quinta-feira, junho 15, 2006

O Império do Mal (II)

A verdadeira "cortina de ferro" é a que separa os produtores dos consumidores, independentemente das cores políticas dos países. O comércio actual só beneficia os intermediários especuladores. Mais do que o segredo, é a supressão das consciências que faz a alma dos actuais negócios - quanto mais desalmados, mais lucrativos. Os consumidores perdidos na deslumbrante parafernália tecno-industrial são induzidos a crer que as realidades virtuais (que escamoteiam lindamente as legislações, nomeadamente no que se refere aos crimes sexuais) estão a tornar-se mais agradáveis do que a realidade do quotidiano cinzento e desprovido de sentido. A verdade é que o pior do nosso mundo - a miséria e a destruição de outros seres humanos e da natureza silvestre/indomada - é consequência directa das acções globais decorporações que ocultam os seus métodos predatórios sob os engodos iridescentes dos logótipos impingidos por estelionatárias campanhas publicitárias que nos seduzem e embotam como drogas psicadélicas.Com agressivamente contundente George Orwell referiu-se à publicidade como «o remexer dum pau dentro dum balde de comida para porcos.»Definitivamente, o marketing transformou a natureza na mais concorrida das prostitutas.
Mais uma curiosidade do mundo das multinacionais: o que a Nike gasta por ano em publicidade é o equivalente à soma dos ordenados de 50 mil empregados da sua fábrica Yue Yen, na China, durante 19 anos... E o salário do presidente da Nike, Phill Knight, em 1994, equivalia a 15 séculos de trabalho de cada empregado dos seus empreiteiros chineses …As mesmas sapatilhas que lá se produzem custam a essa corporação uns 5 dólares (dados de 2000) mas são vendidas no ocidente até 150 dólares a unidade. Grande parte dos clientes (cultores) destas marcas podem sentir indiferença pelas horríficas condições em que foram fabricados os desejados artigos, mas talvez reagissem de modo diferente se percebessem que estão a ser extorquidos. Pior, as dificuldades monetárias em que muitas das suas famílias vivem, em parte deve-se à migração das fábricas para pontos longínquos (mas não suficientemente longe do olhar da opinião publica ocidental como gostariam as corporações) do planeta, deixando milhares de pessoas no desemprego.Como disse Groharlem Brundland : «somos uma só Terra, mas estamos longe de ser apenas um mundo.» O cineasta e activista político Michael Moore, numa entrevista a Joel Bakan(autor do livro - fundamental - «The Corporation: the PathologicalPursuit of Profit and Power», que originou um/redundou num documentáriohomónimo e aclamado tanto pela crítica como pelo público) fala sobre a ironia de serem as grandes corporações a distribuir o seu trabalho, mesmo que ele empregue o dinheiro que estas lhe pagam a denegri-las. As razões para esta aparente incongruência deve-se, segundo Moore, a que , primeiramente, as multinacionais não têm outros valores que não os pecuniários. Logo, como existem milhões, de pessoas dispostas a pagarem para "ouver" as polémicas mensagens dos seus documentários, para algumas das maiores distribuidoras de filmes trata-se de um investimento seguro. Em segundo, porque essas corporações sentem-se suficientemente intocáveis, confiando que as audiências poderão comover-se e indignar-se, mas não irão modificar os seus hábitos para tomarem uma atitude de protesto construtivo, até porque quase todos os canais para agir contra o poder corporativo e militar estão bloqueados e a população foi alvo de uma bem sucedida lavagem cerebral.Moore diz operar pelas maiores gretas do capitalismo: a sua ganância desmedida, acrescentando que são «como um homem ganancioso que nos vende a corda que o irá enforcar, se julga que isso o fará mais rico.» (sic)
