é muito rude até para os animais»(sic). Suponho que a fauna a que se refere são as suas imensas manadas de gado bovino… Foi esta mentalidade imbecil e forjada nos preceitos da tradição judaico-cristã que os europeus exportaram para todo o mundo, fazendo com que agora estejamos a viver um Armagedão ecológico.
PB
PB
quarta-feira, setembro 13, 2006
Estórias de Educação Ambiental
(especialmente dedicadas a quem se queixa de que os meus textos são muito longos e que eu sou narcisista...)
Quando o naturalista, poeta, ensaísta, escritor, jornalista, educador ambiental, personalidade televisiva ligada à divulgação do patrimónionatural e agricultor biológico, Joaquín Araújo, escrevia regularmente para arevista espanhola "Integral", numa crónica especialmente comovente, contou sobre um costume seu de incitar alguns amigos que o visitavam na sua quinta a procurarem a árvore que mais os atraísse. Uma vez escolhida, atribuíam-lhe o nome da pessoa que a elegera. Uma das árvores que mais o cativara (tendo, inclusive, escrito muitos textos belíssimos à sombra da sua copa) era uma azinheira homónima da sua sobrinha. Mas a ligação entre elas duas tornou-se mais profunda do que a fonética/nomenclatura e até que os sentimentos efémeros, (re)unindo dois reinos que a ciência separou; duas entidades orgânicas e energéticas que as religiões ocidentais não admitem familiaridades. É que a menina tivera uma morte prematura, e as suas cinzas foram depositadas junto das raízes da sua árvore favorita - que continuou a dar amparo aos familiares que, com a chama do amor, continuam a manter viva a memória da criança. Joaquín Araújo termina essa crónica indagando-se sobre a razão de, ao invés de as nossas cinzas se tornarem árvores com nome, insistirmos em transformar as florestas em cinzas anónimas...
Há pouco mais de uma década, viajei com um pequeno grupo de portugueses até à Índia, mas primeiro tivemos que aterrar em Schipol/Amesterdão. Como o voo de ligação só partia no dia seguinte, vi-me na contingência de pernoitar na Holanda, onde fazia um frio de rachar naquele início de Dezembro. Afortunadamente, alguém tinha uns amigos que residiam naquele país. Avisados da nossa chegada, estes foram buscar-nos ao aeroporto e ofereceram-nos guarida na sua casa. Quando lá chegámos já estava de noite e eu mal espreitei pela janela do comboio entre o aeroporto e a casa dos nossos simpáticos anfitriões. O nosso avião partia cedo e, por isso, tivemos que sair de casa ao lusco-fusco. Para piorara as coisas, cobria-nos um tal nevoeiro que mantinha refém a noite e nos gelava até aos ossos, dando a impressão que seria possível cortar fatias do ar saturado com gotículas. Os halos fantasmagóricos dos candeeiros de rua não contribuíam muito para melhorar/abrilhantar a situação.
Os 5 minutos que esperei numa paragem de autocarros, ocupei-os a “namorar” uma árvore. Era uma espécie de carvalho que não cresce espontaneamente em Portugal, e que eu só vira uma vez no norte de Espanha. Por isso, apesar do seu porte modesto e de mal a poder ver, estava encantado por poder acariciar-lhe as poucas folhas que lhe restavam (pois era de folha caduca).
Foi esse o meu primeiro contacto com a Holanda e, além de não ter guardado quase nenhuma memória visual, saí de lá sem fazer ideia do nome da cidade onde pernoitara.
Dois anos mais tarde, a minha vida de andarilho desaguou na Holanda, onde vivi 7 meses.
Entre os meus amigos, sou conhecido por ter um bom sentido de orientação no campo (incluindo bosques cerrados), mas sinto-me perdido em qualquer metrópole, talvez por nestas últimas me sentir tão desconfortável que não consigo fixar pontos de referência que me sejam simpáticos, apenas desejando sair dali o mais rápido possível. Por isso, mal cheguei à cidade onde contava passar uns tempos, uma amiga prestou-se a ciceronear-me. Num estilo muito holandês, deu-me boleia no suporte porta-bagagens da sua bicicleta, e, enquanto pedalava pela cidade, ia apontando os estabelecimentos públicos que julgava me iriam ser de maior utilidade. Nada naquela monotonia aprumada de tijolo-burro e cimento me parecia familiar e atraente; o entusiasmo exilara-se dos meus olhos, até que, ao entrarmos numa avenida ladeada por árvores jovens – todas da mesma espécie, tamanho e forma semelhantes – eu pedi-lhe para parar a bicicleta. Apeei-me e corri para uma árvore que me despertara a atenção (embora parecesse igual às várias dezenas que se perfilavam naquela via). Ao manusear algumas das suas folhas, sorri e disse para os meus botões: «esta é a árvore com a qual travei amizade a caminho da Índia.»
Ainda hoje não sei como a reconheci com tanta facilidade, até porque, para além dos motivos já expostos, agora a sua copa estava toda vestida com uma folhagem de início de Verão. Mas não me enganei, pois, a partir daquela árvore, pude reconstituir (de forma quase automática ou intuitiva), por entre um labirinto de blocos de apartamentos semelhantes, os passos que me levaram ao apartamento (a uns 150 m da árvore) onde passara uma noite há um par de anos. Bati à porta e surgiram caras familiares e espantadas como eu estava. Uma delas até falava português. Tornei-me uma visita regular.
Seis anos depois encontrava-me a trabalhar numa quinta pedagógica em Espanha. Regressando da horta (biológica, claro), deparei-me com um recém-chegado grupo de crianças (urbanas) que tinha acabado de saborear um delicioso almoço campestre. Com os estômagos cheios e o calor primaveril a apertar, a maior parte deles preferiu fazer uma sesta. Mas um pequeno grupo de rebeldes decidiu ajudar a digestão explorando as imediações da casa. Foram estes que encontrei à volta de uma velha azinheira, ao lado do caminho florestal.
Provavelmente por terem assistido na véspera a um filme de acção estrelando um dos artistas marciais mais requisitados em Hollywood, os 4 rapazes (que teriam entre os 9 e os 12 anos) desferiam golpes contra a árvore, tentando, desajeitadamente, imitar a técnica dos seus heróis da violência. (Como não eram parvos ao ponto de se aleijarem despreocupadamente/deliberadamente , limitavam-se a acertar na árvore com paus e com as biqueiras das botas.) Ao ver aquele comportamento, dominou-se um misto de tristeza e de agastamento. Não podia passar ao lado fingindo indiferença, mas sabia que, quer os abordasse com um tom paternal-professoral, quer os repreendesse rispidamente, o mais certo seria que os pequenos rufias (habituados a desafiar autoridades ineptas e enfraquecidas, como forma de se afirmarem) gozassem com a minha cara e, mal eu lhes virasse costas, fariam ainda pior, sem que os meus argumentos os tivessem convencido minimamente. Então tive uma inspiração que, modéstia à parte, se revelou brilhante.
