sábado, abril 22, 2006

Um pouco de reflexão filosófica sobre a predominância do egoísmo na coisa pública.

O filósofo Jacques Lacan debruçou-se sobre a futilidade dos nossos caprichos egoístas e concluiu que o nosso valor e a integridade radicam nos ideais que reflectem o bem comum, na valorização da vida dos outros (no sentido mais lato, vistos como essenciais à nossa segurança e felicidade), ao ponto de nos predispormos ao auto sacrifício altruísta. Mais de um século antes, o inglês John Ruskin observou como a revolução industrial pervertia os melhores valores humanos, escravizando a massa operária e acabando com o ambiente saudável, apenas par alimentar a obsessão das elites vitorianas pela riqueza material. Para Ruskin (cuja influência marcou profundamente até Mahatma Ghandi) a verdadeira riqueza não estava na acumulação e ostentação do símbolos de poder e de prestígio social. As jóias e o dinheiro nas mãos de uns poucos são uma afronta à generalidade da população explorada que não consegue ver as suas necessidades e direitos básicos satisfeitos. Merece o nosso total desprezo a pletora de luxos fúteis à custa da desgraça alheia. Ruskin procurava a felicidade (colectiva) na inteligência, na cultura, na bondade, na generosidade, na cooperação, na honestidade, na liberdade e na justiça, bem como nas habitações dignas, na alimentação adequada, nos espaços verdes e todos o bens ambientais a que todos temos direito. «É do senso comum que o poder [mundano], quer seja de cariz monástico, aristocrata, ou “democrático”, quer se baseie na força bruta, na hereditariedade, na eleição por sufrágio, é sustentado por indivíduos que não são melhores nem piores do que qualquer um de nós, mas cujas posições [sociais] os expõem às maiores tentações do mal. Elevados [por] sobre a multidão (que logo aprendem a desprezar), acabam por se considerar como seres superiores; solicitados pelas numerosas formas da ambição, vaidade, ganância e caprichos, ficam facilmente receptivos à corrupção que uma miríade de incensantes interesses não cessa de os assediar a fim de beneficiar com os seus vícios.» - Elisèe Reclus Mas temos que analisar as razões que impelem os adolescentes a emular estes modelos comportamentais, e tentar corrigir esta situação, ao invés de sorrirmos complacentemente quando vemos os putos recorrer ao apoio financeiro e logístico dos partidos políticos, e depois irem brincar às eleições alardeando (para as suas “listas”) um monte de promessas que todos sabem serem vãs. Claro que o que é mesmo obsceno e imoral é os partidos políticos quererem predar nos liceus, na esperança de recrutar para as suas fileiras jovens ambiciosos que são treinados , como complemento ao ensino formal, na bajulação, na hipocrisia, na competição e nos conluios desleais. Se a vida lhes correr bem, anos mais tarde irão desempenhar cargos públicos e lidar com pastas sobre matérias que não dominam minimamente (nem sequer deixam os seus técnicos subalternos pronunciar-se com honestidade, pois a permanente precariedade do emprego obriga muito a prostituírem os seus valores), tendo apenas como propósito servir os interesses dos poderosos que lhe financiaram as carreiras políticas, ao invés de servir o bem comum. É sobretudo para esta merda que, infelizmente, está vocacionado o ensino formal, mesmo que ainda haja uma réstia de boa vontade e de ideais em alguns professores. A competição exacerbada que domina a nossa sociedade é u reflexo da total falência do nosso sistema de ensino que açula as crianças contra os seus companheiros de escola, por forma a que apenas seja possível criar uma elite de “vencedores” porque estes se destacam da maioria dos “perdedores” (que, na maioria das vezes, já o são à partida…). A competição – entenida como a manifestação de um instinto egoísta – é sinónimo de dissipação de energia, enquanto que a cooperação é o segredo da produção eficiente.» - Edward Bellamy [Por contraste,] «as abordagens não cooperantes quase sempre envolvem a duplicação desnecessária de esforços, uma vez que alguém trabalhando de forma solitária inevitavelmente tem que despender muito tempo a capacidades na resolução de problemas, cujas soluções provavelmente já foram encontradas por outras pessoas. (…) as punições e os prémio/subornos são dois lados da mesma moeda, e com esta não vamos longe. » - Alfie Kohn (93) Sobejam estudos que demonstram com evidência que, quanto mais engajamos os miúdos no sistema de subornos e de punições, mais depressa perdem o interesse pelo conhecimento e aperfeiçoamento de habilidades úteis, externas ficando obcecados por recompensas. No fundo, o sucesso é um reconhecimento que deriva dos outros, podendo, ou não, ter qualquer relação com s reais capacidades dos indivíduos. Algumas das pessoas mais talentosas (em expressões intelectuais e artísticas actualmente valorizadas) que eu conheço mantêm-se arredadas (geralmente por moto próprio) das luzes da ribalta, enquanto que, por outro lado, os média regurgitam constantemente “ídolos” fabricados à pressão pela indústria de entretenimento para idiotas, sem que algum talento extraordinário seja uma prerrogativa na fórmula do sucesso instantâneo. Esta é uma velha questão que já era burilada pelos filósofos gregos e romanos, e até pelos políticos da antiguidade. Por ex., o Imperador (romano) Marco Aurélio (que desprezava o povo que sustentava a sua vida opulenta) afirmou que «o nosso valor tem pouco que ver com aquilo que o outros pensam de nós». Por seu turno, o filósofo alemão Arthur Shopenhauer advertiu para que não déssemos muita importância ao que os outros pensam d nós, sem nos questionarmos sobre quais os valores em que baseiam esses julgamentos, concluindo que « a cabeça os outros é um sítio demasiado horrível para aí encontrarmos nossa felicidade.»
Esta soberba misantropia é uma atitude defensiva perante a hostilidade inerente às sociedades massificadas, e, logo, desumanizadas (ou seja, destribalizadas) , onde o egoísmo se impôs à solidariedade e onde o ter eclipsou o ser. Assim, para as pessoas se poderem afirmar como indivíduos capazes e dignos de respeito e de afecto, é necessário possuírem capital, como o principal símbolo de poder e de prestígio social. O capital é o deus desta civilização, e o neoliberalismo (económico) a sua religião. O descrédito nas instituições é proporcional ao poder a que se aferram a justiça e a verdade tornaram-se dolorosas utopias.
A nossa insegurança não deriva apenas do temor excessivo aos juízos de valor de terceiros. As pessoas que têm uma obsessiva necessidade de provar que são melhores (têm habilidades e adereços superiores) que os demais, deixam claro que não se sentem suficientemente integradas, amadas e respeitadas pela comunidade. Segundo o escritor e especialista em aprendizagem cooperativa Alfie Kohn, nós destruímos o amor/gosto pela aprendizagem nas crianças, que se mostra muito forte em tenra idade, através de prémios fúteis e desrespeitosos (ex.: notas académicas, quadros de honra, brinquedos caros,..), que os iludem na ignóbil satisfação de se sentirem melhores do que os outros.» (1993) no seu livro «No Contest: The Case Against Competition» (publicado nos EUA em 1986, mas ainda por editar em Portugal), Kohn expõe e analisa 122 estudos (quase todos dirigidos por académicos independentes) sobre o mito de que a competição aumenta a produtividade. 65 desses estudos foram categóricos na conclusão de que a cooperação conduz a níveis mais elevados de realização (tanto em termos pessoais, como em produtividade colectiva) , do que a competição. Outros 36 estudos não conseguiram mostrar qualquer evidência estatística em relação às vantagens da competição.

Paulo Barreiros

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