segunda-feira, abril 09, 2007

A origem do anti-semitismo

Nos seus primórdios, o cristianismo era basicamente o
judaísmo.

Transcorreram várias décadas após a alegada morte de Cristo até que os evangelhos começassem a ser escritos.

Presumivelmente, o primeiro foi o de Marcos, na década de 60 (do 1º século), pouco antes, ou no início da grande revolta judaica (66-70). O último foi o de João, lá pelo ano 90 d.C.. Mateus e Lucas empenharam-se em melhorar o texto atribuído a Marcos.

Vivia-se o paroxismo da perseguição romana contra os cristãos, e a própria comunidade judaico-cristã, que tentava reorganizar-se para sobreviver, estava a sofrer um cisma devido a irreconciliáveis conflitos internos de cariz teológico. O principal pomo de discórdia derivava da dúvida de se Jesus Cristo era, ou não, o Messias.
Como é costume, a versão que ficou para a posteridade é unilateral e não poupa esforços para denegrir os seus adversários.

A elaboração dos evangelhos reflecte o agudizar desses conflitos. Os seus autores afastaram-se gradualmente dos líderes judaicos. Os episódios e os diálogos que foram acrescentando reflectem bem/com clareza esse antagonismo azedo – que, no caso do relato da
crucificação de Cristo, acabou por originar um anti semitismo secular, pois culpabiliza todo um povo (os judeus) pela morte de Cristo, enquanto que os romanos, e particularmente o seu representante Pilatos, foram
praticamente ilibados.
(Mateus 27: 15-26 ; Marcos 15: 6-15 ; Lucas 23: 13-25 ; João 19: 1-16)

Os membros da Igreja (cristã) primitiva procuraram demarcar-se publicamente dos judeus também para não sofrerem mais represálias das autoridades romanas furiosas com a revolta na Judeia.

No evangelho de Marcos, Judas não é apresentado como um vilão traidor. Mas em Mateus (escrito 10 a 12 anos depois) Judas faz a sua aparição como o discípulo que entregou o Messias às autoridades com um beijo infame. (Não obstante, ao saber que Jesus Cristo, ao invés de, como tinha planeado, não se tinha limitado a responder perante as autoridades religiosas lideradas por Caiafás, sendo entregue aos romanos, judas apercebeu-se da gravidade da situação e, consumido por remorsos, enforcou-se.)

No evangelho de João (divulgado quando os gentios já tinham consumado a apostasia com os judeus, e os gentios já dominavam o novo culto), Judas é a encarnação do mal.

Outros escribas do Novo Testamento (ex.; Paulo e João de Ptamos) mediam as palavras e falavam metaforicamente para se referirem à opressão de Roma, mas não tiveram o mesmo pudor medroso em atacar os judeus.

Os judeus (tradicionalmente retratados com uma aparência grotesca, pelo menos a partir do séc. X) simbolizavam todos os heréticos que duvidavam da ressurreição de Cristo, renegando-o. Como tal, foram apodados de agentes de Lúcifer.

O proeminente teólogo Hipólito (170-236 d.C.) estipulou oficialmente que o Anticristo será de origem judaica, enfatizando o preconceito anti semita que frequentemente culminou em massacres gratuitos.

Hipólito era discípulo de Irineu, que, por sua vez, foi doutrinado por Policarpo, e este último pelo apóstolo João. Portanto, pertencia à linha avançada de teológos fundamentalistas que se especializaram em escatologia e na luta contra todas as formas de heresia – em especial o nascimento do gnosticismo, que perseguiram com a mesma ferocidade que dedicavam ao judaísmo e aos islamismo.

No séc. IV, o bispo Augustino destilou todo o seu ódio anti-semita enfatizando a já popular correlação entre Judas e o arquétipo dos «malditos judeus que traíram e mataram Jesus Cristo», que era facilitada até pela aproximação fonética entre as palavras judeus e Judas tanto em hebraico como em grego.

No séc. XIII, o Papa Gregório IX, O Grande, inflamou o ódio anti-semita declarando que o Talmude é de inspiração demoníaca. De seguida, organizou uma grande queima pública (em Paris) de talmudes apreendidos em quantidade tamanha que encheram 24 carroças.