Apesar de nessa altura já ter transcorrido quase uma década desde que parei de praticar artes marciais de forma aplicada, ainda estava em condições de impressionar aqueles garotos (que fingiam ignorar-me). Parei junto deles e, mesmo antes de me apresentar (e sem ter o cuidado – fundamental – de fazer um prévio “aquecimento” muscular), executei uns golpes algo acrobáticos, na linha daquilo que eles fantasiavam ser capazes de fazer. Isso conquistou-lhes a atenção, deixando-os de queixo pendente. Foi o momento certo para me apresentar. Perguntei-lhes se queriam saber qual era o segredo da minha perícia atlético-marcial (ah, como eu detesto esta expressão inevitavelmente jactante). Como seria de esperar, responderam afirmativamente. Contei-lhes que, para além do treino e da capacidade de concentração, grande parte da minha energia provinha das árvores. (Se formos ao fundo da questão, até nem menti, embora eu tivesse preferido uma abordagem mais esotérica capaz de fascinar aqueles miúdos que só se deixam seduzir por figuras de ficção.) Eles olharam-me com cepticismo, mas permaneceram com um interesse bem vivo / expectante. Propus-lhes, então, que fizéssemos uma experiência capaz de tirar a limpo a minha inusitada afirmação. O que se seguiu foi uma versão telúrica daquele velho jogo (muito popular nas festas de estudantes universitários) que consiste em canalizar a energia do grupo, culminando no levantamento de uma pessoa (de uma forma demasiado fácil para as nossas conhecidas limitações musculares).
Expliquei-lhes que, como sempre tratara bem as árvores, elas retribuíam-me o amor, tornando-me mais forte, e que, se eles fizessem o mesmo, seriam capazes de erguer os colegas, tão alto quanto os seus braços fossem capazes de se esticar e utilizando apenas um par de dedos. Os miúdos entreolharam-se, desconfiando que eu os estava a tomar por tontos, preparando-me para lhes pregar uma partida e rir-me à custa da sua ingenuidade pueril. Instintivamente, franziram os sobrolhos e apertaram as pálpebras como fazem os míopes, tentando descortinar a minha expressão facial e toda a linguagem corporal, à procura de sinais de mentira. Como eu mantive uma expressão de convicção serena, aceitaram a minha proposta de colocarmos todos as mãos na árvore que eles, um pouco antes, tinham tomado por um saco de porrada. Disse-lhes que a árvore provavelmente estaria ofendida pela maneira rude como acabara de ser tratada, mas que, por sorte, as árvores são seres extremamente generosos e, como tal, não nos negaria a sua energia, sabendo que os miúdos não tinham, agido por mal. Fiz uma ressalva para que, caso não fosse bem sucedida a experiência por mim conduzida, não nos deveríamos sentir mal por isso; simplesmente teríamos que tentar mais tarde, realçando que nada de mal nos aconteceria se tivéssemos a coragem de acreditar que teríamos sucesso.
Começámos por experimentar levantar o garoto mais pesado usando apenas os nossos dedos indicadores. Previsivelmente, o resultado não foi espectacular. Pedi-lhes que, se queriam que resultasse, teriam que colocar as mãos na árvore e fazer o que eu lhes pedisse. Quando as palmas das nossas mãos estavam encostadas ao tronco da árvore, perguntei-lhes se conseguiam sentir que aquele era um ser vivo, mas que tampouco se preocupassem se não o conseguissem; demora o seu tempo a desenvolvermos essa capacidade. Ficámos concentrados, em silêncio, por cerca de um minuto. De seguida, pedi-lhes que nos déssemos as mãos à volta da árvore, continuando com a mesma atitude de seriedade ritual. Depois pedi ao rapaz gorducho para se sentar numa pedra junto da árvore. Aos outros pedi que para que sobrepuséssemos, de forma intercalada, as nossas mãos sobre a sua cabeça (mas sem lhe tocarmos), formando uma pilha fraternal de dígitos. Reiterei na necessidade de fazermos silêncio absoluto e acrescentei que deveria fechar os olhos de forma a aumentarem a concentração, garantindo-lhes que podiam confiar em mim, e que nos aproximávamos do desfecho da experiência que os iria impressionar imenso. Quando intui que estávamos preparados, dando o exemplo, pedi-lhes que cada um unisse os indicadores, mantendo os outros dedos entrelaçados, e que os colocassem nos sovacos e nas dobras interiores dos joelhos do miúdo com excesso de peso, e, contando até 3, levantámo-lo como se ele não pesasse mais do que a refeição que tinha acabado de ingerir.
Parecia que os corações dos rapazes lhes queriam saltar pelas bocas. Estavam deslumbrados e até algo assustados, como se eu tivesse aberto a porta da dimensão mágica onde vivem os seus heróis de ficção. Os seus olhos esbugalhados/arregalados, saltavam, frenéticos, entre nós e a árvore – esta última tinha subitamente ganho um estatuto de admiração que reservamos para o âmbito da teologia.
Despedi-me, dizendo-lhes que mais tarde iria passear com eles, mostrando-lhes coisas bonitas no campo. Segui caminho com a reconfortante esperança de que aquelas crianças tão cedo não maltratariam árvores.
Antes de partirem, ainda tive a oportunidade de lhes emprestar uns estetoscópios para que pudessem ouvir as árvores a bombearem a sua seiva, bem como a actividade dos invertebrados que vivem sob a casca, além de termos repetido a experiência da canalização da energia (sem que os miúdos mais pesados fossem relegados para a função de peso-morto). Expliquei-lhes que esta também funcionava sem recorrerem à energia das árvores, mas que os resultados seriam melhores da maneira como a tínhamos feito, até porque é purificadora a energia das plantas e, se as respeitarem, tornar-se-iam pessoas melhores. Um óptimo jogo para nos ajudar a reconhecer a individualidade das árvoresconsiste em prescindirmos do sentido que mais prezamos e de que maisdependemos: a visão. Agrupamos as crianças (embora gente de todos osescalões etários podem e devem fazer esta experiência enriquecedora,original e divertida) aos pares: uma terá os olhos vendados e a outra será asua guia. Esta última terá a responsabilidade de conduzir o/a companheiro/a (cuidando do seu bem estar, não abusando da sua vulnerabilidade) até umaárvore (que esteja a, pelo menos, 15 metros de distância e inserida numaárea florestada). Uma vez alcançada, a criança temporariamente privada davisão deverá ser encorajada a fazer uma minuciosa exploração dereconhecimento da árvore, recorrendo aos seus outros sentidos. A melhormaneira de a ajudarmos nesse processo de descoberta e memorização (ex.: a forma, a textura, o cheiro,...) é fazendo-lhe perguntas do género:«consegues abraçá-la completamente?» Se não, «imaginas qual é o seudiâmetro (grossura), circundando-a sem deixar de a abraçar?»; «é maciça ou oca?»; «é uma árvore viva ou morta?»; «será mais velha que tu? Porquê?»; «a que altura estão os primeiros ramos?» (Para responder a esta questão, poderá ser necessário pegar na criança ao colo, soerguendo-a até as suas mãos tocarem nos ramos). « A casca é macia ou áspera?» ; « tem um lado mais húmido que o outro?»; «tem cheiro?» Se sim, «o da casca é diferente do das folhas (ou agulhas)?»; «que seres vivem nela?» para responder a esta pergunta, deverá ter uma experiência dúctil / táctil com os líquenes e com os musgos (caso os haja, evidentemente). As crianças gostam muito de, com a pele sensível da cara, trocarem carícias com o musgo húmido. Também deverá concentrar-se em tentar ouvir as aves (através das suas vocalizações, poderemos tentar imaginar, geralmente com bastante acuidade, o tamanho que elas têm) ou, eventualmente, as actividades dos insectos.
