Leonardo Boff
Pregação pelas matas
Genézio Darci Boff, catarinense de 56 anos, está afastado da Igreja. Seus livros, contrários aos dogmas da Igreja Católica por tratarem de temas polémicos, lhe renderam o afastamento da Igreja Católica. O ex-frei Leonardo Boff pediu seu próprio desligamento da Ordem dos Franciscanos. Não foi punido e jamais deixou de viver de acordo com sua ideologia
Boff é contrário à hegemonia da Igreja Católica Apostólica Romana e aposta na teoria do multicatolicismo, como a quebra da "hierarquia da Igreja" e a libertação dos povos. Para o polémico frei Leonardo Boff, a Igreja não exerce o verdadeiro sentido intimista do cristianismo, por não permitir a reformulação de seus conceitos a partir de experiências populares. Isso seria evidenciado pela abertura às religiões africanas e indígenas, muito discriminadas no actual contexto. A sociedade entende que a umbanda esteja ligada à feitiçaria e seja semelhante à macumba e que igrejas "tribais", como Santo Daime, utilizam práticas não-ortodoxas, como cantilenas indígenas e ingestão de alucinógenos.
O principal ponto de choque entre Boff e a Igreja se resume no celibato clerical. Em várias entrevistas à imprensa nacional, Leonardo Boff admitiu ter sido fiel à castidade. Actualmente casado, Boff se dedica à pregação ecológica. Um de seus livros, o "Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres", tenta unir a religião com o ambientalismo, defende dogmas do budismo e ataca os papas que "teriam contribuído" com um genocídio dos índios.
Polémico, sensato e ao mesmo tempo agressivo, Boff participa da Conferência Continental das Américas, onde está sendo colocada em discussão a Carta da Terra. O evento acontece em Cuiabá e reúne ambientalistas, ecologistas e jornalistas de vários países da América do Sul. Entenda o posicionamento de Leonardo Boff diante da religião e da preservação ambiental.
Perfil/ Leonardo Boff
Consciência ecológica
"A nova consciência ecológica e a noção da Terra como grande mãe e Gaia passa por um processo pedagógico pelo qual as pessoas se sensibilizam para esta realidade. Não bastam conceitos. Precisamos de emoções, porque são elas que mobilizam as ações. Gaia é o nome da mitologia grega para expressar a terra como um ser vivo. Ela foi assumida por James Lovelock, cientista da Nasa, que escreveu dois belos livros - «Gaia - Uma nova visão da Terra» e «Biografia de Gaia». Ele mostra o equilíbrio subtil de todos os elementos que compõem a terra, equilíbrio este que só um ser vivo pode mostrar. Leia e mude sua cabeça em relação à Terra"
Modelo económico
"O modelo vigente sacrifica a natureza para criar riqueza. Alguns homens se enriquecem às custas do empobrecimento das maioria. O novo modelo económico visaria produzir o suficiente para todos, preservando a capital natural da terra para nós e para gerações futuras. Este propósito exige um outro modelo económico, que pode incorporar a tecnologia em benefício de todos nós e não só das empresas"
Teologia da Libertação
"Os pobres são 80% da humanidade. A Teologia da Libertação parte dos pobres, sem ficar só nos pobres, pois se abre a todos. Ela convida a todos a serem aliados dos pobres, contra a pobreza e a favor da vida e da liberdade"
Biopirataria
"Para acabar com a biopirataria, basta se deter em um simples ponto: ouvir os povos que lá habitam, seja os indígenas ou os caboclos. Eles conhecem minuciosamente o ecossistema onde vivem e têm sábias lições da dar aos nossos académicos"
Deus
"Minha visão de Deus não é panteísta. A visão panteísta observa que todas as coisas são Deus, que Ele está em tudo. Para mim, entre Deus e as criaturas há uma relação de mútua presença, a que chamamos de panenteísmo"
Destino dos dinossauros
"A seguir o tipo de desenvolvimento que temos, vamos ao encontro possivelmente do pior, quem sabe ao destino dos dinossauros. A capacidade de criação e aprendizado do ser humano pode mudar suas atitudes para com a terra, para assim salvá-la da histórica agressão a que a submetemos"
Amor em tempos de AIDS
"O amor em tempos de AIDS deve ser muito responsável, para não contrair e nem transmitir essa doença. Não pode ser um amor sem história ou simplesmente promíscuo. Deve ser um amor entre pessoas que se conhecem e que tenham sentimentos de amorosidade e de responsabilidade"
Biodiversidade
"O Brasil detém a maior biodiversidade e a maior rede hídrica do Planeta. Cabe ao Brasil a imensa responsabilidade de preservar esta riqueza natural para toda a Terra e não só para nós. Somos chamados a ser solidários, como todos os seres humanos"
Franciscanos
"Os franciscanos devem actualizar o amor de São Francisco para com todos os seres, incorporando os novos conhecimentos da ciência da terra e da ecologia. Assim, eles tornam São Francisco contemporâneo ao nosso tempo"
Estados Unidos
"Eles são os maiores poluidores da Terra. Por isso, não assinam nenhum documento internacional. Eles são bárbaros e inimigos da mãe Terra"
Igreja x terras
"A Igreja praticamente doou todas as suas terras para fins de utilização de cooperativas dos trabalhadores. Só ficou com terras de cemitérios e dos edifícios religiosos. A igreja poderia ajudar muito mais em uma atitude ecológica, ensinando a mensagem de São Francisco, que via todos os seres - desde a formiga até as estrelas - como irmãos e irmãs. Aquilo que amamos como irmãos, nós não maltratamos, apenas convivemos"
Tecnologia
"Nós assumimos a tecnologia porque ela pode debelar velhos problemas da humanidade e pode nos ajudar a preservar a Terra. Ela pode ser o veneno, mas também o remédio. Praticamente há um consenso de que todo o Universo está em expansão e em evolução. Ele é auto-criativo e nós também. Estamos ainda nascendo"
Anarquismo
"O anarquismo tem muitos elementos positivos, mas funcionaria só em comunidades de tamanho menor. Nelas, seria possível viver uma plena democracia com a máxima liberdade individual. Em grandes sociedades, como instituições, só é possível viver num espírito de flexibilidade que o anarquismo pode sempre nos legar"
Urbanismo
"Preservar a cidade para os cidadãos e não para os carros é a opção que muitas cidades europeias e norte-americanas já tomaram há vários anos. Isto fez com que estas cidades se tornassem exemplos de ecologia social, que Curitiba deveria imitar"
Padre Marcelo Rossi
"Ele conseguiu unir alegria e leveza à fé cristã. Mas isto é muito pouco. Há o risco de ele se transformar na Xuxa da Igreja Carismática: só entretêm as crianças, como a Xuxa ou as pessoas infantilizadas. Ele mostra paixão pelo Pai do Céu, mas nenhuma preocupação pelo pão nosso. Jesus nos manda unir o Pai Nosso com o Pão Nosso, senão não estaremos dentro do Evangelho, mas dentro do mercado religioso, de puro consumo, de sentimentos fáceis, e sem compromisso com a justiça e com a melhoria do mundo"
A Carta da Terra pode ser melhor compreendida no site http://www.cartadaterra.org.br/
Ecologia Mundialização e Espiritualidade, de Leonardo Boff, Editora Ática. 1996, Capítulo II, IV, V.
Leonardo Boff, um dos expressivos teólogos da libertação censurado pela Cúria Romana, por se posicionar em defesa dos direitos humanos e eclesiásticos. Vários de seus livros foram editados nos principais idiomas e receberam muitos prêmios e títulos. Seu tema atual é Ecologia Mundialização e Espiritualidade, visando construir uma democracia onde há integração global.O autor no capitulo II, enfatiza sobre a volta do Fenômeno Religioso e Místico apesar da racionalidade decorrente do processo tecnológico. Boff cita, Comte, K. Marx, S. Freud, M. Weber para mostrar como a modernidade viu a religião. O saber como modelo da modernidade, entrou em crise, o que explica a volta vigorosa do religioso e místico, diz Boff. A religião faz parte do ser humano desde os primórdios é inseparável da raça humana, afirma o autor.Leonardo Boff mostra que as religiões se encontram em dois aspectos básicos: A valorização da vida em si, e a compaixão para com os oprimidos. Exortando as igrejas cristãs a apoiarem os movimentos de liberdade dos pobres em questão de justiça societária sendo um desafio lutar contra a desumanização da qualidade de vida no mundo em que vivemos.As religiões cooperam com as culturas a tomarem a reta posição. A religião é algo eterno nunca desaparece; e o século XXI será o religioso prevê Boff.Em seus capítulos III e IV, o autor sugere uma democracia ecológico-social argumentando que a sociedade não é uma coisa, mas uma rede de relações entre pessoas, suas funções, suas coisas e instituições. O autor destaca que o capitalismo não venceu com a queda do socialismo, citando que há um lado positivo do socialismo; o da revolução da fome, e da sociedade igualitária, o do socialismo. No socialismo, o social possui a centralidade, o que não e encontrado na área capitalista.Afirma Boff que a Teologia da Libertação, desde o início, não coloca no centro de sua prática e de suas reflexões o socialismo, mas os pobres coletivos e conflitivos, tendo em seu nascimento duas experiências, uma Política e outra Teológica.Ainda no capitulo IV, Boff explica que a Teologia da Libertação busca uma modernidade alternativa e integrada, importa construir uma convergência através de uma nova revolução mundial, que postule uma modernidade alternativa e integral que incorpore o imenso cabedal de ciências e de técnicas mas para isso é importante a solidariedade.No capitulo IV, o autor diz que a libertação só é real quando se criam as condições políticas para a realização da justiça societária. A teologia da libertação, vê a ciência, a tecnologia e o poder como parte do projecto de resgate, construção, consolidação e expansão da vida e da liberdade humana finaliza Boff.Através de seus textos Leonardo Boff assim como Fernando Campelo Gaivota, Edgar Alain Poe e G. Write busca um lugar melhor para a humanidade, onde haverá mais igualdade social. O autor idealiza através do seu livro uma solução, que a primeira análise, pode parecer utópica levando em conta as atuais circunstâncias do mundo em que vivemos, principalmente no que diz respeito ao emergente neo-liberalismo fulminante na individualização do homem. Nos resta esperar o que propõe o autor no seu livro, uma justiça societária, um futuro que parece distante.
Teólogo Leonardo Boff
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LEONARDO BOFF: É professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia, na Universidade do Rio de Janeiro. Trabalhou mais de vinte anos como franciscano em Petrópolis com um pé na academia e outro no meio dos pobres. Dessa combinação nasceu a Teologia da Libertação, que, junto com outros, ajudou a formular. Assessora comunidades de base, dá cursos em universidades brasileiras e estrangeiras e escreve com assiduidade. Dos mais de 60 livros que escreveu destacam-se Jesus Cristo Libertador, Como fazer Teologia da Libertação, o Rosto Materno de Deus, Igreja Carisma e Poder, A Águia e a galinha, O Despertar da Águia e o recém lançado "Saber Cuidar", onde procura detalhar o cuidado em suas várias concretizações: com a Terra, com a sociedade sustentável, com o corpo, com o espírito, com a grande travessia da morte.
É considerado um dos pilares da Teologia da Libertação.
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ENTREVISTA GRAVADA EM BRASÍLIA, DIA 27/07/96, POR FELIX FILHO DURANTE A REALIZAÇÃO DO IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE PADRES CATÓLICOS CASADOS E SUAS FAMÍLIAS, PARA O JORNAL IGREJA NOVA.
IN - Qual o papel do leigo católico actualmente dentro da Igreja ?
BOFF - Eu creio que o papel principal é o de resgatar o fato de ele ser sujeito, porque o leigo não é sujeito. Ele não decide na igreja e tem que pedir licença para tudo. Eu acho que o leigo, iluminado pelo Evangelho e em solidariedade, deve abrir caminho, iniciativas pastorais. Somente um leigo adulto livre pode ajudar outras pessoas livres. Este é o grande desafio: superar a menoridade histórica a que fomos condenados e recuperar, por nós mesmos e não esperar nunca de cima , o carácter autónomo, independente e solidário.
IN - Como você está vendo este papel conservador da hierarquia católica ?
BOFF - Eu creio que é uma reacção às inovações que os próprios leigos criaram na igreja , especialmente as mulheres e comunidades de base . Todos estes movimentos questionam, a luz do Evangelho, a centralização do poder e a clericalização da igreja . Quando os leigos começam a estudar Teologia, eles querem ser ouvidos e ajudar a decidir. Toda negação a essa exigência é sentida como uma pressão . Roma faz valer a sua força e o direito canônico para reprimir e reduzir novamente ao estado imaturo, infantil, os leigos engajados.
IN - Até que ponto seria uma atitude profética a denúncia da hierarquia mais conservadora da igreja ?
BOFF - Eu acho que a denúncia não faz sentido. Desde Lutero ela é violenta e verdadeira. O que nós temos que fazer é abrir caminhos , sem perder muito tempo em cobrar da hierarquia, porque ela já tem poder e inventou critérios definindo o que é falso e verdadeiro, e os aplica. E por aí nós não temos muita esperança. A única coisa que move a hierarquia é quando vê leigos activos, por conta deles, fundando iniciativas, centros de defesa, comunidades de base, círculos bíblicos. É mostrar que a igreja é mais que este aparato enorme. A igreja é o movimento de Jesus na historia e ganha muitas formas. Hoje é urgente que ganhe a forma laica, autónoma. Cristãos que estão no mundo deixam filtrar as experiências todas do trabalho , da vida, do enfrentamento dos conflitos, pela luz do Evangelho. E ai nasce um comportamento de cristãos que se deixam orientar por aquilo que de herança , de generosidade e de divindade Jesus deixou dentro da humanidade.
IN - Neste final de milénio, com dois mil anos de Cristianismo, para que lado aponta a Teologia ?
BOFF - A Teologia aponta em duas direcções: uma para frente e outra para trás . Para trás é recuperar o sonho de Jesus, que é de grande generosidade e de descobrir Deus como amor e misericórdia . Isto é o que trás o Cristianismo como boa nova à humanidade e que liberta por dentro. E para frente é descobrir que Deus chegou antes dos missionários. Que Ele está fermentando em todas as culturas, o Espírito trabalhando no coração das pessoas. Que há um fogo divino na história que não depende dos seres humanos. A função dos cristãos é ser profetas, intérpretes desta realidade de que eles também são visitados por Deus. Seus caminhos espirituais também são caminhos que conduzem a Deus. Nós queremos somar a eles e renunciar à arrogância de termos o monopólio da salvação e dos caminhos da salvação.
IN - Como a ecologia entra na historia da salvação do homem ?
BOFF - Escrevi ultimamente um livro intitulado " ECOLOGIA. GRITO DA TERRA , GRITO DOS POBRES " . É o intento de trazer a Teologia da Libertação para os anos 90 . Não só os pobres são oprimidos , mas também a terra grita , porque está sendo exaurida pelo tipo de desenvolvimento que temos. Então, a libertação tem que incluir também a libertação da terra . A perspectiva é de dizer : ou nós mudamos de comportamento com relação à terra, recuperando sua sacralidade e nos sentirmos filhos e filhas da terra, ou então corremos o risco de um cataclismo ecológico . A terra não aguenta este tipo de exploração que se faz a ela e pode quebrar. E tem prazos para isso.
IN - Podemos dizer que o ser humano é um ser ameaçado ?
BOFF - O processo mundial de acumulação capitalista sacrifica muito a natureza e as pessoas humanas. Por isso o ser pobre, não incluído no sistema , é marginalizado, passa fome e morre . E esse então é o desafio ecológico porque o ser humano deve ser entendido dentro da natureza. Toda injustiça, agressão ao ser humano, é uma injustiça ao ser mais complexo da natureza. Então, eu creio que uma tarefa nova da opção pelos pobres é incluir a terra como grande pobre que está sendo explorado e reduzido na sua riqueza interna, e que isso poderá afetar toda a biosfera e os seres humanos. Por isso, a questão básica não é que futuro tem a igreja , mas que futuro tem a terra. E como a igreja , o cristianismo ajuda a salvaguardar o futuro bom da terra.
IN - Qual seria , então, o papel de um leigo católico de classe média nesse processo em favor dos pobres?
BOFF - A classe média sempre tem um privilégio. É uma classe laboriosa e que se dota dos meios de comunicação e uma formação acadêmica melhor. Então é uma classe que acompanha o fio da história . O desafio que vem para os cristãos de classe média é socializar o poder que têm, profissional, econômico e intelectual. Normalmente a classe média é convocada a imitar os que estão de cima , a querer ser mais rica ainda . Acho que o cristão deve fazer uma opção para baixo, como Deus fez. Não é transcendência, é transcedecência , é descer na direção daqueles que menos tem, associar-se a causa deles e emprestar tempo, inteligência e capacidade para reforçar a luta do povo, e assim , o povo mesmo possa ter mais força de lutar e conquistar seu direito e sua justiça
IN - Qual sua mensagem para os cristãos leigos que estão na arquidiocese de Olinda e Recife?
BOFF - Eu creio que eles devem olhar para frente, não perder muito tempo com a discussão interna da Igreja . O grande problema não é a Igreja, é a pobreza, injustiça, exclusão, miséria que está na sociedade. É fazer da fé cristã , do seu capital de generosidade e solidariedade uma força transformadora da sociedade, comprometida em mudar a realidade. Essa mudança começa com a gente mesmo, não da barriga prà frente, mas das costas prá frente, nos incluindo nessas mudanças. Então, já em casa, viver uma nova relação homem /mulher, família / filhos. Ter uma atitude mais benevolente com a natureza, não viver só atolado pelo trabalho, mas reservar espaço de gratuidade, de conversa com a família, e ver a dimensão sabática, a dimensão de descanso que a pessoa se refaz da sua humanidade e depois volta ao seu trabalho na perspectiva não obsessiva, mas como forma de colaborar e conseguir o seu sustento. Os leigos tm uma tarefa enorme de inaugurar um cristianismo não clerical, evangélico, mais simples, sem muitas doutrinas e dogmas , fundamentalmente iluminado pelo exemplo de Jesus. Os cristãos têm que dar seu testemunho por conta deles , sem perguntar a ninguém a não ser ao evangelho e aqueles que estão à sua volta.
quarta-feira, outubro 24, 2007
terça-feira, outubro 23, 2007
Este fosso que se agrava, é considerado um dos factores de risco para a saúde física e mental das populações de um determinado país.
