A desconexão de hábitats e o declínio global de anfíbios
De um lado, o topo dos morros da Mata Atlântica, com suas florestas que servem de moradia para diversas espécies de anfíbios (sapos, rãs e pererecas). Do outro, os vales, com seus rios, lagoas e lagos, que são um ambiente favorável para esses animais se reproduzirem. E entre esses dois ambientes, surge uma “desconexão”: áreas desmatadas, pastagens e plantações que deixam as populações de anfíbios vulneráveis, podendo até levar à extinção de algumas espécies menos resistentes, durante as viagens obrigatórias para a reprodução.
Essa hipótese — desconexão de habitats — é a explicação proposta pelos pesquisadores Carlos Guilherme Becker (Unicamp), Carlos Roberto Fonseca (UNISINOS), Célio Haddad (UNESP), Rômulo Batista (Unicamp, SDS-AM) e Paulo Inácio Prado (USP) para o problema do declínio global dos anfíbios.
Esse problema começou a ser percebido pelos cientistas a partir das décadas de 1980/1990 em todo o mundo. A idéia dos cientistas brasileiros foi bem aceita na comunidade científica. Em Dezembro último, a Revista Science publicou um artigo desses pesquisadores.
“Muitos animais adultos morrem antes de se reproduzirem. E os filhotes morrem antes de conseguirem chegar às matas”, afirma o professor Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biociências da USP.
Ele explica que, quanto maior for a desconexão entre os cursos d’água e o topo das matas, maior será a redução da riqueza de espécies de anfíbios locais. “Além disso, as espécies que dependem de rios, lagos e lagoas para se reproduzirem sofrem mais do que aqueles anfíbios que não são tão dependentes dos cursos d’água para reprodução.”
Segundo Prado, várias hipóteses já haviam sido levantadas para explicar o fenômeno do declínio global de anfíbios: a ação de agrotóxicos, de poluentes, do desmatamento e até o buraco na camada de ozônio (que prejudicaria a sensível pele desses animais).
A hipótese da desconexão de habitats começou com a pesquisa realizada por Carlos Guilherme Becker, na Unicamp. O mestrado, realizado entre 2005 e 2006 (defesa em 2007), foi feito na região rural de São Luis do Paraitinga (cidade do Vale do Paraíba a 171 km a Leste da Capital paulista). Becker montou armadilhas entre o topo das matas e o vale dos rios, o que comprovou que de fato ocorria a migração de anfíbios entre aqueles habitats.
Prado, Becker e Fonseca decidiram levar os dados para análise do professor Célio Haddad (UNESP, Rio Claro), reconhecido especialista em anfíbios. “Segundo o professor Haddad, aquelas conclusões eram bastante plausíveis e inovadoras, pois nunca havia sido feita uma pesquisa semelhante”, conta Prado. O professor Haddad realizou o inventário de 12 trabalhos de anfíbios na Mata Atlântica, abrangendo desde áreas fragmentadas, como São Luis do Paraitinga, até locais com extensa cobertura florestal, como a Reserva de Boracéia. Foi a partir daí que o artigo enviado à Revista Science foi tomando forma.
O professor Prado explica que os anfíbios têm um importante papel nos ecossistemas. Eles tanto exercem o papel de predadores de insetos e de outros invertebrados, como também fazem parte da alimentação de uma série de outros animais.
No aspecto aplicado, há também um grande potencial farmacêutico, por meio do uso de algumas substâncias encontradas em sua pele e órgãos.
Outro dado interessante apontado pelo professor Prado é que anfíbios são um dos grupos de vertebrados mais diversificados. “No Brasil, existem cerca de 550 espécies de mamíferos (5 mil no mundo). Já em relação aos anfíbios, são cerca de 700 no Brasil (6 mil no mundo). Um terço de todas as espécies está sob algum tipo de ameaça”, conclui.
As pesquisas reuniram pesquisadores dos projetos “Biodiversidade e Processos Sociais em São Luiz do Paraitinga” e “Diversidade de Anfíbios Anuros do Estado de São Paulo”, ambos do Projeto Biota-FAPESP. Também contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Universidade Vale dos Sinos (UNISINOS-RS).
