O cavalo de Atila
Há poucas semanas, em frente aos «Águias» de Alpiarça, ouvi, de forma involuntária, parte de uma conversa que se repete milhões de vezes por esse mundo fora (e não se tratavam de treinadores de bancada). Alguém (que é um proeminente membro do PS local, mas que, neste caso, poderia pertencer a qualquer cor política) partilhava com os seus ouvintes os seus maiores sonhos – que não passavam de uma lista de compras entronizada por alguns dos carros mais caros e velozes do mundo *-, enquanto olhava para um boletim do Euromilhões… Esta cena patética entristeceu-me, pois senti-me esmagado pelo inelutável culto dos automóveis (que eu nunca compreenderei) que domina a nossa sociedade. Mal conheço a pessoa em questão. Apesar de não partilhar das suas ideias e ambições político-partidárias, o pouco que sei dele era o suficiente como para lhe admirar o espírito positivo com que, aparentemente, superou uma tragédia pessoal que deixaria a maioria das pessoas deprimidas e revoltadas com a vida. Uma vez que foi precisamente um acidente rodoviário que o deixou numa cadeira de rodas, suponho que tal Deveria ser um motivo suficientemente forte como para, pelo menos, reavaliar a relação de mortífera dependência que a nossa sociedade com os automóveis; e jamais prestar-lhes um culto absurdo, que, a meu ver, é um hedonismo estupidamente pueril, egoísta, irresponsável e comodista!
* Porque é que os governos deixam que a maioria dos novos carros tenham a capacidade de se deslocarem a uma velocidade que duplica o limite máximo permitido nas auto-estradas?!
As vidas da maioria de nós tornaram-se tão vazias e fúteis que a necessidade de ostentação domina o quotidiano. Sempre que vejo imbecis pavoneando-se em automóveis de luxo ou que gastaram uma pequena fortuna em transformações para dar mais nas vistas, para além da mensagem que eles querem transmitir - «olhem para mim, pois eu venci na vida, sou melhor que a plebe e posso ter todo o sexo que me apetecer!» -, o que eu vejo são pessoas de fracos valores morais e espirituais (tanto os que ostentam como os que sonham ostentar), para além de terem graves problemas de afirmação. Nesse aspecto, tenho orgulho de ser um “perdedor”, pois jamais quereria “vencer” numa sociedade dominada por valores de merda com os quais não me identifico e só me provocam angústia (para além dos graves problemas respiratórios de que padeço).
Por vezes, ouço pessoas com fortes responsabilidades familiares justificarem a sua paixão pelos automóveis topo de gama como sendo apenas uma preocupação com a segurança dos passageiros a seu cargo. É verdade que, geralmente, quanto mais sofisticados e modernos são os carros, mais segurança oferecem na condução, mas isso é ter uma visão hipocritamente estreita do problema, pois a maior ameaça tecnológica para todas as famílias (humanas ou não) deste planeta enfermo são precisamente os automóveis. Tudo, absolutamente tudo o que se relaciona com os automóveis tem consequências deletérias e transformaram radicalmente as nossas vidas, a paisagem e o próprio clima de todo o planeta!
O automóvel tornou-se num modo de vida em si, numa cultura obsessiva e destrutiva, à qual é quase impossível escapar (mesmo que não os utilizemos directamente). Desde as linhas de montagem até ao seu uso; da extracção do crude à rede viária; desde a poluição atmosférica à água que bebemos e aos alimentos que consumimos provenientes de longas distâncias; desde o marketing agressivo aos sonhos envenenados que dele assimilamos; desde o endividamento aos bancos à vida sexual condicionada pelos automóveis; desde o tempo que despendemos no interior dos automóveis às famílias que choram entes queridos perdidos ou estropiados em acidentes de viação; etc, etc… Toda esta informação é penosa de digerir, mas vale a pena levantarmos um pouco o véu destes etecéteras.
Apesar das estatísticas oficiais tenderem a minorar o problema (ex.:
quem perecer no hospital uma ou duas semanas após o acidente de
viação, na maior parte dos países já não tem “direito” a ser contabilizado como mais uma vítima mortal da “guerra rodoviária”), o certo é que, desde a sua comercialização, o automóvel envergonharia o microorganismo patogénico causador da “peste negra” na sua capacidade homicida.