Pobreza ameaça a classe média
Helena Norte
As famílias atingidas pelo desemprego e endividamento são os novos rostos dos dois milhões de pobres que existem em Portugal. A chamada classe média, esganada pelos créditos ou apanhada nas malhas do desemprego crescente, constitui uma nova forma de pobreza, que desafio os estereótipos associados a esse fenómeno. Hoje, Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, milhares de pessoas levantam-se para lembrarAs estatísticas do Eurostat revelam que 20% da população portuguesa vive na pobreza. Dois milhões de pessoas, portanto. Na União Europeia, a taxa de pobreza situa-se nos 16%, o que coloca Portugal no top 10 dos estados-membros mais pobres.Os números não são novos. O padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, diz mesmo que há décadas anos que se fala nessa percentagem. "Com tantos milhões de euros em programas contra a pobreza, porque é que o número de pobres não diminuiu?", questiona.Para perceber, comecemos pela definição técnica de pobre. É considerado pobre quem ganha menos de 60% da mediana dos salários do seu país. Isto é, quem tem rendimentos inferiores a 60% do vencimento auferido por metade da população. No caso de Portugal, corresponde a 360 euros por mês, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística referentes a 2004. O conceito de pobre varia, portanto, de país para país. O que significa que os 68 milhões de pobres que existem na União Europeia têm níveis de vida muito diversos. Um pobre na Suécia viveria confortavelmente em Portugal ou na Lituânia.Ter emprego não significa estar acima do limiar de pobreza. O mito de que só quem não trabalha cai nas malhas da miséria é desmentido pelos números 14% dos portugueses que trabalham estão em risco de pobreza, de acordo com dados da Rede Europeia.Novos pobresO problema é que não ganham o suficiente para pagar as contas. Isabel Jonet, directora do Banco Alimentar (BA), diz mesmo que os novos pobres são aqueles que contraíram créditos ou assumiram responsabilidades financeiras que já não conseguem honrar, seja porque perderam o emprego ou porque o custo de vida está cada vez mais elevado. O BA recebe um número crescente de solicitações , que encaminha para instituições com quem tem protocolos, de pessoas que, vencendo o pudor, pedem ajuda.Estes novos fenómenos desafiam também as classificações tradicionais de classe média. "Se 20% dos portugueses concentram 80% da riqueza, já não há a chamada classe média", explica o padre Jardim Moreira. As desigualdades sociais, em Portugal, são ainda mais chocantes do que no resto da Europa. Segundo dados da Eurostat, referentes a 2004, o grupo com mais rendimentos ganha sete vezes mais do que a franja mais desfavorecida."O que tem sido feito é gerir a pobreza, não resolvê-la", critica o padre Jardim Moreira. Uma das formas de camuflar a real dimensão do problema é aumentar as transferências sociais (subsídios e outras prestações). Se fossem cancelados todos esses apoios, a taxa de pobreza, em Portugal, aumentaria para 38% e na Europa 40%, o que é revelador da "subsidiodependência".Os idosos que vivem sós e as famílias com dois ou mais dependentes apresentam um risco de pobreza substancialmente mais elevado (42%) do que a restante população, de acordo com dados do INE.Para quebrar o ciclo da pobreza, os especialistas são unânimes na necessidade de investir na educação. Neste parâmetro, o nosso país apresenta também indicadores desoladores a taxa de abandono escolar é de 39% (quando na Europa não ultrapassa os 15%).
Pobreza ameaça a classe média
Helena Norte
As famílias atingidas pelo desemprego e endividamento são os novos rostos dos dois milhões de pobres que existem em Portugal. A chamada classe média, esganada pelos créditos ou apanhada nas malhas do desemprego crescente, constitui uma nova forma de pobreza, que desafio os estereótipos associados a esse fenómeno. Hoje, Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, milhares de pessoas levantam-se para lembrarAs estatísticas do Eurostat revelam que 20% da população portuguesa vive na pobreza. Dois milhões de pessoas, portanto. Na União Europeia, a taxa de pobreza situa-se nos 16%, o que coloca Portugal no top 10 dos estados-membros mais pobres.Os números não são novos. O padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, diz mesmo que há décadas anos que se fala nessa percentagem. "Com tantos milhões de euros em programas contra a pobreza, porque é que o número de pobres não diminuiu?", questiona.Para perceber, comecemos pela definição técnica de pobre. É considerado pobre quem ganha menos de 60% da mediana dos salários do seu país. Isto é, quem tem rendimentos inferiores a 60% do vencimento auferido por metade da população. No caso de Portugal, corresponde a 360 euros por mês, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística referentes a 2004. O conceito de pobre varia, portanto, de país para país. O que significa que os 68 milhões de pobres que existem na União Europeia têm níveis de vida muito diversos. Um pobre na Suécia viveria confortavelmente em Portugal ou na Lituânia.Ter emprego não significa estar acima do limiar de pobreza. O mito de que só quem não trabalha cai nas malhas da miséria é desmentido pelos números 14% dos portugueses que trabalham estão em risco de pobreza, de acordo com dados da Rede Europeia.Novos pobresO problema é que não ganham o suficiente para pagar as contas. Isabel Jonet, directora do Banco Alimentar (BA), diz mesmo que os novos pobres são aqueles que contraíram créditos ou assumiram responsabilidades financeiras que já não conseguem honrar, seja porque perderam o emprego ou porque o custo de vida está cada vez mais elevado. O BA recebe um número crescente de solicitações , que encaminha para instituições com quem tem protocolos, de pessoas que, vencendo o pudor, pedem ajuda.Estes novos fenómenos desafiam também as classificações tradicionais de classe média. "Se 20% dos portugueses concentram 80% da riqueza, já não há a chamada classe média", explica o padre Jardim Moreira. As desigualdades sociais, em Portugal, são ainda mais chocantes do que no resto da Europa. Segundo dados da Eurostat, referentes a 2004, o grupo com mais rendimentos ganha sete vezes mais do que a franja mais desfavorecida."O que tem sido feito é gerir a pobreza, não resolvê-la", critica o padre Jardim Moreira. Uma das formas de camuflar a real dimensão do problema é aumentar as transferências sociais (subsídios e outras prestações). Se fossem cancelados todos esses apoios, a taxa de pobreza, em Portugal, aumentaria para 38% e na Europa 40%, o que é revelador da "subsidiodependência".Os idosos que vivem sós e as famílias com dois ou mais dependentes apresentam um risco de pobreza substancialmente mais elevado (42%) do que a restante população, de acordo com dados do INE.Para quebrar o ciclo da pobreza, os especialistas são unânimes na necessidade de investir na educação. Neste parâmetro, o nosso país apresenta também indicadores desoladores a taxa de abandono escolar é de 39% (quando na Europa não ultrapassa os 15%).
sábado, outubro 20, 2007
Lamento só ter conhecido a biografia de Alan Rabinowitz quando já tinha os cabelos grisalhos (ou seja, há apenas um par de anos), pois ter-me-ia servido de inspiração – e há poucas coisas mais importantes na formação de uma pessoa. Talvez até me pudesse ter ajudado a atenuar a perene sensação de estar deslocado nos ambientes sociais pelos quais me tenho arrastado.
Alan Rabinowitz é um biólogo estadunidense que conquistou bastante prestígio e notoriedade lutando incansavelmente pela preservação do jaguar. A sua carreira como investigador profissional desta espécie (associado à Universidade de Massachusetts) iniciou-se na floresta de Belize (Mesoamérica). Afortunadamente, logo se tornou um dos protegidos do insigne Dr. Schaller, pioneiro da biologia conservacionista.
O labor de Rabinowitz (marcado por uma determinação férrea, idealismo e ética impoluta) assumiu um carácter messiânico. Porém, a sua obsessão (tecnocientífica) pelos jaguares toldou a sua percepção holística da selva (por ele encarada como um mero habitat, um suporte físico, da sua espécie fetiche/favorita), tendo adoptado uma atitude de estoicismo algo beligerante em relação ao meio ambiente, que parecia conspirar para o ver fracassar e onde se sentia um alienígena. Entretanto, a experiência traumática de um desastre de avioneta na selva confrontou-o com a sua fragilidade e com a aleatoriedade da morte. Isso deu-lhe uma visão mais espiritual da vida, do seu trabalho e da selva – que passou a encarar como uma amante difícil que exige um profundo respeito e admiração, que impõe os seus ritmos.
A infância deste homem extraordinário foi muito difícil principalmente devido a padecer de uma gaguez extremamente aguda que lhe inviabilizava o discurso oral e o tornou vítima de preconceitos, chacota e de exclusão no sistema de normalização forçada do ensino formal – que o tratou como a um deficiente mental, apesar de ser muito inteligente e sensível.
Mesmo no ambiente urbano e hostil (o Brooklin, Nova Iorque) em que vivia, o seu amor pelos animais (cuja proximidade então se limitava às espécies domésticas e algumas exóticas que adquiria em lojas de animais, desconhecendo ainda que estava assim a contribuir para o desenvolvimento de uma das actividades actualmente mais lesivas para a vida selvagem) foi para a criança solitária um consolo maior, podendo interagir com eles de forma mutuamente afectuosa e humorosa, sem riscos de discriminações. O jovem Alan descobriu que a gaguez incapacitante que o exilava do convívio social prazenteiro
Poderia ser mitigada de duas maneiras: cantando e falando com os seus amigos não humanos.
Mas o seu ostracismo consolidou-se em misantropia, à medida em que crescia a sua paixão pela vida selvagem. E foi a combinação destas características predominantes no seu carácter que levaram os responsáveis pela universidade onde se formou, bem como todos os seus colegas aos quais ajudou em pesquisas de campo no seu país natal, a lhe confiarem o projecto de estudo do jaguar em Belize, que exigia trabalhar em solitário na selva tropical. Em relação aos animais, ele identifica-se com a vulnerabilidade à crueldade gratuita ( que tem por base a ignorância, a mesquinhez e a ganância) dos homens. Reconhecendo a sua responsabilidade moral e até o poder social que estava ao seu alcance, resolveu tornar-se num campeão da defesa dos parentes silvestres que se estão a extinguir com angustiante celeridade.
A perseverança que Rabinowitz imprime aos seus objectivos prioritários é também um reflexo da bem sucedida luta contra a gaguez e pela recuperação da sua auto-estima. E forma surpreendente, acabou por se tornar um brilhante orador (fazendo palestras por todo o mundo para chamar a atenção dos seus projectos conservacionistas e angariar preciosos apoios), não vacilando perante os enormes obstáculos que se depara na defesa do jaguar e dos ecossistemas ainda favoráveis a este felino emblemático. Ironicamente, apesar de o colocarem no topo da pirâmide (na verdade, é mais uma cadeia) trófica, este é um dos animais mais vulneráveis aos avanços de uma civilização contra natura.
Alan Rabinowitz é um biólogo estadunidense que conquistou bastante prestígio e notoriedade lutando incansavelmente pela preservação do jaguar. A sua carreira como investigador profissional desta espécie (associado à Universidade de Massachusetts) iniciou-se na floresta de Belize (Mesoamérica). Afortunadamente, logo se tornou um dos protegidos do insigne Dr. Schaller, pioneiro da biologia conservacionista.
O labor de Rabinowitz (marcado por uma determinação férrea, idealismo e ética impoluta) assumiu um carácter messiânico. Porém, a sua obsessão (tecnocientífica) pelos jaguares toldou a sua percepção holística da selva (por ele encarada como um mero habitat, um suporte físico, da sua espécie fetiche/favorita), tendo adoptado uma atitude de estoicismo algo beligerante em relação ao meio ambiente, que parecia conspirar para o ver fracassar e onde se sentia um alienígena. Entretanto, a experiência traumática de um desastre de avioneta na selva confrontou-o com a sua fragilidade e com a aleatoriedade da morte. Isso deu-lhe uma visão mais espiritual da vida, do seu trabalho e da selva – que passou a encarar como uma amante difícil que exige um profundo respeito e admiração, que impõe os seus ritmos.
A infância deste homem extraordinário foi muito difícil principalmente devido a padecer de uma gaguez extremamente aguda que lhe inviabilizava o discurso oral e o tornou vítima de preconceitos, chacota e de exclusão no sistema de normalização forçada do ensino formal – que o tratou como a um deficiente mental, apesar de ser muito inteligente e sensível.
Mesmo no ambiente urbano e hostil (o Brooklin, Nova Iorque) em que vivia, o seu amor pelos animais (cuja proximidade então se limitava às espécies domésticas e algumas exóticas que adquiria em lojas de animais, desconhecendo ainda que estava assim a contribuir para o desenvolvimento de uma das actividades actualmente mais lesivas para a vida selvagem) foi para a criança solitária um consolo maior, podendo interagir com eles de forma mutuamente afectuosa e humorosa, sem riscos de discriminações. O jovem Alan descobriu que a gaguez incapacitante que o exilava do convívio social prazenteiro
Poderia ser mitigada de duas maneiras: cantando e falando com os seus amigos não humanos.
Mas o seu ostracismo consolidou-se em misantropia, à medida em que crescia a sua paixão pela vida selvagem. E foi a combinação destas características predominantes no seu carácter que levaram os responsáveis pela universidade onde se formou, bem como todos os seus colegas aos quais ajudou em pesquisas de campo no seu país natal, a lhe confiarem o projecto de estudo do jaguar em Belize, que exigia trabalhar em solitário na selva tropical. Em relação aos animais, ele identifica-se com a vulnerabilidade à crueldade gratuita ( que tem por base a ignorância, a mesquinhez e a ganância) dos homens. Reconhecendo a sua responsabilidade moral e até o poder social que estava ao seu alcance, resolveu tornar-se num campeão da defesa dos parentes silvestres que se estão a extinguir com angustiante celeridade.
A perseverança que Rabinowitz imprime aos seus objectivos prioritários é também um reflexo da bem sucedida luta contra a gaguez e pela recuperação da sua auto-estima. E forma surpreendente, acabou por se tornar um brilhante orador (fazendo palestras por todo o mundo para chamar a atenção dos seus projectos conservacionistas e angariar preciosos apoios), não vacilando perante os enormes obstáculos que se depara na defesa do jaguar e dos ecossistemas ainda favoráveis a este felino emblemático. Ironicamente, apesar de o colocarem no topo da pirâmide (na verdade, é mais uma cadeia) trófica, este é um dos animais mais vulneráveis aos avanços de uma civilização contra natura.
segunda-feira, outubro 15, 2007
«Para o capital, um bosque não tem valor até que seja destruído e convertido em madeira, do mesmo modo que as pessoas que cultivam a sua própria comida e se esforçam por satisfazerem as outras necessidades básicas fora dos mercados dominantes, são considerados uma perda económica.» - David Watson
Presidente dos «Veterinarios sin Fronteras» fala em entrevista sobre transgénicos, agrocombustíveis e soberania alimentar
Entrevista con Gustavo Duch Guillot para El Viejo Topo
Tomando como base investigaciones recientes de Naomi Klein, Gustavo Duch Guillot, presidente de "Veterinarios sin Fronteras", señalaba en un reciente artículo que podía afirmarse, sin posibilidad de error, que el Banco Mundial era tan prestigioso como prestigioso fue el presidente dimitido.
Salvador López Arnal (Para Kaos en la Red) [09.10.2007 16:37] - 135 - 0
Tomando como base investigaciones recientes de Naomi Klein, Gustavo Duch Guillot, presidente de "Veterinarios sin Fronteras", señalaba en un reciente artículo que podía afirmarse, sin posibilidad de error, que el Banco Mundial era tan prestigioso como prestigioso fue el presidente dimitido. A Wolfowitz se le vieron sus calcetines agujerados, porque tanto él como la institución que presidía son especialistas en el arte del disimulo. "En la misión encomendada al BM de privatizar todo lo privatizable", señalaba Duch, "el BM encontró en países en desarrollo aliados especialistas también en dicho arte: entregaban las empresas públicas y ellos se llenaban los bolsillos como el dictador Pinochet, que acumuló más de 125 cuentas bancarias". El BM enseña unas cosas y hace otras: "Bajad vuestras barreras comerciales, que nosotros mantendremos las nuestras levantadas". No es el único caso. El BM obligó a cancelar las becas para estudiantes en Ghana a cambio de un préstamo para el desarrollo. Para prestar ayuda en las devastaciones del huracán Mitch, puso como condición la privatización del sistema de telecomunicaciones. Exigió flexibilidad laboral tras la catástrofe del tsunami asiático en Sri Lanka. Impulsó la eliminación de subsidios alimentarios tras la invasión de Irak. Dejó de transferir 100 millones de dólares que tenía comprometidos con Ecuador porque el país osó gastar una porción de sus rentas petroleras en salud y educación. Wolfowitz dimitió, el BM debería dimitir también. La conclusión de Duch es razonable. Su petición también. Para comentar estas y otras actuaciones inconsistentes de las grandes instituciones y otros temas de rabiosa actualidad, El Viejo Topo ha hablado con él.
¿Cuáles son las finalidades de "Veterinarios sin fronteras", organización que usted preside?
Una. Estar al lado de los pequeños campesinos que -aún- habitan el planeta y alimentan al mundo, colaborando con sus propias iniciativas de desarrollo local y de defensa y reconocimiento de sus derechos: derecho a producir sus propios alimentos, con modelos de producción apropiados y teniendo acceso a los recursos que lo hacen posible, tierra, agua y semillas.
Nos gusta utilizar un simil. Los campesinos de hoy, dentro de una economía globalizada, son los ciclistas colistas del pelotón. Por delante van las grandes corporaciones de la alimentación, que se aprovechan de las reglas (o la ausencia de ellas) que dictamina las políticas capitalistas. Muchos de estos campesinos se organizan, plantean alternativas para ganar terreno, o para tomar otro camino. Ellos llevan el manillar y marcan cual es la dirección a tomas, ellos pedalean, sudan, ... y Veterinarios Sin Fronteras es ese espontáneo que corre junto al ciclista un buen trayecto juntos, que con cuidado para no hacerle caer le empuja y le entrega agua para sus próximos kilometros. Somos los aguadores.
Le pregunto por tres conceptos de rabiosa actualidad. Trasgénicos: ¿qué opinión le merecen?