Por: Valéria Dias Jornalista da Agência USP
Fonte: Revista Eco 21
Insetos: Sumiço de abelhas e o caos no trânsito
O que tem a ver o recente sumiço das abelhas em várias partes do mundo com os imensos congestionamentos que infernizam a vida dos cidadãos das grandes cidades? Mais do que parece. O caos do trânsito, resultado da primazia do transporte individual, tem dramáticos efeitos sobre o tempo e a saúde das pessoas. Ao lado da emissão de gases e toxinas industriais, a poluição do ar por veículos é variável crítica tanto do aquecimento global e dos efeitos no clima como de doenças.
A British Air Foundation conduziu pesquisas provando que bastam seis horas pedalando no tráfego intenso para causar danos aos vasos sangüíneos, tornando-os menos flexíveis, reduzindo proteínas que previnem coágulos e favorecendo riscos cardíacos.
O Laboratório de Poluição Atmosférica da USP estima que a poluição ambiental encurte em média dois anos da vida do paulistano.
O índice de abortos também aumenta, porque o fluxo arterial na placenta diminui; e há suspeitas de efeitos severos na fertilidade. Dados do banco de sêmen do hospital Albert Einstein confirmam que a concentração de espermatozóides no sêmen dos paulistanos caiu significativamente nos últimos dez anos. Entre as hipóteses estão poluição, excessivo consumo de produtos industrializados, estresse, medicamentos, produtos para queda de cabelo, exposição à radiação, substâncias tóxicas dos plásticos de embalagem, pesticidas e outros venenos da vida moderna.
"São coisas que as pessoas vão incorporando em sua dieta e fazem um estrago tremendo nas mitocôndrias e no DNA, causando não só a morte celular como também danos à motilidade e à morfologia", afirma Dirceu Mendes Pereira, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana. Porém, o século 21 ficará conhecido como a era do automóvel popular.
Carros de US$ 6.000, produzidos no padrão chinês, abarrotarão o mundo e farão crescer a degradação ambiental gerada ao fabricá-los e usá-los. Logo agora, quando questões vitais relativas ao clima e à saúde humana exigiriam o abandono radical do transporte individual em benefício do coletivo.
Mas, como convencer o cidadão chinês, indiano ou brasileiro de que a festa vai acabar justo quando ela chega à sua porta? Ou as grandes corporações globais, que já fazem os cálculos dos lucros em grande escala propiciados por essa nova fronteira de acumulação no "mercado dos pobres"?
Mas o que têm abelhas com isso? Muito. No último outono do hemisfério Norte, elas deram para desaparecer. O mesmo fenômeno foi notado em vários países, inclusive no Brasil, causando perplexidade entre cientistas, apicultores, que chegaram a perder 50% de suas colméias, e ecologistas, todos alarmados com os danos ao ambiente e à agricultura se uma crise permanente ocorrer.
Afinal, abelhas são os grandes polinizadores naturais que viabilizam a formação de frutos e sementes. Cientistas da Universidade Harvard fazem hipóteses que incluem intoxicação por inseticidas, infecções por vírus e até radiação de telefones celulares.
Quanto aos pesticidas, há inúmeras tragédias humanas que alguns já causaram. Por que não atingiriam as abelhas? Nos anos 1970-80, utilizados nos bananeirais da América Central, esterilizaram 30 mil homens.
Na ilha de Kyushu, no Japão, milhares de pessoas que consumiram óleo de arroz contaminado por dibromo cloropropano ficaram doentes e 112 morreram de intoxicação aguda, câncer e outras afecções; seus filhos herdaram distúrbios imunológicos e do desenvolvimento.
A OMS estimou em 3 milhões o número de casos de contaminação desse tipo no mundo. Resíduos tóxicos como metais pesados são encontrados em animais das regiões mais distantes do mundo, numa poluição sistêmica global que atinge vegetais e humanos.
Quanto às ondas magnéticas, o planeta se tornou um imenso emissor delas, produto das múltiplas transmissões de rádio, TV, celular e radar, cujas conseqüências exatas sobre o meio ambiente e a saúde humana estamos longe de conhecer.
Basta imaginar a brutal quantidade de emissão de ondas que poluem o espaço para que funcionem os 2 bilhões de celulares que abarrotam nosso globo. É razoável supor que afetem as abelhas?
Aprendiz de feiticeiro, nossa civilização só desperta para os perigos de seus caminhos tecnológicos quando tragédias acontecem. O sumiço temporário das abelhas pode ser mais um grave sintoma para que fiquemos em estado de alerta.
Autoria: Gilberto Dupas, 64, é presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP. É autor de "O Mito do Progresso", entre outras obras.
