segunda-feira, novembro 16, 2009



Relação entre agrotóxicos, transgenicos e morte de células-humanas
“O glifosato estimula a morte das células de embriões humanos”
Por Darío Aranda, do jornal Página/12


Gilles-Eric Seralini, referência europeia no estudo de agrotóxicos, confirmou os efeitos letais do glifosato em células humanas de embriões, placenta e cordão umbilical. Alertou sobre as consequências sanitárias e ambientais, e exigiu a realização de estudos públicos sobre transgênicos e agrotóxicos. Quando publicou suas pesquisas, recebeu críticas e desaprovações. Leia a seguir.

Gilles-Eric Seralini é especialista em biologia molecular, professor da Universidade de Caen (França) e diretor do Comitê de Pesquisa e Informação sobre Engenharia Genética (Criigen). E se transformou em uma dor de cabeça para as empresas de agronegócio e para os resolutos defensores dos transgênicos. Em 2005, descobriu que algumas células da placenta humana são muito sensíveis ao herbicida Roundup (da empresa Monsanto), inclusive em doses muito inferiores às utilizadas na agricultura. Apesar de seu abundante currículo, foi duramente questionado pelas empresas do setor, desqualificado pelos meios de comunicação e acusado de “militante verde”, entendido como fundamentalismo ecológico.

Mas, em dezembro passado, voltou à tona. A revista científica Pesquisa Química em Toxicologia (Chemical Research in Toxicology) publicou seu novo estudo, em que constatou que o Roundup é letal para as células humanas. Segundo o trabalho, doses muito abaixo das utilizadas em campos de soja provocam a morte celular em poucas horas. “Mesmo em doses diluídas mil vezes, os herbicidas Roundup estimulam a morte das células de embriões humanos, o que poderia provocar mal-formações, abortos, problemas hormonais, genitais ou de reprodução, além de diversos tipos de cânceres”, afirmou Seralini em seu laboratório na França.

Suas pesquisas fazem parte da bibliografia à qual o Comitê Nacional de Ética na Ciência faz referência em sua recomendação para se criar uma comissão de especialistas que análise os riscos do uso do glifosato.

O pesquisador havia decidido estudar os efeitos do herbicida sobre a placenta humana depois que uma análise epidemiológica da Universidade de Carleton (Canadá), realizado na província de Ontário, havia vinculado a exposição ao glifosato (ingrediente base do Roundup) com o risco de abortos espontâneos e partos prematuros. Mediante provas de laboratório, em 2005, Seralini confirmou que em doses muito baixas o Roundup provoca efeitos tóxicos em células placentárias humanas e em células de embriões. O estudo, publicado na revista Environmental Health Perspectives, indicou que o herbicida mata uma grande proporção dessas células depois de apenas 18 horas de exposição a concentrações menores do que as utilizadas no uso agrícola.

Indicava ainda que esse fato poderia explicar os abortos e nascimentos prematuros experimentados por trabalhadoras rurais. Também ressaltava que, em soluções entre 10 mil e 100 mil vezes mais diluídas que as do produto comercial, ele já não matava as células, mas bloqueava sua produção de hormônios sexuais, o que poderia provocar dificuldades no desenvolvimento de ossos e no sistema reprodutivo de fetos. Alertava sobre a possibilidade de que o herbicida seja perturbador endócrino e, sobretudo, instava à realização de novos estudos. Só obteve a campanha de desprestígio.

Em 2007, publicou novos avanços. “Trabalhamos em células de recém-nascidos com doses do produto cem mil vezes inferiores às que qualquer jardineiro comum está em contato. O Roundup programa a morte das células em poucas horas”, havia declarado Seralini à agência de notícias AFP. Ressaltava que “os riscos são, sobretudo, para as mulheres grávidas, mas não só para elas”.

Em dezembro, a revista norte-americana Pesquisa Química em Toxicologia (da American Chemical Society) outorgou a Seralini 11 páginas para difundir seu trabalho, já finalizado. Focalizou-se em células humanas de cordão umbilical, embrionárias e da placenta. A totalidade das células morreram dentro das 24 horas de exposição às variedades do Roundup. “Estudou-se o mecanismo de ação celular diante de quatro formulações diferentes do Roundup (Express, Bioforce ou Extra, Gran Travaux e Gran Travaux Plus). Os resultados mostram que os quatro herbicidas Roundup e o glifosato puro causam morte celular. Confirmado pela morfologia das células depois do tratamento, determina-se que, inclusive nas concentrações mais baixas, ele causa uma grande morte celular”, denuncia na publicação, que indica que, mesmo com doses até dez mil vezes inferiores às usadas na agricultura, o Roundup provoca danos em membranas celulares e morte celular. Também confirmou o efeito destrutivo do glifosato puro, que, em doses 500 vezes menores às usadas nos campos, induz à morte celular.

