quarta-feira, junho 14, 2006




Só é possível uns poucos terem demasiado , se demasiados não tiverem o suficiente. Essa é a principal premissa da globalização corporativa “neoliberal”.
Porque deixámos que nos tornassem apenas um rebanho cego?!...
O verdadeiro luxo é podermos desfrutar de algo, sem que isso se traduza em graves danos para terceiros e para o ambiente em geral.


Eis um óptimo caso de estudo sobre a globalização corporativa , cuja discussão no ensino formal provavelmente seria muito mais interessante, proveitosa e urgente do que decorar a cronologia de tiranos e os “eventos históricos” produzidos pelas suas máquinas de propaganda (que pouco ou nenhuma correspondência têm com a verdade). Já que o Ministério da “Educação” (na verdade, trata-se de instrução, não de educação) resolveu desfazer-se dos clássicos da literatura, substituindo-os por enredos e personagens imbecis de telenovelas muito populares entre os jovens (sobretudo devido à aparência dos actores, presumo), deveríamos exigir que essa “actualização” popularucha se estendesse à investigação e debate nas salas de aulas sobre os podres ocultos do consumismo desenfreado.


«O sol nunca se põe no império da Coca-cola.» - Amartya Sem

Em 1928 os executivos da Coca cola pretendiam conquistar o mercado português, e uma das coisa de que mais necessitavam era de um slogan indefectível/bem apelativo. Assim, contactaram Fernando Pessoa, um dos nossos mais celebrados poetas. Este respondeu positivamente ao pedido, criando a frase «primeiro estranha-se, depois entranha-se». A operação comercial foi um êxito fenomenal, mas Direcção de Saúde interveio proibindo a representação daquela corporação por cá, com o argumento de que era prejudicial para a saúde pública, algo que estava implícito no próprio slogan.
Analisemos alguns dos abusos de um dos maiores ícones do capitalismo imperialista.
Se nos laranjais do Sul da Califórnia a empresa Coca-cola tem explorado trabalhadores agrícolas e contaminado os rios, certamente que tais actividades intoleráveis chamam a atenção dos activistas que têm ao seu dispor meios céleres e eficazes de as denunciar. No fogo cruzado da argumentação, talvez alguém descubra até as ligações comerciais que esta empresa manteve com os nazis durante a Segunda Guerra Mundial, inventando a Fanta para ludibriar o embargo à Alemanha e assim manter os seus negócios por lá (além de aproveitar para ingredientes os mais reles desperdícios da indústria alimentar, que apenas deveriam ser encaminhados para as centrais de compostagem).
Não devemos esquecer-nos que, nesse período, vários executivos de topo da Coca-Cola na Alemanha de Hitler eram notórios nazis, membros do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores alemães.

Pioneiros do marketing emocional, a publicidade da Coca-Cola (num gasto estimado de mil milhões de dólares anuais) refere-a como um refresco da paz e da concórdia ente os povos de todo o mundo, mas a verdade é que se trata de uma marca muito mais conotada com a guerra. Foi durante a Segunda Guerra Mundial que a Coca-cola se lançou à conquista do mundo.
Após o ataque japonês a Pearl Harbour , as tropas estado-unidenses foram enviadas a combater no ultramar, e a Coca-Cola foi atrás delas. O director desta emblemática corporação, Robert Woodruff (que assumiu a liderança da empresa em 1923), terá então afirmado «faremos tudo para que todos os nossos soldados tenham uma Coca-cola à mão!» Woodruff concebeu uma brilhante manobra publicitária com o conluio das forças armadas estado-unidenses. Os representantes da Coca-Cola, para que pudessem entregar à borla os seus refrigerantes aos soldados, onde quer que estes estivessem, receberam do exército o título fictício de “oficiais técnicos”, o que lhes permitia o aceso a todo lado sem participarem em batalhas sangrentas.
Por se afirmar como um símbolo de patriotismo yankee e, consequentemente, um dinamizador essencial da moral das tropas, a Coca-cola conseguiu que o governo, não apenas isentasse a empresa do racionamento de Açúcar imposto na época, mas ainda que subvencionasse a sua expansão comercial, que – pasmem! - foi considerada como parte do esforço de guerra. Durante a Grande Guerra, abriram 64 fábricas fora dos EUA . Muitos soldados chegaram a afirmar que combatiam pelo direito de comer um hambúrguer e beber uma Coca-cola, uma vez regressados a casa, tendo liberto o mundo do pesadelo nazi...
(Não é deliciosamente irónico que parte da fortuna pessoal de Osama Bin Laden conseguiu-a como sendo o principal fornecedor de goma arábica para a Coca-cola? Talvez não, pois a “guerra ao terrorismo” de W. Bush e Cª LDA destina-se a enriquecer as corporações estado-unidenses – que têm criado e armado os piores inimigos dos EUA …)

