Quando os Maoris chegaram à Nova Zelândia, encontraram uma selva no seu clímax ecológico, cheia de animais que não temiam o homem. A sua impávida ingenuidade devia-se ao isolamento evolutivo destas ilhas; nunca antes tinham tido contacto com este novo superpredador. Aí existiam doze espécies de moas (provavelmente perfazendo umas 170 mil aves), destacando-se a moa gigante – a maior ave que jamais existiu na Terra. Os maoris desenvolveram uma predilecção gastronómica/pantagruélica pelos seus ovos e pela sua carne. Na desregrada caça às moas, chegaram a recorrer ao fogo, tendo, deste modo, destruído cerca de metade da floresta que outrora cobriu toda a ilha. Assim, antes que os colonos europeus aqui se instalassem com a sua indústria madeireira e a sua pecuária ###, já diversas tribos maoris competiam belicamente pelos emagrecidos recursos naturais. Entretanto, tinham extinto as moas.
###Actualmente grande parte do território neo-zelandês está convertido em pastagem para ovinos que há duas décadas eram um impressionante número de 70 milhões, mas actualmente foi reduzido para um terço devido à concorrência das fibras sintéticas que se apoderaram do mercado da lã.
Os seus bosques continuam ameaçados por outros animais introduzidos pelo homem, a saber: os opossuns (que devem ser uns 70 milhões de indivíduos), os veados e os javalis).
Certamente que os maoris conheciam bastante bem a natureza em que se imiscuíram e evoluíram, incorporando à sua mitologia os elementos do mundo natural. Isso não impediu que desenvolvessem superstições infundadas que tornavam proscritos certos animais, como, por exemplo, os originais morcegos do solo (considerados arautos do mal, anunciadores da morte) e as tuataras (apelidados de “Bunca ”, ou seja, “o pai de todas as coisas feias”) que são verdadeiros fósseis vivos; répteis cuja linhagem é pregressa à dos dinossauros, estimando-se a sua origem há 220 milhões de anos.*
A vantagem das comunidades locais (quando não podem explorar os recursos alheios/longínquos, como acontece connosco, ocidentais) é que têm uma melhor percepção dos seus erros (não podendo fugir às suas consequências mais óbvias imediatas) e podem agir (nem sempre com a prontidão necessária) no local vítima da degradação ambiental, unindo esforços para colmatar o que ameaça a sua sobrevivência.
Os maoris aprenderam a lição certa e a sua mitologia adaptou-se às novas circunstâncias, compelindo-os a um novo comportamento das comunidades envolvidas. Deste modo, os guias espirituais (ou “homens santos”) selaram a floresta aos caçadores de grandes aves e foram banidos os incêndios florestais propositados. Parte da floresta pode recuperar com estas medidas drásticas.
Como se sabe, os intrusos europeus não obedeceram a estas regras (de sobrevivência) por não estarem suficientemente ligados à natureza da região, nem a uma mitologia conservacionista.
Os polinésios também colonizaram o Havai (a partir do séc. IV da Era Cristã). Por tentativa e erro, foram aprendendo a avaliar a sua pegada ecológica de acordo com a sua acumulação de conhecimentos sobre o meio ambiente. perceberam as diferenças entre as zonas que mal tinham tocado, e onde a actividade humana tinha provocado os maiores desequilíbrios ecológicos. Acima de tudo, ficaram preocupados com a diminuição (tanto em terra como na água) dalgumas das espécies que mais costumavam predar. Tal consciência permitiu-lhes criar um sistema de exploração sustentável , visando aquilo que denominavam locahii (ou seja, harmonia).
Então, estabeleceram interdições conservacionistas (a que chamavam capú), inluindo espécies protegidas, épocas de defeso e santuários naturais (no sentido mais profundo desta expressão que tem pouco sentido para os ocidentais). As punições para quem se atrevesse a violar o que determinavam/consideravam um tabu ecológico, eram severamente punidas, podendo chegar à execução sumária/pena capital.
Para que este sistema funcionasse, elegeram um grupo de guardiães da natureza, cujas funções tinham o equivalente moderno da a súmula das seguintes profissões: biólogos, vigilantes, gestores e juízes.
