quinta-feira, outubro 23, 2008


Agora que o consumismo natalício já começou, pelos ubíquos média, a tomar conta do espaço público, fornicando-nos o juízo, talvez valha a pena relerem o texto que publiquei algures neste blog, e que se intitula “porque cargas d´água se celebra o Natal a 25 de Dezembro”.
Enfim, apesar de não haver quaisquer provas de que Jesus Cristo de facto existiu, essa questão parece-me quase irrelevante. O meu interesse é saber quais os mitos que construíram essa personagem mitológica litúrgica e quais os propósitos políticos que serviram (e ainda servem...).
Recapitulando muito sumariamente: dos muitos mitos (solares) que tem uma estória semelhante à de Jesus Cristo (e que precedem o Messias dos Cristãos), o mais antigo que eu encontrei foi o deus Horus (uns 3 mil anos a.C.), adorado pelos antigos egípcios. Aliás, convém recordarmo-nos que foi com o faraó Aquenaton que foi primeiramente instituído o monoteísmo estatal, o que serviu de inspiração aos judeus que então tinham uma numerosa comunidade no Egipto.
Horus (que era iconograficamente representado com o corpo de homem, cabeça de falcão e um disco solar sobre a cabeça) terá nascido de uma virgem a 25 de Dezembro;
- o seu nascimento foi anunciado por uma estrela que surgiu a Este da abóbada celeste;
- 3 reis prestaram-lhe homenagem e adornaram-no ao nascer;
- aos 12 anos de idade era uma criança prodígio capaz de conversar de igual com as doutas autoridades e também doutrinar;
- aos 30 anos de idade foi baptizado, a fim de começar o seu ministério terreno (Hanop);
12 discípulos acompanhavam as suas deambulações messiânicas;
Fazia milagres, tais como curar os doentes e andar sobre a água;
Representava a luz e o bem. O seu arquiinimigo era o Deus Set, que representava a escuridão e a noite; o mal. Todos os dias, o nascimento do sol era interpretado como a vitória de Horus sobre Set. Com a chegada da noite, invertia-se o desfecho dessa batalha primordial e simbólica;
- Na longa lista de cognomes que lhe eram atribuídos, inclui-se “o cordeiro de deus”;”o bom pastor”;”a luz”,...;
- Horus foi traído por alguém próximo (Tifon), acabando os seus dias mortais numa cruz. Esteve morto por 3 dias, findos os quais, ressuscitou.
Soa-vos familiar?
No hemisfério norte não faltam mitos ancestrais que partilham estes dados biográficos.
Até na própria bíblia é comum o recurso a artifícios literários semelhantes a fetos infetos que se reciclam posteriormente como materiais de construção para “novas” personagens. No mais das vezes esses paralelismos são propositados por forma a enfatizar uma familiaridade predestinada por Jeová obstinado na sua fórmula vencedora para os judeus.
Entre muitos exemplos possíveis, veja-se o caso do José do Velho Testamento e Jesus Cristo. O tal José (que, mesmo tendo entrado como escravo no Egipto, se tornou um líder político muito próximo do faraó) é descrito como sendo fruto de um nascimento miraculoso; tinha 12 irmãos; foi vendido por 20 moedas de prata; o principal responsável por essa traição foi o seu irmão Judah; o seu trabalho como destacado líder político-religioso começou quando tinha 30 anos de idade,etc...

Debrucemo-nos agora sobre o mistério cristão dos “3 reis magos”. Das muitas teorias que tentam explicá-lo, a que se me afigura mais bonita e romântica refere-se a que se tratavam de monges budistas à procura da reencarnação do Dalai Lama, tendo-a encontrado no seio de uma família pobre de Israel. Jesus Cristo seria, então, uma das reencarnações do Buda... Mas a teoria mais plausível restringe-se a uma interpretação mitológico/astronómica.
Nas noites de Inverno, a estrela mais brilhante é Sírius. Esta, a 24 de Dezembro, alinha-se com 3 estrelas da constelação de Orion – que, tal como ainda acontece hoje, no tempo de Jesus Cristo, e muitos séculos antes deste, eram chamadas de “3 reis”. Tal alinhamento cósmico aponta para o sítio do nascimento do sol a 25 de Dezembro – que é o solstício de Inverno, representando o ponto de viragem no avanço das frias trevas e do seu domínio sobre as horas de luz. Desde o solstício de Verão até ao solstício de Inverno os dias vão encurtando gradualmente e a fecundidade da natureza parece permanecer em suspenso para tormento do homem recolector e sobretudo agricultor. A elipse solar vai ficando cada vez mais raza ao horizonte e as auroras deslocam-se para sul. A 22 de Dezembro o sol faz a sua trajectória mais baixa e nasce no seu ponto mais a sul.
Mas eis quando se dá um curioso fenômeno que era bem conhecido das antigas civilizações: o sol estanca o seu avanço para sul durante 3 dias (de 22 a 24 de Dez.). Nesse período as auroras acontecem vizinhas a uma constelação formada por uma cruz. A 25 de Dezembro o sol reinicia a sua marcha para norte e eleva a sua elipse. Daí que é comum a tantos mitos solares do hemisfério norte a idéia de morte simbólica por 3 dias, imediatamente seguida da inevitável ressurreição no solstício de Inverno.
Mas é só na Primavera (Páscoa) que se celebra a confirmação da vitória do sol e da vida.
(...)
Se não conseguirem escapar ao consumismo natalício e a sua generosidade imposta, sugiro que leiam e ofereçam o novo livro do biólogo Richard Dawkins "Deus, um delírio". Já agora, deliciem-se também com a hilariante sátira dos Monty Python intitulada "A Vida de Brian".
PB

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