As crianças deverão tomar o seu tempo, de forma não competitiva, até que consideram satisfatória a sua exploração/reconhecimento invisual (mas muito estimulante para os outros sentidos quotidianamente substimados). Depois será conduzida de volta ao ponto de partida, mas tendo o cuidado de lhe darmos uma voltas desorientadoras. Quando remover a venda, terá que partir ao encontro da "sua" árvore. Uma vez descoberta, trocará de papéis com a criança que lhe serviu de guia .Este tipo de emoções deverão preceder e servir de cadinho aos conhecimentos taxonómicos. Saber o nome e pormenores fisionómicos de algumas pessoas diz-nos pouco sobre a melhor maneira de nos relacionarmos com elas. Como diz o povo: «há muitas Marias na terra», mas todas têm personalidades e histórias pessoais diferentes, inclusive as gémeas idênticas. O mesmo se passa com as criaturas silvestres. Não é por servos pouco versados em hidrologia, nem por desconhecermos o nome de um ribeiro de montanha que ficaremos impedidosde nele matarmos a sede, mitigarmos o calor e de sermos contagiados pela sua beleza e serenidade cantarolante. Se formos capazes de desfrutar de tudo isto, seremos mais activos (e menos vulneráveis à corrupção) na defesa desse património natural.Um educador ambiental tem que nutrir um amor sincero pela natureza e saber partilhá-lo, de forma contagiosamente entusiasta, honesta e com uma grande dose de sentido de humor. Isto também significa saber ouvir, não desprezando as reacções e observações dos seus interlocutores, mesmo que as considere erradas. Devemos sempre incitar à curiosidade e à participação construtiva. É preciso estarmos disponíveis para as crianças, mas sem as asfixiarmos com atenções, tarefas e a obsessiva imposição de conhecimentos científicos. É preciso os educadores terem "jogo de cintura" para saberem interpretar e adaptar tanto as informações teóricas como a metodologia à realidade socio-económica de cada grupo, bem como ao estado de ânimo de cada criança em particular (para tal, necessitamos de um ensino mais personalizado, afectuoso e com respeito idiossincrático)
PB
(especialmente dedicadas a quem se queixa de que os meus textos são muito longos e que eu sou narcisista...)
Quando o naturalista, poeta, ensaísta, escritor, jornalista, educador ambiental, personalidade televisiva ligada à divulgação do patrimónionatural e agricultor biológico, Joaquín Araújo, escrevia regularmente para arevista espanhola "Integral", numa crónica especialmente comovente, contou sobre um costume seu de incitar alguns amigos que o visitavam na sua quinta a procurarem a árvore que mais os atraísse. Uma vez escolhida, atribuíam-lhe o nome da pessoa que a elegera. Uma das árvores que mais o cativara (tendo, inclusive, escrito muitos textos belíssimos à sombra da sua copa) era uma azinheira homónima da sua sobrinha. Mas a ligação entre elas duas tornou-se mais profunda do que a fonética/nomenclatura e até que os sentimentos efémeros, (re)unindo dois reinos que a ciência separou; duas entidades orgânicas e energéticas que as religiões ocidentais não admitem familiaridades. É que a menina tivera uma morte prematura, e as suas cinzas foram depositadas junto das raízes da sua árvore favorita - que continuou a dar amparo aos familiares que, com a chama do amor, continuam a manter viva a memória da criança. Joaquín Araújo termina essa crónica indagando-se sobre a razão de, ao invés de as nossas cinzas se tornarem árvores com nome, insistirmos em transformar as florestas em cinzas anónimas...
Há pouco mais de uma década, viajei com um pequeno grupo de portugueses até à Índia, mas primeiro tivemos que aterrar em Schipol/Amesterdão. Como o voo de ligação só partia no dia seguinte, vi-me na contingência de pernoitar na Holanda, onde fazia um frio de rachar naquele início de Dezembro. Afortunadamente, alguém tinha uns amigos que residiam naquele país. Avisados da nossa chegada, estes foram buscar-nos ao aeroporto e ofereceram-nos guarida na sua casa. Quando lá chegámos já estava de noite e eu mal espreitei pela janela do comboio entre o aeroporto e a casa dos nossos simpáticos anfitriões. O nosso avião partia cedo e, por isso, tivemos que sair de casa ao lusco-fusco. Para piorara as coisas, cobria-nos um tal nevoeiro que mantinha refém a noite e nos gelava até aos ossos, dando a impressão que seria possível cortar fatias do ar saturado com gotículas. Os halos fantasmagóricos dos candeeiros de rua não contribuíam muito para melhorar/abrilhantar a situação.
Os 5 minutos que esperei numa paragem de autocarros, ocupei-os a “namorar” uma árvore. Era uma espécie de carvalho que não cresce espontaneamente em Portugal, e que eu só vira uma vez no norte de Espanha. Por isso, apesar do seu porte modesto e de mal a poder ver, estava encantado por poder acariciar-lhe as poucas folhas que lhe restavam (pois era de folha caduca).
Foi esse o meu primeiro contacto com a Holanda e, além de não ter guardado quase nenhuma memória visual, saí de lá sem fazer ideia do nome da cidade onde pernoitara.
Dois anos mais tarde, a minha vida de andarilho desaguou na Holanda, onde vivi 7 meses.
Entre os meus amigos, sou conhecido por ter um bom sentido de orientação no campo (incluindo bosques cerrados), mas sinto-me perdido em qualquer metrópole, talvez por nestas últimas me sentir tão desconfortável que não consigo fixar pontos de referência que me sejam simpáticos, apenas desejando sair dali o mais rápido possível. Por isso, mal cheguei à cidade onde contava passar uns tempos, uma amiga prestou-se a ciceronear-me. Num estilo muito holandês, deu-me boleia no suporte porta-bagagens da sua bicicleta, e, enquanto pedalava pela cidade, ia apontando os estabelecimentos públicos que julgava me iriam ser de maior utilidade. Nada naquela monotonia aprumada de tijolo-burro e cimento me parecia familiar e atraente; o entusiasmo exilara-se dos meus olhos, até que, ao entrarmos numa avenida ladeada por árvores jovens – todas da mesma espécie, tamanho e forma semelhantes – eu pedi-lhe para parar a bicicleta. Apeei-me e corri para uma árvore que me despertara a atenção (embora parecesse igual às várias dezenas que se perfilavam naquela via). Ao manusear algumas das suas folhas, sorri e disse para os meus botões: «esta é a árvore com a qual travei amizade a caminho da Índia.»
Ainda hoje não sei como a reconheci com tanta facilidade, até porque, para além dos motivos já expostos, agora a sua copa estava toda vestida com uma folhagem de início de Verão. Mas não me enganei, pois, a partir daquela árvore, pude reconstituir (de forma quase automática ou intuitiva), por entre um labirinto de blocos de apartamentos semelhantes, os passos que me levaram ao apartamento (a uns 150 m da árvore) onde passara uma noite há um par de anos. Bati à porta e surgiram caras familiares e espantadas como eu estava. Uma delas até falava português. Tornei-me uma visita regular.
