terça-feira, abril 06, 2010


Alguns mártires ambientais do Brasil

No Brasil, a luta pelas causas ambientais já conta com alguns mártires mediáticos. O mais conhecido dos quais é, certamente, Chico Mendes, o internacionalmente admirado defensor da Amazónia e da sua comunidade de seringueiros. (Ironicamente, um século atrás os seringueiros eram os grandes vilões dessa selva e dos índios que lá viviam.)
Alguns desses mártires nem nasceram no Brasil, mas morreram pelo que acreditavam ter de melhor e de mais ameaçado nesse país. Tal foi o caso da missionária estadunidense Dorothy Stang (que estava nacionalizada brasileira). A 12 de Fevereiro de 2005, dentro de uma “área protegida” criada pelo governo federal, dois matadores a soldo atingiram nove tiros no corpo da septuagenária que durante quatro décadas lutara por melhores condições para os "sem terra" e todos os campesinos pobres da Amazónia, mais concretamente do Estado do Pará.
Dez dias depois deste assassinato, Dionísio Ribeiro foi alvo de um atentado semelhante que lhe cobrou a vida. Ele trabalhava como guarda florestal na reserva federal de Tingua, da qual tinha sido um dos fundadores em 1989. No terreno, destacou-se como um corajoso opositor do abate ilegal e extracção de espécies protegidas (aliás, os principais suspeitos da sua morte são os extractores de palmito). Dionísio Ribeiro era ainda líder da ONG Defesa da Terra.
Mal tinha volvido uma semana após o seu assassinato, outro guarda florestal da reserva federal de Tingua viu-se na aflitiva situação de ter a sua casa alvejada a tiros. Estas situações não são incomuns na vida dos defensores do patrimônio natural brasileiro.

Outros, como, por exemplo, Dom Pedro Casaldáliga e Leonardo Boff, há muito que se habituaram às ameaças e tentativas de os calar para sempre, tornando-os estrelas das mais brilhantes na constelação dos mártires fiéis ao sonho de uma sociedade onde imperem valores de justiça social, saúde e sustentabilidade.
Dom Luiz Cappio é um frei franciscano que foi aluno de Leonardo Boff. Conseguiu alguma notoriedade por já se ter submetido a várias greves de fome (até agora ainda não levou essa forma de contestação até às últimas conseqüências) como protesto contra o transvase/transposição do Rio S. Francisco.
Há até quem se preste voluntariamente ao papel de mártir, por via do suicídio em praça pública. Tal foi o caso de Francisco Anselmo de Barros, vulgo Francelmo. O seu principal opositor foi o então governador do Estado de Mato Grosso do Sul (MGS), José Orcírio dos Santos, vulgo Zeca do PT (o partido de Lula).
A Lei Estadual 328, de 1982, proíbe a instalação de usinas de álcool na bacia do Alto Paraguai. Zeca do PT pretendia modificar essa lei, pois planeava construir 23 novas usinas de processamento de álcool em pleno Pantanal, na área interdita para esse fim. Ele mostrou uma fé inabalável nas novas tecnologias menos poluentes e sobretudo no poder do capital. Nas restantes regiões brasileiras onde estão implantadas este género de unidades industriais, os rios circundantes foram mortos ou estão moribundos devido aos nauseabundos lixiviados/efluentes a que chamam vinhoto. (Segungo Júlio Chiavenato, em média, uma tonelada de cana-de-açucar produz 70 litros de álcool, 910 litros de vinhoto e 260 Kg de bagaço.) Temos ainda que contar com a brutal devastação na flora e flora locais, vítimas da substituição da vegetação nativa e dos sistemas agropecuários tradicionais pelas monoculturas que são lavo de grandes quantidades de fertilizantes e pesticidas. A cultura canavieira é igualmente conhecida pelas costumeiras queimas de restolho que atingem enormes proporções. Dissipada a espessa cortina de fumo, sobram toneladas de cinzas que são arrastadas para os cursos d’água com as primeiras chuvas, acabando com a pouca vida aquática que aí restou.
Curiosamente, antes se ser governador, Zeca do PT era parceiro de Francelmo na Fundação para a Conservação da Natureza de mato Grosso do Sul (Foconams), que, nos anos 80, até conseguiu boicotar a construção de uma megausina (de álcool) proposta nada menos do que pelo grupo Rockfeller. Esse feito foi utilizado por Zeca do PT para se promover politicamente usando a máscara de ambientalista. Chegado ao posto de governador, passou a promover todos os projectos (tanto melhor se fossem faraónicos) que constituíam as maiores ameaças à natureza em geral e ao Pantanal em particular. Para além das referidas usinas, quis que o “seu” estado fosse gravemente ferido pela hidrovia MERCOSUL (que pretendia dragar um canal para navios de grande calado, desde Nueva Palmira, no Uruguai, até Cáceres, no Mato Grosso, cobrindo uma distância de aproximadamente 3600 Km, o que significaria a morte do Pantanal); uma central termoeléctrica; um megalómano pólo siderúrgico apoiado pela exploração maciça de minérios locais; um pólo industrial [de processamento] de gás de síntese química; e plantações de trangénicos para os latifundiários.
Há muito que o filósofo Sócrates tinha advertido que a política é fétida cloaca que cobra a alma ou a vida dos que ambiciosamente nela adentram ...
Francelmo era líder da Foconams, devotamente empenhado nas causas ecológicas. Em 2005, este sexagenário sucumbiu à frustração e ao cansaço, sentindo-se impotente perante a insensibilidade eco(i)lógica, a ignorância ambiciosa, a implacável força política dos deputados federais e do governador, assim como a aparente indiferença e apatia da opinião pública. Em desespero de causa, querendo chamar a atenção geral para os problemas que mais o afligiam e que a todos afectam de sobremaneira mesmo que disso não queiram ter consciência, autoimolou-se em Campo Grande (capital do Estado), seguindo o terrível exemplo de alguns monges budistas que assim protestaram contra a guerra do Vietname.
A então Ministra do Ambiente, Marina Silva foi ter com a viúva de Francelmo, a fim de lhe prestar as suas condolências e solidarizar-se com a causa (não necessariamente com o método do derradeiro protesto) do mártir em causa. Por causa disso, Marina Silva foi alvo de ferozes e gratuitos ataques proferidos pelo vilão desta estória, Zeca do PT, seu colega de partido.
André Puccinelli é novo governador do Mato Grosso do Sul. Ele é também um grande apologista das usinas de cana-de-acúcar. Perante o possível veto destas últimas .... por parte de Carlos Minc, o sucessor de Marina Silva no Ministério do Ambiente, fez a seguinte declaração: “ ele é um viado [termo pejorativo para homossexual], fumador de maconha. Se viesse aqui, eu iria atrás dele e estuprava-o em praça pública!” [Este ainda é da velha escola dos que acham que, nas relações sexuais entre dois homens, havendo separação de papéis entre “activos” e “passivos”, o que penetra é o “machão”, e o sodomizado não passa de “uma bicha desprezível”...]
Como se não bastasse a corrupção endémica, os políticos brasileiros são pródigos em boçalidade preconceituosa e brejeira que inflama a arrogância dos caipiras endinheirados que dominam (pelo menos) todo o interior do país. A elite nem esconde o quão arreigado é o seu etnocentrismo xenófobo (passo a redundância) e violento.
PB

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