Determinismo ambiental
Muito por causa do geógrafo Ellsworth Huntington (que, em 1915, publicou uma obra académica centrada no determinismo ambiental como a principal influência da cultura humana), nas salas de aulas persiste um cauteloso preconceito em relação a esta temática.
O fervor com que Huntington defendia a sua teoria mono-casual era equivalente à obsessão pan-sexual de Sigmund Freud (provavelmente mais adequada aos bonobos do que aos humanos). Mas não foi por isso que gerou tanta celeuma – que se transformou num estigma científico a seguir à Segunda Guerra Mundial. A teoria de Huntington era profundamente racista… Ele defendia que o calor dos trópicos e a respectiva abundância de alimentos fáceis de obter, torna as pessoas preguiçosas, lascivas e néscias; e tais características tendem a agravar-se através das gerações, até se tornarem irremediavelmente inatas. (Fanáticos religiosos ingleses refrearem as suas intenções de colonizar as ilhas Barbados devido a esse medo - o da nossa animalidade intrínseca e da fragilidade dos artifícios da civilização que pode assilvestrar facilmente, o que colocaria em causa o autoproclamado estatuto de criaturas favoritas de Jeová; podendo deixar de entronizar a Sua criação, para sermos reduzidos a um admirável, mas pouco significativo, acidente cósmico. Não, tudo o que é pretérito ao homem não deveria passar de preparativos para a nossa chegada! Tudo tem que ser regido por um princípio antrópico transcendente que nos preserve da influência da harmonia com a natureza não domada! Cruz credo!…)
Enfim, mesmo que tal fosse verdade, o que me parece realmente estúpido é os naturais de biorregiões que, durante todo o ano, são especialmente generosas para a nossa espécie sentissem a obrigação moral (acima dos imperativos de sobrevivência balançados com um hedonismo saudável e sustentável) de empregarem o seu tempo demonstrando serem industriosos como, por ex., os habitantes dos Alpes de há uns mil anos durante o Estio, numa corrida contra o tempo a fim de acumularem alimentos e madeira que lhes permitisse sobreviver ao duro Inverno…
Basta olharmos para a constituição física poderosa dos povos tribais habitantes dos trópicos (mas, acima de tudo, deveremos atentar nos vastos conhecimentos que possuem das suas biorregiões e como interagem com estas), e facilmente concluiremos que a selecção natural apurou os indivíduos mais capazes de enfrentar uma vida que nada tem que ver com passar a maior parte do tempo deitados/prostrados, vivendo apenas para o hedonismo sensual.
Mas o determinismo ambiental é uma teoria que já estava há muito enraizada quando Huntington lhe tentou dar uma credibilidade científica. O investigador Wiliam Palmer deixou claro que tão na Idade Média como na Renascença o clima e a geografia eram considerados factores determinantes no moldar das culturas e até nas capacidades psicofísicas dos povos; desde a alegada superioridade intelectual dos gregos, à ferocidade e bravura dos povos bárbaros que habitavam as florestas a norte do Danúbio.
A própria paleontologia dos seguidores de Darwin até muito recentemente foi orientada por princípios racistas (enfatizados pela antropologia) inspirados no determinismo ambiental (mesmo que essa designação ainda estivesse por inventar). Entre muitos exemplos possíveis desta teoria preconceituosa, ainda em 1962 o académico insigne Charleton Coon publicou um livro intitulado «A Origem das Raças», no qual organizava a espécie humana em 5 raças principais, defendendo que estas tiveram evoluções paralelas bem distintas. Contrariando a hipótese avançada por Charles Darwin, muitos evolucionistas procuravam justificar o seu racismo negando a origem biogeográfica da humanidade em África, atribuindo aos caucasianos origem “mais digna” algures na Ásia. (Esta teoria é também um encómio à arregimentação da sociedade fortemente hierarquizadas pelo trabalho que é a base das civilizações imperialistas. (Até a doutrina dos clérigos determinaria que o trabalho imposto tinha uma forte componente de legitimidade espiritual. O Papa João Paulo II defendia isso abertamente.)
Os negros teriam, então, ficado a apurar/marinar a sua alegada aversão ao trabalho, a sua líbido exacerbada e a sua estupidez sob um sol coruscante, o que não lhes teria permitido evoluir tanto a partir do Homo erectus, ficando assim “ilibadas” da sua “inferioridade rácica”, obra do determinismo ambiental.