Seis anos depois encontrava-me a trabalhar numa quinta pedagógica em Espanha. Regressando da horta (biológica, claro), deparei-me com um recém-chegado grupo de crianças (urbanas) que tinha acabado de saborear um delicioso almoço campestre. Com os estômagos cheios e o calor primaveril a apertar, a maior parte deles preferiu fazer uma sesta. Mas um pequeno grupo de rebeldes decidiu ajudar a digestão explorando as imediações da casa. Foram estes que encontrei à volta de uma velha azinheira, ao lado do caminho florestal.
Provavelmente por terem assistido na véspera a um filme de acção estrelando um dos artistas marciais mais requisitados em Hollywood, os 4 rapazes (que teriam entre os 9 e os 12 anos) desferiam golpes contra a árvore, tentando, desajeitadamente, imitar a técnica dos seus heróis da violência. (Como não eram parvos ao ponto de se aleijarem despreocupadamente/deliberadamente , limitavam-se a acertar na árvore com paus e com as biqueiras das botas.) Ao ver aquele comportamento, dominou-se um misto de tristeza e de agastamento. Não podia passar ao lado fingindo indiferença, mas sabia que, quer os abordasse com um tom paternal-professoral, quer os repreendesse rispidamente, o mais certo seria que os pequenos rufias (habituados a desafiar autoridades ineptas e enfraquecidas, como forma de se afirmarem) gozassem com a minha cara e, mal eu lhes virasse costas, fariam ainda pior, sem que os meus argumentos os tivessem convencido minimamente. Então tive uma inspiração que, modéstia à parte, se revelou brilhante.
Apesar de nessa altura já ter transcorrido quase uma década desde que parei de praticar artes marciais de forma aplicada, ainda estava em condições de impressionar aqueles garotos (que fingiam ignorar-me). Parei junto deles e, mesmo antes de me apresentar (e sem ter o cuidado – fundamental – de fazer um prévio “aquecimento” muscular), executei uns golpes algo acrobáticos, na linha daquilo que eles fantasiavam ser capazes de fazer. Isso conquistou-lhes a atenção, deixando-os de queixo pendente. Foi o momento certo para me apresentar. Perguntei-lhes se queriam saber qual era o segredo da minha perícia atlético-marcial (ah, como eu detesto esta expressão inevitavelmente jactante). Como seria de esperar, responderam afirmativamente. Contei-lhes que, para além do treino e da capacidade de concentração, grande parte da minha energia provinha das árvores. (Se formos ao fundo da questão, até nem menti, embora eu tivesse preferido uma abordagem mais esotérica capaz de fascinar aqueles miúdos que só se deixam seduzir por figuras de ficção.) Eles olharam-me com cepticismo, mas permaneceram com um interesse bem vivo / expectante. Propus-lhes, então, que fizéssemos uma experiência capaz de tirar a limpo a minha inusitada afirmação. O que se seguiu foi uma versão telúrica daquele velho jogo (muito popular nas festas de estudantes universitários) que consiste em canalizar a energia do grupo, culminando no levantamento de uma pessoa (de uma forma demasiado fácil para as nossas conhecidas limitações musculares).
Expliquei-lhes que, como sempre tratara bem as árvores, elas retribuíam-me o amor, tornando-me mais forte, e que, se eles fizessem o mesmo, seriam capazes de erguer os colegas, tão alto quanto os seus braços fossem capazes de se esticar e utilizando apenas um par de dedos. Os miúdos entreolharam-se, desconfiando que eu os estava a tomar por tontos, preparando-me para lhes pregar uma partida e rir-me à custa da sua ingenuidade pueril. Instintivamente, franziram os sobrolhos e apertaram as pálpebras como fazem os míopes, tentando descortinar a minha expressão facial e toda a linguagem corporal, à procura de sinais de mentira. Como eu mantive uma expressão de convicção serena, aceitaram a minha proposta de colocarmos todos as mãos na árvore que eles, um pouco antes, tinham tomado por um saco de porrada. Disse-lhes que a árvore provavelmente estaria ofendida pela maneira rude como acabara de ser tratada, mas que, por sorte, as árvores são seres extremamente generosos e, como tal, não nos negaria a sua energia, sabendo que os miúdos não tinham, agido por mal. Fiz uma ressalva para que, caso não fosse bem sucedida a experiência por mim conduzida, não nos deveríamos sentir mal por isso; simplesmente teríamos que tentar mais tarde, realçando que nada de mal nos aconteceria se tivéssemos a coragem de acreditar que teríamos sucesso.
Começámos por experimentar levantar o garoto mais pesado usando apenas os nossos dedos indicadores. Previsivelmente, o resultado não foi espectacular. Pedi-lhes que, se queriam que resultasse, teriam que colocar as mãos na árvore e fazer o que eu lhes pedisse. Quando as palmas das nossas mãos estavam encostadas ao tronco da árvore, perguntei-lhes se conseguiam sentir que aquele era um ser vivo, mas que tampouco se preocupassem se não o conseguissem; demora o seu tempo a desenvolvermos essa capacidade. Ficámos concentrados, em silêncio, por cerca de um minuto. De seguida, pedi-lhes que nos déssemos as mãos à volta da árvore, continuando com a mesma atitude de seriedade ritual. Depois pedi ao rapaz gorducho para se sentar numa pedra junto da árvore. Aos outros pedi que para que sobrepuséssemos, de forma intercalada, as nossas mãos sobre a sua cabeça (mas sem lhe tocarmos), formando uma pilha fraternal de dígitos. Reiterei na necessidade de fazermos silêncio absoluto e acrescentei que deveria fechar os olhos de forma a aumentarem a concentração, garantindo-lhes que podiam confiar em mim, e que nos aproximávamos do desfecho da experiência que os iria impressionar imenso. Quando intui que estávamos preparados, dando o exemplo, pedi-lhes que cada um unisse os indicadores, mantendo os outros dedos entrelaçados, e que os colocassem nos sovacos e nas dobras interiores dos joelhos do miúdo com excesso de peso, e, contando até 3, levantámo-lo como se ele não pesasse mais do que a refeição que tinha acabado de ingerir.
Parecia que os corações dos rapazes lhes queriam saltar pelas bocas. Estavam deslumbrados e até algo assustados, como se eu tivesse aberto a porta da dimensão mágica onde vivem os seus heróis de ficção. Os seus olhos esbugalhados/arregalados, saltavam, frenéticos, entre nós e a árvore – esta última tinha subitamente ganho um estatuto de admiração que reservamos para o âmbito da teologia.
Despedi-me, dizendo-lhes que mais tarde iria passear com eles, mostrando-lhes coisas bonitas no campo. Segui caminho com a reconfortante esperança de que aquelas crianças tão cedo não maltratariam árvores.
