domingo, junho 18, 2006

A Escola-Estado-Empresa
ou
Revoluções nos Baldios
Reorganizando-se, o arquivo defeca
Fichas de adolescentes escolares,
Num baldio próximo.
As suas expressões forçadas,
Não escondem o olhar consternado
Ante a morte prematura.
Holocausto virtual. Não importa.
A tragédia é a das consciências
Suprimidas e formatadas
Pela e para a Megamáquina.
Osmose cibernética da escravidão.
Estuprados pela indiferença
E famintos de verdade e de justiça,
Escancaramos os buracos da cabeça,
Oferecendo aos desesperados
A caixa de ressonância
Dos nossos peitos abalroados
(Covil de esqueletos
Que são diapasões;
Conjuras de cristal
Prestes a estilhaçar-se…)
Para que em nós ecoem
Os seus gritos amordaçados.
Garotos, fujam para a floresta!
Terão os vossos proprietários absentistas
E todos os adestradores de secretária
Conseguido imunizar-vos
Contra a liberdade comunalista?
Já abjuraram a inocência dos vossos sonhos,
Substituídos por uma lista de compras?...
A tribo dos marginais conscientes
Está dispersa e enfraquecida,
Mas ainda celebramos
Mitologias vivas
Epistemológicas
Iconoclastas;
Ainda fazemos amor
Para além dos corpos;
Ainda nos aquecemos(Até à queimadura)
Na pira das paixões idealistas!
Não temos uma terra prometida,
Temos as unhas ensanguentadas
De afiar lanças-libertárias…

Revolução Verde

Spartacus, Zumbi, Osceola e Mohamed Ali

versus (verso e reverso – fora versículos!)

Cristo, Gandhi Buda e Martin Luther King

Feto infecto

Dualidade mal casada

Que dilacera o espírito libertário

Celeuma de radicais livres

Que escaparam às boas intenções

Das exaustas mitocôndrias

Que jamais saem à rua…




O Carnaval Medieval

e

A Cruzada das Bacantes

ou

Rapsódia Pop Sincrética


O remorso queima-lhe as entranhas.
Por entre miasmas e lençóis ensanguentados,

Barbara Cillei agoniza sem salvação.
Urra uma derradeira vontade: « Voltarei!...»

…Para o incesto fraternal e a magia negra…

E voltou… nas páginas dum romance.
(O sorriso cúmplice de Angelina Jolie …

Ah, se Jim Morrison fosse vivo, comia-a!)
Sigemundo rouba o corpo da sua amada.
Um amor que transcende a moral
E os limites da natura.
Invoca o Príncipe das Trevas
Num ritual de ressurreição.
Mermado pela idade e pela doença,

Mas sem essas pretensões vampíricas,

O genial Leonardo escreve: « Eu continuarei!»

Carmila partiu uma unha

À procura da mandrágora

Que cresce no sopé do castelo

Sob a erecção dos enforcados.

Ali perto, Dríade lava os seus cabelos

No regato que nunca saciará a sede

Do jovem monge que a espreita…

Os anéis de Morgana carregam venenos

Sempre que partilha o vinho com Merlim.


A Rainha Branca oculta-se da luz solar.
As suas pupilas abrem-se como o Maelström,
Fazendo lembrar os olhos duma coruja.
Não é da escuridão, nem do desejo;
É da beladona que a deixará cega…
O tempo mantém-se sempre no presente
Porque nos parasita a juventude…
Um gume afiado rouba o líquido vital
Para que a condessa Bathory se banhe
Numa geriática mezinha
Que exige uma hecatombe…
Será emparedada a pão e água,
Sem conhecer o segredo dos nosferatu
Nem o perfume de Teresa d’Ávila.


O sepulcral silêncio dos claustros

É tecido com o ciciar de conspirações.

A cenofóbica arquitectura das celas

Protege a integridade dos místicos

Que castigam a sua carne

Por esta ter vontade própria;

Julgam poder negar a animalidade intrínseca

- Tudo o que é instintivo, é essencial!