Gilles-Eric Seralini tem 49 anos, nasceu na Argélia, vive em Caen, pesquisa a toxicidade de variedades transgênicas e herbicidas, é consultor da União Europeia em transgênicos e é diretor do Conselho Científico do Comitê de Pesquisa e Informação sobre Engenharia Genética (Criigen). “Publiquei três artigos em revistas científicas norte-americanas de âmbito internacional, junto com investigadores que faziam seu doutorado em meu laboratório, sobre a toxicidade dos herbicidas da família do Roundup sobre células humanas de embriões, assim como da placenta e sobre células frescas de cordões umbilicais, as quais levaram aos mesmos resultados, mesmo que tenham sido diluídas até cem mil vezes. Confirmamos que os herbicidas Roundup estimulam o suicídio das células humanas. Sou especialista nos efeitos dos transgênicos, e sabemos que o câncer, as doenças hormonais, nervosas e reprodutivas têm relação com os agentes químicos dos transgênicos. Além disso, esses herbicidas perturbam a produção de hormônios sexuais, pelo qual são perturbadores endócrinos”, afirma Seralini.

“O glifosato é menos tóxico para os ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade”, indicava uma propaganda da Monsanto há uma década, citada na extensa pesquisa jornalística “O mundo segundo a Monsanto”, de Marie-Monique Robin. No capítulo quatro, chamado “Uma vasta operação de intoxicação”, Seralini é contundente: “O Roundup é um assassino de embriões”. Fato confirmado com a finalização de seus ensaios, em dezembro de 2008.

A contundência e difusão do trabalho provocaram que a companhia de agrotóxicos mais poderosa do mundo quebrasse seu silêncio - apesar de que a sua política empresarial é não responder estudos ou artigos que não lhe sejam favoráveis. Mediante um comunicado e diante da agência de notícias AFP, a Monsanto França voltou a deslegitimar o cientista. “Os trabalhos efetuados regularmente por Seralini sobre o Roundup constituem um desvio sistemático do uso normal do produto com o fim de denegri-lo, apesar de ter se demonstrado sua segurança sanitária há 35 anos no mundo”.

A antiguidade do produto no mercado é o mesmo argumento utilizado na Argentina pelos defensores do modelo de agronegócio. As organizações ambientalistas reforçam que essa defesa tem seu próprio beco sem saída. O PCB (produto químico usado em transformadores elétricos e produzido, dentre outros, pela Monsanto) também foi utilizado durante décadas. Recebeu centenas de denúncias e foi vinculado com quadros médicos graves, mas as empresas continuavam defendendo seu uso baseado na antiguidade do produto. Até que a pressão social obrigou os Estados a realizarem estudos e, com os resultados obtidos, proibiu-se seu uso. “Com o glifosato, acontecerá o mesmo”, respondem as organizações.

Depois de uma pesquisa na Argentina do doutor Andrés Carrasco, na que se confirmou o efeito devastador em embriões anfíbios, as empresas do setor reagiram com intimidações, ameaças e pressões. Isso lhe soa familiar?

Sim, e muito. Com minhas pesquisas, as empresas também reagiram muito mal. Em vez de criticar os pesquisadores, uma grande empresa responsável que não tem nenhuma capacitação em toxicologia teria que se colocar em dúvida e pesquisar. Em dezembro de 2008, quando o nosso último artigo foi publicado, o Departamento de Comunicação da Monsanto disse que estávamos desviando o herbicida de sua função, já que ele não foi feito para atuar sobre células humanas. Esse argumento é estúpido, não merece outro qualificativo. É muito surpreendente que uma multinacional tão importante admitisse, com esse argumento, que não realiza ensaios de seu herbicida com doses baixas sobre células humanas antes de colocá-lo no mercado. Dever-se-ia proibir o produto apenas por esse reconhecimento corporativo.

Qual foi o papel dos meios de comunicação em suas descobertas?

Jornais e televisões falaram sobre os nossos estudos, se dão conta de que o mundo está se deteriorando por causa desses contaminantes, e que muitas doenças desencadeadas por esses produtos químicos já são vistas também nos animais e reduzem dramaticamente a biodiversidade. Mas também é preciso ter presente que o lobby das empresas é muito forte, que fazem chegar informações contraditóriasaos meios de comunicação, que finalmente desinformam a opinião pública e influenciam os governos.