No soy un experto en el tema. Podemos discutir sobre sus riesgos ambientales (aunque la contaminación cruzada es peligrosamente evidente) o sobre la salud humana, pero lo que nadie discute, es que en la agricultura capitalista el transgénico es una vuelta de rosca más que apuntala el sistema: apuntala el monocultivo que agrede a la biodiversidad y a las familias campesinas, al tiempo que concentra el control de las semillas en las grandes corporaciones responsables de las crisis rural en Latinoamérica y Asia.
La aparición en escena de los transgénicos ha sido a mí entender un elemento clave para la creación y articulación de un movimiento como la soberanía alimentaria. Los OGM reactivaron a los movimientos campesinos que en diferentes puntos del planeta observaron, casi a la vez, que les acechaba una nueva agresión sobre su agricultura. De la misma forma asociaciones de consumidores, asociaciones ecologistas y ONGD hemos advertido sus peligros para finalmente confluir agricultores y ciudadanos en movimientos como la Plataforma Rural en el Estado español defendiendo un mundo rural vivo.
Pero recientemente ha habido una declaración de ciento veinte científicos españoles a favor de los transgénicos. Apuntan en su manifiesto que no existen argumentos científicos en contra del uso de estos alimentos. ¿Qué la perece estas consideraciones?
Por cada declaración a favor de los transgénicos al menos hay una en contra. Los científicos e investigadores se contradicen en sus efectos sobre la salud humana y sobre el medio ambiente. Ante las dudas debería de valer el sentido de la precaución, pero éste es un concepto prohibido en la economía capitalista, que prefiere hablar de riesgo: capital riesgo, cobertura de riesgo, riesgo financiero, etc.
Agrocombustibles, biocombustibles. ¿Está a favor de esta fuente de energía? ¿Cree que es una salida razonable para ir más allá de la economía de los combustibles fósiles y situarse razonablemente en la economía del futuro?
Hay tres grandes reflexiones que debemos hacernos para evaluar esta alternativa. La primera en un plano ideológico. No podemos hablar de energías alternativas sin encarar el debate del excesivo uso energético de nuestro modelo de civilización. Unos pocos países consumimos energía en exceso privando de recursos energéticos a otros seres de la tierra y a las próximas generaciones. Las alternativas mágicas desvían la atención sobre este punto elemental de partida. La segunda en el plano técnico. De nuevo los expertos no se ponen de acuerdo en el balance energético de los agrocombustibles, no está claro que tengan un balance positivo. Es decir, hay estudios que explican que se gasta más energía en el cultivo de las semillas y en su procesamiento posterior que el rendimiento energético que después se obtiene. Y por último en el plano ecosocial. La tierra cultivable es un bien cada vez más preciado que va en retroceso, y no es un bien renovable como podemos pensar. Castigando a la tierra con cultivos excesivos -como se necesitarían para cubrir el consumo de biocombustibles que se está proyectando- quedaría infértil por muchos años. Las proyecciones de EEUU y la UE de uso de biocombustibles obligan a la importación de la material prima de países del Sur, con lo cual se repite la historia que Galeano relata en El Rey Azúcar y otros monarcas. La expansión de nuevos monocultivos (soja, maíz o palma aceitera) que como ocurrió con el azúcar, algodón, cacao o café, es controlado por oligarquías locales y multinacionales, que expulsan al pequeño campesinado de su territorio o lo convierten en jornaleros con salarios y condiciones miserables. La historia ha dejado bien claro que es un engaño pensar que un país podrá desarrollarse en base del monocultivo de materias primas.
¿Cree usted que existe alguna relación la reciente subida de la tortilla de maíz en México con la apuesta de la administración Bush por esta fuente energética?
Sí, lógicamente. EL precio de los cereales, ante la demanda para su uso como biocombustible, ha subido en todo el planeta. La propia FAO ha quedado aterrorizada de este aumento. Países como México, que con el TLCAN [Tratado de libre comercio de América del Norte] cedieron, desincentivaron el cultivo de maíz por parte de sus agricultores locales, dependen ahora de la importación del maíz... que pagan mucho más caro. Estamos poniendo a competir el precio de la tortilla de maíz, o el precio del pan, con el precio de la gasolina. ¿Quién tiene más poder adquisitivo para pagar por el maíz, el ejecutivo con su Toyota 4x4 o los indígenas de Chiapas, por ejemplo?
Usted ha usado en alguno de sus artículos "triple alianza" del siglo XXI. ¿Qué elementos componen esa alianza? ¿Qué se ha pactado en esa alianza?
El término "triple alianza" lo planteo Joao Stedile, lider del MST de Brasil, para explicar una posible confabulación corporativa de primer orden. La alianza entre las agroindustrias que controlan el sector de las semillas y sus pesticidas, las petroleras y las empresas automovilíticas. Con una buena promoción del uso de los agrocombustibles para la automoción nadie planteará en serio la reducción del uso de los automóviles, se reactivará el negocio de la venta de autos, las petroleras (que controlan el proceso de transformación del aceite en diesel) seguirán con el negocio, y la materia prima, maíz y soja principalmente, engrosará los bolsillos de Monsanto, Syngenta y compañía. La triple alianza cuenta con un mensajero de esta buena nueva, el Presidente Bush, que ha recorrido America Latina, estimulando la dedicación de tierras al cultivo de agrocombustibles para la exportación.
Curiosamente en marzo de este año escribí un artículo en El País sobre esta posibilidad tenebrosa, y a los cuatro días, en el primer artículo de Fidel Castro después de su enfermedad, recogía ya la existencia de una reunión entre las compañías automovilísticas y Bush
Hablaba usted antes de soberanía alimentaria. ¿Podría definir esta noción? ¿No es una forma algo trasnochada de nacionalismo agrícola?
Le responderé las dos preguntas a la vez, porque la Soberanía Alimentaria es muy vigente -desde mi punto de vista- en cuanto plantea la recuperación del control de la agricultura por parte de los propios agricultores, ganaderos, pescadores, en un momento, que por primera vez en la historia, todos los trabajadores de la tierra o del mar, son sujetos de ser convertidos en títeres manejados desde centros muy lejanos. Desde este principio debemos entender la Soberania Alimentaria, no desde ningún nacionalismo que se preocupa exclusivamente de su territorio (aunque Chirac ha pervertido el concepto en alguno de sus discursos).
El campesinado demanda recuperar el control agrícola para asegurar un mundo rural vivo, alrededor del cual se hace posible una vida más sostenible y solidaria. Porque se puede practicar una agricultura de mínimos insumos e integrada a la propia naturaleza (como le corresponde) y diversificada que puede perfectamente alimentar a las poblaciones locales, sin generar comercio de alimentos innecesario que además de ser un factor significativo del calentamiento del planeta, provoca bajo el prisma neoliberal, la competencia desalmanda entre los pequeños campesinos de todo el mundo. Hoy, sin que lo sepan, los huertos marroquíes de tomates están compitiendo con los conucos dominicanos, por ejemplo.
El paradigma de la Soberania Alimentaria asegura la alimentación del planeta para las generaciones actuales y venideras, haciendo posible habitar con dignidad en el mundo rural. Pensemos que el 70% de las personas que pasan hambre, y esta es una paradoja difícil de entender, viven en el medio rural, el espacio de producción de alimentos.
La pregunta es muy general, demasiado general, lo admito. Pero, ¿cuál es en su opinión la situación del movimiento campesino en el mundo? ¿Cuáles han sido la conclusiones de la reunión de Sélingué?
Como decía anteriormente, entiendo que en los últimos 15 años, las resistencias más firmes al sistema neoliberal nos han llegado desde el medio rural. Los movimientos estudiantiles, sindicales o barriales se han ido acomodando. La bofetada para que nos despertemos ha llegado desde el campo que cómo poblaciones más afectadas por el sistema manda mensajes claros: "el campo no aguanta más" "globalicemos la lucha, globalicemos la esperanza" "por un mundo rural vivo". Rebelión frente a un modelo capitalista que genera pobreza, aumenta el hambre, destruye el medio ambiente. Es decir, pienso, que desde el punto de vista histórico los movimientos campesinos son muy relevantes. Existe también a nivel planetario una fuerte unidad conceptual, de discurso, entre los diferentes movimientos campesinos, que le da solidez al movimiento, aunque, sus fuerzas, lógicamente, son bien diferentes según continentes.
Esta diversidad "estructural" que no "ideológica" ha sido una de las constataciones de Sélingué. Conociéndolas es más fácil abordar la estrategia colectiva a favor de la Soberanía Alimentaria. Recordemos que en Sélingué, además del campesinado estaban presentes representantes de los pueblos indígenas, de grupos ecologistas, consumidores críticos, pescadores y pastores, y algunas ONG internacionales.
¿Ha surgido alguna estrategia tras esa reunión?
LA estrategia ha quedado sintetizada en tres conceptos:
Promover acciones locales y globales a favor de la soberanía alimentaria, tanto en el plano de la construcción comunitaria de experiencias como potenciar los mercados locales, propuestas agroecológicas, recuperación del conocimiento, etc. como en el plano político de lucha por recuperar soberanía para los pueblos campesinos como el acceso a los recursos productivos, tierra, agua y semillas.
Resistir al modelo agrocapitalista, identificado en las políticas e instituciones neoliberales que junto con las grandes corporaciones de la cadena alimentaria y,
Fortalecer los movimientos por la soberanía alimentaría y sus alianzas.
En cuanto a los supermercados y a las grandes superficies, ¿qué papel juegan en la distribución en alimentos? ¿Cómo valora usted ese papel?
Como comentaba anteriormente, uno de los campos donde más "éxito" y avances ha tenido la globalización ha sido el sector agrícola: una sólo economía agrícola para todo el planeta. En la cadena alimentaria, entre el productor y el consumidor, cada vez quedan menos agentes. Los grandes productores son a su vez los grandes transformadores, el pequeño intermediario sectorial está desapareciendo, las semillas se unifican, etc... y peligrosamente se concentra el poder de la distribución en muy pocas manos. En España un 80% de las compras se hace ya en grandes superficies, y de estas más del 50% son en 5 grandes empresas. Estos monstruos s.a. se han convertido en los compradores exclusivos de los productores de alimentos, y en los vendedores únicos de dichos alimentos. Las consecuencias sobre el consumidor las conocemos todos, como "buenos consumidores que somos". Yo quiero destacar, además, la gran capacidad que tienen frente a los productores. Marcan los precios con total impunidad y favorecen un modelo de agricultura, con lo que son responsables en gran medida de la desaparición del pequeño campesinado. Son los destructores del medio rural, de los países centrales, y también de la periferia. TEsco, Carrefour o Wal Mart, pueden comprar en cualquier rincón del mundo, induciendo via competitividad- a convertir tierras cultivables en maquilas de la alimentación, para vender en cualquier destino.
Cambio de tema. Usted ha usado en alguna ocasión en concepto de "refugiado ecológico". ¿A qué se ha querido referir con ello?
El término de "refugiados ecológicos" ha sido definido por las Naciones Unidas para referirse a los más de 25 millones de personas que se han visto obligadas a abandonar sus hogares porque a su alrededor, la degradación de la naturaleza, la sequía, las inundaciones o la desertización hace imposible la vida. Para mi insuficiente, porque de nuevo, nos olvidamos que en nuestro ecosistema, los seres humanos, somos también responsables de su degradación y consecuencias. Es decir, deberíamos considerar también como "refugiados ecológicos" a familias o pueblos que ha sido directamente la mano del hombre la que ha destruido su ecosistema ... y la cifra de NNUU aumentaría lastimosamente. Pienso por ejemplo en los habitantes de los barrios argentinos rodeados de campos de soja -por los cuatro costados- que pueden optar por: sufrir las consecuencias de las fumigaciones o por sufrir las consecuencias de la emigración.
De todas formas, sólo definiendo realidades no se solucionan las cosas.
¿Cree que la ciudadanía puede intervenir de alguna forma contra este injusto y suicida crecimiento en el que estamos inmersos? ¿Qué puede hacer? ¿Cómo?
Hay mucha información al alcance de todos nosotros como para adoptar medidas individuales en nuestro día a día, en nuestro consumo, para pasar por el mundo dejando -desde el punto de vista destructivo- la menor huella posible. Quizás añadir algunos aspectos referidos a nuestros hábitos alimentarios.
El consumo de carne excesivo, hiperhamburguesas por ejemplo, además de poder tener efectos sobre nuestra salud, es muy poco respetuoso con el medio ambiente. La ganadería actual ha adoptado un modelo intensivista que supone la generación de muchos residuos en el lugar de engorde de los animales, y la ampliación de la frontera agrícola en los países del Sur, para ganar tierras a la selva y a los bosques donde se cultivarán los cereales y oleaginosas que alimentarán al ganado.
También debemos estar atentos a la procedencia geográfica de los alimentos. Nos sorprenderíamos si contabilizáramos los kilómetros que han recorrido los alimentos que nos llevamos a la boca. Consumimos perca del Nilo, con el nombre fraudulento de mero, que llega del lago Victoria en África, gambas de Ecuador o India, merluza y calamares de Argentina, frutas de Chile... y un largo etcétera de kilómetros de contaminación fácilmente evitables, optando por una alimentación local y de temporada. Incluso en los alimentos etiquetados como ecológicos, en ocasiones llegan de países muy lejanos, por lo que poco ecológicos son. ¿No?
Usted ha escrito recientemente algo así como lo siguiente: "Con el cambio de los climas, los salmones salvajes cada vez tendrán más dificultades para sobrevivir en libertad. Los osos polares pasarán largas temporadas dedicando mucho más tiempo a buscar salmones que comer. Los pescadores artesanales sufrirán pena por la desaparición del salmón salvaje, lástima por los osos y, como ellos, dedicarán mucho más tiempo a buscar pesca para alimentar a sus familias. Las mujeres de los pescadores artesanales sufrirán pena por la desaparición del salmón salvaje, lástima por el oso y apoyarán a los hombres que dedicarán mucho más tiempo a buscar pesca para alimentar a sus familias, mientras tendrán que incrementar aún más sus jornadas para suplir el ingreso y alimento procedente de la pesca. En África las mujeres de los pescadores artesanales se verán obligadas a recorrer distancias cada vez mayores para cargar latas de agua. En África las hijas y los hijos de las mujeres de los pescadores artesanales morirán masivamente de hambre. En algunos rincones del planeta, hombres y mujeres, sufrirán pena por la desaparición del salmón salvaje, lástima por el oso, compasión por profesiones tan meritorias como la de pescador, solidaridad con el drama de las mujeres africanas y rabia por la muerte de tantos niños y niñas. Encenderán el aire climatizado para sofocar tantos calores". ¿Es éste un ciclo inexorable? ¿Cómo salir de él?
En Guatemala le dirían ¿saber? En los últimos años se ha avanzado significativamente en la generación de conciencia ecológica y solidaria entre la ciudadanía. Pero es preocupante que las soluciones que se apuntan señalan sólo al ciudadano como consumidor, generando conciencia con tintes de culpabilidad, eso no es transformador. Nos olvidamos del ciudadano político. Los homo consumidores debemos usar mínimamente los aires acondicionados, de acuerdo, pero hay que reivindicar al homo politicus para exigir cambios políticos. Por ejemplo regulaciones en la compra y uso de estos aparatos.
Finalmente, ¿cuál es la situación de la agricultura española en estos momentos en su opinión?
La UE hace todo lo posible para profundizar en el modelo de agricultura intensiva y en pocas manos, y lo está consiguiendo: producciones muy mecanizadas, sin mano de obra, que expulsa campesinos del medio rural a la vez que -con sus exportaciones a precios subvencionados- hace competencia desleal a los pequeños campesinos del Sur. La dirección es clara y el destino final ya se puede percibir: un campo sin agricultores ni ganaderos, donde la agricultura familiar de pequeña escala y sostenible es una utopía.
Utopía que por cierto pretenden hacer realidad movimientos muy diversos agrupados bajo la Plataforma Rural. Un espacio de encuentro de las agrupaciones de campesinos que defienden el modelo familiar, de consumidores críticos, de organizaciones ecologistas más ONGD, para hacer frente a los agronegocios revitalizando el tejido rural, también desde la formación, el arte y otras expresiones culturales.
Nota: Esta entrevista fue publicada por la revista El Viejo Topo, julio-agosto 2007.
sábado, outubro 13, 2007
sexta-feira, outubro 12, 2007
Uma estorinha “infantil”
Acabei de regressar de uma quinta pertença de uns novos amigos, onde existe uma gata que me lembrou outra que conheci há cerca de uma década. Era uma gata muito especial que se chamava Sue.
Ela estava aos cuidados de uns amigos (na altura ainda os considerava assim) alemães que vivem numa quinta lindíssima junto à barragem de (…).
Eles vivem do turismo equestre e do trabalho voluntário. Têm muitos cavalos que vivem à solta. Os seus favoritos são os árabes de linhagem egípcia e são bastante snobs nesse aspecto (para além de acharem que os portugueses emanam dos cus uns eflúvios venenosos que lhes dão cabo dos cavalinhos de competição, só aceitando que boches e outros cámones os montem; curiosamente já não são tão esquisitos na hora de deixar que os "serviçais" lusitanos cuidem dos seus cavalos à borla…). Muitos outros animais domésticos deambulam pela quinta. A saber: galinhas, gansos, ovelhas, pavões, cães e gatos. Andam todos à vontade e são muito saudáveis. Entre os gatos, a “princesinha” era a siamesa Sue. Por alguma razão, cresceu pouco, mantendo um aspecto infantil mesmo em adulta.
Eu não ligo puto às "raças", mas sei que os siameses são gatos especiais; comportam-se como aristocratas, dando pouca confiança aos outros gatos rafeiros, preferindo ligar-se mais às pessoas. Assim era a Sue. Ela tinha também um amor incomensurável pela vida. E parecia impávida. Por ex., na hora de dar comer aos cavalos (ao fim da tarde) instalava-se uma confusão algo violenta, em que eram reforçadas as hierarquias. São rituais cheios de atritos que se tornam um pouco perigo até para as pessoas que os conheciam bem estarem ao pé deles. Pois bem, por entre aquela floresta de patas gigantescas e de cascos potencialmente mortíferos que provocavam pequenos tremores de terra, a Sue costumava avançar tranquila, chegando até a saltar para a garupa de algum cavalo só para ver melhor o mundo lá de cima, pelo que de seguida seguia o seu caminho em paz.
