segunda-feira, maio 10, 2010




O cínico discurso eco-fascista,
por Henrique Cortez

Desde os anos 70, grupos da direita tentam se apropriar do discurso ambiental, apenas para reforçar as suas teses supremacistas, xenófobas e anti-imigração.

Parece bobagem, mas não é. O assunto foi analisado por Ben Whitford, em artigo no The Guardian, de 1°/8, com o título “Does immigration hurt the environment?” , que discute recente campanha nos EUA, com anúncios de página inteira, em veículos como New York Times, New Republic, American Prospect, Nation e Harper’s, tradicionalmente considerados liberais, defendendo políticas anti-imigração em nome do meio ambiente.

Os anúncios sugerem que a imigração causará uma explosão populacional nos EUA, dizendo, “300 milhões de pessoas, hoje, 600 milhões de amanhã”. “Pense nisso”.

A tentativa de apropriação da causa ambiental não é nova. Ela já aconteceu na Alemanha, quando Herbert Gruhl, fundador do partido verde alemão, rompeu com o partido para fundar um partido de extrema-direita ecológico. Desde então, suas idéias têm sido defendidas por grupos neo-nazistas e até pelo partido Nacional Britânico, assumidamente neo-fascista.

É evidente que são pequenos grupos, numericamente irrelevantes, mas articulados e com grande apoio financeiro. Também apóiam a tese da ampliação da energia nuclear, pretensamente limpa e são apoiados pela indústria nuclear.

Não existem provas ou avaliações cientificas que associem a imigração e a degradação ambiental nos EUA ou em qualquer outro lugar, tal como é citado no artigo de Whitford. Ele cita que cientistas, ligados ao governo norte-americano, prepararam estudo afirmando não ser possível concluir pela associação entre migração e degradação ambiental.

Mas, ainda assim, o falso argumento parece sedutor à direita religiosa e xenófoba, tradicionalmente impermeável ao tema ambiental.

Na América Latina e no Brasil, em especial, não são conhecidos grupos eco-fascistas organizados ou articulados, mas, ocasionalmente, há quem assuma este discurso.

No caso brasileiro, ele é mais visível em quem associa a pobreza com a degradação ambiental. Não são argumentos xenófobos como o norte-americano ou europeu, mas são igualmente elitistas e excludentes.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, existem uns poucos que “atacam” as favelas e a favelização como grandes ameaças ambientais, propondo medidas reurbanizadoras para proteger áreas de preservação permanente e mananciais. Este argumento é sempre baseado na remoção de favelas, como medida de “higienização” urbana e proteção ambiental.


É um argumento cínico, que ignora o acesso à moradia, à água e ao saneamento como direitos humanos fundamentais. A favelas não possuem saneamento básico e esta é a razão da contaminação de mananciais, como acontece na Billings e na Guarapiranga em São Paulo.

Na mesma linha dos anti-imigração norte-americanos e europeus, também já houve quem, em nome do meio ambiente e da segurança, defendesse o controle da natalidade nas comunidades pobres. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em outubro de 2007, chegou a defender a legalização do aborto para reduzir a violência.

Em entrevista ao Portal G1 , ele afirmou “Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal”

Infelizmente, uns poucos eco-fascistas, travestidos de ambientalistas, também apoiaram a “proposta”, como meio de reduzir a favelização.

Estes oportunistas, que se apropriam do discurso ambientalista, preferem ignorar a necessidade de saneamento, de planejamento urbano, de acesso à moradia, de educação e planejamento familiar. No fundo, apenas querem os pobres o mais longe possível. É o mesmo que desejam os xenófobos norte-americanos e europeus.

Os verdadeiros ambientalistas devem rejeitar veementemente este discurso cínico, que apenas serve como desserviço à causa.

Um ambientalista não dissocia meio ambiente de cidadania, de saúde, de direitos humanos, de educação, etc.

Os eco-fascistas podem até existir, mas não falam em nosso nome e não são nossos companheiros de caminhada.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do portal Ecodebate

[EcoDebate, 04/08/2008]

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