A estrutura orgânica das corporações (entendidas como reuniões de investidores em torno de negócios cujos investimentos/montantes transaccionados e lucros obtidos seriam impossível de alcançar pelos accionistas individualmente; não têm propriamente uma pátria, comprando empreendimentos comerciais por todo o lado; fundindo-se e abandonando/liquidando, como se se tratassem de carcaças exangues, as empresas que deixam de render por terem sido geridas de forma insustentável, pensando no lucro máximo a curto prazo, vendendo-as por fim às partes, deixando atrás de si uma legião de desempregados e devastação ambiental ) remonta aos finais do séc. XVII, inícios do séc.XVIII. o passo seguinte foi a aprovação de leis que desresponsabilizavam os investidores pelas acções funestas/danosas perpetradas pelas empresas de que eram responsáveis. Embora seja menos difícil vermos uma cigana frequentar um cursos universitário em Portugal, do que um administrativo/executivo de um grande conglomerado empresarial atrás das grades por danos que a sua empresa causou à sociedade eao ambiente, existe essa remota possibilidade, mas os accionistas são sempre intocáveis/ilibados. A figura legal das corporações só as "legitima" a obter o máximo de lucros para os accionistas, isentando-as de responsabilidades sociais. Tanto assim é que a morte de inocentes pode ser “justificada” se for lucrativa para as corporações.Nos EUA, durante o séc. XIX, o Supremo Tribunal reconhecia o estatuto de"pessoa legal" às corporações. Como sangue derramado em águas cheias de tubarões, isso deu o mote aos advogados para reivindicarem para as corporações que representavam a protecção que a 14ª emenda concedia para os escravos libertos após a Guerra da Secessão. Parece incrível, sobretudo porque, em toda a história da humanidade, nunca houve nada nem ninguém que tivesse escravizado tantas pessoas como as corporações. Em 1994 a General Motors (GM) foi processada devido a um acidente (ocorrido no ano anterior) que provocou queimaduras graves nos cinco ocupantes de um veículo (um Chevrolet Malibu de 1979) como consequência da explosão do seu tanque de combustível. A família acidentada (uma mãe com os seus quatro filhos – todos ficaram desfigurados) tinha o carro parado num sinal de «stop » e outro veículo veio contra eles embatendo por detrás. Este trivial acidente de tráfico não teria tido consequências tão graves se o tal Chevy não apresentasse uma construção deficiente no que se refere à segurança dos seus ocupantes: o tanque encontrava-se perigosamente posicionado cerca do pára-choques traseiro. Tal desrespeito pela vida dos seus clientes não era fruto de negligência/incompetência ingénua; ficou provado em tribunal que a GM tinha plena consciência da perigosidade dos seus modelos de automóveis; disso dava conta um relatório interno datado de 1973 (ano em que estavam a desenhar o Chevrolet Malibu) e não ocultava a morte de aproximadamente 500 pessoas em situações análogas. Com a frieza característica dos homicídios premeditados, os directores e os engenheiros da GM fizeram as suas diabólicas contas: se a empresa tivesse que pagar 200 mil dólares (preço a que eram cotadas as vidas humanas na altura) de indemnização por cada morte prevista, e dividindo essa quantia pelos 41 milhões dos seus carros em circulação, isso prejudicar-lhes-ia o negócio em 2,4 dólares por carro (não contando, claro, que a má publicidade pudesse arruinar-lhes as vendas). Os custos de construção inerentes a tornar os seus carros mais seguros (apenas restringindo-se à localização mais adequada dos tanques de combustível) custar-lhes-ia 8,59 dólares por carro. Dou um doce a quem adivinhar qual foi a decisão da GM…A ascensão do império corporativo está inegavelmente associada aos regimes totalitários fascistas (lá vai mais uma redundância). Tomemos como exemplo oevento mais terrífico do séc. XX, a II Guerra Mundial, para compreendermos como os lucros da indústria e das corporações são proporcionais ao sofrimento das massas oprimidas. Algumas das maiores empresas da actualidade apoiaram Mussolini e Hitler, e obtiveram lucros obscenos com esse investimento nas esferas políticas mais ignóbeis. (a chegada ao poder destes, e de outros, ditadores provocou um aumento de investimento dos capitais por parte dos industriais, libertos das nmedidas de protecção social, dos sindicatos e dos partidos que apoiavam os direitos dos trabalhadores.) Algumas não se limitaram a negociar com os nazis (ex.: Coca-Cola, IBM, International Telephone and Telegraph, Ford MotorCompany, Selecções do Reader´s Digest...), mas foram ao extremo deboicotarem os esforços de guerra do seu próprio país no intuito deinflaccionarem os preços dos seus produtos e serviços. Tal foi o caso da Alcoa(que detinha o império do alumínio, assegurando que este material essencial à conclusão do conflito bélico **, da General Motors, da Du Pont, da Standart Oil of New Jersey (que foi a empresa-mãe da Exxon), entre outras.