Por aquela quinta (que mais parece uma embaixada da bochelândia…) passam dezenas de caras novas todos os anos. Eu ficava lá umas semanas (até 3 meses) anualmente repartidas. A Sue, que não costumava dar confiança aos que não eram mesmo da casa, simpatizara comigo. (E eu com ela, pois claro.)
Afastados da manada principal (constituída por uns 13 cavalos) estavam 2 garanhões jovens e muito fogosos. Quando lhes dávamos de comer, aproveitávamos para lhes fazer um pouco de volteio até que aceitassem ser montados. A Sue costumava acompanhar-me/nos nessa tarefa diária (apesar dos animais em causa se encontrarem a uns 150 - 200 metros da casa). Um dia, estando eu com os donos da quinta, enquanto os garanhões comiam aveia num pneu de tractor cortado pela metade, a Sue aproximou-se do focinho do cavalo maior (o único que até hoje me deu um coice, parvalhão!) a fim de cheirar o que ele estava a comer com tanto entusiasmo. O FDP do cavalo agarrou-a (com a boca) pelas costas, levantou a cabeça bem alto, deu uma forte sacudida – que partiu a espinha da gata (ouvi bem esse som terrível) – e atirou-a para longe, voltando aos prazeres pantagruélicos com a maior descontracção (era um adolescente parvo e demasiado mimado que estava habituado a que os donos se rissem das suas diabruras – mas apenas quando as vítimas eram portugueses…).
Corremos para avaliar o estado clínico da gata e tentar oferecer-lhe algum auxílio. Ao vê-la, nenhum optimismo sobressaiu. Carreguei-a até casa onde havia uma farmácia bastante completa de produtos essencialmente homeopáticos para fins veterinários. Demos-lhe logo uma injecção para as dores. Eles aplicaram-lhe mais uma coisas (que, na altura, me pareceram meras mariquices), mas era nítido que a gata sofria atrozmente. Tínhamos que decidir o que fazer – a eutanásia era, a meu ver, o procedimento mais evidente e clemente. Telefonámos para um veterinário de confiança que disse o mesmo. O dono da quinta (chama-se S…) discordava, invocando um monte de filosofias da treta algo esotéricas e a especulativa convicção de que se fosse possível perguntar à gata se queria viver, ela diria que sim – mesmo que isso significasse ficar paralítica. No meio da discussão aflitiva, a Sue atirou-se ao chão (estava deitada num banco acolchoado) e arrastou-se para fora da cozinha. O S… seguiu-a e contactou que a gata foi-se aninhar num tufo de gramíneas que tinham a cor predominante da sua pelagem. Eu olhei-a nos olhos e vi que ela estava preparada para morrer. (Existe uma elevada dignidade estóica nesse estado de resignação que já vi em muitos animais à beira da morte.) Foi essa a opinião que expressei quando a levámos de volta para casa. O S… impôs a sua autoridade e injectaram no bicho mais uns remédios.
Eu tinha que me rir embora nessa noite. Estive fora quase 5 meses, mas mantinha-me em contacto telefónico. Foi assim que soube que a Sue tinha superado o que parecia impossível, tendo a sua medula espinal voltado a colar; não apenas tornara a andar, como acabara de ser mãe! Nunca me senti tão satisfeito por ter errado na minha avaliação clínica (mas convém recordar que esta foi uma tremenda excepção, até porque tenho muita experiência de trabalho em centros de recuperação de animais selvagens e toda a vida cuidei de bicharada, fazendo tudo para os manter saudáveis).
Pouco depois voltei à quinta. Encontrei o S… perto da casa principal e comecei a perguntar-lhe por todos os habituais habitantes da quinta, e, como conhecia quase todos os bichos pelo nome, aquilo demorou um pouco. Quando cheguei à vez da Sue (cujo estado eu nunca deixara de acompanhar à distância), de forma hollywoodescamente providencial, ela, vinda do mato, surgiu a correr (num estilo que lembrava o Chaplin, coitada) e trepou por mim até se aninhar no meu pescoço e começou a esfregar a sua cabecinha querida no meu queixo e a ronronar. Poucas vezes fui tão bem recebido!
O S… reiterou-me que, desde que ela tivera filhos, raramente visitara a casa, preferindo caçar – e sobretudo pescar, algo que tive a oportunidade de testemunhar – para a sua ninhada, e ainda ninguém tinha posto os olhos nos gatinhos, a não ser o S… – e foi ao longe.
Nessa noite eu dormi num dos quartos mais afastados da cozinha (onde se reúne todo o pessoal, e nessa altura aquilo estava enxameado de alemães que não fazem o mínimo esforço para se integrarem na cominudade local do país que lhes serve de anfitrião). Entre as 2 e as 3 da manhã, estava eu ferradinho, senti uma patita a brincar com o meu nariz, abri os olhos e tinha 4 gatinhos muito pequenos, brincalhões e muito giros de cima de mim; num dos extremos da cama, a Sue olhava-me com olhos de mãe babada. Estava ali para me apresentar os filhos. Deixou que eu brincasse com eles durante uns 10 ou 15 minutos, depois chamou-os e partiram noite adentro para o seu esconderijo no mato.
Um par de anos depois, ao telefonar para o S… (ou para a sua companheira) fiquei a saber que algum espingardeiro, para não levar para casa a ingente frustração de não ter conseguido destruir o que há de mais belo num dos seus belicosos passeios pelo campo, decidira abater a tiro a Sue…
PB
Acabei de regressar de uma quinta pertença de uns novos amigos, onde existe uma gata que me lembrou outra que conheci há cerca de uma década. Era uma gata muito especial que se chamava Sue.
Ela estava aos cuidados de uns amigos (na altura ainda os considerava assim) alemães que vivem numa quinta lindíssima junto à barragem de (…).
Eles vivem do turismo equestre e do trabalho voluntário. Têm muitos cavalos que vivem à solta. Os seus favoritos são os árabes de linhagem egípcia e são bastante snobs nesse aspecto (para além de acharem que os portugueses emanam dos cus uns eflúvios venenosos que lhes dão cabo dos cavalinhos de competição, só aceitando que boches e outros cámones os montem; curiosamente já não são tão esquisitos na hora de deixar que os "serviçais" lusitanos cuidem dos seus cavalos à borla…). Muitos outros animais domésticos deambulam pela quinta. A saber: galinhas, gansos, ovelhas, pavões, cães e gatos. Andam todos à vontade e são muito saudáveis. Entre os gatos, a “princesinha” era a siamesa Sue. Por alguma razão, cresceu pouco, mantendo um aspecto infantil mesmo em adulta.
Eu não ligo puto às "raças", mas sei que os siameses são gatos especiais; comportam-se como aristocratas, dando pouca confiança aos outros gatos rafeiros, preferindo ligar-se mais às pessoas. Assim era a Sue. Ela tinha também um amor incomensurável pela vida. E parecia impávida. Por ex., na hora de dar comer aos cavalos (ao fim da tarde) instalava-se uma confusão algo violenta, em que eram reforçadas as hierarquias. São rituais cheios de atritos que se tornam um pouco perigo até para as pessoas que os conheciam bem estarem ao pé deles. Pois bem, por entre aquela floresta de patas gigantescas e de cascos potencialmente mortíferos que provocavam pequenos tremores de terra, a Sue costumava avançar tranquila, chegando até a saltar para a garupa de algum cavalo só para ver melhor o mundo lá de cima, pelo que de seguida seguia o seu caminho em paz.
Por aquela quinta (que mais parece uma embaixada da bochelândia…) passam dezenas de caras novas todos os anos. Eu ficava lá umas semanas (até 3 meses) anualmente repartidas. A Sue, que não costumava dar confiança aos que não eram mesmo da casa, simpatizara comigo. (E eu com ela, pois claro.)
Afastados da manada principal (constituída por uns 13 cavalos) estavam 2 garanhões jovens e muito fogosos. Quando lhes dávamos de comer, aproveitávamos para lhes fazer um pouco de volteio até que aceitassem ser montados. A Sue costumava acompanhar-me/nos nessa tarefa diária (apesar dos animais em causa se encontrarem a uns 150 - 200 metros da casa). Um dia, estando eu com os donos da quinta, enquanto os garanhões comiam aveia num pneu de tractor cortado pela metade, a Sue aproximou-se do focinho do cavalo maior (o único que até hoje me deu um coice, parvalhão!) a fim de cheirar o que ele estava a comer com tanto entusiasmo. O FDP do cavalo agarrou-a (com a boca) pelas costas, levantou a cabeça bem alto, deu uma forte sacudida – que partiu a espinha da gata (ouvi bem esse som terrível) – e atirou-a para longe, voltando aos prazeres pantagruélicos com a maior descontracção (era um adolescente parvo e demasiado mimado que estava habituado a que os donos se rissem das suas diabruras – mas apenas quando as vítimas eram portugueses…).
Corremos para avaliar o estado clínico da gata e tentar oferecer-lhe algum auxílio. Ao vê-la, nenhum optimismo sobressaiu. Carreguei-a até casa onde havia uma farmácia bastante completa de produtos essencialmente homeopáticos para fins veterinários. Demos-lhe logo uma injecção para as dores. Eles aplicaram-lhe mais uma coisas (que, na altura, me pareceram meras mariquices), mas era nítido que a gata sofria atrozmente. Tínhamos que decidir o que fazer – a eutanásia era, a meu ver, o procedimento mais evidente e clemente. Telefonámos para um veterinário de confiança que disse o mesmo. O dono da quinta (chama-se S…) discordava, invocando um monte de filosofias da treta algo esotéricas e a especulativa convicção de que se fosse possível perguntar à gata se queria viver, ela diria que sim – mesmo que isso significasse ficar paralítica. No meio da discussão aflitiva, a Sue atirou-se ao chão (estava deitada num banco acolchoado) e arrastou-se para fora da cozinha. O S… seguiu-a e contactou que a gata foi-se aninhar num tufo de gramíneas que tinham a cor predominante da sua pelagem. Eu olhei-a nos olhos e vi que ela estava preparada para morrer. (Existe uma elevada dignidade estóica nesse estado de resignação que já vi em muitos animais à beira da morte.) Foi essa a opinião que expressei quando a levámos de volta para casa. O S… impôs a sua autoridade e injectaram no bicho mais uns remédios.
Eu tinha que me rir embora nessa noite. Estive fora quase 5 meses, mas mantinha-me em contacto telefónico. Foi assim que soube que a Sue tinha superado o que parecia impossível, tendo a sua medula espinal voltado a colar; não apenas tornara a andar, como acabara de ser mãe! Nunca me senti tão satisfeito por ter errado na minha avaliação clínica (mas convém recordar que esta foi uma tremenda excepção, até porque tenho muita experiência de trabalho em centros de recuperação de animais selvagens e toda a vida cuidei de bicharada, fazendo tudo para os manter saudáveis).
Pouco depois voltei à quinta. Encontrei o S… perto da casa principal e comecei a perguntar-lhe por todos os habituais habitantes da quinta, e, como conhecia quase todos os bichos pelo nome, aquilo demorou um pouco. Quando cheguei à vez da Sue (cujo estado eu nunca deixara de acompanhar à distância), de forma hollywoodescamente providencial, ela, vinda do mato, surgiu a correr (num estilo que lembrava o Chaplin, coitada) e trepou por mim até se aninhar no meu pescoço e começou a esfregar a sua cabecinha querida no meu queixo e a ronronar. Poucas vezes fui tão bem recebido!
O S… reiterou-me que, desde que ela tivera filhos, raramente visitara a casa, preferindo caçar – e sobretudo pescar, algo que tive a oportunidade de testemunhar – para a sua ninhada, e ainda ninguém tinha posto os olhos nos gatinhos, a não ser o S… – e foi ao longe.
Nessa noite eu dormi num dos quartos mais afastados da cozinha (onde se reúne todo o pessoal, e nessa altura aquilo estava enxameado de alemães que não fazem o mínimo esforço para se integrarem na cominudade local do país que lhes serve de anfitrião). Entre as 2 e as 3 da manhã, estava eu ferradinho, senti uma patita a brincar com o meu nariz, abri os olhos e tinha 4 gatinhos muito pequenos, brincalhões e muito giros de cima de mim; num dos extremos da cama, a Sue olhava-me com olhos de mãe babada. Estava ali para me apresentar os filhos. Deixou que eu brincasse com eles durante uns 10 ou 15 minutos, depois chamou-os e partiram noite adentro para o seu esconderijo no mato.
Um par de anos depois, ao telefonar para o S… (ou para a sua companheira) fiquei a saber que algum espingardeiro, para não levar para casa a ingente frustração de não ter conseguido destruir o que há de mais belo num dos seus belicosos passeios pelo campo, decidira abater a tiro a Sue…
PB
quarta-feira, outubro 10, 2007
A Violência e os Ambientes Telemáticos /indústria de entretenimento
(Um aviso à navegação para educadores ingénuos)
O massacre na universidade de Verginia Tech (em Abril de 2007), que superou em número de mortos (32) o do liceu de Columbine (13 mortos), foi perpetrado por um jovem de origem sul-coreana chamado Seung-Hui Cho . Como é costume nestes casos, ele tinha graves problemas de socialização. Até poderia sofrer de uma forma ligeira de autismo. Passava muito do seu tempo imerso em ambientes telemáticos. Gostava de filmes, programas de televisão e jogos de computador em que a violência impera. Seria uma ingenuidade cretina apontar essas formas de entretenimento como responsáveis isoladas pela tragédia em causa, mas temos que ter em conta que Seung-Hui Cho era obcecado pela cultura que tinha adoptado, mas da qual se sentia excluído/segregados, em que a violência é um entretenimento mediático extremamente popular. Por isso, este rapaz gravou em vídeo o seu derradeiro manifesto e enviou-o para o canal televisivo NBC. Como sabia que iria ter um grande destaque nas notícias/notoriedade mediática, quis que no seu dia do "juízo final" estivesse com uma aparência semelhante à dos seus heróis da violência, tendo passado grande parte das suas últimas semanas num ginásio fazendo musculação. Esta vaidade tragicómica nada tem que ver com a filosofia de James Dean («vive depressa e deixa um corpo lindo!»), chupando o tutano da vida com intensidade/euforia suicidária.
Cho inspirou-se nos assassinos de Columbine, sentindo que pertenciam a um género de sinistra irmandade com um propósito messiânico-escatológico.
Os problemas psicológicos de Cho eram tão evidentes e perturbantes para todos os que o rodeavam que, em 2005, um juiz recomendou que ele deveria ser alvo de uma avaliação psicológica. Tal nunca aconteceu. E, mesmo que o historial clínico de Seung-Hui Cho acabasse por interná-lo involuntariamente num hospital psiquiátrico, uma vez de volta às ruas, isso não o teria impedido de comprar legalmente armas de fogo.
Abundam os exemplos de como a ganância desmesurada está a provocar uma septicemia ao império americano. O caso as armas de fogo é paradigmático. Por incrível que pareça, nos EUA a lei concede o direito de adquirir armas de fogo até às pessoas diagnosticadas como doentes mentais. Foi preciso um homem com graves perturbações mentais chamado John Hinckley Jr. ter tentado assassinar o Presidente Ronald Reagan (em 1981) para que alguns políticos em Washington se atrevessem a questionar a perigosa permissividade da venda de armas. Mas o lóbi das armas é extremamente poderoso, não tendo deixado que fossem tomadas medidas drásticas para limitar esse comércio da morte. Esta discussão não faria sentido na esmagadora maioria dos países do mundo hodierno.
De vez em quando, o circo mediático entretém-se por uns dias (geralmente de forma sensacionalista, fútil e inconsequente) com assassinatos em série cujos culpados são doentes mentais fortemente armados (ex.: Michael McMott, Peter Troy, Colin ferguson,etc…).
Os profissionais de saúde asseveram que deveria estar vedado o acesso (legal) às armas a 2,7 milhões de estadunidenses com perturbações mentais, mas apenas 235 mil deles tem esse impedimento legal – e isto apenas em teoria. Na prática, como esses dados não estão centralizados (os Estados não estão obrigados a entregá-los aos serviços federais), continua fácil um doente mental adquirir armas, bastando para tal deslocar-se a outro Estado. Frequentemente, nem precisam maçar-se tanto.
Os vendedores de armas, as associações de apaixonados por estas e seus proprietários (com a NRA à cabeça), assim como os defensores dos direitos dos doentes mentais, argumentam que não se deve coarctar os direitos civis das pessoas que já sofrem de descriminação social, além de ser imperativo a manutenção da total privacidade dos seus registos médicos. Não obstante, abstêm-se de fazer qualquer celeuma em relação ao facto de a nossa vida privada e burocrática já é devassada por inquéritos fiscais, bancários, médicos, laborais, etc... E esses dados estão a ser centralizados por empresas privadas (como, por ex., a Acxiom) que depois os negociam com outras empresas e compartidos políticos.
Os jovens autores dos tiroteios nas escolas geralmente são sujeitos a humilhações constantes por parte daqueles que, inconscientemente, são os guardiães-juniores da uniformidade totalitária e preconceituosa, numa grotesca representação do "darwinismo social" que se repete diariamente nos estabelecimentos de ensino à laia de microcosmos da nossa sociedade. Os abusos dos rufias (fenómenos conhecido como bullying, quando se trata de um sistemático exercício de poder que se afirma de forma violenta – incluindo a violência psicológica – numa hierarquia rígida) provocam o ostracismo das suas vítimas. Na exclusão depressiva fermentam frustrações nemésicas que poderão adquirir um cariz homicida nas mentes mais perturbadas. O refúgio nos ambientes telemáticos só piora a situação. Os pais também falham ao se interessarem quase exclusivamente pelos resultados académicos, sem prestarem atenção às relações interpessoais e ao desenvolvimento psicofísico dos seus filhos.
Na Europa e no Japão, os casos mais extremos dos jovens que sofrem o estigma da exclusão social (estando física e administrativamente inseridos no ensino formal) de forma recorrente terminam em suicídio. Nos EUA, devido à facilidade de aquisição de armas de fogo, os marginalizados podem realizar as suas fantasias de "anjos da morte", levando consigo os seus molestadores e os que nada fizeram para impedir o seu sofrimento, tornando-se cúmplices num cenário conspirativo. …) A morte é tanto uma libertação como a mais forte e notória afirmação das suas vidas miseráveis.