Na Colômbia ( país onde, desde 1986, foram assassinados 3800 sindicalistas, tornando-se o país mais perigoso do mundo no que concerne a reivindicações de direitos laborais) tem havido numerosos sequestros, torturas e assassinatos - alguns dos quais, incluindo o assassínio de 9 líderes sindicalistas, ocorreram dentro das fábricas de engarrafamento de Coca-cola - às mãos de grupos mercenários para-militares com o beneplácito dessa multinacional. Como sempre, descartam responsabilidades, afirmando que não são responsáveis pelas acções dos empreiteiros que contratam, mas tais argumentos não convencem ninguém. *
* Os trabalhadores das fábricas da Coca-cola na Colômbia estão filiados no sindicato Sinaltrainal.
A celeuma atingiu tal paroxismo que se tornou impossível para os políticos estado-unidenses continuarem a fingir que ignoravam os podres ocultos de uma das corporações com maior poder e que se tornou um dos maiores símbolos do «american way of life» por todo o mundo . Um proeminente membro do Concelho de Nova Iorque, Hiram Monserrate, liderou uma delegação que, em Janeiro de 2004, se deslocou à Colômbia, onde, durante 10 dias, tentaram apurar o que havia de verdade nesta estória sórdida. Apesar de as autoridades colombianas e os responsáveis locais pelas fábricas da Coca-Cola terem se esforçado por ocultar os factos e entreterem com manobras de diversão os delegados, o que estes últimos viram bastou para elaborarem um relatório (divulgado em Abril de 2004), cujas conclusões, e o tom acusatório em que foram proferidas, atropelaram a polidez diplomática, o compadrio e as intermináveis tergiversações a que estamos habituado quando a maioria dos políticos se refere aos crimes corporativos. Eis um excerto desse relatório: « a Coca-Cola permitiu, senão mesmo orquestrou, violações de direitos humanos junto dos seus trabalhadores, tendo disso tirado benefícios económicos (…) A insistência desta corporação em rejeitar quaisquer responsabilidades pela campanha de terror movida contra os seus trabalhadores, é altamente perturbadora, assim como o é a ausência de investigações sobre as relações da empresa com os paramilitares colombianos. »
Esta delegação o registou 179 abusos graves dos direitos humanos – incluindo 9 assassinatos – relacionados com as instalações e a administração da Coca-Cola colombiana.
No meio deste escândalo, até um dos fortes accionistas da Coca-Cola, o grémio Christian Brothers, chegou a apresentar ao conselho de accionistas seus parceiros comerciais uma proposta (apoiada pelos sindicatos ligados a essa corporação por todo o mundo) para que fosse adoptado um código de conduta ética, que assegurasse um respeito mínimo pelos trabalhadores nas suas unidades fabris de engarrafamento.