Como realçou o genial paleontólogo Stephen Jay Gould, o principal móbil para muitos paleontólogos pós Darwin foi tentarem fazer nome com a descoberta na eurásia de fósseis humanos (sobretudo crânios) que atestassem uma pretensa superioridade evolutiva em relação aos espécimes africanos. Por isso, o embuste do «homem de Piltdown» foi tão bem sucedido. (Ao procurarem um volume cerebral maior, tiveram bastante dificuldade em engolir o facto de os Neandertais – então retratados como meros brutamontes simiescos – terem caixas cranianas consideravelmente maiores do que as nossas…)
Os homens que dominavam a ciência de então estavam obcecados com as medições meticulosas que pretendiam levar ao limite a quantificação científica, dando a impressão de total imparcialidade. Publicavam trabalhos eivados de expressões prolixamente fátuas, fingindo uma objectividade asséptica mas incapaz de disfarçar a podridão ideológica subjacente. Tanto a condução das suas experiências como principalmente a interpretação dos respectivos resultados eram orientados por preconceitos profundamente enraizados, dos quais se destaca, o racismo e o sexismo/machismo.
O modo como a maioria da comunidade científica vitoriana usou a bombástica teoria da evolução Darwiniana aproximou-a das religiões dominantes no ocidente, duvidando da humanidade dos povos tribais e legitimando a continuidade da exploração colonialista acelerada pela máquina a vapor , dispondo de um inigualável arsenal para destruir a natureza silvestre e as vozes dissidentes dos que não tinham a aparência de caucasianos ocidentais, classificando-os como sub-humanos e metidos no mesmo “saco” sociopolítico que os europeus que sofriam de profundas deficiências físicas e/ou mentais. Não à toa, concomitantemente, tornaram-se muito populares as feiras de aberrações, onde eram exibidos humanos com um aspecto considerado grotesco, quer se tratassem de más formações em caucasianos ou de indígenas de locais exóticos.
Uma das maiores atracções dessas feiras ambulantes foi uma mulher pertencente à etnia Khoi-san (bosquímana) que ficou conhecida como «a Vénus hotentote». (Nem me vou dar ao trabalho de aqui colocar o seu nome branco oficial, pois este foi-lhe atribuído por colonos holandeses na África do Sul que a exploraram e nada tinha que ver com o seu nome tribal, o verdadeiro.)
No início do séc. XIX, as sofisticadas audiências europeias acudiram aos magotes para a ver, fascinados com as sugestões de sexualidade “animalesca” que a peculiar anatomia da pobre jovem incendiava nas mentes pudicas dos vitorianos cuja sexualidade era reprimida e entediada, ou secretamente consumadas as suas fantasias em antros cujos respeitados frequentadores não se cansavam de os condenar publicamente… Outros dedicavam-se a escrever estórias fantásticas sobre monstros sedutores (como, põe ex., o conde Drácula) que, de forma sofrivelmente dissimulada, encarnavam o misto de sexo e violência que é tão excitante às elites das sociedades decadentes.
Antes que a jovem em causa pudesse desfrutar dos ganhos pecuniários da sua exploração indigna, morreu com uma infecção pulmonar numa terra estrangeira que não estava preparada para a respeitar.
O anatomista francês George Cuvier (outra estrela do meio científico) correu para a dissecar,ficando a sua atenção obsessiva nos principais atractivos sexuais da Vénus hotentote, pois, para além de nádegas extremamente volumosas e empinadas, ela pertencia a uma das poucas etnias em que as mulheres têm os lábios “menores” alongam-se ao ponto de penderem até uns 10 cm abaixo da vagina. (Esta peculiar prega vaginal em latim chama-se sinus pudoris; e em francês, tablier.)
Ao invés de se concentrarem no que é fundamental, os cientistas (homens caucasianos), na sua zelosa documentação de minudências que apenas serviam para realçar pormenores praticamente irrelevantes de meras aparências baseados em juízos morais e estéticos duvidosos, abalizavam os preconceitos que, estupidamente, separam as pessoas.
Olhavam com inconfessada inveja para o tamanho dos pénis dos africanos, enquanto que a zona pélvica das mulheres como a Vénus hotentote, mais do que “confirmar” que as “raças inferiores” tinham apetência muito maior para o sexo descontrolado do que para as actividades cognitivas, exortavam os velhos temores da sexualidade feminina fora do controlo dos homens, bem como da sexualidade libertária e feliz vivida pelos povos tribais. Não nos devemos esquecer que nesse tempo a Santa Inquisição ainda era bastante poderosa e pouco antes tinha lançado para a figueira milhares de mulheres acusadas de bruxaria, bastando para tal que tivessem um clítoris maior do que a média ou que tivessem um comportamento sexual apontado como promíscuo…
Com um apurado sentido para a sátira, Stephen Jay Gould frisou que, se insistirmos na falácia ridícula de medir o grau de humanidade pelo tamanho da genitália, considerando o facto de os homens serem os primatas com os genitais maiores (em relação às dimensões totais dos nossos corpos), então teremos que concluir que quanto maior for o tamanho médio dos genitais entre certos grupos étnicos, estarão geneticamente mais afastados dos símios e, portanto, são humanos mais evoluídos…
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