(Começa a ser vulgar os espectadores mais ou menos passivos destes abusos, ou mesmo os que os incentivam activamente, gravarem com os seus telemóveis as cenas de humilhação gratuita para logo difundirem essas imagens na Internet.)
Geralmente estes rapazes (até agora, nenhuma rapariga procurou resolver os seus problemas de socialização escolar provocando um morticínio) sentem que as armas lhes podem proporcionar um poder que sempre lhes escapou (fazendo deles alvos fáceis para os colegas que geralmente devem a sua popularidade a um egocentrismo exibicionista, despótico e inclemente), julgando inverter as regras do jogo. E planeiam cuidadosamente as suas brutais vinganças, controlando o ambiente de destruição e prelibando o medo que infligirão aos seus inimigos.
Cada vez que acontece uma tragédia destas, a sociedade, e o meio escolar em particular, decide prestar mais atenção aos putos que carregam em silêncio ignominiosos fardos. Não me parece que tal aconteça sobretudo porque as comunidades decidem abraçar com sinceridade valores solidários, mas mais por medo de que possam vir a estar na mira dalgum adolescente tresloucado. (De realçar que Eric, um dos assassinos do liceu de Columbine, anunciou antecipadamente num website o atentado que estava a planear…)
Adiantou pouco, visto que , desde que, em 2004, o governo levantou a moratória (com dez anos) sobre a venda livre de armas semi-automáticas, alguns milhares de norte-americanos acorreram às lojas a fim de satisfazerem as suas fantasia
doentias de terem em casa - de forma perfeitamente legal - metralhadoras. E invocam constantemente a famigerada 2ª Emenda Constitucional, como se esta estivesse gravada nas pedras que Noé encontrou (?) no Monte Sinai, parecendo importar-lhes pouco que tivesse sido redigida há mais de 200 anos, sendo um perigoso anacronismo do tempo em que o governo incentivava e contava com as milícias populares para se tornarem livres do jugo britânico pela via armada.
Em Abril de 2005 , o Departamento de Defesa (NA) anunciou que, no ano anterior, 50 indivíduos residentes nos EUA e que estão incluídos na lista do FBI referente a suspeitos de actividades terroristas, puderam comprar armas legalmente (algumas das quais consideradas calibres de guerra, mas isso é mero preciosismo tautológico).
Um relatório da Amnistia Internacional (de 2005) refere que mais de meio milhão de pessoas são mortas todos os anos por armas de fogo que estão na posse de civis/particulares. O Brasil é o país recordista, registando cerca de 40 mil mortes anuais vítimas desta violência insana - o que é um registo mais consentâneo com o de um país em guerra!
Em todo o mundo estima-se que 1 em cada 10 pessoas possuam alguma arma de fogo. 8 milhões de armas "ligeiras" são produzidas anualmente, o que gera receitas de 22 mil milhões de dólares.
Por cá, a PSP afirma que, em média, diariamente apreende cerca de 9 armas ilegais.
Ambientes telemáticos /indústria de entretenimento
«Os seres humanos sofrem de um vazio enorme (...) e o mundo sonha com alcançar uma arcadia de eleição quase ilimitada.(...) Os superparques de atracções da Walt Disney escenificam sonhos de crianças cretinas; parques em que há uma eleição infinita de nada.» - George Steiner
O ostracismo social e os comportamentos violentos são as consequências psicológicas (psicóticas) mais óbvias nos jovens viciados em televisão. Em média, um estadunidense ao entrar na adolescência já assistiu a 15.000 assassinatos. Não creio que estejamos em condições de compreender plenamente todas as implicações deste fenómeno, mas parece-me lógico concluir que, ante tanta violência encenada, o mimetismo comportamental é mais forte do que o eventual efeito catártico confinado ao imaginário "inócuo". Ademais, banalizar a violência e enaltecer figuras (que, quer se queira ou não, tornam-se modelos comportamentais) que se recorrem dela para conseguirem os seus objectivos, não pode trazer nada de bom.
Video jogos
Mesmo tendo sido registados vários casos de assassinatos, ou tentativas de, perpetrados por adolescentes (ex.: em Oakland, New Port, Fayette, Jonesboro, Springfield, ...) que, ao
serem detidos, afirmaram terem sido fortemente influenciados por jogos de computador particularmente violentos. Entre estes, porventura o caso mais divulgado foi o de Devin Moore que abateu a tiro 3 policias. O jovem em causa treinara-se, durante centenas de horas, como jogo «Grand Theft Auto»*-+ que,
essencialmente, consiste em roubar carros e matar quem se oponha – visando sobretudo agentes de autoridade, além de cometer crimes para um patrão da Máfia. Devin não demonstrou remorsos pelos seus crimes, afirmando que « a vida é como um videojogo: todos temos que morrer um dia.»
*-+ O jogo Grand theft auto é um dos jogos mais popular em todo o mundo.
No Tenessee, dois miúdos, fãs deste jogo e entediados, pegaram nas armas dos seus pais e foram para a rua disparar aleatoriamente contra automobilistas, causando mortes e feridos vários.
Ainda nos EUA, uma velhinha de 85 anos, que tinha oferecido este jogo ao neto, resolveu processar a empresa que o comercializa, não pelo seu conteúdo extremamente violento, mas por conter cenas de sexo dissimuladas. Também a deputada Hillary Clinton (esposa do ex-Presidente Bill Clinton) centrou as suas críticas ao referido jogo baseando-se nas referências de sexo mais ou menos explícito...É esta a América puritana que não tem noção do ridículo nem dos seus cancros sociais.
As pessoas com um mínimo de sanidade mental e de valores morais ficaram horrorizadas ante estas tragédias, mas, infelizmente, muitas mentes perturbadas inspiraram-se nelas.
Por vezes é possível intervir a tempo de evitarmos mortes inúteis, pois, desde Columbine, as comunidades passaram a estar mais atentas aos sinais que conduzem a este género de tragédias. Tal foi o caso de dois adolescentes californianos (residentes na cidade de Lancaster) que, em Dezembro de 2005, foram detidos pela policia local quando estavam restes a emular o massacre de Columbine, cujos carrascos se tinham tornado os seus ídolos.
Uma vez mais, para além de investigarmos o que leva algumas pessoas a seguir caminhos sociopatas, as sociedades que permitem que as armas de fogo circulem em grandes quantidades e ao alcance d qualquer um, deveriam repensar-se e reorganizar-se.
Uma equipa de cientistas orientada pelo Dr. Thalemann, e afecta ao Instituto de Medicina Psicológica da Universidade de Charité de Berlim, recentemente divulgou um estudo seu que confirma que o vício dos videojogos tem uma génese neurocerebral semelhante ao que sucede com os viciados em álcool e/ou canabis, uma vez que os constantes estímulos dos ambientes telemáticos provocam habituação em dopamina (um neurotransmissor associado ao prazer). Como somos animais aditivos, a memória de habituação não tem nenhum mecanismo que nos diga «já chega!» no que toca ao insaciável apetite pelo prazer e pela procura dos caminhos mais curtos para as recompensas bioquímicas que o nosso cérebro nos proporciona. Apenas a realização pessoal - de forma criativa e construtiva, bem integrados na comunidade e num ambiente psicofísico que reconhecemos como o garante da nossa segurança, estabilidade e felicidade; bem como todos os valores morais que desenvolvemos e sustentamos na prossecução desse desiderato – poderá acabar com as dependências malsãs.
Bem próximo de nós, mais precisamente na cidade de Chaves, um jovem (estufador de sofás) assumidamente fã de um jogo de computador cujo enredo violento e mórbido tem uma pretensa "moralidade ecológica" (ao estilo mais radical do movimento Deep Ecology criado nos EUA). No Domingo de Páscoa de 2004, o jovem em causa apunhalou na cabeça e nas costas uma adolescente. Nas posteriores alegações à polícia, o autor deste crime bárbaro asseverou estar possuído/dominado por um dom e uma missão que se assemelham aos do seu personagem favorito do seu jogo de culto (o «Final Fantasy» da PlayStation)
Existem milhões de jovens que se divertem regularmente com de computador muito violentos, sem que haja evidências de que esse passatempo os torne a todos propensos a cometer crimes. Os jovens japoneses são pelo menos tão
viciados nestes jogos quanto os NA, e a sua banda desenhada é provavelmente a mais violenta do mundo. Não obstante, no Japão regista-se uma percentagem de crimes violentos muito inferior ao que se passa nos EUA.
À saída de um filme de acção (ou seja, cheio de cenas violentas) é normal
vermos adolescentes falarem, com trasbordante entusiasmo, sobre as atrocidades que acabaram de assistir, enquanto se empurram ou até desferem uns golpes tentando imitar os seus heróis. Comummente seguem para salões de jogos onde canalizam (de forma catártica?) esses estímulos agressivos.
É muito difícil estabelecer uma correlação óbvia entre o aumento de violência nas ruas e os vídeo jogos. Os jovens que têm transposto as suas fantasias homicidas da realidade virtual
para a sociedade humana, provêm sempre de ambientes familiares e/ou escolares muito problemáticos. A violência telemática certamente que conta para a súmula de factores de risco, mas, por si só, não transforma ninguém em psicopatas.
Um dos mais recentes e credíveis estudos feitos sobre este fenómeno polémico foi realizado por investigadores da Universidade do Missouri-Columbia (EUA). Consistiu em expor indivíduos entusiastas de longa duração de jogos de computador a imagens reais de crimes com violência explícita. Os cérebros da maioria dos analisados reagiu ou quase de forma indiferente, ou experimentando um aumento de agressividade. Em ambas as situações, os padrões cerebrais registados assemelham-se aos que se conhecem associados aos psicopatas...
Vários estudos demonstram que os padrões cerebrais dos utilizadores de videojogos são semelhantes a um estado hipnótico. Mais precisamente, esta intoxicação lúdica provoca uma diminuição de actividade no córtex pré-frontal.
A adição aos videojogos também se explica pelo facto de estarem concebidos como uma escalada de desafios e de recompensas imediatas assentes em estímulos visuais. Como resposta, a área tegmental central do cérebro humano liberta constantemente dopamina (a substância da química neural que mais associamos ao prazer) em doses que podem facilmente tornar-se viciantes.
Como o provou o Dr. Walsh, e outros neurofisiólogos , o cérebro dos adolescentes ainda não está completamente formado , sendo incapazes de assumir responsabilidades bem como o controlo dos comportamentos impulsivos, tal como o fazem os adultos.
Há ainda que considerar que os rapazes costumam ter uma atracção inata pelo perigo, afirmando-se através de actos de bravura e de bravata agressiva.
Na adolescência somos severamente perturbados por conflitos internos que não se prendem apenas com a necessidade de independência parental e com a definição da personalidade como afirmação social. Os nossos cérebros produzem um excesso de células que, teoricamente, nos poderiam facultar um potencial cognitivo quase ilimitado. O problema é que não existe nem espaço nem nutrientes suficientes para assegurar a sobrevivência de todas essas células; estas têm que competir eliminando as que menos convêm ao nosso estilo de vida. A este fenómeno chama-se Darwinismo neural.
Depois dos 25 anos de idade, as capacidades cerebrais que nunca foram utilizadas ficam seriamente comprometidas, como se nunca tivessem constado do nosso "kit de sobrevivência". Se atentarmos na complexidade dos desafios (psicofísicos) que a vida natural permanentemente submetia os nossos antepassados pré-históricos, comparando essa realidade com o moderno sedentarismo, em que nos tornámos escravos dos nossos escravos mecânicos, teremos uma vaga ideia do que estamos a perder (a propósito, Gary Snyder adianta a hipótese de ser esta a razão que justifica o facto de os presumivelmente extintos neandertais possuírem cérebros mais volumosos do que os sapiens sedentários …). É sobretudo dramático para os que desperdiçam a juventude - os anos que deveriam ser plenos de experiências formativas – viciados em ambientes telemáticos.
Há cerca de uma década Bill Gates disse que «os computadores seriam a melhor ferramenta para as pessoas socializarem no futuro». É um disparate óbvio, mas como foi dito pelo homem mais rico do mundo a sua áurea de sucesso parece impregnar de veracidade todas as suas declarações.
Outro problema grave decorrente do excesso de horas que os mais jovens despendem ligados às máquinas, em detrimento do contacto directo com outras pessoas (e, eventualmente com outros seres com os quais é possível interagir nas biorregiões por onde deambulamos) é que ficam demasiado diminuídos na capacidade essencial de aprendermos a ler e a imitar os abundantes e muitas vezes subtis sinais da linguagem corporal dos que nos rodeiam. Não à toa, pululam os mal-entendidos entre os que se comunicam por correio electrónico.
O nosso culto pelos automóveis foi percursor desse fenómeno paradoxal de um mundo onde a informação atravessa o planeta quase em "tempo real"e supostamente acessível às maças, mas parece que, cada vez mais, temos dificuldades em comunicarmos verdadeiramente. Os carros tornaram-se símbolos de status quo e funcionam igualmente como fortalezas ambulantes que nos isolam do contacto directo com os nossos pares. Assim, sinais e rituais que desenvolvemos ao longo de milhões de anos tanto para a comunicação simpática como para a contenção da violência desnecessária (mesmo que apenas verbal), ficam praticamente anulados, o que nos dá uma muito maior margem de manobra para podermos ser mais agressivos e sacanearmos os outros conservando os dentes…
Por outro lado, as empresas que promovem encontros romântico-eróticos on line, cada ano que passa têm lucros crescentes na ordem das centenas de milhões de dólares.
De uma forma bem mais triste e patética, no Japão
A indústria das personagens virtuais que tentam preencher as fantasias eróticas dos seus clientes, rende anualmente 200 mil milhões de ienes. A esmagadora maioria dos que procuram estes serviços são homens. Parece-me que tal revela uma gritante imaturidade e um egocentrismo onanista, pois erotizam preferencialmente a idealização estereotipada das mulheres, que está à medida dos seus desejos mas que não exige nenhum tipo de compromissos, dando-lhes concomitantemente uma ilusão de absoluto controlo sobre uma relação virtual - que não exige responsabilidades nem compromissos difíceis (indispensáveis à nossa maturidade social), oferecendo a "segurança" de fidelidade e da previsibilidade irrealista, para além de uma viagem que transcende os limites biofísicos que nos prendem à realidade.
Numa sociedade, como a japonesa, onde as pessoas vivem excessivamente aglomeradas em mega urbes, cabendo a cada uma um claustrofóbico espaço vital, são tremendas as dificuldades que as pessoas sentem para exprimirem as suas emoções mais intensas e íntimas. Os protocolos da vida comunitária tradicionalmente tem exigido a férrea submissão emoções. Para ambos os géneros, mostrar os dentes enquanto sorriem sempre foi considerado rude. (As mulheres chegavam a pintar os dentes de negro e a raparem as sobrancelhas, substituindo-as por umas pintadas , a fim de manterem uma aparência de insondável e passiva inexpressividade de porcelana.)
O controlo emocional destinado a manter uma aparência serena e estável, levou a que muitos adultos tenham atrofiados os músculos faciais que controlam o riso. Actualmente algumas empresas estão a dar cursos de formação aos seus funcionários para os ensinar a sorrir; não por razões de sanidade mental decorrentes do alívio de stress e da melhoria do ambiente no local de trabalho, mas porque os seus estudos de mercado demonstraram que, se sorrirem aos clientes, poderão aumentar o volume de negócios entre 30 a 50% …
Para muitos dos que têm agudas dificuldades em lidar com a frustração de não pertencerem aos círculos de poder, uma arma pode ser como uma dose de cocaína, proporcionando euforia e autoconfiança instantâneas, devido à afirmação de poder (de destruição) de quem é capaz de incutir medo colectivo – sendo amiúde confundido com o "respeito" e a admiração almejados.
Não tendo a nossa civilização rituais de passagem à idade adulta ( que sejam definitivos e orientados por adultos unanimemente respeitados), a afirmação masculina é uma constante luta de popularidade, em que os "machos Alfa" se destacam pelas cruéis humilhações que infligem aos "mais fracos", sendo quase irrelevantes os estímulos à solidariedade e à integração harmoniosa de todos os membros da comunidade. Para agravar a situação, a sociedade de consumo está obcecada pelo culto da juventude e da dominância sem escrúpulos. É como se o hipotálamo da psique colectiva estivesse saturado de testosterona na sua insaciável demanda por sexo e por violência.
Um tema recorrente nas aventuras (virtuais) dos heróis juvenis fabricados pela omnipresente indústria de entretenimento, são as vinganças e os impulsos justiceiros (independentemente da sua posição moral, imoral ou amoral) dos que fazem "justiça" pelas próprias mãos com total impunidade, desprezando as figuras (institucionalizadas) de autoridade.
Um dos factores mais apelativos dos ambientes telemáticos parece ser o de, independentemente do que aí se faça, os jogadores não podem ser responsabilizados na vida real (ou, pelo menos assim o julgam). Mas os jogos evoluíram também no sentido de permitir aos jogadores defrontarem não só as máquinas, mas outros contendores humanos, que competem a partir de qualquer ponto do mundo de forma interactiva e em tempo real. É conhecido um caso de um miúdo nos EUA que se tinha tornado exímio em eliminar as personagens manipuladas pelos seus adversários reais, mas anónimos (conhecem-se todos por alcunhas, ou " nicknames"). Os derrotados não contiveram a sua frustração encolerizada e procuraram descobrir a identidade real, bem como o sítio onde costumava jogar o seu carrasco virtual. Uma vez conseguidas essas informações, perseguiram o miúdo e tentaram assassiná-lo disparando sobre ele.
Na Coreia do Sul as autoridades viram-se obrigadas a proibir os videojogos mais violentos, pois, após alguns anos em que, cépticas,
ignoraram o problema, concluíram que estava a aumentar drasticamente a
violência (verbal e física) entre os jovens jogadores virtuais.
Numerosos casos assumiram proporções especialmente graves e
revelaram-se evidentes as suas ligações directas com os conteúdos dessa realidade paralela. Um novo género de delinquentes juvenis (apelidados de "jogadores assassinos") transpuseram as suas rivalidades da liça virtual para a vida real, sem terem uma clara noção de onde se encontrava a fronteira entre esta e os ambientes telemáticos tão do seu apreço onde tudo é permitido, tornando-os “pequenos deuses”.