Antes de partirem, ainda tive a oportunidade de lhes emprestar uns estetoscópios para que pudessem ouvir as árvores a bombearem a sua seiva, bem como a actividade dos invertebrados que vivem sob a casca, além de termos repetido a experiência da canalização da energia (sem que os miúdos mais pesados fossem relegados para a função de peso-morto). Expliquei-lhes que esta também funcionava sem recorrerem à energia das árvores, mas que os resultados seriam melhores da maneira como a tínhamos feito, até porque é purificadora a energia das plantas e, se as respeitarem, tornar-se-iam pessoas melhores. Um óptimo jogo para nos ajudar a reconhecer a individualidade das árvoresconsiste em prescindirmos do sentido que mais prezamos e de que maisdependemos: a visão. Agrupamos as crianças (embora gente de todos osescalões etários podem e devem fazer esta experiência enriquecedora,original e divertida) aos pares: uma terá os olhos vendados e a outra será asua guia. Esta última terá a responsabilidade de conduzir o/a companheiro/a (cuidando do seu bem estar, não abusando da sua vulnerabilidade) até umaárvore (que esteja a, pelo menos, 15 metros de distância e inserida numaárea florestada). Uma vez alcançada, a criança temporariamente privada davisão deverá ser encorajada a fazer uma minuciosa exploração dereconhecimento da árvore, recorrendo aos seus outros sentidos. A melhormaneira de a ajudarmos nesse processo de descoberta e memorização (ex.: a forma, a textura, o cheiro,...) é fazendo-lhe perguntas do género:«consegues abraçá-la completamente?» Se não, «imaginas qual é o seudiâmetro (grossura), circundando-a sem deixar de a abraçar?»; «é maciça ou oca?»; «é uma árvore viva ou morta?»; «será mais velha que tu? Porquê?»; «a que altura estão os primeiros ramos?» (Para responder a esta questão, poderá ser necessário pegar na criança ao colo, soerguendo-a até as suas mãos tocarem nos ramos). « A casca é macia ou áspera?» ; « tem um lado mais húmido que o outro?»; «tem cheiro?» Se sim, «o da casca é diferente do das folhas (ou agulhas)?»; «que seres vivem nela?» para responder a esta pergunta, deverá ter uma experiência dúctil / táctil com os líquenes e com os musgos (caso os haja, evidentemente). As crianças gostam muito de, com a pele sensível da cara, trocarem carícias com o musgo húmido. Também deverá concentrar-se em tentar ouvir as aves (através das suas vocalizações, poderemos tentar imaginar, geralmente com bastante acuidade, o tamanho que elas têm) ou, eventualmente, as actividades dos insectos.
As crianças deverão tomar o seu tempo, de forma não competitiva, até que consideram satisfatória a sua exploração/reconhecimento invisual (mas muito estimulante para os outros sentidos quotidianamente substimados). Depois será conduzida de volta ao ponto de partida, mas tendo o cuidado de lhe darmos uma voltas desorientadoras. Quando remover a venda, terá que partir ao encontro da "sua" árvore. Uma vez descoberta, trocará de papéis com a criança que lhe serviu de guia .Este tipo de emoções deverão preceder e servir de cadinho aos conhecimentos taxonómicos. Saber o nome e pormenores fisionómicos de algumas pessoas diz-nos pouco sobre a melhor maneira de nos relacionarmos com elas. Como diz o povo: «há muitas Marias na terra», mas todas têm personalidades e histórias pessoais diferentes, inclusive as gémeas idênticas. O mesmo se passa com as criaturas silvestres. Não é por servos pouco versados em hidrologia, nem por desconhecermos o nome de um ribeiro de montanha que ficaremos impedidosde nele matarmos a sede, mitigarmos o calor e de sermos contagiados pela sua beleza e serenidade cantarolante. Se formos capazes de desfrutar de tudo isto, seremos mais activos (e menos vulneráveis à corrupção) na defesa desse património natural.Um educador ambiental tem que nutrir um amor sincero pela natureza e saber partilhá-lo, de forma contagiosamente entusiasta, honesta e com uma grande dose de sentido de humor. Isto também significa saber ouvir, não desprezando as reacções e observações dos seus interlocutores, mesmo que as considere erradas. Devemos sempre incitar à curiosidade e à participação construtiva. É preciso estarmos disponíveis para as crianças, mas sem as asfixiarmos com atenções, tarefas e a obsessiva imposição de conhecimentos científicos. É preciso os educadores terem "jogo de cintura" para saberem interpretar e adaptar tanto as informações teóricas como a metodologia à realidade socio-económica de cada grupo, bem como ao estado de ânimo de cada criança em particular (para tal, necessitamos de um ensino mais personalizado, afectuoso e com respeito idiossincrático)
PB
quinta-feira, setembro 07, 2006
Verde esperanto
A ciência deve libertar-se das grilhetas da religião e de quaisquer outros dogmas e interesses estabelecidos, mas não tem porque esvaziar-se de poesia e até de espiritualidade telúrica .
Plínio o Velho dizia que cada árvore tinha a sua pátria. Embora seja uma linguagem que não se insere na actual ortodoxia científica, é uma maneira válida de aludir às condições ecológicas óptimas em que cada espécie se desenvolve (sobretudo no que se refere às particularidades edafo-climáticas). Mas o que nem os mais atentos naturalistas da antiguidade poderiam saber é que as árvores se expressam com linguagens próprias ; cada espécie tem o seu “ramo linguístico”, cuja essência funciona como um esperanto vegetal.As substâncias voláteis (ex.: o gás etileno que, continuando com a analogia linguística antropocêntrica, corresponde ao “inglês” do mundo vegetal) são o seu principal alfabeto. Já foram identificados mais de 30 mil destes compostos, o que revela uma imensa riqueza lexical e poliglota. Ademais, as plantas num dossel florestal são como prodigiosos vates que não cessam de (re)inventar maneiras de comunicar entre si e até com seres de outros Reinos. (Sabemos que as plantas têm um género de sistema nervosos central muito primitivo, que é percorrido/animado por impulsos bioeléctricos - estes até reagem com os campos bioeléctricos dos animais e com o campo magnético terrestre. Ainda está por desvendar essa linguagem, assim como a dos fungos que habitam no sistema radicular das plantas… As possibilidades de comunicação são tão vastas quanto maravilhosas!)
Este fascinante fenómeno está cientificamente demonstrado na forma como as plantas reagem à predação trófica. O caso mais conhecido é o das acácias africanas, que fazem parte da dieta de uma miríade de herbívoros. Quando a savana e os matos foram compartimentados em reservas de caça no final dos anos 70, muitos animais (principalmente os cudús e as girafas) começaram a morrer sem denunciarem aos veterinários sinais evidentes de doença. O problema foi-se agravando, deixando extremamente preocupados tanto os negociantes da morte por divertimento, como os ambientalistas, os cientistas e as autoridades sanitárias, incapazes de descortinar as suas causas.Após muitas análises (cujo cientista pioneiro foi o Dr. Van Hoven, da Universidade de Pretória), descobriu-se que as principais vítimas deste mistério letal tinham sido envenenadas por um excesso de taninos no trato digestivo (que sempre alojava uma grande quantidade de matéria vegetal não digerida). Que os taninos são tóxicos e que grande parte das árvores o produz, há muito que não era novidade (ex.: perde-se na noite dos tempos a origem da prática comum de usarmos o tanino encontrado em cascas de árvores para curtir peles), mas o que teria levado as acácias a unir esforços para matar os seus predadores, pondo fim a milhões de anos de convivência relativamente pacífica, em que havia um equilíbrio de forças ?! mais uma vez, o desequilíbrio ecológico deveu-se à intervenção humana.