Por vezes os povos indígenas são incapazes de resolver da melhor maneira estes conflitos com a mãe-Terra. A célebre ilha de Páscoa conheceu um desfecho muito diferente do que seria de esperar a povos tribais – ainda por cima ilhados (apesar de que os problemas associados à consanguinidade poderão ter conspirado para a decadência deste povo) . Os polinésios atingiram aquelas remotas paragens por volta do ano 400 da nossa Era. Também aqui o solo se encontrava coberto por uma floresta virgem. Em menos de mil anos, a comunidade humana “autóctone” destruiu inteiramente os recursos naturais que os sustentavam, tendo, obviamente, acompanhado a sua ruína. (O golpe final na cultura Rapa Nui foi desferido pelos esclavagistas chilenos, que capturaram os poucos sobreviventes.)
À semelhança do que aconteceu na Nova Zelândia, também na Ilha de Páscoa a evanescente/decadente cultura Rapa Nui encontrou na espiritualidade a única forma de se aproximar do desiderato essencial que era o apaziguamento das divergências políticas. Através da religião poderiam ter unido os clãs beligerantes, arrojando alguma ordem cooperativa ao caótico estado de todos contra todos e salve-se quem puder. O medo e a fome fez com que muitas pessoas se tivessem refugiado em cavernas. O roubo e o saque sem escrúpulos tornaram-se recorrentes estratégias de sobrevivência. Pensa-se que poderão ter recorrido ao canibalismo…
A guerra generalizada arrastava-se há muitas décadas; as terras esgotadas e erodidas falhavam em alimentar uma população excessiva; o abate total das florestas acabou por limitar drasticamente até a actividade pesqueira (pois não havia como construir novos barcos e reparar devidamente os velhos), inviabilizando igualmente o ensejo de partirem em busca de um lar mais promissor para além do seu horizonte insular.
Entre a cratera de um vulcão e um alcantilado vertiginosos, construíram a aldeia cerimonial de Orongo. Esta era o ponto nevrálgico do culto do «homem pássaro» sobretudo aquando da respectiva cerimónia-prova anual, em que participavam os melhores atletas de cada clã. O que vencesse o extraordinário desafio físico (que combinava o montanhismo e a natação mais extenuante, a fim de trazer de volta um ovo de andorinha-negra-do-mar roubado num ilhéu ao largo), conseguia para o seu clã a honra máxima que validava o poder inquestionável do seu chefe sobre toda a sociedade Rapa Nui. Os rivais teriam que acatar essa autoridade - legitimada e agraciada por uma religião comum – e esperar por melhor sorte no ano seguinte, quando as aves sagradas chegassem para criar na vizinhança pouco acessível. Ao se respeitarem os privilégios que consideravam de origem divina, os que detinham esse poder efémero tinham obrigação de ser minimamente justos na redistribuição dos bens essenciais.
Desafortunadamente, estes esforços conciliatórios foram implementados demasiado tarde, quando as suicidárias agressões à natureza já eram irreversíveis. Após um milénio de permanência na ilha (que fora colonizada por polinésios), entre os séculos XV e XVI, a cultura Rapa Nui praticamente desapareceu simbolizando actualmente uns dos grandes paradigmas do desenvolvimento insustentável.
Na selva amazónica, mais concretamente, na área abrangida pelo parque de Manu (no Peru) existe uma espécie de garça-negra que possui um método de pesca surpreendentemente engenhoso: unta as patas com uma resina muito tóxica e depois submerge-as nas poças, intoxicando numerosos peixes de reduzidas dimensões. Os indígenas que conhecem esta estratégia consideram a ave em causa como a personificação do mal porque mata mais presas do que as que consegue ingerir…
Existem numerosos exemplos admiráveis de “conservação da natureza” e de solidariedade social dentro da nossa civilização (sempre que é possível as comunidades locais conjugarem esforços para um objectivo comum, com ou sem ajuda externa), com frequência recorrendo à ciência e à tecnologia que têm sido os principais instrumentos de destruição – tal qual a “árvore da ciência do Bem e do Mal” referida no Antigo Testamento.
O equilíbrio com a natureza é sempre precário e relativo; em última instância, depende da nossa vontade; quando os instintos de auto-preservação e o bom senso se manifestam de forma comunitária, e não de forma egocêntrica.
«A fim de resolvermos a dicotomia entre o (que é) civilizado e o (que é) selvagem, primeiro temos que resolver sermos integrais.»
(…)« Falar de vida selvagem é falar de totalidade. Os seres humanos saíram da totalidade, e considerar a possibilidade de reactivar a membrasia na Assembleia de Todos os Seres não é, de forma nenhuma, uma atitude regressiva.»- Gary Snyder
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