Através da litania embrutecedora

E da repetição de rituais litúrgicos

(Vazios de espiritualidade viva),

Esperam a bênção da cegueira divina

Que os ajudará a vencer a natureza-

Onde só vêm pecado, sofrimento e morte…

Aferram-se à virgindade maniqueísta

Das virtudes não testadas

Pelos compromissos da vida.

Martelando as paredes do crânio,

Rebelam-se os demónios interiores

Contra a tirania do hemisfério esquerdo,

E ameaçam escapulir em hordas

De licantrópicas metamorfoses…



Os homens raparam as cabeças
E cobriram os rostos com cinzas.
As mulheres têm os cabelos desgrenhados
E os olhos vermelhos de carpir.
O bruxuleante luto nas suas mãos;
A procissão é uma serpente luminosa
Que acompanha o regresso a casa
Dos restos mortais de Inês,
Aos quais é negado o descanso
Sem antes voltar a servir o marido
Na sua nemésica afirmação de poder.
Reza a lenda que Pedro sentou (a lembrança d)a esposa
No trono que a corte lhe negara em vida,
Obrigando a que reconhecessem a sua soberana.
Na macabra encenação duma cerimónia de coroação,
Genuflectidos, beijam a mão descarnada
Os que compactuaram com o seu assassinado.

Dentes afiados na Pedra Filosofal
Tingem-se com o sangue de dragão
Que os alquimistas extraem das romãs
Colhidas na Floresta Negra…
(…Como os seus preconceitos cabalísticos);
Assim, anelam produzir rubis
Com os quais comprarão princesas
(loiras ubérrimas, de preferência…)
O éter saturado de lamentos
E a presença fantasmal da culpa,
Mantêm-nos afastados dos pântanos
Amortalhados por níveas trevas.
Para lá atiraram os amuletos
Os que perderam a fé,
Deixando de mentir às crianças.
Vigiam-nos sete ninhos de águias
Que serão usurpados pelas harpias
Quando chegar o solstício de Inverno…
Resta-nos a música de Loreena McKennitt
Contra o estupro da alma nas encruzilhadas.
Oiçam a ciranda das bruxas!
(Peidam-se ou pisam sapos?)
Em breve voarão alto,
Cruzando o céu nocturno,
Montadas em vassouras
- Espetadas nas suas vaginas…
Os cabos bem esfregados
Com unguentos alucinogénicos…
Sabem as cantigas de embalar proibidas
Que derrotaram um exército
De números inteiros e de triângulos,
Condenando Pitágoras ao exílio.
Poderiam ser boas mães,
Mas arrostam o anátema
Do conhecimento herético
E da liberdade telúrica.
A cidadela está sitiada.
Choram os herdeiros de Dionísio
Traídos pelos bastardos da Casa de David
Cujo olhar transforma em estátuas de sal
Os que não usam máscaras espelhadas.
As rosas nos confessionários
Tresandam a enxofre…
Disparam flechas à lua
E acertam no unicórnio.
Um trovador vingará a sua morte
Trespassando o arqueiro iconoclasta
Com um dente de narval
(Oferta das Bacantes)
Em Allambra, Isabel enamora-se
Pela cultura que decapitou…

A Senhora conhece o seu corpo
Com a ajuda da aia favorita.
O Senhor há dias que está ausente;
Partiu em expedição de caça.
E percorre o seu feudo
Ao som de belíssonas trombetas.
Latejam-lhe as têmporas
Quando os mastins despedaçam o cervo
Enquanto viola a filha do servo (da gleba)
E amaldiçoa o grasnar trocista das gralhas
Que um dia lhe comerão os olhos
Quando cumprir o seu destino
Prostrado no campo de batalha
Com um ferimento nas costas.
Seguem o sol até à Finisterra.
Há desvios no caminho Jacobeu…
Alguns peregrinos perdem-se.
Passando a vau o Aqueronte,
Atendem ao torneio dos cios.
Logo, juntam-se à [dança da] tarantela
- Quem adormecer, morrerá!...
Rodopiam as saias rodadas;
As rendas a roçagar a poeira,
Como a espuma das ondas na praia,
Solto o sortilégio do mar bravio…
… A humidade salgada na vieiras
Frementes sobre as coxas…
(Como as rosas de Isabel de Portugal…)
Os cavaleiros levantam as viseiras,
Respondendo aos aplausos das moças.
O arrebol nos rostos destas
Não esconde os olhares gulosos
(Que são o óbolo dos menestréis…)


Decretaram que o Domingo é sagrado
Oferecendo protecção aos hipócritas aos agricultores;
uns recenam fachadas, outros queimam plásticos...