Tanto as tribos nativas como os naturalistas mais versados, sabiam que os animais que se alimentam das folhas das acácias fazem-no durante poucos minutos em cada árvores; e, ao se dirigirem à seguinte, escolhem sempre uma que esteja afastada num raio de pelo menos 15 a 20 metros em relação à que estiveram a tasquinhar. Com a expansão das quintas cinegéticas e o consequente erguer de vedações intransponíveis, os animais silvestres começaram a estar confinados a espaços demasiado exíguos e muitas vezes lotados, pois os administradores da caça turística em terrenos privados tentam gerir as suas manadas herbívoros quase como se se tratassem de rebanhos de ovinos. Assim, os animais em questão foram obrigados a submeter as acácias a um permanente stress trófico, e estas últimas reagiram investindo muita da sua energia na produção de taninos destinados a repelir os seus predadores (que geralmente são apenas um pequeno incómodo), só que estes também tinham sido empurrados para uma situação limite: ou se resignavam a definhar pela fome, ou arriscavam intoxicar-se com taninos.
Neste caso tornou-se evidente que a etérea linguagem das árvores inclui as alianças políticas, já que cada acácia ao ser atacada envia mensagens de aviso às suas vizinhas, que se precatem do perigo recorrendo a um arsenal químico, sendo que quanto mais próximas estão da que emitiu o sinal de alarme gasoso, mais taninos produzem. A superprodução de taninos logo baixa, se as acácias não forem molestadas dentro de 15 minutos.
Durante os vários estios em que ajudei a combater incêndios no terreno, atónito, reparei que, quando o fogo se aproximava, mas estando ainda a uma distância mínima de 100 a 150 metros, em especial os carvalhos caducifólios, passavam por um processo semelhante ao que acontece no Outono (quando o verde da clorofila desaparece das folhas e estas acabam por cair) – ma a uma velocidade estonteante! Não podiam estar a morrer asfixiadas devido a abrasantes colunas térmicas e de fumo, pois eu estava ao lado dessas árvores e, nessas situações, nunca me posiciono no cimo das encostas que estão a ser consumidas pelas chamas, nem contra o vento. De algum modo (a tal comunicação gasosa), as árvores sabiam que o fogo em breve as poderia destruir e, como uma oportuna estratégia de retirada, concentravam toda a sua energia vital nas raízes, dispostas a sacrificar a parte aérea, para depois, uma vez passado o incêndio, quais Fénix, renascerem das cinzas ao rebentarem de toiça. Se as chamas não lhes tocassem, volvidas 2 ou 3 semanas, voltariam a luzir uma copa de folhas novas.Até que recentemente a ciência se debruçou sobre este fenómeno, encontrando algumas respostas plausíveis (que foram de encontro às hipóteses que eu formulei), andei intrigado de sobremaneira.
O esperanto vegetal atravessa a barreira taxonómica que separa o Reino Vegetal do Reino Animal (já para não falar dos fungos que ainda prometem muitas surpresas fascinantes…). Todos conhecemos alguns casos relacionados com as abrangentes relações de polinização, mas por vezes essa comunicação assemelha-se a brados de guerra…As couves tão típicas das hortas portuguesas têm como principal predador (para além do homem) a lagarta de uma espécie de borboleta diurna, cujo nome científico é Pieris brassicae. São as couves que decidem até que ponto toleram essas agressões tróficas. Quando as vorazes lagartas as atacam em número excessivo, as couves (que reagem aos bioquímicos presentes na saliva das lagartas) emitem um cocktail de químicos desenvolvidos no sentido de atraírem o principal predador dessas lagartas - que é uma espécie de vespa conhecida entre os entomólogos como Cotesia glamerata. As vespas respondem ao pedido de socorro das couves, interpretando-o como uma chamada para porem em prática uma táctica absolutamente brilhante do ponto de vista da eficiência evolutiva, mas que parece demasiado sinistra e repugnante para os nossos valores morais – colocam os seus ovos dentro das lagartas dos pierídeos para que, ao eclodirem, as suas larvas parasitas as comam vivas…
Quando outra espécie de lagartas arborícolas se torna um grande incómodo para os áceres, estas árvores não se esquecem da ataque abusivo, e no ano seguinte, ao se voltarem a vestir com folhagem após a letargia invernal, produzem folhas consideravelmente mais finas que não são propícias às indesejadas lagartas.A sua memória mais conhecida relaciona-se com o seu relógio biológico que responde à duração das horas de luz diurna, bem como das noites. Mas, à semelhança dos mamíferos que têm uma memória muscular e sofrem mudanças estruturais conforme as suas actividades prolongadas, as árvores que se digladiam permanentemente com o vento assumem formas bizarras e fortalecem as partes que lhe estão mais expostas.Abundam exemplos na Flora de espécies que se amigaram com o vento a fim de se puderem reproduzir, mas a maioria das árvores preferiu investir nas relações íntimas e interdependentes com os insectos.
««« Algumas espécies de orquídeas altamente especializadas que simulam não apenas as forma, texturas e cores de abelhas fêmeas, como ainda a química odorífica das respectivas feromonas sexuais, por forma a ludibriarem os insectos macho a participarem na polinização, julgando que estão a copular com as suas respectivas parceiras…
Há plantas que são mesmo más vizinhas! Considerando apenas a linguagem química, algumas espécies produzem substâncias alelopáticas om a finalidade de dissuadir as outras espécies de se instalaram ao seu lado, evitando assim a competição pelos nutrientes onde estes são escassos. Tal é o caso das vulgares estevas (colonizadoras de solos esqueléticos) e das figueiras, entre muitas outras espécies.
Tal como o colagéneo é a proteína mais comum no Reino Animal (sendo a sua acção estruturante indispensável para a junção e fortalecimento dos tecidos nos organismos), a lignina foi das primeiras grandes conquistas das plantas, pois, ao reforçar as paredes das células, permitiu-lhes ter um porte lenhoso e crescer até se tornarem as florestas que foram o lar dos primeiros animais vertebrados que saíram do meio aquático à conquista da terra. A lignina é o que dá força à celulose para criar a madeira. Trata-se de um processo semelhante ao que acontece quando se mistura o cobre com o estanho. Separadamente, estes metais são muito leves, mas, ao se combinarem, são capazes de originar um metal admiravelmente sólido e pesado – o bronze.(Agora a biotecnologia desenvolveu árvores pobres em lignina para facilitar a indústria do fabrico de papel. Estas árvores mutantes e que atentam contra a evolução, em breve contaminarão as parentes silvestres, se é que isso não aconteceu já…)
Paulo Barreiros
quarta-feira, setembro 06, 2006
Estas fotos foram tiradas em 1991. Correspondem a um enorme salgueiral que medrava em frente ao Casalinho, na continuação do paul dos Patudos (ou vale da Atela), para montante. No seu todo, o nosso paul não tinha comparação em Portugal. Facilmente, com a promoção adequada, poderia converter-se num enorme pólo de atracção turístico, para as escolas e para a comunidade científica, colocando Alpiarça no mapa pelas melhores razões. Mas o nosso Rei Templário (que também tem o cognome de “O Libertador”, pois, segundo ele mesmo, «libertou Alpiarça de uma ditadura comunista de mais de 2 décadas»…), que não podia estar-se mais a cagar para o património natural nem para os interesses dos que não pertencem à elite, recentemente que o magnífico salgueiral (de uns 10 hectares) fosse completamente destruído (em violação de algumas leis "sem importância")…
Até os seus colaboradores têm plena consciência de que, se o nosso “ Libertador” tivesse poder antes de 1974, pouca gente teria ficado em Alpiarça, rumando para a liberdade que só conseguiam no estrangeiro… A propósito, tem alguma piada (?) comparar a acção destes déspotas da Merdaleja que não toleram críticas e que criam esquadrões de investigação e censura às bocas da oposição (ai, como eles odeiam a Internet!...), com as palavras que Salgueiro Maia proferiu a um jornalista que o interpelou quando o 25 de Abril ainda estava longe de ser consumado na celeuma de Lisboa, «estamos a fazer esta revolução para que mais ninguém tenha que fugir do país por causa do que diz, escreve e pensa» (sic).
