domingo, julho 06, 2008

«(…) Os últimos 10 mil anos de sociedade humana representam 1% da nossa presença sobre a Terra. Os 99% restantes viveram-se em sociedades pequenas, sem Estado, sem propriedade, igualitárias e visionárias (…). Talvez apenas 2 centésimas partes viveram-se na experiência do industrialismo urbano. A civilização poderia descrever-se razoavelmente como uma aberração.”

«(…) Devemos falar (…) de como um império sem precedentes, megatécnico e com a sua correspondente constelação de culturas, pode converter-se num tipo de sociedade qualitativamente diferente; de como uma rede alternativa pode converter-se num tecido orgânico de sociedades diversas, igualitárias e comunais; e de como um ser humano atomizado e massificado pode converter-se numa pessoa completa integrada numa comunidade. Nenhuma geração enfrentou-se com estas perspectivas.»

«Muitos dos guardiães dos impérios que colapsaram provavelmente possuíam uma memória da comunidade tribal e das capacidades convivênciais a partir das quais sobreviver. De facto, as maiores revoluções da história foram protagonizadas por povos com ligações directas com as sociedades arcanas comunais. Nós, pelo contrário, enfrentamos a maior crise de destribalização e de decomposição social desde o nascimento do Estado. Tentar que a sociedade de massas tenha sentido é, em sentido prático e parafraseando um lítote chinês, como pescar em águas revoltas.» - David Watson

«(…)Todas as revoluções na história europeia serviram para reforçar as tendências e as capacidades da Europa para exportar a destruição para outros povos, outras culturas e para o próprio meio ambiente.» - Russel Means

Visão pan-europeia, enaltecendo o imperialismo sangrento. Ainda hoje vivemos à sombra de mitos glorificantes que remontam à “Época dos Descobrimentos”. Sob essa rutila superfície, nem um comentário (de contrição, espera-se) ao holocausto que portugueses e espanhóis perpetraram contra ameríndios e africanos.

A única referência aos povos tribais de que me recordo ter ouvido quando (nos finais dos anos 80) frequentava o ensino secundário, proveio de uma professora de história quando abordou muito superficialmente a colonização do Brasil. As suas palavras (acompanhadas de um indisfarçável esgar de desprezo que quase lhe descompunha a empáfia académica com laivos de paternalismo condescendente) ficaram bem gravadas na minha memória: «os índios brasileiros eram, por natureza, tão indolentes que preferiam morrer de fome, ou sujeitar-se a severos castigos físicos, do que trabalhar»(sic). E continuou lamentando-se do incómodo que isso provocou aos portugueses, obrigados a ir a África buscar africanos para trabalharem na produção de açúcar…

Foi doloroso ver que aquela professora quarentona ainda se guiava pela cartilha de Samuel George Morton+++++++++++++ e quejandos.

+++++++++++Samuel G. Morton foi um proeminente cientista estadunidense que se tornou num dos principais ideólogos da escravatura e do imperialismo colonialista do séc. XIX. O seu racismo mascarava-se de uma “credibilidade científica” reivindicada pelo movimento poligenista, que reivindicava para os caucasianos a descendência exclusiva do casal primevo Adão e Eva. Quanto às restantes “raças”, Jeová tê-las-ia criado separadamente para servirem os donos do mundo. A maioria dos clérigos regozijava-se com esta “confirmação”

Em 1939, Morton escreveu o seguinte: «os espíritos mais benevolentes podem lamentar a inépcia dos índios para a vida civilizada (…) A estrutura da sua mente parece diferir consideravelmente do homem branco (…) Eles não são apenas adversos ao domínio da educação, mas, na sua maioria, igualmente incapazes de um constante processo de raciocínio sobre objectos abstratos.»

Se fosse uma professora de história minimamente competente, poderia ter invocado, como um erudito artifício de hipocrisia, o plano do Marquês de

Pombal (séc. XVIII), denominado "Plano dos Sete Fortes de Fronteira",

destinado a proteger a Amazónia dos espanhóis mauzões (sim, porque sempre que são apontadas as atrocidades que os portugueses cometeram em terras de Vera Cruz, desculpamo-nos comparando-nos aos piores). O célebre estadista de "sangue azul" chegou até a conceder alguns direitos aos índios que parecem avançados para a época. Ter-lhe-ia (à professora) ficado bem

acrescentar umas citações dos sermões anti-imperialistas e anti-esclavagistas do padre António Vieira.