A sua inflexível política anti sindicatos obviamente que não tem graves consequências sociais apenas na Colômbia. A ONG britânica «War on Want», cujo trabalho se centra na luta contra a pobreza, recentemente divulgou um relatório que deixa claro este género de agressão aos direitos fundamentais dos trabalhadores em unidades fabris da Coca-Cola no Paquistão, Turquia, Rússia, Peru, Chile, Guatemala, Filipinas, Zimbabwe e Nicarágua.
Aliás, o caso colombiano tem precedentes. Na década de 80 vários sindicalistas que trabalhavam em fábricas da Coca-Cola na Guatemala foram mortos impunemente. Mercenários paramilitares chegaram a ocupar uma dessas fábricas, reprimindo violentamente qualquer manifestação em prol dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos em geral. A situação só se “normalizou” devido às pressões das ONG sedeadas em países industrializados, que lá im conseguindo fazer-se ouvir nos média. Foi quando a Coca-Cola decidiu que seria uma melhor estratégia comercial mudar de parceiro no franchise colombiano, e dar autorização a este último para que negociasse com os sindicalistas.
A Coca-Cola continua a tirar proveito do trabalho infantil que se verifica nas plantações de cana do açúcar em El Salvador, onde os acidentes graves com instrumentos de corte acontecem diariamente, tornando este género de agricultura o mais perigoso do mundo. (Human Rights Watch, 2004)
Poderemos tentar chamar a atenção da opinião pública para o facto de o mais famoso refrigerante ser uma perigo para a saúde pública. O ácido fosfórico que contém é forte ao ponto de os numismáticos recorrerem à Coca-Cola para limparem as suas colecções. Talvez seja um mito urbano a alegação de que o refrigerante é utilizado para limpar o sangue nas estradas (proveniente de acidentes rodoviários nos EUA), mas testes em laboratório demonstraram que é bastante eficaz para esse fim. Mais frequente é o seu uso para a remoção de manchas nas sanitas; ferrugem nos pára-choques; terminais corroídos das baterias; motores de camiões; manchas de graxa nas roupas, etc... Agricultores indianos encontraram mais uma utilidade para a Coca-cola: aspergida sobre as culturas agrícolas, funciona como um eficaz e barato pesticida...A sua acção descalcificante tampouco é desconhecida para a medicina, sendo o seu consumo desregrado um dos maiores contribuintes para o aumento da osteoporose – inclusive em crianças a partir dos 10 anos , como foi comprovado na Alemanha. A Coca-cola também tem agentes muito nocivos para o magnésio, a vitamina A e o ácido escarbórico, essenciais à nossa saúde.
O PH do refrigerante é de 2.5, o que significa que está a meio caminho entre o vinagre e os nosos sucos gástricos…


Outros estudos associam essa bebida à cárie, à hiperactividade e à agressividade infantil. Desde que as empresas de refrigerantes conseguiram contratos de exclusividade com as escolas, os adolescentes passaram a beber duas vezes mais essas porcarias do leite.
Há ainda que considerar que, na década de 80, esta corporação substituiu o açúcar de glucose ou de frutose, pela mais barata e disponível frutose do milho – que já é maioritariamente transgénico…