Em 1974, a Monsanto havia sido autorizada a comercializar o herbicida Roundup, “que passaria a se converter no herbicida mais vendido do mundo”, ufana-se a publicidade da empresa. Em 1981, a companhia se estabeleceu como líder da pesquisa biotecnológica, mas recém em 1995 foi aprovada uma dezena de seus produtos modificados geneticamente, entre eles a Soja RR (Roundup Ready)”, resistente ao glifosato.

Monsanto promovia o Roundup como “um herbicida seguro e de uso geral em qualquer lugar, desde gramados e hortas, até grandes bosques de coníferas”. Também defendia que o herbicida era biodegradável. Mas, em janeiro de 2007, ela foi condenada pelo tribunal francês de Lyon a pagar multas pelo crime de “propaganda enganosa”. Os estudos de Seralini foram utilizados como prova, junto a outras pesquisas. A Justiça da França teve como eixo a falsa propriedade biodegradável do agrotóxico e até deu um passo mais: afirmou que o Roundup “pode permanecer de forma duradoura no solo e inclusive se estender para as águas subterrâneas”.

Diante da campanha de desprestígio, Seralini recebeu o apoio da Procuradoria Geral de Nova Iorque (que havia ganhado outro juízo contra a Monsanto, também por propaganda enganosa). A revista científica Environmental Health Perspectives publicou um editorial para destacar suas descobertas, e a revista Chemical Research in Toxicology se propôs publicar o esquema completo do modo de ação toxicológico.

“A Monsanto sempre entregou estudos ridículos sobre o glifosato apenas, enquanto que o Roundup é uma mistura muito mais tóxica do que só o glifosato. O mundo científico sabe disso, mas muitos preferem não ver ou não atacar as descobertas. No entanto, a empresa defendia que era inócuo. Confirmamos que os resíduos do Roundup representam os principais contaminadores das águas dos rios ou de superfície. Por outro lado, recebemos o apoio de partes dos pesquisadores que encontraram efeitos semelhantes, explicando assim abortos naturais e desastres nas faunas autóctones”, explica Seralini.

Com um mercado concentrado e um faturamento estratosférico, a indústria transgênica é denunciada por seu poder de incidência com aqueles que devem controlá-la. Até a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA (o âmbito de controle competente) é acusada de ter cedido a suas pressões. Em agosto de 2006, líderes sindicais da EPA acusaram as autoridades do organismo de ceder diante da pressão política e permitir o uso de químicos prejudiciais.

“Correm-se graves riscos em fetos, grávidas, crianças e idosos”, denunciavam. A EPA havia omitido os estudos científicos que contradiziam aqueles patrocinados pela indústria dos pesticidas. “A direção da EPA prioriza antes a indústria da agricultura e os pesticidas do que a nossa responsabilidade em proteger a saúde dos nossos cidadãos”, finalizava o comunicado.

Seralini reafirma o poder econômico das agroquímicas e lembra que as oito maiores companhias farmacêuticas são as oito maiores companhias de pesticidas e de transgênicos, dentre as quais a Monsanto tem um papel protagônico. Por isso, pede a realização urgente de testes com animais de laboratório durante dois anos, como - segundo explica - ocorre com os medicamentos na Europa.

“Há um ingrediente político e econômico no tema, claramente, do qual as companhias estão por trás”, denuncia. Ele se reconhece um obsessivo do trabalho, adverte que há uma década analisa diariamente todos os informes europeus e norte-americanos de controles sanitários de transgênicos. E não tem dúvida: “Os únicos que fazem testes são as próprias companhias, porque são ensaios caríssimos. As empresas e os governos não deixam que esses trabalhos sejam vistos. Esses estudos deveriam ser realizados por universidades públicas e deveriam ser públicos”.

“Há 25 anos trabalho com as perturbações dos genes, das células e dos animais provocadas por medicamentos e contaminantes. Advertimos o perigo existente e propomos estudos públicos. Mas, em vez de aprofundar estudos e nos reconhecer como cientistas, querem tirar importância acadêmica chamando-nos ‘militantes ambientalistas’. Sabemos claramente que o ataque provém de empresas que, se os estudos forem feitos, deverão retirar seus produtos do mercado”, denuncia Seralini, que, hoje, adverte sobre o efeito sanitário não apenas dos agrotóxicos, mas sim dos alimentos transgênicos e de seus derivados.