Mesmo que se lançassem anualmente sobre áreas urbanas duas bombas atómicas de idêntica potência às que destruíram as cidades de Hiroshima e de Nagasaki, o automóvel continuaria a merecer o título de campeão das mortes violentas. Desde 1958, os acidentes rodoviários na Europa provocaram a morte de 2,5 milhões de pessoas e deixando mais de 40 milhões feridos (numa estimativa modesta, globalmente são 30 milhões os feridos anuais devido a acidentes rodoviários);
Os políticos e economistas europeus – sempre tão preocupados com o envelhecimento da população do “velho mundo” – deveriam ponderar sobre o facto de neste continente os acidentes de viação serem a principal causa de morte dos jovens até aos 35 anos de idade. Em Portugal, 2 jovens morrem diariamente devido a esta tragédia
Mas a principal acção perniciosa dos automóveis provém da poluição que geram – esta actualmente é a que mata mais pessoas! Segundo um estudo realizado nos E.U.A., essas mortes ascendem a 250 mil por ano só naquele país que é, de longe, o que produz mais poluição em todo o mundo! Cerca de 40% das emissões dos gases com efeito de estufa provêm dos automóveis.
A U E acabou de lançar um programa de prevenção de doenças respiratórias denominado Ar Limpo para a Europa (ALE). Para já o referido programa divulgou os resultados de um estudo alarmante: anualmente o número de mortes provocadas pela poluição atmosférica de origem automóvel e industrial na Europa dos 25, é de 310 mil . No que se refere aos prejuízos económicos (apenas referentes às faltas ao trabalho), calcula-se que ascenderão aos 80 mil milhões de euros. Portugal, devido à sua menor industrialização e ao facto de ter uma posição geográfica privilegiada (com um regime eólico predominantemente marítimo), aparece em 10 lugar.
Até à conclusão do programa ALE (em 2020), prevê-se que seja possível baixar o número de mortes em 80 mil por ano. (Obviamente que estas perspectivas são muito optimistas.)
Um carro ligeiro médio produz anualmente o seu próprio peso em carbono. O dióxido de carbono (CO2) é o principal causador do "efeito de estufa."Sobre o território nacional a camada de ozono protectora diminui 3,3% pordécada. (Segundo a Quercus, Portugal emite mais de 500 toneladas de CFCs por ano.)
A industrialização lançou para a atmosfera uma quantidade de CO2 superior ao que aconteceu nos últimos 500 mil anos.
em 2003 existiam uns 750 milhões de veículos automóveis (de combustão interna) em circulação. em 20 ou 30 anos esse número poderá duplicar. Nos países industrializados encontramos uma média de 580 carros por cada mil habitantes, enquanto que nos países com "economias emergentes" (é a actual designação "politicamente correcta") ao mesmo número de pessoas equivalem 10 carros.
No final do século XX, em apenas dois anos, contabilizaram-se 3 milhões de chineses mortos devido à poluição atmosférica. Em 15 anos, prevê-se que os chineses terão tantos ou mais automóveis como os Estado-unidenses. O mundo simplesmente não aguenta tanta agressão...
(Os nossos governos não têm feito a ponta dum corno para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, restando-nos agora recorrer ao vergonhoso comércio de emissões. Entretanto, José Sócrates vai baixando as calças ao lóbi da energia nuclear liderado pelo execrável Patrick de Barros que, com a ajuda de investidores alemães, até tem comprado a opinião de cientistas portugueses que vêm na indústria nuclear uma oportunidade de ouro para impulsionarem as suas carreira e encherem os bolsos…)O culto dos automóveis está demasiado enraizado como para sonharmos vermo-nos livres dele. O mais que podemos esperar é que os fabricantes de automóveis adiram às tecnologias e aos combustíveis muito mais limpos (ou muito menos sujos) - que estão há muito desenvolvidas. Os motores de combustão interna, tal como os conhecemos, são uma tecnologia obsoleta há mais de meio século, mas os fabricante de automóveis, até muito recentemente, não se molestaram em investir em tecnologia “amiga do ambiente” devido a estarem reféns de acordos secretos que mantinham com as corporações petrolíferas.
Segundo o Banco Mundial, metade da energia de origem industrial (ligada às fontes não renováveis) é consumida por apenas 15% dos humanos.