A Coca-Cola tem praticado uma publicidade enganosa e agressiva dirigida às crianças; opõe-se a políticas de reciclagem das suas embalagens (manifestando uma alergia ao principio do “poluidor pagador”); está envolvida em práticas comerciais fraudulentas e tem um longo historial de discriminação racial. Muitíssimos outros podres virão ao de cima suscitando a atenção até dos cidadãos mais indiferentes por todo o mundo ocidental. Pese embora os nossos olhos e as nossas mãos raramente se dirigirem para os oprimidos do hemisfério sul e da Ásia, por aquelas latitudes os autóctones não estão de olhos fechados. As fábricas da Coca-cola na Índia (implantadas em 2000, com a inauguração da sua fábrica em Plachimada, distrito de Palghat, Kerala) exploram em demasia os aquíferos, tornando praticamente em desertos as comunidades agrícolas circundantes. (A primeira dessas fábricas perfurou 65 poços, de onde extraem diariamente 4,5 milhões de litros de água.) Os seus resíduos tóxicos são despejados no meio ambiente sem o necessário tratamento prévio, originando enfermidades e miséria generalizadas. Os responsáveis por essa unidade fabril começaram por responder aos protestos dos agricultores dizendo que os seus resíduos tóxicos eram «bons fertilizantes para a terra».
A versão indiana deste famoso refrigerante contém substâncias tóxicas (nomeadamente resíduos de pesticidas) proibidas nas versões norte-americana e europeia. A ONG indiana Centre for Science and Environment (Centro para a Ciência e o Ambiente) analisou vários refrigerantes (ex.; Coca-Cola, Pepsi, Seven Up, Fanta, Thums Up, Limca,…), chegando à conclusão de que o teor de resíduos de pesticidas muito perigosos (ex.: Lindano, DDT, Malation,…) chega a ser 36 vezes superiores ao que é permitido na U E! Não admira que, na Província indiana de Andhra Pradesh, a Coca-Cola seja considerado um pesticida eficaz…(apesar do cariz quase anedótico e excepcional, parace ter causado mais comoção na opinião pública o caso do pequeno cadáver de um réptil encontrado numa garrafa da Coca-Cola…)
A 7 de Dezembro de 2004, o Supremo Tribunal Indiano deliberou que a Coca-Cola e a Pepsi deveriam colocar nos rótulos dos seus refrigerantes um aviso aos consumidores relativo ao facto de conterem um (tão pleonástico quanto perigoso) excesso de resíduos de pesticidas. A decisão não foi respeitada pelas citadas corporações, que contra atacaram apresentando resultados díspares manipulados pelos seus cientistas, enquanto que os seus advogados Chico-espertos vão brincando com o sistema judicial, protelando a decisão do tribunal até a conseguirem (?) anular.
Em 1970, devido à recusa da Coca-Cola em revelar os ingredientes, conforme estipulava a nova legislação, foi banida da Índia (quando ainda era apenas uma bebida de importação). Este boicote legal só foi anulado (em 1993) devido às políticas neo-liberais que estão a dar cabo do mundo.