Como é que a dinastia dos Bush conseguiu tanto poder na cena política ecorporativa norte-americana? O avô (Prescott Bush) e o bisavô (George Walker) do actual presidente George Walker Bush foram ambos capitalistas que apoiaram (ideológica e financeiramente) a escalada política de Hitler, desde os anos 20 até ao controlo da Alemanha nazi. Os Bush amealharam uma fortuna à custa do trabalho escravo proveniente dos campos de concentração (incluindoAuschwitz).Durante a guerra, enquanto George Bush I comabtia os nazis na Europa, o seu pai continuava a ser o banqueiro secreto de Hitler… Mesmo após o termino da guerra, a dupla Walker&Bush estiveramenvolvidos na lavagem de dinheiro proveniente de saques aos tesouros nazis(“ladrão que rouba a ladrão...").Transcendendo os interesses na indústria petrolífera, a guerra continua a ser um negócio de família para os Bush. William Bush é tio do actual presidente (sendo o irmão mais novo daquele que foipresidente dos EUA entre 1989 e 1993) que, uns meses antes do seu sobrinho tomar de assalto a Casa Branca,aceitou o convite para pertencer ao conselho administrativo da empresa Engineered Support Systems Inc. (ESSI). Esta fornece uma panóplia de materiaispara o exército (ex.: radares, geradores, blindagens, abrigos para ataquesquímicos e biológicos, etc...). O "tio Bucky" (como é conhecido pelafamília) é um homem de negócios astuto. Com a aproximação da invasão doiraque, aproveitou para adquirir o máximo de acções da sua empresa, sabendoque isso o faria milionário em pouco tempo. Assim foi. A ESSI tem ganho vários contratos (de dezenas de milhões de dólares) com o exército, não secoibindo de apimentar/fermentar os seus preços (é que, à semelhança do quetem sucedido com a Halliburton, alguns desses contratos foram-lhes entreguesde bandeja, sem passarem por concursos públicos). Mais, no Pentágono, asupervisão e aprovação dos mesmos ficou a cargo de um alto cargo do exército que acabou por enfrentar uma pena de prisão efectiva por ter favorecidofraudulentamente a Boeing. Oficiais do departamento de defesa assinalaram irregularidades nesses contratos, mas não as consideraram dignas de uma investigação mais aprofundada)Entetanto, a ESSI expandiu os seus negócios, aliando-se aos governos da Arábia Saudita, de Israel e até da China. O "tio Bucky" deve dar graças aos céus (e aos seus) por, na lotaria cósmica, não lhe ter calhado um Mahatma Ghandi como sobrinho... ** O Secretário do Tesouro da administração George W. Bush , Paul O´neil, foi Presidente executivo E da Alcoa (durante 13 anos) e, usando a sua influência no governo (nos 23 meses que lá esteve), conseguiu para essa empresa uma carta branca para poluir.A generalidade dos membros do governo dos EUA liderado por George Bush filho saltaram para a Casa branca desde os altos cargos das corporações que agora favorecem, com destaque para as que comercializam armamento, petróleo e medicamentos.