Naquele que se tornou o mais notório ataque armado de jovens a colegas
de liceu e respectivos professores e auxiliares da acção educativa,
conhecido como "o massacre de Columbine" ( a 20 de Abril de 1999) os autores desses crimes praticavam tiro, tanto com fogo real como grandes entusiastas de jogos de vídeo desse género. Os seus pais eram empregados da Lockheed Martin, fabricando armas de destruição maciça.
Em Frankfurt (Alemanha), no ano de 2002, um jovem de 17 anos tentou emular os assassinos juvenis de Columbine, fazendo outra matança no liceu do qual acabara de ser expulso. Também este adolescente alemão tinha problemas de socialização, passava imenso tempo a jogar videojogos, com destaque para o jogo on-line Counterstrike (da Microsoft) - que lhe permite assumir na primeira pessoa o papel de um franco-atirador -, era sócio de um clube de tiro e até recentemente tinha conseguido uma licença de porte de armas.
No Texas há empresas que comercializam um dispositivo que permite aos seus utilizadores (caçadores de sofá) disparar com munição verdadeira sobre animais silvestres a partir [de um jogo de] do computador.
Em 2002, ainda os NA mal tinham ultrapassado o estado de choque e iniciado os processos de luto pelas vítimas dos
atentados às torres gémeas, foram confrontados com uma nova onda de terror, desta feita protagonizada por um (?) atirador furtivo que abatia vítimas ao acaso a partir de um veículo automóvel que circulava
pelos arredores da capital, Washington DC. Quando os assassinos foram
capturados, constatou-se tratar-se de John Allen Muhammad (um
ex-veterano do exército, com 41 anos e há 17 anos convertido ao
islamismo) e do seu filho adoptivo, John Lee Malvo (um adolescente de
17 anos, de origem jamaicana). Segundo apurou a polícia, os disparos
terão sido efectuados na sua maioria por Malvo. Os testes psicológicos
revelaram que esse garoto tinha uma postura quase amoral em relação
aos crimes que cometera; era frio e metódico e obedecia ao seu tutor
com disciplina militar. John Muhammad treinara-o (para ser o seu
soldado num exército de dois) com recurso a jogos de video, como
complemento ao treino com munição real.
Durante os 11 anos que servira no exército do Tio Sam, John Muhammad
(antes conhecido como John Williams) participou na Guerra do Golfo
Pérsico (Iª parte), onde serviu incorporado ao 2º Regimento da
Cavalaria Armada, o que o obrigou a ter um contacto directo e
prolongado (através da inspecção, catalogação e destruição) com o
arsenal iraquiano de armas químicas, além da radiação radioactiva
proveniente dos mísseis estadunidenses carregados com resíduos de
urânio empobrecido. Como tal, sofria do obscuro e terrível "Síndroma
da Guerra do Golfo" (SGG). O Dr. William Baumzweiger é um neurologista
e psiquiatra que se especializou na referida doença (que se estima afecte gravemente entre 175 e 200 mil soldados estadunidenses, mas que continua a ser negada pela inteligentzia clínica dos EUA). Este médico afirma
que muitos dos que padecem de SGG apresentam comportamentos violentos
que não têm correspondência com o seu comportamento na vida civil
anterior à guerra, nem encontram explicações no actual estilo de vida
destas vítimas.
John Muhammad era um desempregado de longa duração (nutrindo um ódio
ferino e vingativo pelo seu governo por este não lhe dar um maior
apoio depois de ele ter o ter servido na guerra, o que, mais do razões
de natureza confessional, o levou a expressar a sua admiração por Bin
Laden e pelos seus métodos terroristas) e saía de um matrimónio
despedaçado (que era já o seu segundo divórcio), consumia drogas e
tinha acesso fácil a armas. No exército especializara-se como atirador utilizando uma M-16. A arma que a polícia encontrou no seu carro
aquando da sua detenção era uma Bushmaster 223, que se trata de uma
versão para civis da M-16)
Certamente que esta perigosa conjugação de factores não serve de
desculpa (nem nos tribunais, nem na opinião pública) para os
assassinatos e a campanha de terror de que ele foi o principal
responsável. Mas nós não precisamos de desculpas condescendentes e
desresponsabilizantes, nem de um agravamento do policiamento e das
medidas punitivas, precisamos de apurar as razões que levam homens a
cometer este género de agressões à sociedade, para que possamos
reflectir sobre as nossas responsabilidades colectivas e desenvolver
mecanismos sociais/educativos rumo a uma convivência pacífica, mas
esclarecida. O desarmamento da sociedade e a verdadeira democratização
do Estado são passos essenciais para alcançarmos essas metas. (entre as nações mais ricas do mundo, os EUA lideram, destacados, as mais arrepiantes estatísticas no que respeita à morte por armas de fogo nas mãos de civis.)
O exército também utiliza jogos vídeo (o famigerado Fort Bennings,
vulgo escola de terroristas e/ou assassinos, foi pioneiro na
utilização dessa tecnologia) para treinar soldados, chegando mesmo a
comercializar os seus próprios jogos (ex.: Full Spectrum Command) para aliciar novos recrutas, passar ideologias e reclamar o seu
quinhão de lucros no mercado de videojogos – que é já mais lucrativo do que os filmes de Hollywood!*-+
*-+ O realizador Peter Jackson admitiu que investiu praticamente o mesmo tempo e esforço a realizar o filme King Kong (uma parvoíce assente em efeitos especiais) do que a sua versão em jogo de computador.
As imagens que o exército mais poderoso do mundo proporciona aos canais televisivos (que comem na mão do Tio Sam corporativo-imperialista) sobre os bombardeamentos nocturnos ("com precisão cirúrgica") no Iraque, são apresentados como se se tratassem de um jogo de vídeo, mas menos excitantes, mais "limpos e silenciosos" do que estes últimos.
Durante as guerras mais mediáticas, são utilizados simuladores desenhados e animados por computador para explicar as ocorrências no terreno, bem como para examinar as capacidades destrutivas de alta tecnologia das armas mais destrutivas.
Mas até alguns porta-vozes das forças armadas estado-unidenses, bem como das empresas militares que concebem estes videojogos (ex.: Stricom), reconhecem que, por mais útil que a utilização de videojogos (simuladores de combate) sejam para a formação dos soldados (nomeadamente na sua insensibilização perante o aniquilamento de inimigos em situações reais), são perigosas as consequências de os deixarmos disponíveis e sem reservas às crianças mal orientadas e que, ao contrário do que se passa no exército, não são submetidas a uma rígida disciplina dependente de uma cadeia de comandos, onde a desobediência e outras falhas à responsabilidade ética teoricamente são punidas com severos castigos, sobretudo no que toca à utilização desautorizada de armas de fogo.
É óbvio que, quanto mais realistas forem os videojogos que induzem uma rotina de morte simulada e "violência feliz", mais facilmente se consuma uma transferência psicológica nos seus utilizadores.
A violência assim banalizada pode converter-se em perigosos treinos de assassinato – sobretudo em sociedades onde é fácil qualquer pessoa ter acesso a armas de fogo, reitero incansavelmente...
Falhámos miseravelmente em criar ambientes saudáveis para as crianças. (O especialista em violência juvenil, Dr. Garbarino , chama a esta tragédia «a traição dos adultos».) Os jovens deixaram de confiar nos mais velhos, assim como estes últimos deixaram de confiar nas instituições que era suposto zelarem pela segurança social.
Tal como é recorrente na publicidade da indústria de comida rápida e
dos refrigerantes (e, de um modo geral, quase todos os produtos
destinados a um mercado juvenil) é associado ao consumo dos seus
produtos a popularidade, o vigor e exuberância lúdica, bem como o
erotismo de jovens atraentes (sonegando completamente a natureza dos
seus ingredientes, as suas implicações sanitárias, sociais e
ambientais)
Os pais (mais uma vez para tentarem "compensar" a falta de atenção e
de educação que é devida os filhos, e tampouco querendo que estes
sofram de uma marginalização consumista em relação aos seus colegas)
oferecem aos miúdos jogos de computador, sem saberem quais os seus
conteúdos. (Ex.: Nalguns desses jogos de grande popularidade o
jogador, munido de uma pá ou de uma motosserra, é levado a
assassinar, negros – por motivações racistas, como se pode claramente
depreender pelas "bocas" asquerosas proferidas pelo psicopata virtual
-, regando-os depois com gasolina e pegando-lhes fogo. Noutras
situações decapitam garotas que fazem o papel de vítimas fáceis e
inocentes, para depois lhes urinarem em cima. Há ainda a possibilidade
de entrar em igrejas e estações de polícia e massacrar todos os que lá
se encontram... Estes jogos estão classificados para adultos, mas
qualquer garoto tem acesso a eles.)
Provavelmente o país em que os videojogos são mais populares é a Coreia do Sul, onde constituem a principal actividade de ócio. Este entretenimento (a que estão exclusivamente consagrados 3 canais televisivos nacionais) é reconhecido um desporto e uma profissão. Os jogadores profissionais mais exímios ("ciberatletas") são considerados génios e a sua popularidade (efémera) rivaliza e até supera a das maiores estrelas da música pop.
Os poderes político-corporativos têm-nos apreciado imenso pois, junto com a indústria dos telemóveis, nos últimos anos têm contribuído para o crescimento económico do país. Deste modo, as autoridades subestimaram os efeitos negativos deste novo entretenimento de massas. Os estudos sociológicos confirmam o que qualquer um pode verificar nas ruas: como consequência directa do vício dos videojogos, dispararam em flecha as taxas de insucesso e abandono escolar, divórcios, suicídios, endividamento e o crime entre os sul coreanos.
Já tinha havido alguns avisos (para quem estivesse minimamente atento) vindos dos EUA e do Japão, onde se constatou que os vídeo jogos diminuem drasticamente a capacidade de socialização, levando ao isolamento de adolescentes e de jovens adultos. Não para de aumentar a legião de jovens cibernautas que se auto enclausuram (geralmente quando vivem na casa dos pais) para jogarem o dia inteiro durante meses e até anos a fio, recusando qualquer contacto social (os familiares limitam-se a deixar-lhes a comida à porta dos quartos) e descurando completamente da higiene pessoal. Começa também a ser comum que jovens casados abandonem a família e o emprego para jogarem ininterruptamente escondidos nalgum salão especializado.
A indústria de entretenimento virtual declina quaisquer responsabilidades - os desenhadores desses jogos são considerados profissionais amorais e inimputáveis em relação às consequências sociais que possam advir das suas criações, tanto quanto um respeitável vitivinicultor o é em relação ao velho problema do alcoolismo na nossa sociedade.
No fundo todos sabemos que estes problemas são apenas sintomas de uma sociedade decadente e enferma , onde rareiam valores dignos desse nome. No entanto, seria muita ingenuidade da nossa parte não percebermos a crescente perversidade implícita na última geração de vídeo jogos, sobretudo os que são jogados on line, não tendo um objectivo final, o que faz aumentar a dependência dos jogadores (que têm vidas vazias). Um desses jogos é o «Ever Quest» (criado e comercializado pela Sony). Como não tem fim, os jogadores são estimulados a conquistar e a acumular "poder e status", que passam pela aquisição de objectos virtuais. Há quem faça batota, pagando (com dinheiro real) a terceiros para lhes conseguirem esses objectos, transferindo-os para as suas personagens virtuais. Por incrível que pareça, esta indústria paralela e ilegal movimenta anualmente cerca de 100 milhões de euros só na Coreia do Sul! Enxameando os salões de jogos on line, marginais que se dedicam a conquistar e a vender tralha virtual passaram a ganhar entre 8 a 10 euros à hora mais comida e cama.
Nos EUA uma senhora tentou processar a Sony devido ao seu filho (que se encontrava numa situação de autismo social completamente dependente dos jogos on line) se ter suicidado enquanto jogava ao Ever Quest.
Um jogo equivalente foi criado por uma empresas sueca que percebeu que o desejo de evidência e de exclusividade dos cibernautas tinha um potencial económico que em muito transcendia a mera compra de jogos imutáveis e com fins definidos. Trata-se de um mundo virtual que tenta simular o consumismo e a competição pecuniária que reina na nossa sociedade. O projecto chama-se «Entropia» e nele existe um «planeta
Calypso» onde é necessário adquirir-se bens (ex.: bebidas, roupas,
veículos, armas, casas, mobília, etc...) para continuar a jogar. Isso é
feito através de dinheiro virtual - que só pode ser adquirido debitando
dinheiro verdadeiro dos cartões de crédito dos jogadores ( e empresa que
comercializa este jogo cobra 7% de todo o dinheiro gasto nas compras
virtuais...). Em 2005 houve quem tivesse pago 25 mil euros (reais!) pelo
privilégio de possuir uma ilha privada virtual em Calypso - foi o preço da
notoriedade entre uma comunidade de cibernautas idiotas e imaturos. Apesar do
grafismo e da trama medíocre, este jogo tornou-se num sucesso que abre novas
portas para a indústria de entretenimento controlada por escroques espertalhões.
Sendo um sucesso empresarial a que deveremos estar atentos, estão a multiplicar-se este género de videojogos que vendem a ilusão de podermos ser como as celebridades de culto, contando apenas as aparências e toda a encenação de hedonismo materialista.
Os média estão saturados de violência
Os putos que provocaram o massacre no liceu de Columbine eram fãs do filme «Natural Born Killers» (aliás, enquanto planeavam o ataque homicida gratuito, referiam-se à sua "missão" com o acrónimo NBK…). E não foram os únicos adolescentes cuja sanha nemésica encontrou inspiração no referido filme. Uma série de assassinatos, mais ou menos aleatórios, têm sido perpetrados por jovens que, aparentemente, pretendiam seguir a mesma senda que os personagens principais da polémica longa metragem.
Até no Canadá (que Michael Moore aponta como um bom exemplo para contrapor a violência armada e praticamente fora de controlo que dilacera os EUA) recentemente (a 13 de Setembro de 2006) ocorreu um tiroteio na faculdade de Dawson (em Montreal) ao estilo Columbine. O tresloucado pistoleiro foi um jovem (que, como já vem sendo costume, acabou por se suicidar antes que a polícia o pudesse prender) que tinha assinalado no seu blog o filme «Assassinos Natos» (NBK) como um dos seus favoritos.
O seu realizador, Oliver Stone, defende-se da avalanche de críticas que o acusam de incitar à violência através da sua banalização humorística, asseverando que a sua obra alvo de tanta celeuma trata-se de uma sátira, em que a violência assume uma forma caricatural. A única vez que vi esse filme ainda era adolescente. Recordo-me que me pareceu óbvio que a moral da estória, acima de tudo, colocava os média no banco dos réus, enfatizando o seu sensacionalismo sem escrúpulos que serve uma ganância predatória e uma escopofilia degenerada que transformou os passivos telespectadores em vampiros de emoções ávidos da desgraça alheia; para além dos perigos que acarretam a falta de valores de toda uma sociedade composta maioritariamente por famílias disfuncionais, e a falta de perspectivas (felizes e construtivas) dos jovens.
Mas é um pau de dois bicos brincar assim com a violência. É sabido que as crianças e os adultos muito diminuídos nas suas faculdades mentais geralmente são incapazes de perceber a ironia, e quem é que ignora o facto de nos EUA imperar uma sociedade infantilizada e ignorante?
Na maior potência do mundo a violência tornou-se epidémica, com um aumento de 168% na última década! E agora já não é característica dos guetos (onde os factores de risco sócio-económicos muitas vezes levam a ilações racistas, que obnubilam as reais causas da pobreza e da injustiça e exclusão social), tendo-se alastrado aos subúrbios da classe média (que são o orgulho do país) e até das comunidades que se isolam a fim de manterem as suas crianças e modo de vida pristinos (ex.: os Amish).
PB
(Um aviso à navegação para educadores ingénuos)
O massacre na universidade de Verginia Tech (em Abril de 2007), que superou em número de mortos (32) o do liceu de Columbine (13 mortos), foi perpetrado por um jovem de origem sul-coreana chamado Seung-Hui Cho . Como é costume nestes casos, ele tinha graves problemas de socialização. Até poderia sofrer de uma forma ligeira de autismo. Passava muito do seu tempo imerso em ambientes telemáticos. Gostava de filmes, programas de televisão e jogos de computador em que a violência impera. Seria uma ingenuidade cretina apontar essas formas de entretenimento como responsáveis isoladas pela tragédia em causa, mas temos que ter em conta que Seung-Hui Cho era obcecado pela cultura que tinha adoptado, mas da qual se sentia excluído/segregados, em que a violência é um entretenimento mediático extremamente popular. Por isso, este rapaz gravou em vídeo o seu derradeiro manifesto e enviou-o para o canal televisivo NBC. Como sabia que iria ter um grande destaque nas notícias/notoriedade mediática, quis que no seu dia do "juízo final" estivesse com uma aparência semelhante à dos seus heróis da violência, tendo passado grande parte das suas últimas semanas num ginásio fazendo musculação. Esta vaidade tragicómica nada tem que ver com a filosofia de James Dean («vive depressa e deixa um corpo lindo!»), chupando o tutano da vida com intensidade/euforia suicidária.
Cho inspirou-se nos assassinos de Columbine, sentindo que pertenciam a um género de sinistra irmandade com um propósito messiânico-escatológico.
Os problemas psicológicos de Cho eram tão evidentes e perturbantes para todos os que o rodeavam que, em 2005, um juiz recomendou que ele deveria ser alvo de uma avaliação psicológica. Tal nunca aconteceu. E, mesmo que o historial clínico de Seung-Hui Cho acabasse por interná-lo involuntariamente num hospital psiquiátrico, uma vez de volta às ruas, isso não o teria impedido de comprar legalmente armas de fogo.
Abundam os exemplos de como a ganância desmesurada está a provocar uma septicemia ao império americano. O caso as armas de fogo é paradigmático. Por incrível que pareça, nos EUA a lei concede o direito de adquirir armas de fogo até às pessoas diagnosticadas como doentes mentais. Foi preciso um homem com graves perturbações mentais chamado John Hinckley Jr. ter tentado assassinar o Presidente Ronald Reagan (em 1981) para que alguns políticos em Washington se atrevessem a questionar a perigosa permissividade da venda de armas. Mas o lóbi das armas é extremamente poderoso, não tendo deixado que fossem tomadas medidas drásticas para limitar esse comércio da morte. Esta discussão não faria sentido na esmagadora maioria dos países do mundo hodierno.
De vez em quando, o circo mediático entretém-se por uns dias (geralmente de forma sensacionalista, fútil e inconsequente) com assassinatos em série cujos culpados são doentes mentais fortemente armados (ex.: Michael McMott, Peter Troy, Colin ferguson,etc…).