A ocupação ilegal ( ou com recurso ao seu poderoso lóbi para fazer vergar a vontade dos governos locais e receberem todo o tipo de benesses injustas) de propriedades privadas e comunais (sendo a Índia um país onde a terra é um bem escasso) destruiu a economia local. Tudo isto levou a que alguns estados indianos boicotassem oficialmente o consumo de Coca-cola, sendo a imagem desta marca tão fortemente conotada com o imperialismo estado-unidense que, aquando da última Guerra no Golfo Pérsico, os protestantes indianos, ao se manifestarem contra a invasão do Iraque, exigiam esse boicote. É importante que na Índia a contestação tenha passado das ruas para os tribunais e para as agências governamentais que têm sancionado a multinacional, mas esses reveses não conseguirão abalar o “rei dos refrigerantes” se a luta concertada não for eficiente/impactante onde a corporação tem os seus maiores lucros e onde assenta o maior poder da sua imagem, ou seja, nos EUA e na Europa. Foi a mobilização popular das comunidades indianas indignadas e insubmissas que levou ao governo regional a não revogar a licença de exploração da malfadada fábrica em Kerala alegando que « devido a que a excessiva extracção de água subterrânea provocada pela empresa Coca-cola [em Plachimada] está a provocar uma aguda escassez de água potável em Perumatty Panchayat e nos lugares adjacentes. Por respeito ao interesse público, resolvemos não renovar a licença da citada empresa.» Os advogados da corporação levaram então o caso até à Corte Suprema de Kerala, que, na pessoa do juiz Nair, deliberou não Ter a Coca-cola o direito de explorar excessivamente uma riqueza natural que a todos pertence. Como é obvio, a moral impoluta da sua deliberação baseou-se sobretudo num princípio legal denominado Doutrina do Monopólio Público. Segundo o juiz Nair, «este radica, em primeiro lugar, no princípio de que os benefícios do ar, da água e dos bosques são tão importantes para as pessoas que seria completamente injustificado fazer deles objecto de propriedade privada.» A democracia deveria, pois, reconhecer direitos à iniciativa privada, mas não ao ponto de os seus interesses se sobreporem ao usufruto popular de bens que são comuns e essenciais à sobrevivência das comunidades. Assim, a polémica fábrica foi encerrada. Mas houve algumas irregularidades neste processo judicial, o que permitiu um segundo julgamento (em Abril de 2005) liderado por outros dois juízes muito mais permeáveis à influência da Coca-cola... Por exemplo, o comité de especialistas que forneceu pareceres técnicos aos magistrados neste julgamento tinha no seu seio um representante da Coca-cola, mas nenhum das comunidades indianas afectadas. A multinacional, mais do que perder um negócio na Índia, temeu a abertura de um precedente à escala global em que pudesse ser responsabilizada pelos seus frequentes atentados ambientais e aos direitos humanos. Por isso, moveu enormes e eficazes pressões junto do governo indiano. Desta feita, os juizes Ramachandran e Balachandran pronunciaram-se em favor da Coca-cola… Considerando que, se os «cidadãos têm o direito de extrair água das suas propriedades (...), o Panchayat (governo regional) não detém a propriedade desses mananciais públicos, e, como tal, não pode negar direitos de propriedade aos ocupantes» (sic) Foi esta “brecha legal” que encontraram na Doutrina do Monopólio Público para beneficiar a multinacional vilã. Mas estes argumentos “metem água por todos os lados”, pois os agricultores geralmente têm que se sujeitar a autorizações das autoridades para poderem efectuar furos nas suas propriedades. Por vezes, os campesinos juntam-se para construírem charcas – que são essenciais para que as pessoas, o seu gado e até a vida selvagem sobrevivam aos períodos de seca. Estas empreitadas exigem muito esforço em regime de voluntariado, chegando até a consumir as parcas poupanças dos intervenientes. Uma vez concluídos estes projectos hidráulicos artesanais, as autoridades assumem posse sobre eles. (Vandana Shiva, 2005)
O modo como pressionam os governos para que possam fazer o que lhes aprouver mesmo fora das ZPEs (zonas de produção especial, que são buracos negros legais e infernos sociais e ambientais). Simultaneamente, impulsionam a privatização injusta da água. (Tanto na Índia como no México estas atrocidades cometidas pela Coca-Cola estão bem documentadas por numerosas entidades independentes.) Para além dos refrigerantes e do merchandizing, Coca-Cola tem as suas presa fincadas no mercado da água engarrafada. Esta sinecura abjecta permite (sobre)explorar um bem comum e essencial pagando por isso quantias ridículas, enquanto que as comunidades locais sofrem as consequências – a aflitiva escassez de água, a contaminação generalizada e a indignante frustração de se sentirem humanos inferiores desprovidos de direitos…
A Coca-cola (e outras corporações concorrentes) anuncia a sua água engarrafada como sendo «pura, saudável e segura» (sic), mas, na verdade, em grande parte dos países onde é captada e comercializada, não existe qualquer prova científica de que essa água é de superior qualidade à da rede pública. Aliás, é comum a legislação dos países pouco industrializados ser omissa quanto aos parâmetros de qualidade da água engarrafada. Por exemplo, foi descoberto que, no Gana, a Coca-cola limita-se a engarrafar água que tira da rede pública, disfarça o sabor a cloro e, de seguida, exporta-a a um preço elevado. Esta fraude (bastante comum…) é agravada pelo facto de que a água potável é escassa naquele país africano; mais, a pequena cidade de Teshie (com uma população aproximada de 15 mil habitantes) tem vindo a enfrentar regularmente problemas de escassez e cortes no abastecimento público de água, pois o precioso líquido é prioritariamente encaminhado para a fábrica da Coca-Cola mais próxima… (Rudolf Amenga-Etego, 2004)
Em muitos sítios (com destaque para a África e para a Ásia) o acesso a esse refrigerante é mais fácil do que o acesso à água potável. Em África é normal que em pequenas povoações no mato que não dispõem de electricidade, os únicos geradores disponíveis se destinem à refrigeração de Coca-colas em esconsos estabelecimentos comerciais… Na Índia constatei que a maioria das empresas que comercializam água “mineral” (nem sequer havia legislação que definisse o que isso é…) engarrafada limitavam-se (ainda será assim?) a abastecer-se da rede pública e de seguida sujeitavam a água a um “tratamento” com radiações nocivas para a nossa saúde. A multinacional em causa tem suficiente poder sobre os governos para que esta situação inadmissível se mantenha. Assim pode continuar a vender água de duvidosa qualidade a preços centenas e, por vezes, até milhares de vezes superior ao que nos custaria se nos limitássemos a beber directamente da torneira (mas não em Alpiarça)…
Há ainda que considerar que o comércio da água engarrafada exige o consumo de uma quantidade ingente de combustíveis fósseis (sobretudo no seu transporte). O respectivo cálculo confinado ao território estado-unidense refere que são necessários 1 milhão e meio de barris de petróleo para que os consumidores possam ter acesso a este luxo. (Polaris Institute, 2006)
Tampouco deveremos subestimar o enorme impacto ambiental dos recipientes da água engarrafada, que são maioritariamente constituídos por diferentes tipos de plástico inquinados com substâncias tóxicas – muitas das quais passam para a água e acumulam-se nos nossos organismos. Pensa-se que este processo industrial consuma anualmente 2,7 milhões de toneladas de plástico (cuja reciclagem é quase irrisória). A Coca-Cola é das empresas que mais tem feito lóbi juntos dos governos dos EUA para que não sejam aprovadas leis rigorosas sobre o controlo (sustentável) das embalagens. **