Essa riqueza foi depois investida em negócios do petróleo e finalmente no impulsionar das carreiras políticas dos seus descendentes. Nos anos (19)30, a América dos ricos estava assumidamente seduzida pela ideologia e metodologia fascista (que foi o laboratório corporativo da pilhagem imoral que estamos a viver à escala global). O presidente Franklin Roosevelt tentou, com o seu programa político denominado "New Deal Administration", tirar o país do buraco financeiro da recessão, fazendo com que os barões corporativos pagassem somas minimamente justas de impostos, apoiou empresas públicas para que estas assegurassem o abastecimento de bens essenciais, aprovou algumas leis de protecção social, nomeadamente aos trabalhadores. Por este motivo, os capitalistas norte-americanos queriam vê-lo fora da casa branca - vivo ou morto! - , não estando dispostos a esperar por novas eleições presidenciais, até porque se arriscavam a que fosse reeleito. Assim, em 1933 (no mesmo ano em que Hitler chegou ao topo do poder estatal, um grupo de conspiradores endinheirados contactou/tentou cooptar o general Smedley Butler, pedindo-lhe que encabeçasse um golpe de Estado que o levaria a ocupar o célebre gabinete oval. (Além de alguma argumentação fascista, entregaram-lhe uma avultada maquia para que reunisse um pequeno exército de mercenários/terroristas.)
Mas qual a razão de terem eleito este general para se tornar um ditador-marionete? É que, mais do que ser na altura o "herói de guerra" mais condecorado, o velho Marine tinha um impressionante currículo , utilizando o exército dos EUA com o intuito de, no estrangeiro, preparar o terreno para o controlo financeiro por parte das empresas do seu país. Vale a pena ler a declaração que Butler proferiu numa convenção da Americam Legion, em Connecticut, 1931.«Passei 33 anos a desempenhar o papel de homem de força de alta roda/classe ao serviço do Big Business (grande capital), para a Wall Street e para osbanqueiros. Em suma, fui um ganster do capitalismo...(...) Ajudei a limpar a Nicarágua para a International Banking House of Brown Brothers, entre 1909 e 1912. ajudei a tornar o México (...) seguro para os interesses da indústria petrolífera [norte-]americana, em 1916. no mesmo ano, subjuguei a resistência da República Dominicana ao monopólio das empresas de açúcar [norte-]americanas. Ajudei a tornar o Haiti e Cuba sítios decentes para que os rapazes do National City [Bank] aí pudessem sacar dividendos. Ajudei a violar meia dúzia de republicas da América Central para benefício de Wall Street...na China, em 1927, eu tornei possível que a Standard Oil pudesse fazer as suas conquistas comerciais ser ser molestada...Tinha ao meu dispor óptimos meios de intimidação. Por isso fui recompensado com honras, medalhas, promoções... Poderia até ter dado algumas dicas ao AlCapone. Afinal, o melhor que ele conseguiu foi operar extorsões em três cidades; os Marines operaram em três continentes.»
Felizmente o general Butler não estava interessado em continuar a ajudar os capitalistas mais ambiciosos, e muito menos em derrubar ilicitamente o Presidente Roosevelt. Mas, a fim de reconhecer todos os implicados na conspiração, fingiu alinhar com eles, e, uns meses mais tarde, denunciou-os atodos ante a MacCormack-Dickstein House Committee. O golpe de Estado foi, deste modo, frustrado, mas nenhum dos conspiradores multi-milionários e extremamente influentes na vida política (incluindo os responsáveis pelaGeneral Motors, pela Du Pont, pelo Morgan bank, pela Good Year e pela JP Millan) foram chamados a depor; nenhuma sanção legal pesou sobre eles, continuando descaradamente/impunemente a boicotar as políticas sociais de Roosevelt.
Ainda hoje há pelo menos 57 grandes corporações estado-unidenses que fazem negócios (impunemente) com os governos oficialmente declarados inimigos e com todo o género de déspotas.

Paulo Barreiros

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