Até os seus colaboradores têm plena consciência de que, se o nosso “ Libertador” tivesse poder antes de 1974, pouca gente teria ficado em Alpiarça, rumando para a liberdade que só conseguiam no estrangeiro… A propósito, tem alguma piada (?) comparar a acção destes déspotas da Merdaleja que não toleram críticas e que criam esquadrões de investigação e censura às bocas da oposição (ai, como eles odeiam a Internet!...), com as palavras que Salgueiro Maia proferiu a um jornalista que o interpelou quando o 25 de Abril ainda estava longe de ser consumado na celeuma de Lisboa, «estamos a fazer esta revolução para que mais ninguém tenha que fugir do país por causa do que diz, escreve e pensa» (sic).
Joseph Cornell, no seu livro «Partilhar a Natureza com as Crianças" (já um clássico da EA) relata um episódio pessoal em que, no seu entender, foi incapaz de garantir a protecção de uns elementos naturais que lhe eramespecialmente queridos, por carecer de conhecimentos científicos suficientes. Neste caso, o seu opositor foi um lavrador que abateu uma árvores decrépitas, ou mesmo mortas, situadas na margem de uma zona alagada visitada amiúde por Cornell. Uma dessas árvores servia de posto de vigia a um bútio-de-cauda-vermelha , ao qual o naturalista tinha-se afeiçoado e até ganho a sua confiança, ao longo de vários meses de convivência pacífica. O campesino "mau da fita" , convencido de que sabia o suficiente sobre as complexas interacções da natureza que o rodeava e sobre a gestãoprodutivista da terra a contento dos seus interesses pessoais, cortou e removeu todas as árvores referidas, sem se comover com os apelos do seu vizinho educador ambiental. Quando já era demasiado tarde, Cornell adquiriu mais informações científicasque, julga, poderiam ter salvo o “carvalho-poleiro” da ave de rapina sua amiga(que, entretanto, se ausentou daquelas paragens).
Cornell não está a ser justo consigo (mesmo). Esse exercício de especulaçãoretrospectiva e culpabilizante é inutilmente masoquista. Com frequência vejo colegas meus, que até têm uma "grande bagagem técnico-científica",ficarem frustradas em situações semelhantes por carecerem de suficiente poder persuasivo, sobretudo quando lidam com pessoas de estratos culturais muito diversos. É possível que se Cornell tivesse os dotes oratórios de um burlão, ou simplesmente tivesse pago ao agricultor para deixar ficar as árvores (como forma de indemnização por abdicar de toda aquela lenha), odesfecho da contenda lhe tivesse sido favorável, mas isso não significa quetivesse agido de forma melhor. O mais importante é que o seu "coração"estava no sítio certo e que fez o melhor que pode. Por melhores que sejam os nossos argumentos e as nossas intenções, não nos podemosresponsabilizar duramente pela incapacidade de mudarmoscom celeridade uma mentalidade secular fortemente enraizada. Este infortúnio de Cornell traz-me lembranças análogas.
Desde que, em meados dos anos 80, o pessoal da Quercus deu início a um projecto destinado à protecção da área que hoje é conhecida como o Parque Naturaldo Tejo Internacional, tiveram como prioridade a melhoria das condições das populações locais, tentando contribuir para uma maior harmonização entre asactividades tradicionais e a salvaguarda e divulgação do património natural. Com um pastor em particular tiveram uma relação muito próxima, consolidando uma amizade. Durante quase uma década de longas e prazenteiras conversas, vários membros daquela ONGA tentaram aprender o máximo da cultura vernacular do pastor, ao mesmo tempo que se esforçavam por o tentar reeducar ambientalmente, em especial no que se referia à sua apologia pelas técnicas agrícolas modernas e insustentavelmente agressivas (baseadas na forte intervenção de maquinaria), que pareciam fascinar todos os campesinos daquela região deprimida. A parceria não se ficou só pelas palavras, colaborando em muitas actividades práticas, com óbvias vantagens para ambas as partes.Um dos técnicos da Quercus até elaborou alguns projectos para que o ditopastor pudesse ter acesso a subsídios comunitários (ex.: MedidasAgroambientais). Mal chegou o dinheiro e foi logo gasto a fazer lavouras profundas (num solo já esquelético e onde nem se pretendia semear nada) e apodar brutalmente todas as suas azinheiras (reduzindo-as a uns moribundos tocos, destituídos de folhagem e de dignidade)...Exactamente de forma oposta ao que os seus amigos ecologistas (incluindo-me a mim) lhe tinham explicado(exaustivamente) ser o mais correcto.
Antes de eu andar à procura de aves rupícolas (que fazem o ninho nas rochas) de grande porte perto do Douro Internacional, uns colegas ornitólogos que batiam aquela área, estando preocupados pela frequente pilhagem e destruição de ninhos, decidiram, por iniciativa própria, pagar um tributo anual a um pastor que costumava apascentar o seugado nas cercanias de um ninho de águia-real, para que ele se tornasse ovigilante/protector desse ninho. Caso as águias em causa conseguissem levar a sua criação avante sem que o seu ninho sofresse um ataque intencional por mão humana, o pastor receberia a sua recompensa monetária.Volvidos um par de anos, esses ornitólogos deixaram de contactar com o pastor eprovavelmente até se ausentaram completamente da região. Por essa altura, passei por lá e encontrei o tal pastor. Este estava furibundo e exigiu que eu (que nem sabia do acordo) lhe pagasse pelos seus serviços de vigilância, caso contrário ele mesmo destruiria o ninho....
PB
Cornell não está a ser justo consigo (mesmo). Esse exercício de especulaçãoretrospectiva e culpabilizante é inutilmente masoquista. Com frequência vejo colegas meus, que até têm uma "grande bagagem técnico-científica",ficarem frustradas em situações semelhantes por carecerem de suficiente poder persuasivo, sobretudo quando lidam com pessoas de estratos culturais muito diversos. É possível que se Cornell tivesse os dotes oratórios de um burlão, ou simplesmente tivesse pago ao agricultor para deixar ficar as árvores (como forma de indemnização por abdicar de toda aquela lenha), odesfecho da contenda lhe tivesse sido favorável, mas isso não significa quetivesse agido de forma melhor. O mais importante é que o seu "coração"estava no sítio certo e que fez o melhor que pode. Por melhores que sejam os nossos argumentos e as nossas intenções, não nos podemosresponsabilizar duramente pela incapacidade de mudarmoscom celeridade uma mentalidade secular fortemente enraizada. Este infortúnio de Cornell traz-me lembranças análogas.
