sábado, outubro 20, 2007

Lamento só ter conhecido a biografia de Alan Rabinowitz quando já tinha os cabelos grisalhos (ou seja, há apenas um par de anos), pois ter-me-ia servido de inspiração – e há poucas coisas mais importantes na formação de uma pessoa. Talvez até me pudesse ter ajudado a atenuar a perene sensação de estar deslocado nos ambientes sociais pelos quais me tenho arrastado.
Alan Rabinowitz é um biólogo estadunidense que conquistou bastante prestígio e notoriedade lutando incansavelmente pela preservação do jaguar. A sua carreira como investigador profissional desta espécie (associado à Universidade de Massachusetts) iniciou-se na floresta de Belize (Mesoamérica). Afortunadamente, logo se tornou um dos protegidos do insigne Dr. Schaller, pioneiro da biologia conservacionista.
O labor de Rabinowitz (marcado por uma determinação férrea, idealismo e ética impoluta) assumiu um carácter messiânico. Porém, a sua obsessão (tecnocientífica) pelos jaguares toldou a sua percepção holística da selva (por ele encarada como um mero habitat, um suporte físico, da sua espécie fetiche/favorita), tendo adoptado uma atitude de estoicismo algo beligerante em relação ao meio ambiente, que parecia conspirar para o ver fracassar e onde se sentia um alienígena. Entretanto, a experiência traumática de um desastre de avioneta na selva confrontou-o com a sua fragilidade e com a aleatoriedade da morte. Isso deu-lhe uma visão mais espiritual da vida, do seu trabalho e da selva – que passou a encarar como uma amante difícil que exige um profundo respeito e admiração, que impõe os seus ritmos.
A infância deste homem extraordinário foi muito difícil principalmente devido a padecer de uma gaguez extremamente aguda que lhe inviabilizava o discurso oral e o tornou vítima de preconceitos, chacota e de exclusão no sistema de normalização forçada do ensino formal – que o tratou como a um deficiente mental, apesar de ser muito inteligente e sensível.
Mesmo no ambiente urbano e hostil (o Brooklin, Nova Iorque) em que vivia, o seu amor pelos animais (cuja proximidade então se limitava às espécies domésticas e algumas exóticas que adquiria em lojas de animais, desconhecendo ainda que estava assim a contribuir para o desenvolvimento de uma das actividades actualmente mais lesivas para a vida selvagem) foi para a criança solitária um consolo maior, podendo interagir com eles de forma mutuamente afectuosa e humorosa, sem riscos de discriminações. O jovem Alan descobriu que a gaguez incapacitante que o exilava do convívio social prazenteiro
Poderia ser mitigada de duas maneiras: cantando e falando com os seus amigos não humanos.
Mas o seu ostracismo consolidou-se em misantropia, à medida em que crescia a sua paixão pela vida selvagem. E foi a combinação destas características predominantes no seu carácter que levaram os responsáveis pela universidade onde se formou, bem como todos os seus colegas aos quais ajudou em pesquisas de campo no seu país natal, a lhe confiarem o projecto de estudo do jaguar em Belize, que exigia trabalhar em solitário na selva tropical. Em relação aos animais, ele identifica-se com a vulnerabilidade à crueldade gratuita ( que tem por base a ignorância, a mesquinhez e a ganância) dos homens. Reconhecendo a sua responsabilidade moral e até o poder social que estava ao seu alcance, resolveu tornar-se num campeão da defesa dos parentes silvestres que se estão a extinguir com angustiante celeridade.

A perseverança que Rabinowitz imprime aos seus objectivos prioritários é também um reflexo da bem sucedida luta contra a gaguez e pela recuperação da sua auto-estima. E forma surpreendente, acabou por se tornar um brilhante orador (fazendo palestras por todo o mundo para chamar a atenção dos seus projectos conservacionistas e angariar preciosos apoios), não vacilando perante os enormes obstáculos que se depara na defesa do jaguar e dos ecossistemas ainda favoráveis a este felino emblemático. Ironicamente, apesar de o colocarem no topo da pirâmide (na verdade, é mais uma cadeia) trófica, este é um dos animais mais vulneráveis aos avanços de uma civilização contra natura.

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