Para os cristãos, a demanda do Graal
É apenas cobiça aurívora.
Nas enfunadas velas, a Cruz Templária.
É o sinal de ominosas profecias
Que dão início ao holocausto indígena…
No alto mar, o escorbuto da saudade
Cura-se com uma prole de mulatos…
(A “rebarba” faz ver sereias
Onde só existem manatins…)
O resgate de Atapaualpa não chega
Para encher os hiatos espirituais…
Guardiã da minha solidão,
Ainda conservo os despojos da nossa relação…
Por muitas noites juntos,
Conjuras-te a tua selecção de pueris fantasias;
Um cortejo de fabulosas criaturas
Que esvoaçavam dessa boca tão desejada
Para nos arrastar até às profundezas
Da inconsciência anódina
- Onde ressumavam medos inconfessos
Que minavam um amor clandestino…
Só o sexo celebrava
A união dos nossos corações
- Em cavalgada sincronizada
Rumo ao precipício… (Redentor?)
Nesses momentos de satisfação,
As fugazes centelhas dos teus sorrisos
Foram incapazes de me queimar
Como as improváveis certezas
Das paixões que não chegam a madurar;
Húmus de poesias estéreis
Que teimam em medrar
Nos peitos arrombados
Por inevitáveis desilusões.
Que desperdício de romantismo!
Até a sua versão gótica,
Eivada de erotismo pagão,
É uma piada para quem pensa
Que o amor Platónico não passa
De um bacanal de atlantes…
Nunca pretendeste desvendar o meu espírito arcano,
Apenas fazer do teu leito um altar profano.
O que eu melhor recordo é de ser surpreendido
Por te despires – para mim?! -
Com a discrição dos salgueiros no Outono…
…Era quando quase acredita que podíamos ser felizes…
PB
Não gostam? Eu também não. Ponham as culpas da minha incompetência como vate ( a excessiva adjectivação é um claro indicador disso) nos transportes públicos, pois eu escrevi essa merda enquanto esperava por um comboio muito atrasado. Acabei o texto durante a viagem (é uma das muitas vantagens de andar de comboio).
Como me Irrita imenso a moda das (pseudo)esoterices tipo fast food para idiotas mimados e seduzidos pela "cultura" nórdica, que acreditam que tudo o que soa a segredo arcano e/ou cabalístico tem um significado necessariamente profundo, peguei em vários mitos e lendas, personagens históricos e literários que entronizam o folclore negro da Europa, bem como hodiernos ícones do mundo do espectáculo e gozei com eles numa salgalhada capaz de confundir os crédulos.