** Pedro Reinhard ,um dos directores do Royal bank of Canada, pertence simultaneamente aos quadros directivos da Coca-Cola e da Dow Chemical – duas corporações conhecidas por desrespeitarem sistematicamente e com gravidade o ambiente e os direitos humanos, mas mantendo-se praticamente acima da Lei. Outro dos maiores figurões dos quadros directores da Coca-Cola, Neville Isdelc, pertence também ao concelho de administração do Center for Strategic and International Studies, onde são concebidas algumas das maiores conspirações político-industriais e financeiras do nosso tempo, constituindo uma das cabeças da hidra do capitalismo imperialista.
Charles McTier está a frente da Fundação Robert Woodruff (o lendário patrão da Coca-Cola, que faleceu em 1985), sendo igualmente drector do Sun Trust Banks os Georgia (que em Wall street é conhecido como “o banco da Coca-Cola” e que guarda a mítica e ultra secreta fórmula da beberragem mais famosa do mundo).
A Panamco (que era a empresa colombiana que detinha o monopólio do mercado das embalagens/recipientes para bebidas) fundiu-se com a FEMSA, dando origem à Coca-Cola FEMSA. No seu quadro de directores está Alexis Rovzar, que é ainda sócio executivo da firma de advogacia White&Case. Estes conhecidos (e temidos) tubarões das leis não apenas representam a Coca-Cola no pleito judicial movido (ao abrigo do «Alien Tort Claims») pelo United Steelworkers of América e pelo SINALTRAINAL contra o gigante corporativo, como também foram os responsávei pela investigação “independente” que ilibou a Coca-Cola das inúmeras queixas sobre os seus abusos aos direitos humanos …


Por toda a América do Norte cresce contestação à marca, nomeadamente os sindicatos pedem o seu boicote e as universidades exigem a revogação dos contratos de patrocínio que têm assegurado grande parte da popularidade da Coca-Cola naquele continente.
Na Europa teremos que nos mobilizar para encontrar outros meios de dar a entender às corporações que não podem fazer tudo em nome do lucro. O silêncio (comprado) dos media e dos políticos não é suficiente para deixar descansados os executivos e os accionistas da Coca-Cola quanto ao desfecho das campanhas de protesto de que estão a ser alvo.
Atendendo a que esta multinacional tem lucros anuais que excedem os 4 mil milhões de dólares, uma ínfima fracção dessa verba bastaria para resolver os problemas (sociais e ecológicos) de que a empresa é responsável. O seu poder económico dá-lhes um poder político suficiente para forçar o governo colombiano (ou qualquer outro governo que esteja a cometer abusos e ilegalidades de alguma forma associados à corporação em causa) a parar de perseguir os trabalhadores explorados.
Pelos mesmos motivos, a comunidade islâmica no ocidente decidiu criar refrigerantes (como a Mecca Cola e a Quibla-cola) com um aspecto e um sabor semelhantes à marca americana que detestam (pelo seu simbolismo e conotações políticas), tentando roubar-lhe o mercado entre os seguidores do Corão. A Mecca Cola até se afirma como um negócio humanitário, asseverando que entrega 10% dos seus lucros à causa palestiniana. Se a exploração corporativa é global (a Coca-Cola está envolvida comercialmente com 300 marcas em mais de 200 países), a resistência a ela terá que ser igualmente articulada e sustentada globalmente.