Os profissionais de saúde asseveram que deveria estar vedado o acesso (legal) às armas a 2,7 milhões de estadunidenses com perturbações mentais, mas apenas 235 mil deles tem esse impedimento legal – e isto apenas em teoria. Na prática, como esses dados não estão centralizados (os Estados não estão obrigados a entregá-los aos serviços federais), continua fácil um doente mental adquirir armas, bastando para tal deslocar-se a outro Estado. Frequentemente, nem precisam maçar-se tanto.
Os vendedores de armas, as associações de apaixonados por estas e seus proprietários (com a NRA à cabeça), assim como os defensores dos direitos dos doentes mentais, argumentam que não se deve coarctar os direitos civis das pessoas que já sofrem de descriminação social, além de ser imperativo a manutenção da total privacidade dos seus registos médicos. Não obstante, abstêm-se de fazer qualquer celeuma em relação ao facto de a nossa vida privada e burocrática já é devassada por inquéritos fiscais, bancários, médicos, laborais, etc... E esses dados estão a ser centralizados por empresas privadas (como, por ex., a Acxiom) que depois os negociam com outras empresas e compartidos políticos.
Os jovens autores dos tiroteios nas escolas geralmente são sujeitos a humilhações constantes por parte daqueles que, inconscientemente, são os guardiães-juniores da uniformidade totalitária e preconceituosa, numa grotesca representação do "darwinismo social" que se repete diariamente nos estabelecimentos de ensino à laia de microcosmos da nossa sociedade. Os abusos dos rufias (fenómenos conhecido como bullying, quando se trata de um sistemático exercício de poder que se afirma de forma violenta – incluindo a violência psicológica – numa hierarquia rígida) provocam o ostracismo das suas vítimas. Na exclusão depressiva fermentam frustrações nemésicas que poderão adquirir um cariz homicida nas mentes mais perturbadas. O refúgio nos ambientes telemáticos só piora a situação. Os pais também falham ao se interessarem quase exclusivamente pelos resultados académicos, sem prestarem atenção às relações interpessoais e ao desenvolvimento psicofísico dos seus filhos.
Na Europa e no Japão, os casos mais extremos dos jovens que sofrem o estigma da exclusão social (estando física e administrativamente inseridos no ensino formal) de forma recorrente terminam em suicídio. Nos EUA, devido à facilidade de aquisição de armas de fogo, os marginalizados podem realizar as suas fantasias de "anjos da morte", levando consigo os seus molestadores e os que nada fizeram para impedir o seu sofrimento, tornando-se cúmplices num cenário conspirativo. …) A morte é tanto uma libertação como a mais forte e notória afirmação das suas vidas miseráveis.
(Começa a ser vulgar os espectadores mais ou menos passivos destes abusos, ou mesmo os que os incentivam activamente, gravarem com os seus telemóveis as cenas de humilhação gratuita para logo difundirem essas imagens na Internet.)
Geralmente estes rapazes (até agora, nenhuma rapariga procurou resolver os seus problemas de socialização escolar provocando um morticínio) sentem que as armas lhes podem proporcionar um poder que sempre lhes escapou (fazendo deles alvos fáceis para os colegas que geralmente devem a sua popularidade a um egocentrismo exibicionista, despótico e inclemente), julgando inverter as regras do jogo. E planeiam cuidadosamente as suas brutais vinganças, controlando o ambiente de destruição e prelibando o medo que infligirão aos seus inimigos.
Cada vez que acontece uma tragédia destas, a sociedade, e o meio escolar em particular, decide prestar mais atenção aos putos que carregam em silêncio ignominiosos fardos. Não me parece que tal aconteça sobretudo porque as comunidades decidem abraçar com sinceridade valores solidários, mas mais por medo de que possam vir a estar na mira dalgum adolescente tresloucado. (De realçar que Eric, um dos assassinos do liceu de Columbine, anunciou antecipadamente num website o atentado que estava a planear…)
Adiantou pouco, visto que , desde que, em 2004, o governo levantou a moratória (com dez anos) sobre a venda livre de armas semi-automáticas, alguns milhares de norte-americanos acorreram às lojas a fim de satisfazerem as suas fantasia
doentias de terem em casa - de forma perfeitamente legal - metralhadoras. E invocam constantemente a famigerada 2ª Emenda Constitucional, como se esta estivesse gravada nas pedras que Noé encontrou (?) no Monte Sinai, parecendo importar-lhes pouco que tivesse sido redigida há mais de 200 anos, sendo um perigoso anacronismo do tempo em que o governo incentivava e contava com as milícias populares para se tornarem livres do jugo britânico pela via armada.
Em Abril de 2005 , o Departamento de Defesa (NA) anunciou que, no ano anterior, 50 indivíduos residentes nos EUA e que estão incluídos na lista do FBI referente a suspeitos de actividades terroristas, puderam comprar armas legalmente (algumas das quais consideradas calibres de guerra, mas isso é mero preciosismo tautológico).
Um relatório da Amnistia Internacional (de 2005) refere que mais de meio milhão de pessoas são mortas todos os anos por armas de fogo que estão na posse de civis/particulares. O Brasil é o país recordista, registando cerca de 40 mil mortes anuais vítimas desta violência insana - o que é um registo mais consentâneo com o de um país em guerra!
Em todo o mundo estima-se que 1 em cada 10 pessoas possuam alguma arma de fogo. 8 milhões de armas "ligeiras" são produzidas anualmente, o que gera receitas de 22 mil milhões de dólares.
Por cá, a PSP afirma que, em média, diariamente apreende cerca de 9 armas ilegais.
Ambientes telemáticos /indústria de entretenimento
«Os seres humanos sofrem de um vazio enorme (...) e o mundo sonha com alcançar uma arcadia de eleição quase ilimitada.(...) Os superparques de atracções da Walt Disney escenificam sonhos de crianças cretinas; parques em que há uma eleição infinita de nada.» - George Steiner
O ostracismo social e os comportamentos violentos são as consequências psicológicas (psicóticas) mais óbvias nos jovens viciados em televisão. Em média, um estadunidense ao entrar na adolescência já assistiu a 15.000 assassinatos. Não creio que estejamos em condições de compreender plenamente todas as implicações deste fenómeno, mas parece-me lógico concluir que, ante tanta violência encenada, o mimetismo comportamental é mais forte do que o eventual efeito catártico confinado ao imaginário "inócuo". Ademais, banalizar a violência e enaltecer figuras (que, quer se queira ou não, tornam-se modelos comportamentais) que se recorrem dela para conseguirem os seus objectivos, não pode trazer nada de bom.
Video jogos
Mesmo tendo sido registados vários casos de assassinatos, ou tentativas de, perpetrados por adolescentes (ex.: em Oakland, New Port, Fayette, Jonesboro, Springfield, ...) que, ao
serem detidos, afirmaram terem sido fortemente influenciados por jogos de computador particularmente violentos. Entre estes, porventura o caso mais divulgado foi o de Devin Moore que abateu a tiro 3 policias. O jovem em causa treinara-se, durante centenas de horas, como jogo «Grand Theft Auto»*-+ que,
essencialmente, consiste em roubar carros e matar quem se oponha – visando sobretudo agentes de autoridade, além de cometer crimes para um patrão da Máfia. Devin não demonstrou remorsos pelos seus crimes, afirmando que « a vida é como um videojogo: todos temos que morrer um dia.»
*-+ O jogo Grand theft auto é um dos jogos mais popular em todo o mundo.
No Tenessee, dois miúdos, fãs deste jogo e entediados, pegaram nas armas dos seus pais e foram para a rua disparar aleatoriamente contra automobilistas, causando mortes e feridos vários.
Ainda nos EUA, uma velhinha de 85 anos, que tinha oferecido este jogo ao neto, resolveu processar a empresa que o comercializa, não pelo seu conteúdo extremamente violento, mas por conter cenas de sexo dissimuladas. Também a deputada Hillary Clinton (esposa do ex-Presidente Bill Clinton) centrou as suas críticas ao referido jogo baseando-se nas referências de sexo mais ou menos explícito...É esta a América puritana que não tem noção do ridículo nem dos seus cancros sociais.
As pessoas com um mínimo de sanidade mental e de valores morais ficaram horrorizadas ante estas tragédias, mas, infelizmente, muitas mentes perturbadas inspiraram-se nelas.
Por vezes é possível intervir a tempo de evitarmos mortes inúteis, pois, desde Columbine, as comunidades passaram a estar mais atentas aos sinais que conduzem a este género de tragédias. Tal foi o caso de dois adolescentes californianos (residentes na cidade de Lancaster) que, em Dezembro de 2005, foram detidos pela policia local quando estavam restes a emular o massacre de Columbine, cujos carrascos se tinham tornado os seus ídolos.
Uma vez mais, para além de investigarmos o que leva algumas pessoas a seguir caminhos sociopatas, as sociedades que permitem que as armas de fogo circulem em grandes quantidades e ao alcance d qualquer um, deveriam repensar-se e reorganizar-se.
Uma equipa de cientistas orientada pelo Dr. Thalemann, e afecta ao Instituto de Medicina Psicológica da Universidade de Charité de Berlim, recentemente divulgou um estudo seu que confirma que o vício dos videojogos tem uma génese neurocerebral semelhante ao que sucede com os viciados em álcool e/ou canabis, uma vez que os constantes estímulos dos ambientes telemáticos provocam habituação em dopamina (um neurotransmissor associado ao prazer). Como somos animais aditivos, a memória de habituação não tem nenhum mecanismo que nos diga «já chega!» no que toca ao insaciável apetite pelo prazer e pela procura dos caminhos mais curtos para as recompensas bioquímicas que o nosso cérebro nos proporciona. Apenas a realização pessoal - de forma criativa e construtiva, bem integrados na comunidade e num ambiente psicofísico que reconhecemos como o garante da nossa segurança, estabilidade e felicidade; bem como todos os valores morais que desenvolvemos e sustentamos na prossecução desse desiderato – poderá acabar com as dependências malsãs.
Bem próximo de nós, mais precisamente na cidade de Chaves, um jovem (estufador de sofás) assumidamente fã de um jogo de computador cujo enredo violento e mórbido tem uma pretensa "moralidade ecológica" (ao estilo mais radical do movimento Deep Ecology criado nos EUA). No Domingo de Páscoa de 2004, o jovem em causa apunhalou na cabeça e nas costas uma adolescente. Nas posteriores alegações à polícia, o autor deste crime bárbaro asseverou estar possuído/dominado por um dom e uma missão que se assemelham aos do seu personagem favorito do seu jogo de culto (o «Final Fantasy» da PlayStation)
Existem milhões de jovens que se divertem regularmente com de computador muito violentos, sem que haja evidências de que esse passatempo os torne a todos propensos a cometer crimes. Os jovens japoneses são pelo menos tão
viciados nestes jogos quanto os NA, e a sua banda desenhada é provavelmente a mais violenta do mundo. Não obstante, no Japão regista-se uma percentagem de crimes violentos muito inferior ao que se passa nos EUA.
À saída de um filme de acção (ou seja, cheio de cenas violentas) é normal
vermos adolescentes falarem, com trasbordante entusiasmo, sobre as atrocidades que acabaram de assistir, enquanto se empurram ou até desferem uns golpes tentando imitar os seus heróis. Comummente seguem para salões de jogos onde canalizam (de forma catártica?) esses estímulos agressivos.
É muito difícil estabelecer uma correlação óbvia entre o aumento de violência nas ruas e os vídeo jogos. Os jovens que têm transposto as suas fantasias homicidas da realidade virtual
para a sociedade humana, provêm sempre de ambientes familiares e/ou escolares muito problemáticos. A violência telemática certamente que conta para a súmula de factores de risco, mas, por si só, não transforma ninguém em psicopatas.
Um dos mais recentes e credíveis estudos feitos sobre este fenómeno polémico foi realizado por investigadores da Universidade do Missouri-Columbia (EUA). Consistiu em expor indivíduos entusiastas de longa duração de jogos de computador a imagens reais de crimes com violência explícita. Os cérebros da maioria dos analisados reagiu ou quase de forma indiferente, ou experimentando um aumento de agressividade. Em ambas as situações, os padrões cerebrais registados assemelham-se aos que se conhecem associados aos psicopatas...
Vários estudos demonstram que os padrões cerebrais dos utilizadores de videojogos são semelhantes a um estado hipnótico. Mais precisamente, esta intoxicação lúdica provoca uma diminuição de actividade no córtex pré-frontal.
A adição aos videojogos também se explica pelo facto de estarem concebidos como uma escalada de desafios e de recompensas imediatas assentes em estímulos visuais. Como resposta, a área tegmental central do cérebro humano liberta constantemente dopamina (a substância da química neural que mais associamos ao prazer) em doses que podem facilmente tornar-se viciantes.
Como o provou o Dr. Walsh, e outros neurofisiólogos , o cérebro dos adolescentes ainda não está completamente formado , sendo incapazes de assumir responsabilidades bem como o controlo dos comportamentos impulsivos, tal como o fazem os adultos.
Há ainda que considerar que os rapazes costumam ter uma atracção inata pelo perigo, afirmando-se através de actos de bravura e de bravata agressiva.
Na adolescência somos severamente perturbados por conflitos internos que não se prendem apenas com a necessidade de independência parental e com a definição da personalidade como afirmação social. Os nossos cérebros produzem um excesso de células que, teoricamente, nos poderiam facultar um potencial cognitivo quase ilimitado. O problema é que não existe nem espaço nem nutrientes suficientes para assegurar a sobrevivência de todas essas células; estas têm que competir eliminando as que menos convêm ao nosso estilo de vida. A este fenómeno chama-se Darwinismo neural.
Depois dos 25 anos de idade, as capacidades cerebrais que nunca foram utilizadas ficam seriamente comprometidas, como se nunca tivessem constado do nosso "kit de sobrevivência". Se atentarmos na complexidade dos desafios (psicofísicos) que a vida natural permanentemente submetia os nossos antepassados pré-históricos, comparando essa realidade com o moderno sedentarismo, em que nos tornámos escravos dos nossos escravos mecânicos, teremos uma vaga ideia do que estamos a perder (a propósito, Gary Snyder adianta a hipótese de ser esta a razão que justifica o facto de os presumivelmente extintos neandertais possuírem cérebros mais volumosos do que os sapiens sedentários …). É sobretudo dramático para os que desperdiçam a juventude - os anos que deveriam ser plenos de experiências formativas – viciados em ambientes telemáticos.
Há cerca de uma década Bill Gates disse que «os computadores seriam a melhor ferramenta para as pessoas socializarem no futuro». É um disparate óbvio, mas como foi dito pelo homem mais rico do mundo a sua áurea de sucesso parece impregnar de veracidade todas as suas declarações.
Outro problema grave decorrente do excesso de horas que os mais jovens despendem ligados às máquinas, em detrimento do contacto directo com outras pessoas (e, eventualmente com outros seres com os quais é possível interagir nas biorregiões por onde deambulamos) é que ficam demasiado diminuídos na capacidade essencial de aprendermos a ler e a imitar os abundantes e muitas vezes subtis sinais da linguagem corporal dos que nos rodeiam. Não à toa, pululam os mal-entendidos entre os que se comunicam por correio electrónico.
O nosso culto pelos automóveis foi percursor desse fenómeno paradoxal de um mundo onde a informação atravessa o planeta quase em "tempo real"e supostamente acessível às maças, mas parece que, cada vez mais, temos dificuldades em comunicarmos verdadeiramente. Os carros tornaram-se símbolos de status quo e funcionam igualmente como fortalezas ambulantes que nos isolam do contacto directo com os nossos pares. Assim, sinais e rituais que desenvolvemos ao longo de milhões de anos tanto para a comunicação simpática como para a contenção da violência desnecessária (mesmo que apenas verbal), ficam praticamente anulados, o que nos dá uma muito maior margem de manobra para podermos ser mais agressivos e sacanearmos os outros conservando os dentes…
Por outro lado, as empresas que promovem encontros romântico-eróticos on line, cada ano que passa têm lucros crescentes na ordem das centenas de milhões de dólares.
De uma forma bem mais triste e patética, no Japão
A indústria das personagens virtuais que tentam preencher as fantasias eróticas dos seus clientes, rende anualmente 200 mil milhões de ienes. A esmagadora maioria dos que procuram estes serviços são homens. Parece-me que tal revela uma gritante imaturidade e um egocentrismo onanista, pois erotizam preferencialmente a idealização estereotipada das mulheres, que está à medida dos seus desejos mas que não exige nenhum tipo de compromissos, dando-lhes concomitantemente uma ilusão de absoluto controlo sobre uma relação virtual - que não exige responsabilidades nem compromissos difíceis (indispensáveis à nossa maturidade social), oferecendo a "segurança" de fidelidade e da previsibilidade irrealista, para além de uma viagem que transcende os limites biofísicos que nos prendem à realidade.
Numa sociedade, como a japonesa, onde as pessoas vivem excessivamente aglomeradas em mega urbes, cabendo a cada uma um claustrofóbico espaço vital, são tremendas as dificuldades que as pessoas sentem para exprimirem as suas emoções mais intensas e íntimas. Os protocolos da vida comunitária tradicionalmente tem exigido a férrea submissão emoções. Para ambos os géneros, mostrar os dentes enquanto sorriem sempre foi considerado rude. (As mulheres chegavam a pintar os dentes de negro e a raparem as sobrancelhas, substituindo-as por umas pintadas , a fim de manterem uma aparência de insondável e passiva inexpressividade de porcelana.)
O controlo emocional destinado a manter uma aparência serena e estável, levou a que muitos adultos tenham atrofiados os músculos faciais que controlam o riso. Actualmente algumas empresas estão a dar cursos de formação aos seus funcionários para os ensinar a sorrir; não por razões de sanidade mental decorrentes do alívio de stress e da melhoria do ambiente no local de trabalho, mas porque os seus estudos de mercado demonstraram que, se sorrirem aos clientes, poderão aumentar o volume de negócios entre 30 a 50% …
Para muitos dos que têm agudas dificuldades em lidar com a frustração de não pertencerem aos círculos de poder, uma arma pode ser como uma dose de cocaína, proporcionando euforia e autoconfiança instantâneas, devido à afirmação de poder (de destruição) de quem é capaz de incutir medo colectivo – sendo amiúde confundido com o "respeito" e a admiração almejados.