Eu só perpetro poesia quando não tenho menor hipóteses de fazer nada de minimamente interessante (nem que seja olhar para pardais-do-telhado ou para rabos-de-saia que impeçam o tédio de açular a loucura). Felizmente, tal é raro acontecer. Suponho que, por mais rasca que seja a poesia, sempre é melhor do que perder o tempo com vídeo jogos, puzzles, telenovelas e futebol (televisivo), ou mexericos sobre a vida sexual alheia. Não é? Acima de tudo, para mim tratam-se de brincadeiras privadas sem quaisquer veleidades literárias e geralmente incompreendidas por terceiros. O que é uma pena; gostaria que se divertissem tanto quanto eu quando escrevo fósmeas pop-sincréticas pseudo eruditas.Para um disléxico como eu, escrever poesia é um desafio, mais de uma mera masturbação intelectual, que só pode ser enfrentado se não me levar demasiado a sério. Claro que eu tampouco desperdiço oportunidades para mandar umas bocas de cariz político na onda satírico-libertária. Está-me no sangue.
Sophia’s Blues
ou
Balada Azul
O pintor procura o tom certo
Para o olhar inalcançável - de Sophia
No azul-indómito
Das suas pupilas, o óleo
Do mistério helénico.
Amorosa recreação da tez;
Veneração da essência
- Que a transcende.
Sempre que sopra a nortada,
A limpidez azul-celeste
Evoca a memória genética
Dos que ainda velam por ti;
Um legado fabulado
Repleto de florestas encantadas
À beira de fiordes,
Onde árvores resinosas luzem
Cabeleiras de líquenes.
Aí caminhas-te feliz – com tua prole
Sobre um manto de musgos,
Sorrindo às fadas amigas
E aos cogumelos mágicos.
O teu toque primaveril
Despertava a seiva
E a tua voz unia-se ao coro
Álacre e ruflante das aves.
E colhias morangos silvestres
Junto de cantarolantes riachos;
E brincavas às escondidas
Com lebres grandes como cães.
Como te enamoraste
Desta paisagem meridional,
Onde a sensualidade e o vinho
Perpetuam o estio?
Resistindo sobre a terra safara,
As árvores cansadas de sonhar
Arreiam as suas nemorosas almas,
Que se metamorfoseiam em mariposas;
Fugindo às nossas incautas pisadas,
Erguem-se em multicolores revoadas;
Flocos de silêncio,
Etéreas carícias.
Nostalgia da perfeição
Dos momentos que perdemos.
Fúteis ambições exilam-nos
Dessa ousadia de frescura
Singela
Anódina
Êxtase: asas
Poesia: voo
Ritual: prazer
Só tínhamos um culto:
A biografia íntima -de Gaia.
Ecos desse amor telúrico
Insinuam-se nos búzios
Dos meus ouvidos,
Ensinando-me cânticos
Em teu louvor.
Depois encantámo-nos
Espreitando as palavras
Que cortejam e fazem amor
Com as melodias,
Gerando híbridos férteis.
Mostraste-me a corda iridescente
Das palavras que entrelaçaste
Para escapares ao abismo
Do desamparo resignado
E das solidões encaixotadas
No frio aprumo do concreto.
Sobreviver aos sonhos e às esperanças
É pior do que sobreviver aos nossos filhos...
Calma, os versos precisam de respirar,
Como respiram os cantores
E os bebés a dormir…