(REP) Só em 1964 é que o Vaticano realizou um concílio com o propósito de ilibar os judeus pela morte de Cristo, considerando que o filho de Jeová sujeitou-se de livre vontade à sua paixão e sacrifício fatal «para nos salvar» (?!).

No livro dos Actos dos Apóstolos Pedro contraria a versão (evangélica) de Mateus quanto ao destino de Judas após a sua traição a Cristo. Assim, ao invés de Judas se ter arrependido profundamente; devolvendo o dinheiro que os sacerdotes lhe deram em troca de Cristo; suicidou-se logo a seguir, enforcando-se numa figueira; Pedro afirma que Judas usou o ignominioso pecúlio para comprar um terreno e nele viria a morrer devido a um acidente. (Pedro 1:18)

É inconcebível que Judas pudesse viver tranquilamente na comunidade hebraica após ter entregue um dos seus às forças opressoras. Certamente que, para além de ser considerado de imediato um pária, não tardaria muito a ser executado pela justiça popular devido a ter cometido o pior dos crimes para os judeus.

Para Lucas e João, Judas estava possuído pelo demónio, sem que essa apreciação tivesse qualquer intenção de o desresponsabilizar pela traição ao Messias e aos seus fiéis seguidores. Pelo contrário. Fez vingar a ideia de que os da laia de Judas (ou seja, os judeus) são mais propensos a compactuar com as forças do mal.

A biblioteca Nag Hammadi é constituída por mais de 30 documentos encontrados no sul do Egipto em 1945. Esses papiros datam dos séculos III e IV. Tratam-se de cópias em língua copta (provavelmente adaptadas do grego). As datas dos respectivos originais são impossíveis de determinar pelo simples facto de que se encontram perdidos.

Dos 114 ditos atribuídos a Jesus Cristo que podem ser encontrados nos manuscritos Nag Hammadi, 70 têm correspondência com os evangelhos canónicos.

O evangelho de Judas (que, na última década de 90, fez furor no mundo científico, mais até do que entre os teólogos) provém da mesma região, partilhando ainda a linguagem e os conceitos gnósticos.

Testes com recursos à técnica do radiocarbono apuraram que se trata de um documento original do séc. III.

O início da cristandade foi marcado por uma expansão fragmentada do culto, com numerosas seitas e grupos de oração mais ou menos heréticos a reivindicarem a exclusividade do acesso directo a Cristo e a Jeová. Os evangelhos pelos quais se guiavam ultrapassavam as 3 dezenas de versões.

No ano 180 (d.C.) o bispo Irineu destacou-se de entre a linha dura dos líderes cristãos ortodoxos (não estou a falar da que seria a Igreja do Oriente) ao ter a última palavra na escolha dos evangelhos que conhecemos no Novo Testamento. Não se sabe ao certo que critérios foram determinantes para justificar a rejeição de muitos evangelhos, escolhendo apenas 4. (a propósito, os argumentos que Irineu nos legou são idióticos e vagos, já que se limitou às premissas de que «se existem apenas 4 cantos da Terra; 4 pontos cardeais da Rosa dos Ventos e 4 ventos principais; então também só deveria haver 4 evangelhos…)

Os evangelhos então eleitos são os que apresentam uma maior clareza na exposição das ideias e que, consistentemente, obedecem a uma estrutura narrativa clássica, contando a vida de Cristo desde o seu nascimento à sua morte.

Irineu era particularmente avesso ao evangelho de Judas, quase ficando à beira de um ataque apopléctico pelo facto do homem que acreditava ter traído (de morte) Cristo ter um evangelho escrito em seu nome e que, não apenas o ilibava da traição mas, transformava-o num herói redentor que possibilitou ao Messias a libertação do seu espírito superior, deixando morrer a prisão corporal, impura pela sua humanidade. Judas é ainda retratado como o discípulo que melhor compreendia os obscuros desígnios de Cristo. Por isso, esse evangelho foi proscrito e esteve desaparecido durante 17 séculos.

1 comentário:

Rodrigo disse...

Muito bom Xando, e vejo que muito nos une. tendo um tempinho, avalie por favor meu blog, de 70 dias de vida: http://lachesisbrasil.blogspot.com/
Obrigado.
Abração,
Rodrigo