Obviamente que a alternativa à Coca-Cola são os sumos naturais (preferencialmente caseiros ou provenientes de cultura biológica), não a Pepsi. Quanto a esta multinacional eterna concorrente da Coca-Cola, não se livra de um extenso rol de podres no seu currículo, dos quais podemos citar o facto de os seus responsáveis terem apoiado a carreira política de Richard Nixon. Como retribuição, o Presidente Nixon aceitou arranjar maneira de colocar uma Pepsi nas mãos de Khruchtchev, durante uma cimeira entre os líderes das duas maiores potências mundiais que decorreu num dos momentos mais tensos da Guerra Fria.
Ainda sob a administração de Nixon, a CIA chegou a utilizar as fábricas da Pepsi no Vietname para refinar a cocaína, cuja pasta extraída das papoilas era adquirida no Laos e na Birmânia. Uma vez processada a droga, a CIA, em colaboração com a Máfia estado-unidense, vendia-a preferencialmente nos guetos ocupados por afro-americanos que então começavam a organizar-se para lutar pelos seus direitos civis. (Para além de não terem acesso a uma educação/instrução, empregos e moradas decentes, o poder branco, para manter os seus privilégios de apartheid precisava enfraquecê-los ainda mais fomentando a toxicodependência. Por isso, fornecia à minoria negra drogas duras a preços da uva mijona.) As enormes receitas daí decorrentes eram investidas no negócio ilícito de armas e para financiar guerras secretas contra os “comunistas” de todo o mundo.
Ainda hoje a Pepsi continua a negociar com o regime brutal de Myanmar e há fortes suspeitas de que esta corporação não abandonou de todo o negócio paralelo – e mui lucrativo – de drogas na Ásia.
Como última curiosidade, Nixon comparecia regularmente às inaugurações de fábricas da Pepsi, e no dia em que foi assassinado o Presidente J.F. Kennedy, Nixon atendia a uma convenção da Pepsi precisamente na cidade de Dallas...
Um dos casos que no final dos anos (19)90 fez correr mais tinta pelo seu carácter anedótico e ao mesmo tempo extremamente perturbador, foi o de um finalista da Escola Secundária de Greenbriar (Geórgia, E.U.A.) chamado Mike Cameron. Ora este adolescente foi suspenso pelo concelho directivo por ter cometido o infame atrevimento de vestir uma T-shirt com o logótipo da Pepsi no dia em que o seu liceu declarou como «Dia Oficial da Coca-Cola»!...
Mais recentemente, um dos camionistas da Coca-Cola chamado Rick Bronson foi despedido porque, alegadamente, fora visto várias vezes a consumir Pepsi… sem muita surpresa, constatou-se que a empresa anda à procura de quaisquer pretextos para o despedir devido ao seu envolvimento com actividades sindicais. Foram necessários muitos protestos mediáticos, para que o Sr. Bronson fosse readmitido na Coca-Cola Co. .(Alguns dos anúncios publicitários desta marca brincaram com este incidente, fingindo que a fidelidade à corporação, supostamente cultivada pelos seus empregados, se deve, acima de tudo, ao insuperável sabor do seu refrigerante…)

