domingo, outubro 29, 2006

No início dos anos 90 esforçava-me por passar pelo menos um mês por ano a
fazer trabalho voluntário no Tejo Internacional (que na altura ainda não
tinha o estatuto de Parque Natural). Decorrente da minha tarefa de vigilância,
certa feita dei por mim a espiar, clandestinamente, a preparação de uma batida de caça numa
herdade dedicada ao turismo cinegético. Estávamos em plena época de
nidificação e, mesmo onde havia uma colónia de grifos e um ninho de
cegonhas-negras muito acessível, uma horda de caçadores, apoiados por mais de 400 cães (muitos deles extraviar-se-iam, tornando-se assilvestrados e atacando os rebanhos de ovelhas da região), estavam prestes a esquadrinhar as
declivosas margens do Tejo, disparando a quase tudo o que se mexesse. Como as consequências previam-se fatídicas, apressei-me a dar ocorrência do que
tinha visto a um dirigente de uma ONGA muito ligada àquela área de grande
riqueza natural. Sem fazer muito caso do meu tom alarmado, com uma frieza
contabilista que me indignou, respondeu-me que o melhor seria não intervirmos de forma preventiva, deixando o desastre acontecer e levando lá algum jornalista para o registar. Tentou dar-me uma lição de estratégia,
argumentando que o sacrifício de umas poucas crias de aves ameaçadas poderia reverter a favor de todas as outras criaturas silvestres que queríamos
proteger, se fossemos eficientes em denunciar o caso e provocar alguma celeuma mediática. Vi naquela atitude as origens da desconfiança popular em
relação aos médicos, dizendo que estes vivem da doença, não da saúde...
Não foi por causa deste desentendimento (pacífico) que o deixei de considerar
como uma pessoa respeitável e um membro valioso na nossa ONGA, mas naquele momento compreendi o quão perigos é os técnicos do ambiente raramente saírem das suas secretárias, fechados em gabinetes com ar condicionado em cidades poluídas, e passando o dia a traduzirem a natureza por números.
Provavelmente este homem que me desapontara nunca saboreou os prazeres impagáveis de nadar num rio limpo junto de onde mora, bem como de
dormir sestas à sombra de árvores, embalado pelo coaxar das rãs; nem quando
era catraio se aventurou a roubar fruta e a espreitar ninhos. Por isso, não
acredito que saiba verdadeiramente o que custa a perda desses privilégios.
Mesmo que não fossem demasiado incertos os vaticinados benefícios, a longo
prazo, decorrentes de deixarmos, impassíveis, martirizar alguns animais que
corriam riscos de extinção, eu não poderia compactuar/concordar com o seu
plano porque, vivendo no campo e estando familiarizado com o terreno em causa, nos dois anos que precederam este episódio tinha acompanhado a nidificação daquele casal de cegonhas negras, e emocionara-me com cada momento em que os
pude observar (bem escondido e de uma longa distância), ao ponto de já as
considerar como minhas amigas e professoras de etologia. Assim, nunca poderia vê-las apenas como números ou como peões num estranho xadrez .


Quando o naturalista, poeta, ensaísta, escritor, jornalista, educador
ambiental,personalidade televisiva ligada à divulgação do património
natural e agricultor biológico, Joaquín Araújo, escrevia regularmente para a
revista espanhola "Integral",
numa crónica especialmente comovente contou sobre um costume seu de incitar alguns amigos que o visitavam na sua quinta a procurarem a árvore que mais os atraísse. Uma vez escolhida, atribuíam-he o nome da pessoa que a elegera. Uma das árvores que mais o cativara (tendo, inclusive, escrito muitos textos belíssimos à sombra da sua copa) era uma azinheira homónima da sua sobrinha. Mas a ligação entre elas duas tornou-se mais profunda do que a
fonética/nomenclatura e até que os sentimentos efémeros, (re)unindo dois
reinos que a ciência separou; duas entidades orgânicas e energéticas que as
religiões ocidentais não admitem familiaridades. É que a menina tivera uma
morte prematura, e as suas cinzas foram depositadas junto das raízes da sua árvore favorita - que continuou a dar amparo aos familiares que, com a chama do amor, continuam a manter viva a memória da criança. Joaquín Araújo termina essa crónica indagando-se sobre a razão de, ao invés de as nossas cinzas se tornarem árvores com nome, insistirmos em transformar as florestas em cinzas anónimas...