De um lado, o topo dos morros da Mata Atlântica, com suas florestas que servem de moradia para diversas espécies de anfíbios (sapos, rãs e pererecas). Do outro, os vales, com seus rios, lagoas e lagos, que são um ambiente favorável para esses animais se reproduzirem. E entre esses dois ambientes, surge uma “desconexão”: áreas desmatadas, pastagens e plantações que deixam as populações de anfíbios vulneráveis, podendo até levar à extinção de algumas espécies menos resistentes, durante as viagens obrigatórias para a reprodução.
Essa hipótese — desconexão de habitats — é a explicação proposta pelos pesquisadores Carlos Guilherme Becker (Unicamp), Carlos Roberto Fonseca (UNISINOS), Célio Haddad (UNESP), Rômulo Batista (Unicamp, SDS-AM) e Paulo Inácio Prado (USP) para o problema do declínio global dos anfíbios.
Esse problema começou a ser percebido pelos cientistas a partir das décadas de 1980/1990 em todo o mundo. A idéia dos cientistas brasileiros foi bem aceita na comunidade científica. Em Dezembro último, a Revista Science publicou um artigo desses pesquisadores.
“Muitos animais adultos morrem antes de se reproduzirem. E os filhotes morrem antes de conseguirem chegar às matas”, afirma o professor Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biociências da USP.
Ele explica que, quanto maior for a desconexão entre os cursos d’água e o topo das matas, maior será a redução da riqueza de espécies de anfíbios locais. “Além disso, as espécies que dependem de rios, lagos e lagoas para se reproduzirem sofrem mais do que aqueles anfíbios que não são tão dependentes dos cursos d’água para reprodução.”
Segundo Prado, várias hipóteses já haviam sido levantadas para explicar o fenômeno do declínio global de anfíbios: a ação de agrotóxicos, de poluentes, do desmatamento e até o buraco na camada de ozônio (que prejudicaria a sensível pele desses animais).
A hipótese da desconexão de habitats começou com a pesquisa realizada por Carlos Guilherme Becker, na Unicamp. O mestrado, realizado entre 2005 e 2006 (defesa em 2007), foi feito na região rural de São Luis do Paraitinga (cidade do Vale do Paraíba a 171 km a Leste da Capital paulista). Becker montou armadilhas entre o topo das matas e o vale dos rios, o que comprovou que de fato ocorria a migração de anfíbios entre aqueles habitats.
Prado, Becker e Fonseca decidiram levar os dados para análise do professor Célio Haddad (UNESP, Rio Claro), reconhecido especialista em anfíbios. “Segundo o professor Haddad, aquelas conclusões eram bastante plausíveis e inovadoras, pois nunca havia sido feita uma pesquisa semelhante”, conta Prado. O professor Haddad realizou o inventário de 12 trabalhos de anfíbios na Mata Atlântica, abrangendo desde áreas fragmentadas, como São Luis do Paraitinga, até locais com extensa cobertura florestal, como a Reserva de Boracéia. Foi a partir daí que o artigo enviado à Revista Science foi tomando forma.
O professor Prado explica que os anfíbios têm um importante papel nos ecossistemas. Eles tanto exercem o papel de predadores de insetos e de outros invertebrados, como também fazem parte da alimentação de uma série de outros animais.
No aspecto aplicado, há também um grande potencial farmacêutico, por meio do uso de algumas substâncias encontradas em sua pele e órgãos.
Outro dado interessante apontado pelo professor Prado é que anfíbios são um dos grupos de vertebrados mais diversificados. “No Brasil, existem cerca de 550 espécies de mamíferos (5 mil no mundo). Já em relação aos anfíbios, são cerca de 700 no Brasil (6 mil no mundo). Um terço de todas as espécies está sob algum tipo de ameaça”, conclui.
As pesquisas reuniram pesquisadores dos projetos “Biodiversidade e Processos Sociais em São Luiz do Paraitinga” e “Diversidade de Anfíbios Anuros do Estado de São Paulo”, ambos do Projeto Biota-FAPESP. Também contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Universidade Vale dos Sinos (UNISINOS-RS).