Uma deliberação judicial contra a Coca-Cola (do início do séc. XX, mas ainda vigente) proibiu a utilização de crianças na publicidade desta corporação, devido aos alegados danos para a saúde causados pela cafeína. Mas a sua publicidade ubiquista consegue contornar facilmente essa proibição, nomeadamente através do patrocínio de grandes eventos desportivos (não nos esqueçamos que são os principais patrocinadores da FIFA e dos jogos olímpicos, incluindo provas infanto-juvenis) e de filmes como a saga (ou praga?) Harry Potter.
Em 1982, também compraram a Columbia pictures, tendo custeado (até 1989) vários filmes (para todas as idades) cheios de publicidade mais ou menos encoberta.

http://www.killercoke.org/

http://www.hrw.org/children/labor/elsalvador/

http://www.laborrights.org/

http://www.colombiasolidarity.org.uk/



«Nenhuma nação por si só pode enfrentar com sucesso o projecto da globalização corporativa. (...) A mudança radical não a podem negociar os governos, só a podem forçar os povos. (...) Embora o nosso movimento (alterglobalização) tenha conseguido umas vitórias importantes, não devemos permitir que a resistência - não violenta - se atrofie e se converta num bonito teatro político sem consequências.» - Arundhati Roy
A acção popular directa e pacífica é a única forma de fazermos os políticos respeitarem os objectivos políticos que não sejam ditados ou boicotados pelas corporações e pelas afinidades partidárias. Como bem aprenderam algumas das associações mais aguerridas e impávidas que combatem os poderosos interesses estabelecidos, não basta tentar sensibilizar a opinião pública e os políticos. A pressão constante (que no caso de algumas destas ONG pode classificar-se de pura intimidação) aos accionistas e fornecedores (por mais secundário que pareça o papel destes últimos) é a forma mais eficaz de obrigar uma empresa a sentar-se à mesa das negociações.
As nossas vidas são tão artificiais e escravizadas por uma apertada malha de dependências das leis do mercado, que apenas a vigilância civil e o boicote jamais fragmentarão o cartel corporativo, trazendo/resgatando a economia para uma escala humana, comunal, sustentável; mas poderão força-lo a adoptar códigos de conduta baseados em valores éticos que a sociedade actual considera aceitáveis. E não pensem que é só nos países ricos do ocidente que as pessoas com consciência e ideais têm o poder organizativo e técnico para fazer frente a estes problemas globais. A contestação erupciona por todo o mundo e algumas das maiores vitórias foram conseguidas/encabeçadas pelo/as nosso/as companheiro/as que habitam em países pobres.
Os votos e o boicote tampouco são totalmente democráticos e eficazes. Por um lado, nenhum de nós tem poder de voto sobre as decisões das corporações e das instituições financeiras supra governamentais. Para os que acreditam valer a pena votar na tradicional “dança das cadeiras de S. Bento”, a participação (por escrutínio directo) na eleição de determinadas personalidades da vida pública (que não têm vidas nada parecidas às do cidadão comum que dizem representar) não significa que lhes passemos procurações para decidirem o que lhes apetecer em nome dos que neles votaram e dos que não o fizeram. A legitimidade dos políticos advém dos seus actos práticos e – começando pelo cumprimento das suas promessas! - , não tanto dos votos que recebem do povo cada x anos.
Quanto ao boicote, centenas de milhões de pessoas não podem exercer esse mecanismo de pressão porque não têm recursos suficientes para serem considerados consumidores segundo os padrões ocidentais, não auferem de cobertura mediática, ou estão à margem do consumismo por opção (excluídos da “nova ordem mundial”, tal como foi anunciado por George Bush I no início dos anos 90), mas, nem por isso, deixam de ser vítimas das corporações. Os que na nossa sociedade procuram vivências alternativas, cultivando a auto-suficiência, no imediato e a curto prazo poderão ser os mais penalizados pelo sistema, mas a longo prazo são os que têm mais hipóteses de sobreviver, além de levarem um avanço precioso no ensaio de modus vivendi mais benfazejos e interessantes.

Paulo Barreiros

Sem comentários: