Leonardo Boff
Pregação pelas matas
Genézio Darci Boff, catarinense de 56 anos, está afastado da Igreja. Seus livros, contrários aos dogmas da Igreja Católica por tratarem de temas polémicos, lhe renderam o afastamento da Igreja Católica. O ex-frei Leonardo Boff pediu seu próprio desligamento da Ordem dos Franciscanos. Não foi punido e jamais deixou de viver de acordo com sua ideologia
Boff é contrário à hegemonia da Igreja Católica Apostólica Romana e aposta na teoria do multicatolicismo, como a quebra da "hierarquia da Igreja" e a libertação dos povos. Para o polémico frei Leonardo Boff, a Igreja não exerce o verdadeiro sentido intimista do cristianismo, por não permitir a reformulação de seus conceitos a partir de experiências populares. Isso seria evidenciado pela abertura às religiões africanas e indígenas, muito discriminadas no actual contexto. A sociedade entende que a umbanda esteja ligada à feitiçaria e seja semelhante à macumba e que igrejas "tribais", como Santo Daime, utilizam práticas não-ortodoxas, como cantilenas indígenas e ingestão de alucinógenos.
O principal ponto de choque entre Boff e a Igreja se resume no celibato clerical. Em várias entrevistas à imprensa nacional, Leonardo Boff admitiu ter sido fiel à castidade. Actualmente casado, Boff se dedica à pregação ecológica. Um de seus livros, o "Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres", tenta unir a religião com o ambientalismo, defende dogmas do budismo e ataca os papas que "teriam contribuído" com um genocídio dos índios.
Polémico, sensato e ao mesmo tempo agressivo, Boff participa da Conferência Continental das Américas, onde está sendo colocada em discussão a Carta da Terra. O evento acontece em Cuiabá e reúne ambientalistas, ecologistas e jornalistas de vários países da América do Sul. Entenda o posicionamento de Leonardo Boff diante da religião e da preservação ambiental.
Perfil/ Leonardo Boff
Consciência ecológica
"A nova consciência ecológica e a noção da Terra como grande mãe e Gaia passa por um processo pedagógico pelo qual as pessoas se sensibilizam para esta realidade. Não bastam conceitos. Precisamos de emoções, porque são elas que mobilizam as ações. Gaia é o nome da mitologia grega para expressar a terra como um ser vivo. Ela foi assumida por James Lovelock, cientista da Nasa, que escreveu dois belos livros - «Gaia - Uma nova visão da Terra» e «Biografia de Gaia». Ele mostra o equilíbrio subtil de todos os elementos que compõem a terra, equilíbrio este que só um ser vivo pode mostrar. Leia e mude sua cabeça em relação à Terra"
Modelo económico
"O modelo vigente sacrifica a natureza para criar riqueza. Alguns homens se enriquecem às custas do empobrecimento das maioria. O novo modelo económico visaria produzir o suficiente para todos, preservando a capital natural da terra para nós e para gerações futuras. Este propósito exige um outro modelo económico, que pode incorporar a tecnologia em benefício de todos nós e não só das empresas"
Teologia da Libertação
"Os pobres são 80% da humanidade. A Teologia da Libertação parte dos pobres, sem ficar só nos pobres, pois se abre a todos. Ela convida a todos a serem aliados dos pobres, contra a pobreza e a favor da vida e da liberdade"
Biopirataria
"Para acabar com a biopirataria, basta se deter em um simples ponto: ouvir os povos que lá habitam, seja os indígenas ou os caboclos. Eles conhecem minuciosamente o ecossistema onde vivem e têm sábias lições da dar aos nossos académicos"
Deus
"Minha visão de Deus não é panteísta. A visão panteísta observa que todas as coisas são Deus, que Ele está em tudo. Para mim, entre Deus e as criaturas há uma relação de mútua presença, a que chamamos de panenteísmo"
Destino dos dinossauros
"A seguir o tipo de desenvolvimento que temos, vamos ao encontro possivelmente do pior, quem sabe ao destino dos dinossauros. A capacidade de criação e aprendizado do ser humano pode mudar suas atitudes para com a terra, para assim salvá-la da histórica agressão a que a submetemos"
Amor em tempos de AIDS
"O amor em tempos de AIDS deve ser muito responsável, para não contrair e nem transmitir essa doença. Não pode ser um amor sem história ou simplesmente promíscuo. Deve ser um amor entre pessoas que se conhecem e que tenham sentimentos de amorosidade e de responsabilidade"
Biodiversidade
"O Brasil detém a maior biodiversidade e a maior rede hídrica do Planeta. Cabe ao Brasil a imensa responsabilidade de preservar esta riqueza natural para toda a Terra e não só para nós. Somos chamados a ser solidários, como todos os seres humanos"
Franciscanos
"Os franciscanos devem actualizar o amor de São Francisco para com todos os seres, incorporando os novos conhecimentos da ciência da terra e da ecologia. Assim, eles tornam São Francisco contemporâneo ao nosso tempo"
Estados Unidos
"Eles são os maiores poluidores da Terra. Por isso, não assinam nenhum documento internacional. Eles são bárbaros e inimigos da mãe Terra"
Igreja x terras
"A Igreja praticamente doou todas as suas terras para fins de utilização de cooperativas dos trabalhadores. Só ficou com terras de cemitérios e dos edifícios religiosos. A igreja poderia ajudar muito mais em uma atitude ecológica, ensinando a mensagem de São Francisco, que via todos os seres - desde a formiga até as estrelas - como irmãos e irmãs. Aquilo que amamos como irmãos, nós não maltratamos, apenas convivemos"
Tecnologia
"Nós assumimos a tecnologia porque ela pode debelar velhos problemas da humanidade e pode nos ajudar a preservar a Terra. Ela pode ser o veneno, mas também o remédio. Praticamente há um consenso de que todo o Universo está em expansão e em evolução. Ele é auto-criativo e nós também. Estamos ainda nascendo"
Anarquismo
"O anarquismo tem muitos elementos positivos, mas funcionaria só em comunidades de tamanho menor. Nelas, seria possível viver uma plena democracia com a máxima liberdade individual. Em grandes sociedades, como instituições, só é possível viver num espírito de flexibilidade que o anarquismo pode sempre nos legar"
Urbanismo
"Preservar a cidade para os cidadãos e não para os carros é a opção que muitas cidades europeias e norte-americanas já tomaram há vários anos. Isto fez com que estas cidades se tornassem exemplos de ecologia social, que Curitiba deveria imitar"
Padre Marcelo Rossi
"Ele conseguiu unir alegria e leveza à fé cristã. Mas isto é muito pouco. Há o risco de ele se transformar na Xuxa da Igreja Carismática: só entretêm as crianças, como a Xuxa ou as pessoas infantilizadas. Ele mostra paixão pelo Pai do Céu, mas nenhuma preocupação pelo pão nosso. Jesus nos manda unir o Pai Nosso com o Pão Nosso, senão não estaremos dentro do Evangelho, mas dentro do mercado religioso, de puro consumo, de sentimentos fáceis, e sem compromisso com a justiça e com a melhoria do mundo"
A Carta da Terra pode ser melhor compreendida no site http://www.cartadaterra.org.br/
Ecologia Mundialização e Espiritualidade, de Leonardo Boff, Editora Ática. 1996, Capítulo II, IV, V.
Leonardo Boff, um dos expressivos teólogos da libertação censurado pela Cúria Romana, por se posicionar em defesa dos direitos humanos e eclesiásticos. Vários de seus livros foram editados nos principais idiomas e receberam muitos prêmios e títulos. Seu tema atual é Ecologia Mundialização e Espiritualidade, visando construir uma democracia onde há integração global.O autor no capitulo II, enfatiza sobre a volta do Fenômeno Religioso e Místico apesar da racionalidade decorrente do processo tecnológico. Boff cita, Comte, K. Marx, S. Freud, M. Weber para mostrar como a modernidade viu a religião. O saber como modelo da modernidade, entrou em crise, o que explica a volta vigorosa do religioso e místico, diz Boff. A religião faz parte do ser humano desde os primórdios é inseparável da raça humana, afirma o autor.Leonardo Boff mostra que as religiões se encontram em dois aspectos básicos: A valorização da vida em si, e a compaixão para com os oprimidos. Exortando as igrejas cristãs a apoiarem os movimentos de liberdade dos pobres em questão de justiça societária sendo um desafio lutar contra a desumanização da qualidade de vida no mundo em que vivemos.As religiões cooperam com as culturas a tomarem a reta posição. A religião é algo eterno nunca desaparece; e o século XXI será o religioso prevê Boff.Em seus capítulos III e IV, o autor sugere uma democracia ecológico-social argumentando que a sociedade não é uma coisa, mas uma rede de relações entre pessoas, suas funções, suas coisas e instituições. O autor destaca que o capitalismo não venceu com a queda do socialismo, citando que há um lado positivo do socialismo; o da revolução da fome, e da sociedade igualitária, o do socialismo. No socialismo, o social possui a centralidade, o que não e encontrado na área capitalista.Afirma Boff que a Teologia da Libertação, desde o início, não coloca no centro de sua prática e de suas reflexões o socialismo, mas os pobres coletivos e conflitivos, tendo em seu nascimento duas experiências, uma Política e outra Teológica.Ainda no capitulo IV, Boff explica que a Teologia da Libertação busca uma modernidade alternativa e integrada, importa construir uma convergência através de uma nova revolução mundial, que postule uma modernidade alternativa e integral que incorpore o imenso cabedal de ciências e de técnicas mas para isso é importante a solidariedade.No capitulo IV, o autor diz que a libertação só é real quando se criam as condições políticas para a realização da justiça societária. A teologia da libertação, vê a ciência, a tecnologia e o poder como parte do projecto de resgate, construção, consolidação e expansão da vida e da liberdade humana finaliza Boff.Através de seus textos Leonardo Boff assim como Fernando Campelo Gaivota, Edgar Alain Poe e G. Write busca um lugar melhor para a humanidade, onde haverá mais igualdade social. O autor idealiza através do seu livro uma solução, que a primeira análise, pode parecer utópica levando em conta as atuais circunstâncias do mundo em que vivemos, principalmente no que diz respeito ao emergente neo-liberalismo fulminante na individualização do homem. Nos resta esperar o que propõe o autor no seu livro, uma justiça societária, um futuro que parece distante.
Teólogo Leonardo Boff
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LEONARDO BOFF: É professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia, na Universidade do Rio de Janeiro. Trabalhou mais de vinte anos como franciscano em Petrópolis com um pé na academia e outro no meio dos pobres. Dessa combinação nasceu a Teologia da Libertação, que, junto com outros, ajudou a formular. Assessora comunidades de base, dá cursos em universidades brasileiras e estrangeiras e escreve com assiduidade. Dos mais de 60 livros que escreveu destacam-se Jesus Cristo Libertador, Como fazer Teologia da Libertação, o Rosto Materno de Deus, Igreja Carisma e Poder, A Águia e a galinha, O Despertar da Águia e o recém lançado "Saber Cuidar", onde procura detalhar o cuidado em suas várias concretizações: com a Terra, com a sociedade sustentável, com o corpo, com o espírito, com a grande travessia da morte.
É considerado um dos pilares da Teologia da Libertação.
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ENTREVISTA GRAVADA EM BRASÍLIA, DIA 27/07/96, POR FELIX FILHO DURANTE A REALIZAÇÃO DO IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE PADRES CATÓLICOS CASADOS E SUAS FAMÍLIAS, PARA O JORNAL IGREJA NOVA.
IN - Qual o papel do leigo católico actualmente dentro da Igreja ?
BOFF - Eu creio que o papel principal é o de resgatar o fato de ele ser sujeito, porque o leigo não é sujeito. Ele não decide na igreja e tem que pedir licença para tudo. Eu acho que o leigo, iluminado pelo Evangelho e em solidariedade, deve abrir caminho, iniciativas pastorais. Somente um leigo adulto livre pode ajudar outras pessoas livres. Este é o grande desafio: superar a menoridade histórica a que fomos condenados e recuperar, por nós mesmos e não esperar nunca de cima , o carácter autónomo, independente e solidário.
IN - Como você está vendo este papel conservador da hierarquia católica ?
BOFF - Eu creio que é uma reacção às inovações que os próprios leigos criaram na igreja , especialmente as mulheres e comunidades de base . Todos estes movimentos questionam, a luz do Evangelho, a centralização do poder e a clericalização da igreja . Quando os leigos começam a estudar Teologia, eles querem ser ouvidos e ajudar a decidir. Toda negação a essa exigência é sentida como uma pressão . Roma faz valer a sua força e o direito canônico para reprimir e reduzir novamente ao estado imaturo, infantil, os leigos engajados.
IN - Até que ponto seria uma atitude profética a denúncia da hierarquia mais conservadora da igreja ?
BOFF - Eu acho que a denúncia não faz sentido. Desde Lutero ela é violenta e verdadeira. O que nós temos que fazer é abrir caminhos , sem perder muito tempo em cobrar da hierarquia, porque ela já tem poder e inventou critérios definindo o que é falso e verdadeiro, e os aplica. E por aí nós não temos muita esperança. A única coisa que move a hierarquia é quando vê leigos activos, por conta deles, fundando iniciativas, centros de defesa, comunidades de base, círculos bíblicos. É mostrar que a igreja é mais que este aparato enorme. A igreja é o movimento de Jesus na historia e ganha muitas formas. Hoje é urgente que ganhe a forma laica, autónoma. Cristãos que estão no mundo deixam filtrar as experiências todas do trabalho , da vida, do enfrentamento dos conflitos, pela luz do Evangelho. E ai nasce um comportamento de cristãos que se deixam orientar por aquilo que de herança , de generosidade e de divindade Jesus deixou dentro da humanidade.
IN - Neste final de milénio, com dois mil anos de Cristianismo, para que lado aponta a Teologia ?
BOFF - A Teologia aponta em duas direcções: uma para frente e outra para trás . Para trás é recuperar o sonho de Jesus, que é de grande generosidade e de descobrir Deus como amor e misericórdia . Isto é o que trás o Cristianismo como boa nova à humanidade e que liberta por dentro. E para frente é descobrir que Deus chegou antes dos missionários. Que Ele está fermentando em todas as culturas, o Espírito trabalhando no coração das pessoas. Que há um fogo divino na história que não depende dos seres humanos. A função dos cristãos é ser profetas, intérpretes desta realidade de que eles também são visitados por Deus. Seus caminhos espirituais também são caminhos que conduzem a Deus. Nós queremos somar a eles e renunciar à arrogância de termos o monopólio da salvação e dos caminhos da salvação.
IN - Como a ecologia entra na historia da salvação do homem ?
BOFF - Escrevi ultimamente um livro intitulado " ECOLOGIA. GRITO DA TERRA , GRITO DOS POBRES " . É o intento de trazer a Teologia da Libertação para os anos 90 . Não só os pobres são oprimidos , mas também a terra grita , porque está sendo exaurida pelo tipo de desenvolvimento que temos. Então, a libertação tem que incluir também a libertação da terra . A perspectiva é de dizer : ou nós mudamos de comportamento com relação à terra, recuperando sua sacralidade e nos sentirmos filhos e filhas da terra, ou então corremos o risco de um cataclismo ecológico . A terra não aguenta este tipo de exploração que se faz a ela e pode quebrar. E tem prazos para isso.
IN - Podemos dizer que o ser humano é um ser ameaçado ?
BOFF - O processo mundial de acumulação capitalista sacrifica muito a natureza e as pessoas humanas. Por isso o ser pobre, não incluído no sistema , é marginalizado, passa fome e morre . E esse então é o desafio ecológico porque o ser humano deve ser entendido dentro da natureza. Toda injustiça, agressão ao ser humano, é uma injustiça ao ser mais complexo da natureza. Então, eu creio que uma tarefa nova da opção pelos pobres é incluir a terra como grande pobre que está sendo explorado e reduzido na sua riqueza interna, e que isso poderá afetar toda a biosfera e os seres humanos. Por isso, a questão básica não é que futuro tem a igreja , mas que futuro tem a terra. E como a igreja , o cristianismo ajuda a salvaguardar o futuro bom da terra.
IN - Qual seria , então, o papel de um leigo católico de classe média nesse processo em favor dos pobres?
BOFF - A classe média sempre tem um privilégio. É uma classe laboriosa e que se dota dos meios de comunicação e uma formação acadêmica melhor. Então é uma classe que acompanha o fio da história . O desafio que vem para os cristãos de classe média é socializar o poder que têm, profissional, econômico e intelectual. Normalmente a classe média é convocada a imitar os que estão de cima , a querer ser mais rica ainda . Acho que o cristão deve fazer uma opção para baixo, como Deus fez. Não é transcendência, é transcedecência , é descer na direção daqueles que menos tem, associar-se a causa deles e emprestar tempo, inteligência e capacidade para reforçar a luta do povo, e assim , o povo mesmo possa ter mais força de lutar e conquistar seu direito e sua justiça
IN - Qual sua mensagem para os cristãos leigos que estão na arquidiocese de Olinda e Recife?
BOFF - Eu creio que eles devem olhar para frente, não perder muito tempo com a discussão interna da Igreja . O grande problema não é a Igreja, é a pobreza, injustiça, exclusão, miséria que está na sociedade. É fazer da fé cristã , do seu capital de generosidade e solidariedade uma força transformadora da sociedade, comprometida em mudar a realidade. Essa mudança começa com a gente mesmo, não da barriga prà frente, mas das costas prá frente, nos incluindo nessas mudanças. Então, já em casa, viver uma nova relação homem /mulher, família / filhos. Ter uma atitude mais benevolente com a natureza, não viver só atolado pelo trabalho, mas reservar espaço de gratuidade, de conversa com a família, e ver a dimensão sabática, a dimensão de descanso que a pessoa se refaz da sua humanidade e depois volta ao seu trabalho na perspectiva não obsessiva, mas como forma de colaborar e conseguir o seu sustento. Os leigos tm uma tarefa enorme de inaugurar um cristianismo não clerical, evangélico, mais simples, sem muitas doutrinas e dogmas , fundamentalmente iluminado pelo exemplo de Jesus. Os cristãos têm que dar seu testemunho por conta deles , sem perguntar a ninguém a não ser ao evangelho e aqueles que estão à sua volta.
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