Ele recorda que, com o milho transgênico (também tratado com Roundup) alimentam-se os animais que depois a população come (frangos, vacas, coelhos e porcos) e explica que todos os produtos que contêm açúcar de milho (molhos, balas, chocolates e refrigerantes, dentre outros) devem ser objeto de urgentes estudos.

“Há anos trabalhamos sobre a toxicidade dos principais contaminadores. Confirmamos que o Roundup é também o principal contaminante dos transgênicos alimentares, como a soja ou o milho transgênico, o que pode levar a um problema de intoxicação dos alimentos a longo prazo”.

A afirmação de Seralini vai em sintonia com as denúncias de centenas de organizações sociais, urbanas e rurais e de movimentos internacionais como a Via Campesina (grupo internacional de agricultores, índios, sem terra e trabalhadores agrícolas), que exigem alimentos sadios.



• A reportagem é de Darío Aranda, publicada no jornal Página/12, 21-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto




Pesquisador argentino que comprovou efeitos nocivos do glifosato é perseguido



Há duas semanas, o professor de embriologia Andrés Carrasco denunciou no jornal Página/12 os efeitos devastadores do composto herbicida glifosato sobre os embriões humanos (ver ). Esperava uma reação, "mas não tão violenta": foi ameaçado, armaram uma campanha de desprestígio contra ele e até afirmaram que suas investigações não existiam.



Em entrevista publicada no jornal Página/12 em 03/05/09, Carrasco contesta e renova suas acusações contra as multinacionais da agroquímica.



Veja aqui alguns trechos:



(...)



“Você esperava uma reação como a que ocorreu?



Não. Foi uma reação violenta, desmedida e suja. Sobretudo porque não descobri nada novo, só confirmei algo a que outros haviam chegado por outros caminhos. Por isso, não entendo porque tanta agitação das empresas. É preciso lembrar que a origem do trabalho remonta a contatos com comunidades vítimas do uso de agrotóxicos. Elas são a prova mais irrefutável do que eu investiguei com um sistema e modelo experimental com o trabalho de 30 anos, e com o qual eu confirmei que o glifosato é devastador em embriões anfíbios. Mesmo em doses muito abaixo das usadas na agricultura, ocasiona diversas e numerosas deformações.



Por que a difusão se transforma em um problema?



Porque não há canais institucionais confiáveis que possam receptar pesquisas desse tipo, com poderosos interesses contrários. Então, a decisão pessoal foi torná-la pública, já que não existe razão de Estado, nem interesses econômicos das corporações que justifiquem o silêncio quando se trata da saúde pública. É preciso deixar claro: quando se tem um dado que só interessa a um círculo pequeno, podemos guardá-lo até que o tenhamos ajustado até o menor detalhe e canalizá-lo pelos meios para esse pequeno círculo. Mas quando demonstramos fatos que podem ter impacto na saúde pública, é obrigação dar-lhe uma difusão urgente e massiva.”



(...)



“Por que o setor científico não estuda?



Porque não é em todo o mundo que há essa enorme quantidade de hectares com soja como ocorre na Argentina. Há quase 18 milhões de hectares. Do ponto de vista ecotoxicológico, o que acontece na Argentina é quase um experimento em massa.”



(...)



Leia a íntegra da entrevista em:

http://tinyurl.com/adrescarrasco



N.E.: Já relatamos diversos exemplos de pesquisadores que foram execrados no meio acadêmico após divulgarem resultados de pesquisas comprovando efeitos nocivos de plantas transgênicas à saúde e ao meio ambiente. Um dos mais famosos é o do pesquisador Ignacio Chapela, da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), que em 2001 descobriu que o pólen do milho transgênico havia contaminado variedades crioulas de milho no México, centro de origem da cultura, apesar de o cultivo de milho transgênico nunca ter sido autorizado no país. Outro caso notório é o do pesquisador Arpad Pusztai, do Instituto Rowett, um dos mais renomados da Grã-Bretanha, que foi punido e demitido em 1998 após divulgar resultados negativos sobre alimentos transgênicos.



Estes e outros casos do gênero são mostrados em detalhes no filme “O Mundo Segundo a Monsanto”, da jornalista francesa Marie-Monique Robin (http://stopogm.net/?q=node/548).



3. Monsanto doa laboratório a faculdade argentina



A Monsanto, multinacional da soja transgênica e dos agrotóxicos, doou um laboratório e mais um equipamento, somando cerca de 300 mil dólares, à faculdade de Ciências Agrárias de Zavalla, na Argentina, onde todo ano se formam centenas de engenheiros agrônomos.

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