terça-feira, outubro 24, 2006

O que acontece aos povos dendrofóbicos…

A expansão do império romano pela Anatólia e por todo o Norte de África, permitiu-lhes construir de raiz faustosas cidades à medida dos seus sonhos arquitectónicos e imperialistas. Éfeso é um bom exemplo disso, com as suas amplas avenidas e abundância de colunas coríntias, estátuas de inspiração helénica, anfiteatros, aquíferos e sistemas de esgotos eficientes, etc… Éfeso era também um importante porto para todas as rotas comerciais que se desenvolviam no Mar Mediterrâneo. As suas privilegiadas características edafo-climáticas (a bacia do Mediterrâneo estava a tornar-se mais quente e húmida naquela época), possibilitaram uma intensa actividade agrícola, logo se convertendo num dos principais celeiros de Roma.
Os romanos necessitavam de muita madeira (ex.: para a construção de casas e de barcos; para a fundição de metais; para aquecimento dos seus banhos públicos e para fins culinários, etc…), tanto quanto de terras agricultadas. Assim, empenhavam-se em arrotear maciçamente as florestas que medravam onde decidiam estabelecer as suas colónias.
Para além de se situar na orla marítima, Éfeso beneficiava ainda do abastecimento constante de água potável que o rio Caester trazia das montanhas. O problema é que, com a eliminação das florestas circundantes, cada estação chuvosa castigava a cidade e os seus campos agrícolas com enxurradas medonhas, que arrastavam toda a manta morta e outros detritos de todas as dimensões, depositando-os na foz. Com o passar dos anos, esses detritos fluviais assoreados, transformaram zonas húmidas (onde antes a pesca era abundante e se podia navegar) em lodaçais cada vez maiores – que eram propícios à expansão da malária (a doença que se tornou num dos principais factores da queda do império romano). Também afastaram Éfeso (e outras cidades portuárias do império, que sofreram um declínio semelhante) do mar, tornando-a pouco atraente para o comércio marítimo. (Por incrível que pareça, o que resta dessa cidade situa-se hoje a 11 Kms do mar!)










Mais ensinamentos da floresta

Na selva Amazónia, por cada hectare podemos encontrar até 300 espécies [diferentes] de árvores. Este prodígio da biodiversidade acontece porque se trata de um ecossistema muito competitivo e propício ao desenvolvimento de uma quantidade incrível de formas de vida que se esforçam por ocupar outros tantos nichos ecológicos. É a terra das oportunidades para a vida – incluindo muitos parasitas das árvores e agentes patogénicos (ex. fungos e bactérias). Se, ao invés de optarem pela dispersão, cada espécie de árvore concentrasse os seus efectivos em determinadas áreas, tornar-se-ia presas fáceis para as doenças, bem como para os reveses aleatórios dos factores abióticos (ex.: inundações, intempéries, fogos, terramotos, …)
À medida que nos encaminhamos para latitudes mais setentrionais, a biodiversidade tende a diminuir. Assim, verificamos que, no que respeita à quantidade de espécies autóctones de árvores, os trópicos albergam 60 mil; os neotrópicos concentram metade desse valor; o reino Unido tem 39; e o Canadá, com áreas de bosque pristino de maiores dimensões do que qualquer país europeu, apenas tem 9.

sexta-feira, outubro 20, 2006



Destruição do último paraíso natural de Alpiarça. (Ao fundo estão dois agentes do SEPNA...)
Este fim-de-semana é muito provável que os perpetradores dendrofóbicos regressem para acabar o seu execrável trabalho. Temos que os travar!!!

domingo, outubro 15, 2006

Atenção, o nosso paul está novamente sob o ataque maciço das retro escavadoras e das motosserras!!! Tendo estado fora, já não o visitava há pouco mais de 2 semanas. hoje fui lá e fiquei com os tintins de rastos!... Tinham acabado de rasgar, por entre a melhor parte do salgueiral, um caminho que se dirige até à parte mais bela e sensível do paul (aquela que as crianças cham de "floresta do Harry Potter" ou ainda de "floresta encantada")!! Os cortes ainda estavam frescos (creio de devem ter sido feitos este sábado), sendo quase certo que voltarão em breve para terminar o execrável atentado ecológico. que se trata de uma pista para motards e jipeiros, não há dúvidas, mas terá sido novamente a autarquia para fazer favores ao clube de motoqueiros? Sem uma série de autorizações emitidas pelas autoridades "competentes", nem o dono do paul pode fazer tal coisa num leito de cheia que, ainda por cima, é considerado habitat de protecção prioritária para o ICN! Tratando-se aquela área de RAN e de REN (geridas pela CRAN e pela CREN, respectivamente) e, ainda por cima, fazendo parte de um leito de cheias (que é de domínio público), não se pode arrasar toda a vegetação – sobretudo a ripícola (essencialmente as árvores que seguram as margens) Por favor, vão passando por lá munidos de máquinas fotográficas e de um telemóvel, a fim de tentarmos apanhar os perpetradores em acção. Eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para que os culpados sejam punidos! já agora, avisem o SEPNA: 916097671 ou 961192278

Martin Luther King disse que «se devemos condenar esta geração, não será tanto pela iniquidade dos maus, mas pela permissividade dos bons»… (Cito de memória)