Recentemente (em Abril de 2005) a imprensa alemã fez eco de um estudoque revelava que 70% dos alemães (sublinhe-se que é uma das naçõesmais ricas e industrializadas do mundo, pátria dos Mercedes e dosBMWs) encontram-se afectados por estados (de espírito) depressivos. Omesmo estudo afirma ainda que a maioria destas pessoas têm como melhorantídoto, ou paliativo, contra a infelicidade crónica os passeios a pénas zonas verdes. (No nosso país, para além dos espaços públicos estarem tiranicamente dominados pelos automóveis, quem quiser viajar de bicicleta está bem fodido, pois o absoluto desrespeito que a maioria dos automobilistas demonstra ter pelos ciclistas é um reflexo do código de condução…)
Além de ser a principal fonte de contaminação do planeta, nomeadamente do efeito de estufa e das chuvas ácidas. (Se houver vontade política – pressionada por uma opinião pública esclarecida – é possível reverter este processo fatal. No reino Unido o governo empenhou-se em implementar medidas que visavam a redução das emissões de dióxido de enxofre e de óxidos de azoto, e, transcorridos quinze anos, conseguiram reduzir para metade a acidez da chuva sobre a maioria do seu território.)
Ainda nos comovemos e nos indignamos (pelos breves instante com que as informações saltitam nos telejornais, até se deterem nas lides futebolísticas e nos escândalos fúteis do jet set…) com o espectáculo mediático das marés negras, mas, como bem realçou o naturalista Bill McKibben, cada petroleiro que chega ao seu destino equivale a uma maré negra para a atmosfera – e são às centenas por dia!
Anteontem ouvi cavaco Silva declarar que tinha uma afinidade muito grande pelos comboios (sic), apesar de muito raramente utilizar esse meio de transporte. Deve ter sido por isso que, quando era Primeiro Ministro, mandou encerrar muitas linhas do interior - que eram fundamentais a uma população rural pobre, fragmentada, e isolada. Além disso, essas linhas, ao decorrerem por algumas das paisagens mais belas de Portugal, tinham um enorme potencial turístico. (Mas aos políticos só lhes interessa o turismo de elites ou das massas concentradas no litoral, referindo-se aos restantes turistas com o desprezante apodo de “pé de chinelo”. Pois, mas são os turistas “pé de chinelo” que mais volume de negócios geram por todo o mundo, sobretudo no que se refere ao pequeno comércio.)
O argumento para acabar com os comboios no país profundo foi que davam prejuízo ao Estado. Para os que não são filhos-da-puta privilegiadíssimos, é óbvio que há serviços públicos que não é suposto dar lucros; por isso é que pagamos impostos (ou será para cimentar e alcatroar todo o país, construir estádios que ficam às moscas, comprar submarinos, etc?...)
Contrariando todas as recomendações de Bruxelas, o governo de cavaco Silva fez todas as concessões ao poderoso lóbi dos transportes rodoviários, quando deveria ter apostado nos comboios e no transporte marítimo.
O povo tem a memória curta porque queima os neurónios com todo o tipo de pormenores sobre o futebol e sobre os automóveis… «Benditos sejam os pobres de espírito» São palavras atribuídas a um homem (de que não existe nenhuma prova histórica da sua existência…) admirado por milhões de fies, mas que ninguém segue os seus conselhos de solidariedade social…
Agora o governo de José Sócrates quer continuar a torrar o erário público com a construção de linhas para o TGV que seguirão paralelas às linhas que funcionam melhor em Portugal, para além de se ter deixado comer por estúpido pelos parceiros espanhóis… Porque não investe na reconversão da frota automóvel para o gás natural e para o biodiesel? Simplesmente porque somos demasiado panconas para exigir isso!
Em matéria de caminhos de ferro, qualquer dia imitaremos o que se está a passar nos países mais industrializados (ex: Inglaterra, Holanda, Alemanha, etc…): a privatização total desse serviço público, por forma a que fique bem mais barato os cidadãos deslocarem-se em veículos próprios, para além de o nº de acidentes se ter intensificado.
Porque será que, sempre que Portugal passa pelas suas piores crises económicas, as vendas dos automóveis de luxo disparam em flecha?...
A esmagadora maioria das pessoas que vive para os automóveis (não deve haver muitos portugueses livres de dívidas relacionadas com os carros) nem sequer os utiliza para viajar a sério e conhecer o mundo junto dos seus entes queridos. Basta ir para a IC19 para repararmos que a maioria dos automobilistas viaja só. É assim tão difícil apanhar transportes públicos ou partilhar os automóveis com colegas e vizinhos?
1 comentário:
Excelente post que subscrevo integralmente.
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