Não tendo a nossa civilização rituais de passagem à idade adulta ( que sejam definitivos e orientados por adultos unanimemente respeitados), a afirmação masculina é uma constante luta de popularidade, em que os "machos Alfa" se destacam pelas cruéis humilhações que infligem aos "mais fracos", sendo quase irrelevantes os estímulos à solidariedade e à integração harmoniosa de todos os membros da comunidade. Para agravar a situação, a sociedade de consumo está obcecada pelo culto da juventude e da dominância sem escrúpulos. É como se o hipotálamo da psique colectiva estivesse saturado de testosterona na sua insaciável demanda por sexo e por violência.
Um tema recorrente nas aventuras (virtuais) dos heróis juvenis fabricados pela omnipresente indústria de entretenimento, são as vinganças e os impulsos justiceiros (independentemente da sua posição moral, imoral ou amoral) dos que fazem "justiça" pelas próprias mãos com total impunidade, desprezando as figuras (institucionalizadas) de autoridade.
Um dos factores mais apelativos dos ambientes telemáticos parece ser o de, independentemente do que aí se faça, os jogadores não podem ser responsabilizados na vida real (ou, pelo menos assim o julgam). Mas os jogos evoluíram também no sentido de permitir aos jogadores defrontarem não só as máquinas, mas outros contendores humanos, que competem a partir de qualquer ponto do mundo de forma interactiva e em tempo real. É conhecido um caso de um miúdo nos EUA que se tinha tornado exímio em eliminar as personagens manipuladas pelos seus adversários reais, mas anónimos (conhecem-se todos por alcunhas, ou " nicknames"). Os derrotados não contiveram a sua frustração encolerizada e procuraram descobrir a identidade real, bem como o sítio onde costumava jogar o seu carrasco virtual. Uma vez conseguidas essas informações, perseguiram o miúdo e tentaram assassiná-lo disparando sobre ele.
Na Coreia do Sul as autoridades viram-se obrigadas a proibir os videojogos mais violentos, pois, após alguns anos em que, cépticas,
ignoraram o problema, concluíram que estava a aumentar drasticamente a
violência (verbal e física) entre os jovens jogadores virtuais.
Numerosos casos assumiram proporções especialmente graves e
revelaram-se evidentes as suas ligações directas com os conteúdos dessa realidade paralela. Um novo género de delinquentes juvenis (apelidados de "jogadores assassinos") transpuseram as suas rivalidades da liça virtual para a vida real, sem terem uma clara noção de onde se encontrava a fronteira entre esta e os ambientes telemáticos tão do seu apreço onde tudo é permitido, tornando-os “pequenos deuses”.
Naquele que se tornou o mais notório ataque armado de jovens a colegas
de liceu e respectivos professores e auxiliares da acção educativa,
conhecido como "o massacre de Columbine" ( a 20 de Abril de 1999) os autores desses crimes praticavam tiro, tanto com fogo real como grandes entusiastas de jogos de vídeo desse género. Os seus pais eram empregados da Lockheed Martin, fabricando armas de destruição maciça.
Em Frankfurt (Alemanha), no ano de 2002, um jovem de 17 anos tentou emular os assassinos juvenis de Columbine, fazendo outra matança no liceu do qual acabara de ser expulso. Também este adolescente alemão tinha problemas de socialização, passava imenso tempo a jogar videojogos, com destaque para o jogo on-line Counterstrike (da Microsoft) - que lhe permite assumir na primeira pessoa o papel de um franco-atirador -, era sócio de um clube de tiro e até recentemente tinha conseguido uma licença de porte de armas.
No Texas há empresas que comercializam um dispositivo que permite aos seus utilizadores (caçadores de sofá) disparar com munição verdadeira sobre animais silvestres a partir [de um jogo de] do computador.
Em 2002, ainda os NA mal tinham ultrapassado o estado de choque e iniciado os processos de luto pelas vítimas dos
atentados às torres gémeas, foram confrontados com uma nova onda de terror, desta feita protagonizada por um (?) atirador furtivo que abatia vítimas ao acaso a partir de um veículo automóvel que circulava
pelos arredores da capital, Washington DC. Quando os assassinos foram
capturados, constatou-se tratar-se de John Allen Muhammad (um
ex-veterano do exército, com 41 anos e há 17 anos convertido ao
islamismo) e do seu filho adoptivo, John Lee Malvo (um adolescente de
17 anos, de origem jamaicana). Segundo apurou a polícia, os disparos
terão sido efectuados na sua maioria por Malvo. Os testes psicológicos
revelaram que esse garoto tinha uma postura quase amoral em relação
aos crimes que cometera; era frio e metódico e obedecia ao seu tutor
com disciplina militar. John Muhammad treinara-o (para ser o seu
soldado num exército de dois) com recurso a jogos de video, como
complemento ao treino com munição real.
Durante os 11 anos que servira no exército do Tio Sam, John Muhammad
(antes conhecido como John Williams) participou na Guerra do Golfo
Pérsico (Iª parte), onde serviu incorporado ao 2º Regimento da
Cavalaria Armada, o que o obrigou a ter um contacto directo e
prolongado (através da inspecção, catalogação e destruição) com o
arsenal iraquiano de armas químicas, além da radiação radioactiva
proveniente dos mísseis estadunidenses carregados com resíduos de
urânio empobrecido. Como tal, sofria do obscuro e terrível "Síndroma
da Guerra do Golfo" (SGG). O Dr. William Baumzweiger é um neurologista
e psiquiatra que se especializou na referida doença (que se estima afecte gravemente entre 175 e 200 mil soldados estadunidenses, mas que continua a ser negada pela inteligentzia clínica dos EUA). Este médico afirma
que muitos dos que padecem de SGG apresentam comportamentos violentos
que não têm correspondência com o seu comportamento na vida civil
anterior à guerra, nem encontram explicações no actual estilo de vida
destas vítimas.
John Muhammad era um desempregado de longa duração (nutrindo um ódio
ferino e vingativo pelo seu governo por este não lhe dar um maior
apoio depois de ele ter o ter servido na guerra, o que, mais do razões
de natureza confessional, o levou a expressar a sua admiração por Bin
Laden e pelos seus métodos terroristas) e saía de um matrimónio
despedaçado (que era já o seu segundo divórcio), consumia drogas e
tinha acesso fácil a armas. No exército especializara-se como atirador utilizando uma M-16. A arma que a polícia encontrou no seu carro
aquando da sua detenção era uma Bushmaster 223, que se trata de uma
versão para civis da M-16)
Certamente que esta perigosa conjugação de factores não serve de
desculpa (nem nos tribunais, nem na opinião pública) para os
assassinatos e a campanha de terror de que ele foi o principal
responsável. Mas nós não precisamos de desculpas condescendentes e
desresponsabilizantes, nem de um agravamento do policiamento e das
medidas punitivas, precisamos de apurar as razões que levam homens a
cometer este género de agressões à sociedade, para que possamos
reflectir sobre as nossas responsabilidades colectivas e desenvolver
mecanismos sociais/educativos rumo a uma convivência pacífica, mas
esclarecida. O desarmamento da sociedade e a verdadeira democratização
do Estado são passos essenciais para alcançarmos essas metas. (entre as nações mais ricas do mundo, os EUA lideram, destacados, as mais arrepiantes estatísticas no que respeita à morte por armas de fogo nas mãos de civis.)
O exército também utiliza jogos vídeo (o famigerado Fort Bennings,
vulgo escola de terroristas e/ou assassinos, foi pioneiro na
utilização dessa tecnologia) para treinar soldados, chegando mesmo a
comercializar os seus próprios jogos (ex.: Full Spectrum Command) para aliciar novos recrutas, passar ideologias e reclamar o seu
quinhão de lucros no mercado de videojogos – que é já mais lucrativo do que os filmes de Hollywood!*-+
*-+ O realizador Peter Jackson admitiu que investiu praticamente o mesmo tempo e esforço a realizar o filme King Kong (uma parvoíce assente em efeitos especiais) do que a sua versão em jogo de computador.
As imagens que o exército mais poderoso do mundo proporciona aos canais televisivos (que comem na mão do Tio Sam corporativo-imperialista) sobre os bombardeamentos nocturnos ("com precisão cirúrgica") no Iraque, são apresentados como se se tratassem de um jogo de vídeo, mas menos excitantes, mais "limpos e silenciosos" do que estes últimos.
Durante as guerras mais mediáticas, são utilizados simuladores desenhados e animados por computador para explicar as ocorrências no terreno, bem como para examinar as capacidades destrutivas de alta tecnologia das armas mais destrutivas.
Mas até alguns porta-vozes das forças armadas estado-unidenses, bem como das empresas militares que concebem estes videojogos (ex.: Stricom), reconhecem que, por mais útil que a utilização de videojogos (simuladores de combate) sejam para a formação dos soldados (nomeadamente na sua insensibilização perante o aniquilamento de inimigos em situações reais), são perigosas as consequências de os deixarmos disponíveis e sem reservas às crianças mal orientadas e que, ao contrário do que se passa no exército, não são submetidas a uma rígida disciplina dependente de uma cadeia de comandos, onde a desobediência e outras falhas à responsabilidade ética teoricamente são punidas com severos castigos, sobretudo no que toca à utilização desautorizada de armas de fogo.
É óbvio que, quanto mais realistas forem os videojogos que induzem uma rotina de morte simulada e "violência feliz", mais facilmente se consuma uma transferência psicológica nos seus utilizadores.
A violência assim banalizada pode converter-se em perigosos treinos de assassinato – sobretudo em sociedades onde é fácil qualquer pessoa ter acesso a armas de fogo, reitero incansavelmente...
Falhámos miseravelmente em criar ambientes saudáveis para as crianças. (O especialista em violência juvenil, Dr. Garbarino , chama a esta tragédia «a traição dos adultos».) Os jovens deixaram de confiar nos mais velhos, assim como estes últimos deixaram de confiar nas instituições que era suposto zelarem pela segurança social.
Tal como é recorrente na publicidade da indústria de comida rápida e
dos refrigerantes (e, de um modo geral, quase todos os produtos
destinados a um mercado juvenil) é associado ao consumo dos seus
produtos a popularidade, o vigor e exuberância lúdica, bem como o
erotismo de jovens atraentes (sonegando completamente a natureza dos
seus ingredientes, as suas implicações sanitárias, sociais e
ambientais)
Os pais (mais uma vez para tentarem "compensar" a falta de atenção e
de educação que é devida os filhos, e tampouco querendo que estes
sofram de uma marginalização consumista em relação aos seus colegas)
oferecem aos miúdos jogos de computador, sem saberem quais os seus
conteúdos. (Ex.: Nalguns desses jogos de grande popularidade o
jogador, munido de uma pá ou de uma motosserra, é levado a
assassinar, negros – por motivações racistas, como se pode claramente
depreender pelas "bocas" asquerosas proferidas pelo psicopata virtual
-, regando-os depois com gasolina e pegando-lhes fogo. Noutras
situações decapitam garotas que fazem o papel de vítimas fáceis e
inocentes, para depois lhes urinarem em cima. Há ainda a possibilidade
de entrar em igrejas e estações de polícia e massacrar todos os que lá
se encontram... Estes jogos estão classificados para adultos, mas
qualquer garoto tem acesso a eles.)
Provavelmente o país em que os videojogos são mais populares é a Coreia do Sul, onde constituem a principal actividade de ócio. Este entretenimento (a que estão exclusivamente consagrados 3 canais televisivos nacionais) é reconhecido um desporto e uma profissão. Os jogadores profissionais mais exímios ("ciberatletas") são considerados génios e a sua popularidade (efémera) rivaliza e até supera a das maiores estrelas da música pop.
Os poderes político-corporativos têm-nos apreciado imenso pois, junto com a indústria dos telemóveis, nos últimos anos têm contribuído para o crescimento económico do país. Deste modo, as autoridades subestimaram os efeitos negativos deste novo entretenimento de massas. Os estudos sociológicos confirmam o que qualquer um pode verificar nas ruas: como consequência directa do vício dos videojogos, dispararam em flecha as taxas de insucesso e abandono escolar, divórcios, suicídios, endividamento e o crime entre os sul coreanos.
Já tinha havido alguns avisos (para quem estivesse minimamente atento) vindos dos EUA e do Japão, onde se constatou que os vídeo jogos diminuem drasticamente a capacidade de socialização, levando ao isolamento de adolescentes e de jovens adultos. Não para de aumentar a legião de jovens cibernautas que se auto enclausuram (geralmente quando vivem na casa dos pais) para jogarem o dia inteiro durante meses e até anos a fio, recusando qualquer contacto social (os familiares limitam-se a deixar-lhes a comida à porta dos quartos) e descurando completamente da higiene pessoal. Começa também a ser comum que jovens casados abandonem a família e o emprego para jogarem ininterruptamente escondidos nalgum salão especializado.
A indústria de entretenimento virtual declina quaisquer responsabilidades - os desenhadores desses jogos são considerados profissionais amorais e inimputáveis em relação às consequências sociais que possam advir das suas criações, tanto quanto um respeitável vitivinicultor o é em relação ao velho problema do alcoolismo na nossa sociedade.
No fundo todos sabemos que estes problemas são apenas sintomas de uma sociedade decadente e enferma , onde rareiam valores dignos desse nome. No entanto, seria muita ingenuidade da nossa parte não percebermos a crescente perversidade implícita na última geração de vídeo jogos, sobretudo os que são jogados on line, não tendo um objectivo final, o que faz aumentar a dependência dos jogadores (que têm vidas vazias). Um desses jogos é o «Ever Quest» (criado e comercializado pela Sony). Como não tem fim, os jogadores são estimulados a conquistar e a acumular "poder e status", que passam pela aquisição de objectos virtuais. Há quem faça batota, pagando (com dinheiro real) a terceiros para lhes conseguirem esses objectos, transferindo-os para as suas personagens virtuais. Por incrível que pareça, esta indústria paralela e ilegal movimenta anualmente cerca de 100 milhões de euros só na Coreia do Sul! Enxameando os salões de jogos on line, marginais que se dedicam a conquistar e a vender tralha virtual passaram a ganhar entre 8 a 10 euros à hora mais comida e cama.
Nos EUA uma senhora tentou processar a Sony devido ao seu filho (que se encontrava numa situação de autismo social completamente dependente dos jogos on line) se ter suicidado enquanto jogava ao Ever Quest.
Um jogo equivalente foi criado por uma empresas sueca que percebeu que o desejo de evidência e de exclusividade dos cibernautas tinha um potencial económico que em muito transcendia a mera compra de jogos imutáveis e com fins definidos. Trata-se de um mundo virtual que tenta simular o consumismo e a competição pecuniária que reina na nossa sociedade. O projecto chama-se «Entropia» e nele existe um «planeta
Calypso» onde é necessário adquirir-se bens (ex.: bebidas, roupas,
veículos, armas, casas, mobília, etc...) para continuar a jogar. Isso é
feito através de dinheiro virtual - que só pode ser adquirido debitando
dinheiro verdadeiro dos cartões de crédito dos jogadores ( e empresa que
comercializa este jogo cobra 7% de todo o dinheiro gasto nas compras
virtuais...). Em 2005 houve quem tivesse pago 25 mil euros (reais!) pelo
privilégio de possuir uma ilha privada virtual em Calypso - foi o preço da
notoriedade entre uma comunidade de cibernautas idiotas e imaturos. Apesar do
grafismo e da trama medíocre, este jogo tornou-se num sucesso que abre novas
portas para a indústria de entretenimento controlada por escroques espertalhões.
Sendo um sucesso empresarial a que deveremos estar atentos, estão a multiplicar-se este género de videojogos que vendem a ilusão de podermos ser como as celebridades de culto, contando apenas as aparências e toda a encenação de hedonismo materialista.
Os média estão saturados de violência
Os putos que provocaram o massacre no liceu de Columbine eram fãs do filme «Natural Born Killers» (aliás, enquanto planeavam o ataque homicida gratuito, referiam-se à sua "missão" com o acrónimo NBK…). E não foram os únicos adolescentes cuja sanha nemésica encontrou inspiração no referido filme. Uma série de assassinatos, mais ou menos aleatórios, têm sido perpetrados por jovens que, aparentemente, pretendiam seguir a mesma senda que os personagens principais da polémica longa metragem.
Até no Canadá (que Michael Moore aponta como um bom exemplo para contrapor a violência armada e praticamente fora de controlo que dilacera os EUA) recentemente (a 13 de Setembro de 2006) ocorreu um tiroteio na faculdade de Dawson (em Montreal) ao estilo Columbine. O tresloucado pistoleiro foi um jovem (que, como já vem sendo costume, acabou por se suicidar antes que a polícia o pudesse prender) que tinha assinalado no seu blog o filme «Assassinos Natos» (NBK) como um dos seus favoritos.
O seu realizador, Oliver Stone, defende-se da avalanche de críticas que o acusam de incitar à violência através da sua banalização humorística, asseverando que a sua obra alvo de tanta celeuma trata-se de uma sátira, em que a violência assume uma forma caricatural. A única vez que vi esse filme ainda era adolescente. Recordo-me que me pareceu óbvio que a moral da estória, acima de tudo, colocava os média no banco dos réus, enfatizando o seu sensacionalismo sem escrúpulos que serve uma ganância predatória e uma escopofilia degenerada que transformou os passivos telespectadores em vampiros de emoções ávidos da desgraça alheia; para além dos perigos que acarretam a falta de valores de toda uma sociedade composta maioritariamente por famílias disfuncionais, e a falta de perspectivas (felizes e construtivas) dos jovens.
Mas é um pau de dois bicos brincar assim com a violência. É sabido que as crianças e os adultos muito diminuídos nas suas faculdades mentais geralmente são incapazes de perceber a ironia, e quem é que ignora o facto de nos EUA imperar uma sociedade infantilizada e ignorante?
Na maior potência do mundo a violência tornou-se epidémica, com um aumento de 168% na última década! E agora já não é característica dos guetos (onde os factores de risco sócio-económicos muitas vezes levam a ilações racistas, que obnubilam as reais causas da pobreza e da injustiça e exclusão social), tendo-se alastrado aos subúrbios da classe média (que são o orgulho do país) e até das comunidades que se isolam a fim de manterem as suas crianças e modo de vida pristinos (ex.: os Amish).
PB
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