Por: Valéria Dias Jornalista da Agência USP
Fonte: Revista Eco 21
Insetos: Sumiço de abelhas e o caos no trânsito
O que tem a ver o recente sumiço das abelhas em várias partes do mundo com os imensos congestionamentos que infernizam a vida dos cidadãos das grandes cidades? Mais do que parece. O caos do trânsito, resultado da primazia do transporte individual, tem dramáticos efeitos sobre o tempo e a saúde das pessoas. Ao lado da emissão de gases e toxinas industriais, a poluição do ar por veículos é variável crítica tanto do aquecimento global e dos efeitos no clima como de doenças.
A British Air Foundation conduziu pesquisas provando que bastam seis horas pedalando no tráfego intenso para causar danos aos vasos sangüíneos, tornando-os menos flexíveis, reduzindo proteínas que previnem coágulos e favorecendo riscos cardíacos.
O Laboratório de Poluição Atmosférica da USP estima que a poluição ambiental encurte em média dois anos da vida do paulistano.
O índice de abortos também aumenta, porque o fluxo arterial na placenta diminui; e há suspeitas de efeitos severos na fertilidade. Dados do banco de sêmen do hospital Albert Einstein confirmam que a concentração de espermatozóides no sêmen dos paulistanos caiu significativamente nos últimos dez anos. Entre as hipóteses estão poluição, excessivo consumo de produtos industrializados, estresse, medicamentos, produtos para queda de cabelo, exposição à radiação, substâncias tóxicas dos plásticos de embalagem, pesticidas e outros venenos da vida moderna.
"São coisas que as pessoas vão incorporando em sua dieta e fazem um estrago tremendo nas mitocôndrias e no DNA, causando não só a morte celular como também danos à motilidade e à morfologia", afirma Dirceu Mendes Pereira, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana. Porém, o século 21 ficará conhecido como a era do automóvel popular.
Carros de US$ 6.000, produzidos no padrão chinês, abarrotarão o mundo e farão crescer a degradação ambiental gerada ao fabricá-los e usá-los. Logo agora, quando questões vitais relativas ao clima e à saúde humana exigiriam o abandono radical do transporte individual em benefício do coletivo.
Mas, como convencer o cidadão chinês, indiano ou brasileiro de que a festa vai acabar justo quando ela chega à sua porta? Ou as grandes corporações globais, que já fazem os cálculos dos lucros em grande escala propiciados por essa nova fronteira de acumulação no "mercado dos pobres"?
Mas o que têm abelhas com isso? Muito. No último outono do hemisfério Norte, elas deram para desaparecer. O mesmo fenômeno foi notado em vários países, inclusive no Brasil, causando perplexidade entre cientistas, apicultores, que chegaram a perder 50% de suas colméias, e ecologistas, todos alarmados com os danos ao ambiente e à agricultura se uma crise permanente ocorrer.
Afinal, abelhas são os grandes polinizadores naturais que viabilizam a formação de frutos e sementes. Cientistas da Universidade Harvard fazem hipóteses que incluem intoxicação por inseticidas, infecções por vírus e até radiação de telefones celulares.
Quanto aos pesticidas, há inúmeras tragédias humanas que alguns já causaram. Por que não atingiriam as abelhas? Nos anos 1970-80, utilizados nos bananeirais da América Central, esterilizaram 30 mil homens.
Na ilha de Kyushu, no Japão, milhares de pessoas que consumiram óleo de arroz contaminado por dibromo cloropropano ficaram doentes e 112 morreram de intoxicação aguda, câncer e outras afecções; seus filhos herdaram distúrbios imunológicos e do desenvolvimento.
A OMS estimou em 3 milhões o número de casos de contaminação desse tipo no mundo. Resíduos tóxicos como metais pesados são encontrados em animais das regiões mais distantes do mundo, numa poluição sistêmica global que atinge vegetais e humanos.
Quanto às ondas magnéticas, o planeta se tornou um imenso emissor delas, produto das múltiplas transmissões de rádio, TV, celular e radar, cujas conseqüências exatas sobre o meio ambiente e a saúde humana estamos longe de conhecer.
Basta imaginar a brutal quantidade de emissão de ondas que poluem o espaço para que funcionem os 2 bilhões de celulares que abarrotam nosso globo. É razoável supor que afetem as abelhas?
Aprendiz de feiticeiro, nossa civilização só desperta para os perigos de seus caminhos tecnológicos quando tragédias acontecem. O sumiço temporário das abelhas pode ser mais um grave sintoma para que fiquemos em estado de alerta.
Autoria: Gilberto Dupas, 64, é presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP. É autor de "O Mito do Progresso", entre outras obras.
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