Desde que, em meados dos anos 80, o pessoal da Quercus deu início a um projecto destinado à protecção da área que hoje é conhecida como o Parque Naturaldo Tejo Internacional, tiveram como prioridade a melhoria das condições das populações locais, tentando contribuir para uma maior harmonização entre asactividades tradicionais e a salvaguarda e divulgação do património natural. Com um pastor em particular tiveram uma relação muito próxima, consolidando uma amizade. Durante quase uma década de longas e prazenteiras conversas, vários membros daquela ONGA tentaram aprender o máximo da cultura vernacular do pastor, ao mesmo tempo que se esforçavam por o tentar reeducar ambientalmente, em especial no que se referia à sua apologia pelas técnicas agrícolas modernas e insustentavelmente agressivas (baseadas na forte intervenção de maquinaria), que pareciam fascinar todos os campesinos daquela região deprimida. A parceria não se ficou só pelas palavras, colaborando em muitas actividades práticas, com óbvias vantagens para ambas as partes.Um dos técnicos da Quercus até elaborou alguns projectos para que o ditopastor pudesse ter acesso a subsídios comunitários (ex.: MedidasAgroambientais). Mal chegou o dinheiro e foi logo gasto a fazer lavouras profundas (num solo já esquelético e onde nem se pretendia semear nada) e apodar brutalmente todas as suas azinheiras (reduzindo-as a uns moribundos tocos, destituídos de folhagem e de dignidade)...Exactamente de forma oposta ao que os seus amigos ecologistas (incluindo-me a mim) lhe tinham explicado(exaustivamente) ser o mais correcto.
Antes de eu andar à procura de aves rupícolas (que fazem o ninho nas rochas) de grande porte perto do Douro Internacional, uns colegas ornitólogos que batiam aquela área, estando preocupados pela frequente pilhagem e destruição de ninhos, decidiram, por iniciativa própria, pagar um tributo anual a um pastor que costumava apascentar o seugado nas cercanias de um ninho de águia-real, para que ele se tornasse ovigilante/protector desse ninho. Caso as águias em causa conseguissem levar a sua criação avante sem que o seu ninho sofresse um ataque intencional por mão humana, o pastor receberia a sua recompensa monetária.Volvidos um par de anos, esses ornitólogos deixaram de contactar com o pastor eprovavelmente até se ausentaram completamente da região. Por essa altura, passei por lá e encontrei o tal pastor. Este estava furibundo e exigiu que eu (que nem sabia do acordo) lhe pagasse pelos seus serviços de vigilância, caso contrário ele mesmo destruiria o ninho....
PB
terça-feira, setembro 05, 2006
A desinformação e a memória curta...
Por vezes o jornalismo ao serviço dos interesses corporativos e político-partidários “beneficia”da sensibilidade feminina bombeada por uma veia poética digna de uma Paula Bobone. No texto que Alice Nicolau escreveu no “Diário Popular” de 16/03/89 acerca dos eucaliptos, notem os paralelismos entre os preconceitos sociais extremamente fúteis (a exaltação de figuras esbeltas e de cor clara e o desprezo ao seu oposto) extrapolados ao mundo natural:
«Alta, magra, de crescimento rápido, folha pontiaguda, “double face”, verde claro, verde aveludado, esta é a árvore do futuro: o eucalipto. Baixa, atarracada, de copa larga, forma maciça, folha verde escura, rugosa, esta é a arvoredo passado: o sobreiro.
Com a primeira faz-se a sofisticada pasta de papel. Com a segunda cresce aquela coisa rugosa, grosseira, medievalesca, que dá pelo nome de cortiça.»
O Ministro da Indústria «O eucalipto é o nosso petróleo verde e é necessário à indústria da celulose. Temos que defender aquele importante recurso e quem está contra a plantação de eucaliptos são as forças que não querem o desenvolvimento industrial e o progresso do país.» (in “Diário de Lisboa” de 6/04/89)
«O governo não embala em paixões ecológicas, nem pactua com forças que querem impedir o desenvolvimento industrial, obstruindo a plantação de eucaliptos.» (in “Diário” 17/04/89)
os autarcas (que há decadas que têm o poder de vetar plantações de eucaliptais até 50 hectares) embarcaram cegos nesta eucaliptomania. Depois assumiram-se como vítimas de uma cabala pirómana...
A GNR servindo de pau mandado das empresas de celulose, que até instruiu os agentes da autoridade para elucidarem as populações sobre as vantagens dos eucaliptais (como aconteceu em Valpaços, por exemplo, onde os argumentos encomendados pelos seus patrões foi logo substituída or uma carga a cavalo, espancando aleatoriamente populares que se manifestavam pacificamente )
Onde é que esta gente diz agora ao ver o país a ser pasto das chamas?!...
PB
Por vezes o jornalismo ao serviço dos interesses corporativos e político-partidários “beneficia”da sensibilidade feminina bombeada por uma veia poética digna de uma Paula Bobone. No texto que Alice Nicolau escreveu no “Diário Popular” de 16/03/89 acerca dos eucaliptos, notem os paralelismos entre os preconceitos sociais extremamente fúteis (a exaltação de figuras esbeltas e de cor clara e o desprezo ao seu oposto) extrapolados ao mundo natural:
«Alta, magra, de crescimento rápido, folha pontiaguda, “double face”, verde claro, verde aveludado, esta é a árvore do futuro: o eucalipto. Baixa, atarracada, de copa larga, forma maciça, folha verde escura, rugosa, esta é a arvoredo passado: o sobreiro.
Com a primeira faz-se a sofisticada pasta de papel. Com a segunda cresce aquela coisa rugosa, grosseira, medievalesca, que dá pelo nome de cortiça.»
O Ministro da Indústria «O eucalipto é o nosso petróleo verde e é necessário à indústria da celulose. Temos que defender aquele importante recurso e quem está contra a plantação de eucaliptos são as forças que não querem o desenvolvimento industrial e o progresso do país.» (in “Diário de Lisboa” de 6/04/89)
«O governo não embala em paixões ecológicas, nem pactua com forças que querem impedir o desenvolvimento industrial, obstruindo a plantação de eucaliptos.» (in “Diário” 17/04/89)
os autarcas (que há decadas que têm o poder de vetar plantações de eucaliptais até 50 hectares) embarcaram cegos nesta eucaliptomania. Depois assumiram-se como vítimas de uma cabala pirómana...
A GNR servindo de pau mandado das empresas de celulose, que até instruiu os agentes da autoridade para elucidarem as populações sobre as vantagens dos eucaliptais (como aconteceu em Valpaços, por exemplo, onde os argumentos encomendados pelos seus patrões foi logo substituída or uma carga a cavalo, espancando aleatoriamente populares que se manifestavam pacificamente )
Onde é que esta gente diz agora ao ver o país a ser pasto das chamas?!...
PB
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