sábado, outubro 03, 2009
Swallow-tailed kite
Xô, melga!!
Há muito tempo que andava com vontade de fotografar (de preferência em vôo) gaviões-tesoura. A oportunidade surgiu numa cidadezinha bem no umbigo da América do Sul; à volta do romanceado ponto eqüidistante entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Na praça central, bem ao lado de uma igreja centenária, vi que, numa árvore alta, havia um ninho destas aves. Ali fiquei de tocaia com a máquina fotográfica em riste. Como não dispunha de tripé (alguém me quer vender um a preço de amigo?...), e a lente pesa como o raio que espero não a parta, ao fim de uns 20 minutos de espera infrutífera, apontando para o alto da árvore, onde por vezes surgiam e desapareciam com rapidez, eu tinha os músculos demasiado doridos, o que me fazia tremer as mãos. Para piorar as coisas, estava um calor de rachar e eu suava as estopinhas. Finalmente um bando de gaviões-tesoura começou a aproximar-se de onde eu me posicionara. O meu coração acelerou de expectativa; eu já prelibava as imagens; e o prazer da caça inteligente mitigava o desconforto geral. Foi quando uma senhora, trazendo duas crianças a reboque, estacionou junto de mim; e, num tom imperativo de quem se sente empossada de uma missão superior, declarou querer a minha atenção. Eu logo percebi as suas intenções, até porque no breve instante em que os meus olhos a relancearam, vi a familiar literatura religiosa que me deixa o estômago embrulhado. Continuando com o olhar fixo nas aves, respondi-lhe (de forma tão amável quanto me era possível) que naquele momento não a podia atender pois estava ocupado. Ela, com a arrogância que a cegava para a inconveniência e para a necessidade de respeitar diferentes pontos de vista, plantou-se bem na minha frente – impedindo-me de fotografar quando os gaviões-tesoura já estavam suficientemente próximos para uma decente sessão fotográfica! – e declarou: “nada é mais importante do que a palavra do Senhor!”
Aí eu perdi as estribeiras, pulei para o lado, sempre mirando pela lente da máquina, e, eu que até costumo ter algum cuidado no trato pessoal com estes fanáticos que parecem acéfalos, rosnei-lhe: “que se foda o Senhor! E eu lá sou um idiota supersticioso para acreditar em deus e em toda essa merda sobrenatural ?!”
A mulherzinha tremeu nas bases. Certamente que nunca ouvira tamanha blasfémia. Apenas conseguiu titubiar: “mas, mas...e a bíblia?!”
“A bíblia não passa de um monte de monstruosidades preconceituosas e de mentiras destinadas a manipular ignorantes crédulos” – Fulminei-a.
Enquanto disparava uma sequencia interessante de imagens, ouvi a crente dizer apavorada para as crianças: “vamos embora que esse marvado não acredita em deus!”
De esguelha, ainda a vi sair a toda a mecha, enquanto os fedelhos arriscavam-se a um torcicolo com os olhos esbugalhados que assestavam sobre mim. Dei-me conta de que tinha sido demasiado bruto, e apressei-me a terminar o trabalho antes que aparecesse em cena um pelotão de linchamento querendo limpar o mundo cristão de um dissonante ateu.
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