Ao ouvir tamanho desaforo, o meu queixo (para não dizer outra coisa…) caiu. E a consternação que então se apoderou de mim naquele momento, cresceu com revoltada acrimónia quando, falando com outros estudantes e com professores de diversos estabelecimentos de ensino, percebi que esse racismo intolerável era a ideia dominante nas aulas de história. Entretanto, conversando com muitos brasileiros, muitas vezes ouvi a mesma ladainha racista. Alguns acrescentaram estar convencidos de que os índios brasileiros possuem uma desídia inata supostamente superior à dos outros grupos étnicos, e, os que não foram “civilizados”, passam o dia todo estendidos nas suas redes a fumar alucinógenos…

As escolas têm que se esforçar por ultrapassar estes estereótipos racistas. Os povos indígenas não são meras curiosidades etnográficas e turísticas cheias de pitoresco exótico; culturas anacrónicas e estagnadas; Uns desgraçados que perderam o comboio do progresso e que agora, de mãos dadas com uns fundamentalistas "verdes", se deitam nos carris, constituindo um embaraço para os que vivem obcecados pela pressa de chegar ao futuro profetizado por Huxley e publicitado de forma recorrente por Hollywood.

Tampouco estão apenas perdidos nas selvas virgens, isolados nos gelos boreais, ou confinados em reservas terceiro-mundistas acessíveis a turistas. Tratam-se de mais de 300 milhões de pessoas divididas por 5 mil grupos étnicos com uma diversidade cultural surpreendente. Nas ilhas da Indonésia podemos encontrar 700 línguas; ainda se falam quase 6 mil línguas no mundo 95 % destas estão em perigo de extinção. (As previsões mais optimistas apontam para que metade das línguas desapareça até ao final deste século.) Só na Índia podemos encontrar 400 tribos, que perfazem um total de 70 milhões de pessoas

(embora muitas delas já não possam viver de forma tradicional).

A Amazónia, a Rússia e o Canadá têm uma população indígena que, toda junta, perfaz 50 milhões. Na Guatemala estão mesmo em maioria: 60% da população pertence a 22 etnias ameríndias (são obrigados a viver na miséria e apenas possuem 10% da terra arável do país…).

Guatemala – na década de (19)80 o exército roubou pela força imensas terras aos indígenas. Na década seguinte recrudesceu a violência, tendo o exército efectuado numerosos massacres contra os indígenas, o que levou a um levantamento popular armado de defesa popular contra os opressores militares.

Nesse país 40 mil pessoas continuam consideradas “desaparecidas” e 100 mil assassinatos confirmados continuam impunes.

Mais de 450 tribos foram extintas na Ásia.

Só em 1967 é que os australianos descendentes de europeus reconheceram
legalmente que os aborígenes eram mais do que « parte da fauna e da flora»
(sic), reconhecendo-lhes o direito ao voto, como qualquer cidadão australiano.

Até aos anos (19)70, governo australiano mantinha a sua política de rapto de crianças aborígenes, para que fossem criadas/educadas por famílias caucasianas que seguissem a ideologia política e a religião dominante. À chamada “geração perdida” foi-lhe oculta as suas origens; a aculturação roubou-lhes a memória espiritual com consequências sociais gravíssimas.

Até 1930 era frequente os boers sul-africanos caçarem bosquímanos por desporto (que eles consideravam o equivalente africano as orangotangos indonésios).
Há até relatos fidedignos desses europeus racistas terem feito uns churrascos
com as suas presas humanas... Se alguém lhes tivesse dito que tal era um acto
de canibalismo certamente que eles, não só não acreditariam, como
considerariam essa observação como uma heresia inadmissível.

Na América Central os ameríndios são dominados por uma minoria que, mesmo com evidentes traços miscigenados, faz alarde da sua descendência europeia e renega as suas origens indígenas e toda a rica herança cultural pré-hispânica. em El Salvador vão ao ponto de negarem a existência da população indígena – que conta com umas 300 mil pessoas pertencentes a 5 grupos étnicos . Não faz sentido reconhecer direitos a quem não existe…(Nenhum governo foi tão eficiente com esta política de negação como o australiano, em relação aos aborígenes da Tasmânia.) A “limpeza étnica” levada a cabo pelos lideres politico-militares (como, por exemplo, o massacre, a mando do general Maximiliano Hernadez , de 30 mil ameríndios) de El Salvador, não consumou o genocídio total das suas comunidades mais vulneráveis, mas a aculturação e os projectos de “desenvolvimento” prometem acabar com eles de vez.

É assim tão difícil compreender que se estes “atrasadinhos” tivessem a possibilidade de adoptar todos os nossos valores (ou a falta deles) e padrões de comportamento, a espécie humana já se teria extinto?! É admirável a consciência que têm da importância dos seus legados
culturais; os conhecimentos que todos possuem sobre o meio ambiente e sobre o
impacto que as suas actividades têm nas biorregiões. Esses povos zelam pelo
património das futuras gerações como nenhum de nós o faz.

Se observarmos como estas comunidades tratam as suas crianças, idosos e deficientes, imediatamente nos indagaremos quais de nós é que vivemos na barbárie…

Hugo Chavez, o primeiro Presidente venezuelano de origem indígena, disse que os indígenas são a reserva moral da humanidade. Amén!

PB

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