O humanismo que raspou o tutano
Fazendo dos ossos leitos de rios interiores;
A tua boca qual cadinho de verdades
E as mãos pedestais de utopias.
A vida forçada a fazer sentido
Na partilha da beleza
Que se arma contra a prepotência
No reino das palavras necessárias;
As que têm a capacidade de reconstruir futuros
Sobre os escombros de ódios fratricidas.
A sabedoria que carregas no nome
Também te ajudou a manter a serenidade elegante
De mãe e esposa emancipada sob o olhar público.

Tu que afirmaste Ser da raça
Dos que mergulham
- De olhos abertos,
E mergulhaste
Nas águas azul-turquesa
Do Mar Mediterrâneo
Na insular fronteira com o Oriente.
Que esse berço profanado
De antigas civilizações
Te traga marés assombradas
De arrebatadores mitos,
Onde a cruz e o crescente conspiram
Para matar o nosso amor pagão.
Resoluta, abres o corpo
Ao lânguido entardecer,
E embalas a saudade
- Adoptada
Na concha do teu regaço.
Cobre-a com rendilhados
De espuma salgada,
Que o vento carrega
Na minha direcção.
Namoro marinho: Estrondosa genuflexão
Em cada render das ondas,
Que a teus pés depositam
Tesouros das profundezas.
Os mais resplandecentes
Terás que procurá-los
Na escuridão abissal
- De onde não podem sair.
Quiçá possas trocá-los
Pelo incerto porvir,
Quando dedos coralinos
Nos tactearem as costas
E arrepios de maresia
Entranhada
Revelarem a nossa identidade
Apátrida
Argonauta
Ígneas pétalas
Fecham-se no céu
Fazendo assentar a rutila fuligem
Aguarelada de rosas e de carmins.
O girassol já pode descansar
A sua vassala elipse solar.
Recolhe-se a seiva às raízes,
Não vá congelar
Com a promessa de alforria
No hálito frio da noite.
Batedores insónes voltarão
A cavalgar até de madrugada
Procurando uma paixão que anda a monte.
Errarão em círculos,
Seguindo as seus próprios rastos…
No padrão das cicatrizes
Tentam ler os presságios,
Reforçando as armaduras
A cada entrega frustrada.
Chegando onde a montanha desagua no oceano,
Saberão se cumpriram a demanda,
Ou se souberam viver cada momento…
Ao se debruçarem sobre o passado
Preocupam-se em recenar os seus papéis,
Inconscientes de que passam ao largo
Possíveis recomeços - virgens
Do sangue arrancado ao virar das páginas
E de toda a beleza frágil e efémera,
Qual orquídea silvestre,
Que sufocou no ávido aperto das nossas mãos;
Estas nunca aprenderam a perfilhar
A paciência de plantar um pomar,
Prelibando o frutos anunciados
Pela miríade de flores,
Aparentemente modestas
(Na sua individualidade),
Mas sustentadas por um porte lenhoso
Que dá continuidade aos nossos sonhos
- mais esforçados ! -,
Imune aos temores e às frustrações
De não corresponder às expectativas de terceiros.
As pernas, o coração e o espírito do peregrino
Moldam-se nos caminhos (iniciáticos),
Não nos pátios floridos do paraíso.
Do outro lado do mundo,
Toda a ansiedade
Numa gota d’água
Que luta por se libertar
De um glaciar moribundo;
A Terra connosco
Suspende a respiração
- Porque o ciclo da vida emudece
Aos que se opõem
À sua sapiência intuitiva.
- Porque o mavioso sortilégio
Não pode ser quebrado!
No húmus primevo
Está guardada a origem
Da carne e do verbo. *
Deveremos aprender a sacralizar
O sensual e a sensualizar o sagrado.
Simples… como metáforas sinestésicas à mesa
Com requeijão, mel, amêndoas, passas e abraços
Na estreia das manhãs algarvias…
…Osgas translúcidas fundem-se com paredes de barro;
A efervescência da cal;
Hortas acabadas de regar;
A doce melancolia dos melros nas alfarrobeiras;
A sofrida indolência dos rebanhos no estio,
De que troçam as cigarras;
O compassado espreguiçar das horas
Que esperam ser fecundadas
Pela criatividade idealista.



(A expectante previsibilidade)
Preia-mar: O abraço líquido
Do séquito lunar.
Âmbar-dourado: Lágrima cristalizada
Do olho celeste
- Padroeira dos amantes;
Fiel companheira
Dos cansados viandantes.
O que te trouxe ao mundo
Foi um poema líquido;
Imitação do mar.
Tu que nasceste para a paz,
Ainda te vestes de algas
Para sentir os perfumes
Derramados pelos amantes
Sobre a areia que os corpos moldaram
E as águas apagaram tudo
Menos as melhores memórias
Retocadas pela imaginação.
Ausentaste-te da nossa praia,
Recusando o reencontro
Onde velas aportam espadas,
Vergando vontades imaculadas.
Regressarás num dia azul,
Quando os guerreiros abjurarem
As vis orgias de sangue ferido
E a vida finalmente honrarem
Nos risos fraternais
E no pão repartido;
Quando as sereias cantarem
Os teus versos às crianças,
Adormecendo os inocentes
E mantendo-nos em vigília;
Quando ninguém te distinguir
Dos elementos que te inspiraram.
Boa viagem, Sophia!
(Respeitosamente dedicado à memória de Sophia de Mello Breyner Andresen)
* A raiz etimológica da palavra “humano” significa “que provém do húmus”.

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